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Interrogatório à mulher de Carlos Santos Silva. Os 5 ou 10 mil euros eram para "despesas domésticas"

Inês do Rosário disse às autoridades que o marido, o empresário Santos Silva, ajudou Sócrates por amizade e para o ver "feliz". Recorda as viagens que fez, mas esqueceu-se do dinheiro que lhe entregou

Tem uma relação com o empresário Carlos Santos Silva desde 1997, mas só conheceu o grande amigo dele, José Sócrates, cinco anos depois. Inês do Rosário, licenciada em Engenharia com a especialidade em Geologia, colabora em várias empresas do companheiro como diretora comercial. É ainda responsável pela XLM, uma das empresas arguidas no processo da Operação Marquês. A 14 de abril de 2015, quando foi interrogada no Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP), levou um portfolio da empresa Proengel para explicar o que ali se fazia. Mas, nalguns momentos, foi atraiçoada pela memória. “Acha que depois de tudo o que aconteceu me lembro disso?”, chegou a dizer. Inês do Rosário é acusada de um crime de branqueamento de capitais.

Inês do Rosário: Não. Eu conheci o eng. José Sócrates no dia 6 de Setembro de 2002, quer que eu seja mais precisa? Às 21 horas e 30 minutos no restaurante tailandês.

Paulo Silva: Isso cheira-me a aniversário do…

Inês do Rosário: Exactamente… em Cascais, que era muito bom, nunca tinha provado comida tailandesa, foi a primeira vez, adorei e já fechou o restaurante é o que me consta. Foi a primeira vez que eu conheci o engenheiro.

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Rosário Teixeira: Então e isso foi ocasião do aniversário de quem?

Inês do Rosário: Dele, do eng. Sócrates. Toda a gente pensava que ia uma senhora e apareceu lá…

Rosário Teixeira: Mas, conhecia anteriormente a amizade que houve entre o …

Inês do Rosário: Sim, isso conhecia a amizade mas não conhecia pessoalmente o eng. Sócrates, conheci nesse dia

O primeiro interrogatório a Inês do Rosário decorreu quase cinco meses depois da detenção de José Sócrates e do empresário Carlos Santos Silva, detidos em dezembro de 2014. Seria nesse mês que Inês e o companheiro de há 18 anos se iriam mudar para um apartamento mesmo em frente ao Hospital dos Lusíadas, no Alto dos Moinhos, em Lisboa. Há muito tempo que Inês do Rosário, também responsável pela decoração dos escritórios do marido, andava a decorar aquela casa. Mas a mudança foi suspensa com o processo Marquês e a sua primeira consequência: as detenções.

Rosário Teixeira: Já que estamos a falar de decoração, lembra-se de ter escolhido algumas peças de arte numa galeria chamada Antiks, Antiks Design?

Inês do Rosário: Não, não sei nada… não. Isso eu ainda não tenho em casa essas peças, é a única coisa que falta na minha casa, são as peças de arte. (…)

Rosário Teixeira: Estamos a falar de autores portugueses?

Inês do Rosário: Não.

A mulher do empresário Santos Silva conheceu Sócrates num dia de aniversário do ex-primeiro-ministro. Contou às autoridades que eram amigos e viajavam juntos - e que era natural que o marido ajudasse Sócrates.

O tema decoração surgiu depois de as autoridades terem explicado a Inês do Rosário porque é que estava ali, como arguida, a prestar declarações. O Ministério Público fala em, pelo menos, nove entregas em dinheiro a José Sócrates ocorridas entre 31 de outubro de 2013 e 5 de agosto de 2014. A maior parte destes valores teria sido levantado da sua conta bancária, no Montepio Geral, e depois entregue em mãos a José Sócrates. O companheiro reembolsava-a depois. E é, por isso, acusada de um crime de branqueamento de capitais em co-autoria com José Sócrates e o companheiro, Carlos Santos Silva.

Inês do Rosário: Tem aí olhe um de 50.000,00 euros digo-lhe logo que foi para a Cena D ‘Arte com certeza; não foi para a Cena D ‘Arte, como o senhor sabe, eu andava a mudar de casa e passei um cheque da minha conta de 47.000,00, 48.000,00 euros para a Cena D ‘Arte; portanto não foi para …como o que está aqui. Foi para a empresa… foi do meu dinheiro do Montepio Geral e foi passado à Cena D ‘Arte à Elisabete Francisco, ou melhor nem para a Cena D ‘Arte, está Elisabete Francisco que é o nome da senhora.

Rosário Teixeira: E essa Cena D ‘Arte é uma sociedade que fazia o quê? Decoração da sua…?

Inês do Rosário: Decoração, é uma decoradora de interiores.

Rosário Teixeira: Não, mas aqui os que estão em causa são levantamentos em numerário.

Rosário Teixeira: E que esses numerários para mim lembro-me, recordo-me, se era dois ou três numerários e entreguei ao José… ao Perna, mas não… nunca nesses montantes, ou eram 5.000 ou no máximo 10.000. Nunca nesses montantes de 50 mil e 40 e tal mil, como está aqui. Não me recordo minimamente. Não foram assim tantas vezes, só me recordo de duas ou três vezes.

Que entregas em dinheiro são estas?

Quando foi interrogada, as autoridades fizeram um resumo das suspeitas que recaíam sobre ela. Segundo o Ministério Público, a conta da mulher de Carlos Santos Silva, no Montepio Geral, teria sido usada para fazer passar dinheiro para Sócrates. Na altura, suspeitava-se que mais de 100 mil euros teriam sido ali depositados tendo como destino o ex-governante. A arguida recusou a existência de qualquer esquema e disse só se recordar de uma vez em que o marido estava no estrangeiro e lhe pediu que fizesse uma entrega em dinheiro. Porquê? Para “ajudar” o amigo.

31 de outubro de 2013 — Carlos Santos Silva estava na Venezuela quando ligou à mulher a pedir “fotocópias”, um nome de código para o que o Ministério Público entende ser dinheiro. Mais. Pede “fotocópias mais miúdas”, que os investigadores acreditam ser sinónimo de notas de valor mais pequeno. Depois deste telefonema, Inês do Rosário faz um levantamento da conta no Montepio. Nesse dia, pelas 17h00, entrega pessoalmente a Sócrates, na casa dele, entre 5 a 10 mil euros em notas.

22 novembro de 2013 — Santos Silva estava no Brasil e pede à mulher que entregue cerca de 50 mil euros, através de um amigo, a Sócrates. Esse valor serviria para comprar livros da autoria do ex-primeiro-ministro Acabou por só ser entregue cinco dias depois, pela própria Inês do Rosário a José Sócrates.

4 de abril de 2014 — Inês do Rosário levanta 10 mil euros da sua conta no Montepio, que os entrega ao advogado Gonçalo Ferreira, que por sua vez os entrega a Santos Silva no Hotel Sana. Este leva o dinheiro a Sócrates.

17 de abril 2014 — Levanta entre 20 a 40 mil euros, que entrega ao marido, para dar a Sócrates.

12 de maio de 2014 — Entrega 10 mil euros ao motorista João Perna para entregar ao patrão, José Sócrates.

30 maio de 2014 — Inês do Rosário levanta 10 mil euros com a ajuda do advogado Gonçalo Ferreira, que faz chegar esse dinheiro ao motorista João Perna, que, por sua vez, o entrega a Sócrates. O ex-governante preparava-se para ir a Paris.

5 de junho de 2014 — Sócrates encontrava-se alojado no Hotel Pine Cliffs, no Algarve, quando Inês do Rosário levanta 10 mil euros e os entrega ao motorista João Perna.

7 de julho — Santos Silva estava na Argélia e pede à mulher para entregar dinheiro a Perna. Sócrates preparava-se para viajar para Formentera. O dinheiro foi-lhe entregue por Perna.

5 de agosto — Nova entrega a João Perna, a pedido de Carlos Santos Silva.

"Ó senhor procurador, quando ele saiu de primeiro-ministro, o que o Carlos me disse é que ia ajudar o José Sócrates, um amigo, não é?! Para mim isso era perfeitamente... devido à posição, pronto, que ele queria... até, até decidir o que queria fazer da sua vida", diz Inês do Rosário.

Rosário Teixeira: Relativamente aqui a estas entregas de numerário, estão aqui referidos uma série de ocasiões em que isso teria ocorrido, não sei se por eventualmente termos abordado isto em termos mais genéricos, em primeiro lugar, que tinham que ver com isto, isto é, se tinha a ideia ou como é que esta situação surgia, pela primeira vez, de o Carlos realizar entregas de dinheiro ao José Sócrates. Havia alguma explicação por parte do Carlos para isto, ele dizia- lhe alguma coisa ou não?

Inês do Rosário: O senhor Procurador, quando ele saiu de primeiro-ministro, o que o Carlos me disse é que ia ajudar o José Sócrates, um amigo, não é?! Para mim isso era perfeitamente … devido à posição, pronto, que ele queria … até, até decidir o que queria fazer da sua vida.

Rosário Teixeira: E essa ajuda passava por suportar um estilo de vida e fazer entregas de dinheiro.

Inês do Rosário: Para mim era ajudar, não sei… não está aqui para mim, se quer que lhe diga, não me lembro nem metade.

Rosário Teixeira: Pois é natural que não

As autoridades acreditam que estes valores eram solicitados por Carlos Santos Silva à mulher de uma forma codificada. Ou seja, sempre que Santos Silva pedia “fotocópias”, das mais “pequenas”, eram notas de valor facial mais baixo. Inês do Rosário começou por recusar que assim fosse, até porque muitas vezes falavam de apresentações das empresas que tinha que fazer e fotocopiar. Perante a falta de memória de Inês do Rosário, os investigadores decidiram confrontar a arguida com uma escuta captada a 31 de outubro de 2013, de uma conversa entre ela e o marido.

Inês do Rosário: Não me recordo minimamente de falar com o meu marido sobre fotocópias miúdas e iguais, não sei. Não me recordo

Rosário Teixeira: Pois é natural que não. Mas não tem ideia se estas conversas, de alguma forma, tinham esse cuidado de..

(…)

Inês do Rosário: É assim, havia um certo cuidado porque o senhor era uma figura mediática, não é, tinha-se esse cuidado, essa preocupação por ser o senhor quem era não é, ele tinha essa preocupação. Mas, quer dizer, ou… isto pode não ser o que os senhores estão a pensar, porque eu tratava de currículos, eu fazia os portfolios para o meu marido levar para a Venezuela, para o Brasil, às vezes as fotocópias… se calhar… eu não me recordo de falar nisso ao Carlos, de referir-me a dinheiro. Agora há… desculpem, também há escutas de ele me pedir coisas, elementos, portfolios, olhe até trago aqui um para ver o nosso trabalho, portfolios que levava para o Brasil, para a Venezuela, que eram coisas desse género, está a ver, que era o nosso trabalho, a apresentação da empresa… e às vezes era em A3, às vezes era em A4… Era conforme o que ele ia tratar… Agora isto…

(…)

Paulo Silva: Ou seja, 31 de outubro de 2013, garantidamente não foi levantar nenhum dinheiro seu da sua conta no Montepio Geral. Aqui só está a dar… está a ser dada uma desculpa ou melhor, uma justificação, por parte de Carlos, como é que havia dinheiro para lhe entregar a ele, ao eng. José Sócrates e que esse dinheiro tinha sido, de alguma forma, obtido para poder satisfazer a entrega que estava a ser feita ao eng. José Sócrates porque a senhora eng. Inês tinha ido à sua irmã levantar esse dinheiro. Era essa justificação que ele queria que você desse ao eng. José Sócrates, se ele perguntasse onde é que tinha ido buscar o dinheiro, você justificasse que tinha ido à sua irmã e a senhora eng. Inês não foi levantar nada…

Inês do Rosário: Ah pois, que eu não me recordo.

Paulo Silva: Nesse dia não foi. Agora porquê esta necessidade de justificar isto com ele?

Inês do Rosário: Ai, não sei.

Rosário Teixeira: Não terá sido esta, curiosamente, verdadeiramente, a primeira ocasião em que é a Inês a entregar-lhe e que isso, quebrando a rotina, a regra que havia de contacto directo entre o Carlos e o eng. José Sócrates, pudesse levar o eng. perguntar agora está aqui uma terceira pessoa metida nisto e que tivessem… e que fosse dada alguma justificação porque é que, pela primeira vez, era a Inês a fazer uma entrega de dinheiro?

Inês do Rosário: Porque ele estava na Venezuela, pela…

Rosário Teixeira: É verdade, mas…

Inês do Rosário: Se calhar eu tinha esse dinheiro, sei lá, não devia ser muito grande a quantia.

Paulo Silva: 5 a 10 mil

Inês do Rosário: … porque normalmente tenho em casa para as minhas despesas domésticas. Portanto…

Paulo Silva: Tem, para despesas domésticas, 5 mil ou 10 mil euros, normalmente?

Inês do Rosário: Às vezes tenho, porque ele às vezes vai para viagens fora e não leva… pronto e tenho.

Paulo Silva: Certo, certo

O procurador Rosário Teixeira recorda o episódio ocorrido a 4 de abril, o único de que Inês do Rosário parece recordar-se, porque estava a chover. Segundo ela, como se tinha esquecido de tratar do assunto e deixou passar a hora de fecho do banco, pediu à irmã — que trabalhava ao balcão de uma dependência bancária do Montepio — para fazer esse levantamento fora de horas. E foi depois entregá-lo ao ex-primeiro ministro.

Inês do Rosário: Essa lembro-me, é de 4 de Abril?

Rosário Teixeira: Certo.

Inês do Rosário: Lembro-me. Eu acho que foi esta que eu fui, estava a chover nesse dia, e que fui levantar o dinheiro da minha conta, foi essa, o Gonçalo foi comigo porque estava a chover, não é, e depois foi isso, e depois aí é que eu fui à casa do eng. José Sócrates levar essa quantia. Só me lembro dessa vez

Rosário Teixeira: A necessidade de movimentar uma conta que está em seu nome era por, por uma questão de urgência, que era preciso fazer a entrega.

Inês do Rosário: Foi um pedido, sim, tinha disponibilidade, sei lá. Aconteceu, já não me recordo.

Inês do Rosário explica que era frequente o marido deixar cheques assinados que ela ou o advogado Gonçalo Ferreira levantavam ou depositavam nas suas contas para depois levantar e fazer chegar ao ex-governante. Algumas das vezes esse dinheiro era entregue ao motorista de Sócrates, João Perna.

Rosário Teixeira: Sobre entregas ao, ao Perna.

Inês do Rosário: Lembro-me, recordo-me de duas ou três vezes. Não mais.

Rosário Teixeira: Pois, e são três vezes, salvo erro que também aqui estão referidas.

Inês do Rosário: É que não me recordo de mais.

Rosário Teixeira: … como tendo acontecido. O Perna ia aonde encontrar-se consigo? Lá nas instalações das…

Inês do Rosário: No escritório.

Rosário Teixeira: No escritório. Nunca chegou a ir à sua casa ou perto da sua casa?

Inês do Rosário: Foi uma vez perto da minha casa mas não foi entregar dinheiro, foi entregar umas malinhas que a Fernanda me pedia de uma loja de França, de Paris, que vinham pelo correio e eu pus na caixa de correio. Foram malas, pequeninas, de bolsinhas, daquelas a tiracolo. Até lhe posso mostrar.

Rosário Teixeira: Então eram também entregas ao…

Inês do Rosário: E foi porque ela era tão… pronto, está a gravar. Porque ela insistia e insistia se eu já tinha visto, se já não tinha visto, se já não se tinha, e eu não tinha visto e aquilo já estava no carro do José Sócrates há uma semana e o rapaz lá foi, deixou-me na caixa do correio, mas deixou-me umas malinhas daquelas a tiracolo, que a gente usa no verão, assim pequeninas…

Inês do Rosário comprou centenas de livros de Sócrates

Na altura do interrogatório, o Ministério Público suspeitava que Inês do Rosário tinha adquirido 821 livros A Confiança no Mundo, da autoria de José Sócrates, no valor de 14 mil euros. Teria ainda dado 3400 euros ao advogado Gonçalo Ferreira, também arguido no processo, para que ele adquirisse igualmente alguns exemplares. Já no despacho de acusação, este número é superior. Os investigadores conseguiram reunir provas e concluir que, afinal, Inês do Rosário comprou 1429 livros — no valor de 24.015,20 euros. Objetivo: colocar o livro do ex-primeiro ministro no top das vendas.

José Sócrates no lançamento do seu livro, com Mário Soares e Lula da Silva

Álvaro Isidoro / Global Imagens

Rosário Teixeira: Relativamente ao esforço de aquisição dos livros do eng. José Sócrates, aqui pelas contas, com o seu cartão, houve facturas junto da Bertrand e da Fnac relacionadas consigo, temos aqui, pelas nossas contas, 821 livros. Admite que isso possa ser um número aproximado às compras? Só nestas duas grandes superfícies?

Inês do Rosário: 821 mil?

Rosário Teixeira: 821 livros.

Inês do Rosário: Ah, livros. Isso dá quanto? Uns 17…

Rosário Teixeira: À volta de 14 mil euros.

Inês do Rosário: Da minha conta? Não tenho essa ideia.

Paulo Silva: Da sua conta só são 2.700 euros, o restante é pago em numerário.

Inês do Rosário: Prá aí.

Rosário Teixeira: Mas a minha pergunta tem que ver com a quantidade de livros. Comprou esta quantidade de livros?

Inês do Rosário: Mil e tal? Mil e quê? (…)

Rosário Teixeira: 821.

Inês do Rosário: 800… Eu comprei livros. A quantidade sinceramente não tenho ideia.

Rosário Teixeira: E não comprou umas dezenas, comprou mais de cem, de certeza.

Inês do Rosário: Sim, sim, com o Gonçalo também.

Rosário Teixeira: E o que é que fazia com esses livros depois?

Inês do Rosário: Dava ao Carlos e ele devia oferecer, sei lá!

Paulo Silva: Mas quem é que lhe pedia para fazer as compras?

Inês do Rosário: Oh. O meu marido, para não andar a fazer, se queria lá agradar lá o amigo… para ele não andar andava eu. Ofereci-me eu para fazer isso, obviamente.

Paulo Silva: Encontra uma explicação, qual era a intenção disto?

Inês do Rosário: Sei lá, era agradar ao amigo. Para o senhor ficar feliz.

As autoridades acreditam que as viagens do casal Inês do Rosário e Carlos Santos Silva com Sócrates também eram pagas pelo empresário, com dinheiro que pertenceria ao ex-primeiro-ministro e que teria uma origem ilícita. O Ministério Público tem pelo menos um registo de um pagamento de cerca de 7 mil euros numa dessas viagens. Para a companheira de Santos Silva, nada havia de errado. Eram todos amigos, viajavam juntos e, por isso, podiam pagar contas uns aos outros. Inês do Rosário recordou uma viagem a Cabo Verde, em que foram ela, Santos Silva e Sócrates, uma outra a Itália, a que se juntaram os filhos e algumas viagens onde também ia a então namorada do ex-primeiro-ministro, a jornalista Fernanda Câncio.

O Ministério Público perguntou se numa dessas viagens não teria ido uma amiga de Sócrates, de nome Célia, ao seu encontro. Inês do Rosário disse que sim, mas sem se querer alongar sobre a presença desta amiga por ocasião de uma passagem de ano.

Inês do Rosário: Ele dizia que tratava, eu ficava no quarto a arrumar as coisas e ele ia tratar do resto.

Paulo Silva: Mas pagava o vosso quarto ou pagava a despesa total?

Inês do Rosário: Acho que pagava tudo, para mim era normalíssimo que pagasse tudo.

Rosário Teixeira: Alguma vez chegou a estar…

Paulo Silva: Desculpe lá, normalíssimo porquê, por que depois…

Inês do Rosário: Então se nós estávamos os três, havia uma amizade, uma convivência…

Rosário Teixeira: E mais os filhos dele e a…

Inês do Rosário: Não, não, não. Em Cabo Verde estávamos só os três…

(…)

Paulo Silva: E na Cortina d’Ampezzo, quando foi com os filhos?

Inês do Rosário: A Cortina acho que quando ele era primeiro-ministro eram secretários dele que tratavam de tudo, portanto… quer dizer, eles escolhiam-nos os sítios mas depois…

Paulo Silva: Não tem ideia que foi o eng. Carlos Silva que pagou essa viagem?

Inês do Rosário: E assim, pagar é outra coisa, pagar… eu acho que pagamos os nossos, sim… acho que éramos nós que pagávamos. (…)

Paulo Silva: E também a deslocação do senhor eng. José Sócrates.

Inês do Rosário: Aí isso não sei.

Paulo Silva: … e dos filhos?

Inês do Rosário: … não sei…

Paulo Silva: … e da Fernanda Câncio?

Inês do Rosário: … isso não sei. Em Cortina… estamos a falar dos últimos tempos, nessas alturas não…

O procurador fez ainda pergubtas sobre a viagem a Formentera:

Rosário Teixeira: E essa deslocação e mesmo as despesas de arrendamento dessa villa foram suportadas pelo Carlos?

Inês do Rosário: Sim, penso que foi, pagas pelo Carlos. Até fui eu que tratei de algumas coisas, penso que terá sido.

Inês do Rosário diz desconhecer o negócio do Monte das Margaridas, no Alentejo, a propriedade adquirida por Sofia Fava (na foto), ex-mulher de Sócrates, com um aval de Santos Silva

NUNO VEIGA/LUSA

Inês do Rosário diz desconhecer o negócio do Monte das Margaridas, no Alentejo — a propriedade adquirida por Sofia Fava, ex-mulher de Sócrates, com o aval e uma garantia colateral de mais de 700 mil euros dada por Carlos Santos Silva. A companheira do empresário diz só soube ter sabia do assunto pela comunicação social. No entanto, admite que Sofia Fava trabalhava para o marido e fazia algumas colaborações na área da Engenharia do Ambiente. O Ministério Público perguntou-lhe se sabia que a avença de Sofia Fava era de 4800 euros, uma vez que Inês do Rosário recebia cerca de 2300 — a resposta foi que não sabia.

Quantos aos apartamentos adquiridos por Santos Silva e que o Ministério Público acredita terem sido comprados com dinheiro de Sócrates, a arguida disse ter conhecimento da aquisição do apartamento em Paris, embora nunca lá tenha estado, e das três casas da mãe de Sócrates: duas no Cacém, uma na rua Braamcamp, em Lisboa. Aliás, quanto a este último apartamento, terá sido a própria Inês do Rosário a dizer ao marido que seria um bom negócio. Porque gostava muito da casa.

Santos Silva (à direita) com Sócrates (ao centro)

O Ministério Público aproveitou para fazer perguntas sobre um episódio em que Maria do Rosário vai à casa da mãe de Sócrates, em Cascais, depois de um telefonema em que Maria Adelaide Monteiro parece muito nervosa. Tinham desaparecido mil euros do total de dinheiro que guardava em casa e suspeitava que tivesse sido uma empregada a ficar com esse valor.

Inês do Rosário: Não, eu quando cheguei à casa dela, estava muito nervosa, é que me disse que faltavam mil euros.

Paulo Silva: Certo, mas…

Inês do Rosário: Eu acho que não me foi dito ao telefone. Só vi que a senhora estava no telefone… não me recordo, também isso já foi há tanto tempo.

Rosário Teixeira: Porque é que na falta de dinheiro da parte dela fala consigo?

Inês do Rosário: Não sei. Ela… ela de vez em quando ligava-me, ela às vezes até… pronto. Estava muito sozinha, a senhora.

Rosário Teixeira: Conheceu-a nas mesmas circunstâncias, lá da festa de aniversário [de José Sócrates]?

Inês do Rosário: Não, não, não, não, não.

Rosário Teixeira: Não estava na festa de aniversário?

Inês do Rosário: Não, não estava não. Olhe, conheci a senhora acho que foi na tomada de posse dele, num almoço. (…)

Rosário Teixeira: E só dessa vez é que foi a Cascais?

Inês do Rosário: Sim.

Inês do Rosário disse no interrogatório que era frequente ter em casa 5 a 10 mil euros em dinheiro para as despesas domésticas.

Inês do Rosário levou para o interrogatório um portfolio com imagens de obras que terão sido projetadas pela empresa Proengel International, de forma a mostrar que a empresa tinha trabalho concreto para mostrar e que não tinha sido montada para fazer passar fundos com origem e destino a Sócrates. Enquanto folheia fala nas “empresas do Grupo de Carlos”, o companheiro.

Inês do Rosário: Sim, sim. Nós mostrávamos que a Proengel International é uma empresa que abarca a EFS, que é fiscalização, a Proengel que é de edifícios não é, e depois temos ainda a que era as vias de comunicação e obras de arte. Portanto, nós íamos… O Carlos quando ia para fora levava a Proengel International que englobava estas três valências. (Folheia o portfolio). Portanto, já está nos transportes. Aqui no curriculum tentava… olhe Projecto (imperceptível) em Angola, no Zaire Noqui, isto foi o estádio da Argélia. Os Planos Directores que nós fizemos eu lembro-me que era em Benguela… olhe aqui Planos Directores dos Transportes das Província de Benguela e Kwanza Norte. Aqui… isto neste momento está lá a ser executado, ganhámos a fiscalização, começou agora, e assinei o contrato em 2011.

(…)

Inês do Rosário: Já viu como o meu homem é brilhante, o meu homem é brilhante, tem tanta empresa! Pelo que você… pelo que o Público diz.

Rosário Teixeira: Isso de ter muita empresa não é… não é ser brilhante por ter muitas empresas, é preciso é que as empresas façam alguma coisa e essa…

Inês do Rosário: E fazem.

(…)

Inês do Rosário: Sabe qual é o meu trabalho? Todos os dias vou ao Diário da República ver quais são os concursos que nos interessam ou não. Isso começa aí o meu trabalho e das meninas que trabalham comigo. E a primeira coisa que a gente faz é ver se há algum… Se há algum que nos interessa, se é no nosso âmbito, da nossa valência, da nossa área de actividade eu peço o concurso.. Se é para as Estradas de Portugal ou se é para as Águas… para as Águas de Portugal, se é para aqui, para acolá… entidades públicas, não é. E há muitas entidades particulares que nos convidam, mas convidam o departamento comercial. Eu normalmente fecho propostas… as grandes, até faço com o meu marido.

Dar a cara pela XLM sem saber da parte operacional

Inês do Rosário voltou a ser interrogada em março deste ano, desta vez enquanto representante da empresa XLM – Sociedade de Estudos e Projetos Lda, também arguida no processo. Interrogada pela procuradora Ana Catalão e pelo inspetor tributário Vasco Martins, a engenheira de 48 anos recordou que começou por deter 1 por cento da empresa, para depois ficar com metade (50 por cento). E que a sociedade foi constituída para trabalhar sobretudo para o Grupo Lena.

Inês do Rosário explicou que o companheiro é que tinha um papel mais “operacional”, enquanto ela era apenas acionista. Sabe, porque este lhe contou, de alguns negócios no estrangeiro, como por exemplo na Argélia. Disse ainda saber de uma outra empresa, de nome XMI, em que os sócios eram o companheiro e os dois “irmãos” do Grupo Lena, referindo-se a António e Joaquim Barroca Rodrigues.

Inês do Rosário: O meu papel nesta sociedade era mais como accionista, a parte operacional e o gerente era o meu marido, portanto ele é que ‘tava dentro do assunto, eu não ‘tava, não é?

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