A confirmação de que a economia portuguesa continuou a crescer no terceiro trimestre chegou esta quarta-feira, 30 de novembro. O INE comunicou um aumento do PIB (produto interno bruto) em cadeia de 0,4%, maior até do que o que tinha sido apurado no segundo trimestre (0,1%), muito por conta do consumo privado, apesar da inflação elevada. Mas há sinais preocupantes, como a queda, em dois trimestres consecutivos, do investimento.

O INE já tinha revelado a estimativa rápida no final de outubro e agora confirmou-a mas deu mais pormenores sobre as várias componentes do PIB. E o investimento é mesmo o caso mais preocupante, no entender dos economistas contactados pelo Observador.

“A principal surpresa negativa foi oriunda do investimento (formação bruta de capital fixo)”, que contraiu 1,7% em cadeia depois da descida que já tinha acontecido no trimestre anterior (segundo) de 2,7%, salienta o núcleo de estudos de economia da Católica, numa nota a que o Observador teve acesso. Diz, mesmo, que “o investimento parece estar a fraquejar em 2022 após ter sido o agregado da procura que melhor resistiu à fase aguda da pandemia e confinamentos”. Para João Borges de Assunção, diretor desse núcleo, “o tema do investimento é um pouco preocupante”, acreditando que “a explicação mais simples é que a deterioração das perspetivas da economia bem como a subida dos juros está a notar-se já no investimento”.

A mesma ideia é deixada ao Observador por Pedro Braz Teixeira, diretor do Forum para a Competitividade, para quem “tudo aponta para a falta de perspetivas da economia” com possível impacto na capacidade de aumentar as vendas e, logo, limitando o investimento. Limitação ajudada, também, pela subida das taxas de juro que, se estão a aumentar para o Estado, mais estão a subir para as empresas. Segundo dados do BCE, os custos com empréstimos para empresas na zona euro já vai em 2,41%, quando no final de 2019 estava nos 1,55%.

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Fonte: BCE

Filipe Garcia, presidente e economista da IMF, lembrando que há uma parte da queda que se justifica pela variação de stock, o restante da evolução “dá a entender que os agentes económicos já se aperceberam que o ciclo económico já está a virar e sentem-se menos dispostos a investir e a endividar-se para investir, num contexto de taxas de juro mais altas”.

Também Paulo Rosa, economista sénior do Banco Carregorsa, realça que “a gradual deterioração da confiança empresarial foi responsável pela desaceleração do contributo do investimento para o PIB”. Ainda assim, os indicadores de confiança empresariais aumentaram ligeiramente em novembro, depois de terem diminuído em outubro. O BCE, por seu lado, fará nova reunião de política monetária em dezembro, tendo já antecipado nova subida, mas os indicadores da inflação na zona euro podem indicar que o novo aumento das taxas de juro poderá ser mais contigo. Também dos Estados Unidos chegam sinais de que a próxima mexida não será já tão pronunciada.

Numa conferência no Brookings Institution, esta quarta-feira, Jerome Powell, presidente da Fed, admitiu que o banco central está em posição de reduzir a dimensão das subidas de taxas no próximo mês, ainda que sustente que a política monetária se vai manter restritiva, já que, salientou, as decisões (subida de juros e redução do balanço da Fed) demora algum tempo a ter efeitos. Segundo a CNBC, os mercados já estão a antecipar 65% de probabilidade da Fed reduzir a dimensão do aumento de juros para meio ponto percentual, depois de quatro subidas consecutivas de 75 pontos base, o caminho de subida mais agressivo desde o início dos anos de 1980.

Também o BCE poderá conter uma subida mais agressiva, tendo Christine Lagarde antecipado, no entanto, já que vai começar o caminho de redução do balanço do banco central da zona euro.

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A inflação na zona euro, de acordo com o Eurostat, ficou nos 10% em novembro, um abrandamento face aos 10,6% de outubro. 14 dos 19 países analisados já sentiram uma descida da taxa no mês agora analisado. Portugal também teve uma desaceleração na taxa da subida de preços em novembro, voltando a ficar abaixo dos 10% no que respeito ao IPC (índice de preços ao consumidor).

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No capítulo do investimento nota em particular para o setor da construção, que desce há dois trimestres consecutivos. Também acaba por ficar algo influenciada pelo efeito base, já que em muitos dos trimestres anteriores foi dos setores que menos impacto sentiu com os constrangimentos relacionados com a Covid-19.

Fonte: INE

Mas além da construção, também a compra de máquinas e equipamentos registou dois trimestres consecutivos de quedas, em cadeia. Pedro Braz Teixeira acredita que esta queda também estará relacionada com a subida de preços que torna menos rentável o investimento.

Ao nível do setor público é igualmente referido o pouco efeito ainda sentido pelo PRR (Plano de Recuperação e Resiliência). “Não se nota qualquer efeito do PRR no investimento em termos agregados”, assume João Borges de Assunção.

Os pagamentos aos beneficiários do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) representam, segundo o balanço de dia 23 de novembro, 7% da dotação, atingindo 1.121 milhões de euros.

Consumo privado ainda mexe cordelinhos

Ainda que a economia portuguesa tenha crescido, em cadeia, 0,4%, mais que os 0,1% do segundo trimestre, há sinais, segundo os economistas, de que pode acontecer uma desaceleração. Em termos homólogos já se nota: no terceiro trimestre a economia subiu 4,9% face aos 7,4% do trimestre anterior.

“À medida que a desaceleração económica se instala, nomeadamente penalizada pela diminuição do rendimento disponível, em parte devido ao aumento significativo dos juros, é provável que o consumo e o investimento contribuam cada vez menos para o crescimento do PIB”, realça Paulo Rosa, economista sénior do Banco Carregosa. No segundo trimestre, segundo o INE, a taxa de poupança das famílias caiu para 5,9% do rendimento disponível bruto, uma redução de 1,4 pontos percentuais face ao trimestre anterior.

E talvez seja a utilização destas poupanças que ajude a explicar o consumo privado, que ainda ajudou ao crescimento do PIB no terceiro trimestre. “O consumo privado está resiliente, apesar da inflação”, salienta Filipe Garcia, admitindo várias explicações: “a antecipação de algumas compras, num contexto de inflação em alta, o que pode justificar o crescimento mais pronunciado de bens duradouros” e, por outro lado, “a queda do desemprego que faz com que muitos consumidores ainda não se sintam motivados a aumentar a poupança”, além “dos efeitos positivos do turismo”.

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Para Paulo Rosa, o consumo privado “está a comportar-se como era expectável, abrandando à medida que a postura do BCE, de um enérgico aumento dos juros, começa a fazer os seus efeitos”. Já a Católica não contava com o crescimento de 1% em cadeia e de 4,4% em termos homólogos desta componente, dizendo que, por isso, superou “as expetativas num contexto adverso, pautado pelo crescimento acentuado dos preços de um modo geral”.

O consumo privado teve uma variação homóloga de 4,4% no terceiro trimestre (4,6% no trimestre anterior), enquanto o consumo público aumentou 0,5% em termos homólogos, menos 1,2 pontos percentuais que no trimestre anterior. Já as despesas de consumo final das famílias residentes tiveram uma variação homóloga de 4,5% em volume no terceito trimestre, após o crescimento de 4,7% no trimestre anterior.

Estas despesas em bens não duradouros e serviços desaceleraram, de uma variação homóloga de 4,7% no segundo trimestre para 3,5% no terceiro trimestre, enquanto as despesas em bens duradouros subiram de 4,7%, no segundo trimestre para 14,7%, “observando-se uma aceleração tanto na aquisição de veículos automóveis, como nas despesas em outros bens duradouros”, explicando o INE que ainda se sentiu um efeito de base, já que no terceiro trimestre de 2021 se tinha sentido uma diminuição de 6,4%, traduzida numa redução significativa da despesa com a aquisição de veículos automóveis. Já em relação ao segundo trimestre, no que se refere como evolução em cadeia, as despesas de consumo final das famílias aumentaram 1,1% (variação de 0,7% no trimestre anterior), verificando-se crescimentos de 2,1% nas despesas em bens duradouros e de 1,0% nas despesas em bens não duradouros e serviços, realça o INE.

Paulo Rosa vê este aumento do consumo privado como estando “alicerçado numa subida, ainda que ligeira, na confiança dos consumidores portugueses na primeira metade do verão”. Em agosto as contas do turismo em termos líquidos superaram os níveis pré-pandemia de agosto de 2019, “registando um novo máximo histórico”, ainda assim insuficiente para contrariar o agravamento do défice comercial e o consequente menor contributo das contas externas para o PIB.

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No entanto, não está a conseguir introduzir crescimentos significativos ao nível das exportações. Segundo o INE, as exportações de bens e serviços “desaceleraram significativamente no terceiro  trimestre, registando uma variação homóloga de 16,8% (25,3% no trimestre anterior). As exportações de bens cresceram 11,3% no terceiro trimestre (13,6% no trimestre anterior), enquanto as exportações de serviços, apesar da desaceleração significativa, continuaram a aumentar de forma considerável, (60% no segundo trimestre e 30,1% no terceiro trimestre) refletindo, em grande parte, a dinâmica da componente do turismo”.

A evolução dos parceiros e da economia à volta de Portugal trará novos fatores de incerteza que os economistas vão assinalando. Para o Banco Carregosa, “na reta final do ano, o consumo privado deverá abrandar a sua contribuição e estima-se que o PIB do quarto trimestre desacelere do atual forte desempenho”, ainda que deverá conseguir manter “um bom desempenho no conjunto do ano”. Paulo Rosa acredita que o Governo vai conseguir atingir a projeção de crescimento de 6,5% (ainda que Fernando Medina até já tenha referido poder atingir-se os 6,7%), “mas recuar para um crescimento entre a estagnação e uma alta de 2% no quarto trimestre em termos homólogos e em cadeia inverter para negativo, após seis trimestre consecutivos de alta, desde a queda de 3,2% no primeiro trimestre de 2021”.

Não há dúvidas, para Filipe Garcia, que a economia já está a desacelerar, admitindo este economista que se consiga aguentar no quarto trimestre em terreno positivo pela robustez do consumo privado e do turismo. “Mas é preocupante a viragem de ciclo da economia global, a queda do investimento e da construção e a noção cada vez mais enraizada de que 2023 será bem mais difícil”.