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iStockphoto/teksomolika

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Isto ainda é amor ou já só somos amigos? 5 perguntas e respostas que vêm depois da paixão

Quando é que o amor se transforma apenas em companheirismo? À procura de respostas, fizemos cinco perguntas a três especialistas para ajudar a entender o que acontece depois das "borboletas".

Depois da paixão, do beijo fervoroso, das noites passadas em branco e dos encontros pensados e imaginados ao pormenor, o que fica? A estabilidade nas relações pode ser uma bênção, para uns, e um susto constante, para outros. Colocámos as mesmas perguntas a três especialistas — Júlio Machado Vaz, psiquiatra e professor universitário, Inês Afonso Marques, psicóloga infantil da Oficina de Psicologia, e Filipa Jardim da Silva, psicóloga clínica — para perceber quando e em que circunstâncias o amor romântico dá lugar apenas à amizade e ao companheirismo. As respostas não são soluções, antes post-its para reflexão futura.

Em que circunstâncias é que o amor romântico corre o risco de passar única e exclusivamente a amizade e/ou a gratidão profunda?

Júlio Machado Vaz: Amizade e gratidão não são sinónimos, podemos estar gratos a alguém de quem não somos amigos. Tomemos a amizade. Na clínica oiço casais dizerem que se tornaram mais dois amigos do que um casal unido pelo “amor romântico”. Alguns dizem-no de um modo absolutamente pacificado: a ternura, a cumplicidade, a vida construída a dois e a solidariedade chegam-lhes perfeitamente e o sexo puro e duro foi adormecendo… sem lhes provocar insónias. Outros interrogam-se sobre a razão para a vertente erótica se ter perdido e lamentam-no, procuram ajuda para a recuperar. Em geral, a fronteira porosa entre o amor romântico e a amizade é transposta com o tempo e o envelhecimento. E aqui o adjetivo “romântico” é duplamente justificado porque, para mim, a amizade é também uma forma de amor.

Inês Afonso Marques: Quando reflito sobre o amor e relações amorosas costumo ter em consideração a teoria triangular do amor de Robert Sternberg e também a investigação de John Gottman. Sternberg conceptualiza o amor através da conjugação de três “vértices”: compromisso, intimidade e paixão, que conciliados entre si resultam em diferentes expressões ou vivências do amor. Na realidade, qualquer vivência do amor pode sofrer transformações, decorrentes de vários processos internos e/ou contextuais. O amor romântico é aquele que tem na sua base a intimidade e a paixão. A paixão é habitualmente o estímulo inicial de uma relação amorosa, sendo uma espécie de impulso que aproxima duas pessoas; com o passar do tempo a intimidade pode aprofundar-se, surgindo assim o amor romântico. Mas o processo não é necessariamente este.

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Filipa Jardim da Silva: A relação entre duas pessoas é uma entidade viva e, nesse sentido, num relacionamento amoroso existirão sempre três elementos: eu, tu e nós. Se este nós não for suficientemente trabalhado naturalmente que, em algum momento, poderá derivar para uma relação exclusivamente de amizade e gratidão. Fatores como objetivos partilhados e planos conjuntos, tempo de qualidade a dois, interdependência, amor traduzido em palavras, gestos e ações, sexualidade satisfatória e compromisso são decisivos para manter um amor romântico vivo e com saúde. Quando estes fatores não estão presentes ou estão fragilizados corre-se mais o risco de a relação evoluir para uma amizade ou um companheirismo.

"Em geral, a fronteira porosa entre o amor romântico e a amizade é transposta com o tempo e o envelhecimento. E aqui o adjetivo 'romântico' é duplamente justificado porque, para mim, a amizade é também uma forma de amor."
Júlio Machado Vaz, psiquiatra e professor universitário

A amizade e/ou a gratidão são suficientes para manter uma relação?

Júlio Machado Vaz: A amizade é mais segura. Na gratidão há sempre o risco de a relação ser assimétrica e o “devedor” descobrir o ressentimento dentro de si.

Inês Afonso Marques: Eu diria que a manutenção de uma relação é multifatorial. As amizades são relações, são expressões de amor, onde prevalece a afeição. Se a amizade pode manter uma relação de casal? Tudo depende das expectativas de cada um, das necessidades de cada um, das características de personalidade de cada um… Mas, tendencialmente, não será “suficiente”. A investigação de Gottman diz-nos que para um casamento perdurar é preciso “amar o outro” (“love”) e “gostar do outro” (“like”).

Filipa Jardim da Silva: Fatores como a empatia, a proximidade, o respeito, o suporte e o prazer na companhia do outro são comuns quer na amizade como no amor romântico. Podemos então encarar a amizade e a gratidão como dois pilares de uma relação amorosa. Ainda assim, não serão suficientes para um relacionamento romântico, que além destas características tem as acima referidas. Assim, um amor romântico contempla muito mais dimensões do que uma amizade.

Júlio Machado Vaz (Artur Machado/Global Imagens), Inês Afonso Marques (DR) e Filipa Jardim da Silva (DR)

Quando é que as dúvidas e os cenários hipotéticos são de mais e passam a ser um sinal de que há algo errado?

Júlio Machado Vaz: Quando a relação deixa de corresponder às expectativas de um ou de ambos. Mesmo admitindo que as relações sofrem a erosão do tempo e a paixão fervilhante tem prazo de validade na maior parte dos casos, é quando alguém pensa: “É esta a relação que desejo neste ponto do nosso trajeto? O que falta? O que perdemos? Quem mudou? O que faço? Vou-me embora ou tento recuperar o registo que me satisfaria?”.

Inês Afonso Marques: As relações constroem-se com laços afetivos, com uma comunicação aberta e sincera. Quando deixa de haver espaço para comunicar é mau sinal, porque deixa de existir margem para se expressarem emoções, necessidades, receios, medos, certezas, para se criarem cenários…

Filipa Jardim da Silva: As relações, enquanto seres vivos e dinâmicos que são, suscitam reflexões ciclicamente. Quando se quer estar numa relação a dois de forma comprometida e inteira, esses momentos de ponderação serão positivos. Quando essas reflexões derivam para dúvidas acerca do sentimento, sustentadas na preferência por se estar sozinho(a), na ausência de qualquer tipo de intimidade física, no interesse por outras pessoas, na não existência de um projeto a dois, na ausência de saudade, e/ou em diálogos meramente funcionais do quotidiano sem espaço para se falar sobre a relação, então estas dúvidas poderão estar a sinalizar insatisfação na relação por necessidades não cumpridas. E quando existe insatisfação, existem brechas através das quais poderão começar a surgir planos sem incluir o outro, um dia a dia totalmente independente e até uma terceira pessoa.

"Um amor romântico contempla muito mais dimensões do que uma amizade."
Filipa Jardim da Silva, psicóloga clínica

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Quando é que as pessoas se conformam e, por oposição, quando é que deixam de dar uma oportunidade ao outro por quererem sempre mais?

Júlio Machado Vaz: As pessoas conformam-se quando constatam que têm medo de ficar sozinhas, não acreditam na possibilidade de mudarem para uma relação melhor, colocam a função parental à frente do seu futuro pessoal, etc… Estão todas pacificadas, além de conformadas? Não. E por isso a sua amargura pode, consciente ou inconscientemente, envenenar ainda mais a relação, o outro passa a ser responsabilizado por uma decisão que nós não tivemos coragem de tomar. Dizer “chega” depende do estado da relação, do comportamento do outro, que pode ser visto como alguém que nada faz pela mudança da situação e, sobretudo, de um timing interior que varia em todos nós. E por isso o “gatilho” para uma despedida, furiosamente gritada ou num silêncio obstinado, pode ser um facto, na aparência, insignificante. Não pode ser visto de um modo isolado, foi a gota que fez transbordar o copo…

Filipa Jardim da Silva: As pessoas conformam-se muitas vezes por medo, por pessimismo e por falta de confiança nelas mesmas. É mais comum do que possamos achar. Somos seres de hábitos e sair da nossa zona de conforto assusta-nos. Assim podem ser vários os medos que paralisam. Medo de se ficar sozinho, medo de uma realidade distinta da conhecida (que poderá ser sentida ainda como pior), medo por não se ter a certeza da melhor decisão e falta de fé em si mesmo e no amor, duvidando da possibilidade de se ser verdadeiramente feliz. Como se uma relação a dois satisfatória fosse uma ilusão vendida apenas nas redes sociais e no cinema, interdita à vida real (o que não é verdade). Dito isto, uma relação satisfatória não é uma relação perfeita, sempre no auge da paixão, com permanentes borboletas na barriga. Quando não existe a perceção de que uma relação implica trabalho, diálogo construtivo, superação de diferenças, compromisso e lealdade e priorização por entre agendas cheias, então pode correr-se o risco de não se dar uma oportunidade a um amor de qualidade por uma perspetiva ilusória do que é uma relação a dois.

"As pessoas conformam-se muitas vezes por medo, por pessimismo e por falta de confiança nelas mesmas. É mais comum do que possamos achar. Somos seres de hábitos e sair da nossa zona de conforto assusta-nos."
Filipa Jardim da Silva, psicóloga clínica

Os filhos ou a família podem segurar uma relação?

Júlio Machado Vaz: Os filhos devem resultar de um projeto comum, de um “tropeço anticoncetivo” encarado com bonomia, do desejo de celebrar o amor. Não devem ser encarados como terapêutica para uma relação que se deteriora, o natural é serem os pais a abraçá-los e cuidá-los e não o contrário. E tal cenário aplica-se também a crianças mais velhas e adolescentes, não devem sentir nos ombros a responsabilidade de manterem juntos — que não unidos… — os pais. Fazer isso é inverter a ordem das gerações, no meu jargão, parentificá-los. Não só nos arriscamos a roubar-lhes parte da sua juventude, como a médio prazo o fracasso é provável, sobretudo quando, como têm direito, se autonomizam. As “apostas” são altas neste tipo de funcionamento familiar, um jovem pode até adoecer, recusar oportunidades profissionais ou enveredar por comportamentos de risco para manter os pais centrados sobre si e afastados do processo de afastamento mútuo que neles pressente. Ou seja, arriscar o seu futuro por um presente que não lhe cabe salvar…

"Se a relação não preenche, se é fonte de insatisfação, se existe rutura, se há um compromisso vazio de sentimento, isso transparece para os filhos e para a família… Ninguém beneficia."
Inês Afonso Marques, psicóloga infantil

Inês Afonso Marques: Dificilmente os filhos ou a família podem segurar relações satisfatórias, que preenchem. A verdade é que muitos casais se sentem pressionados a manter uma relação que não os preenche, onde parece não existir nem intimidade, nem paixão… Pode permanecer o compromisso. Na ausência dos outros dois vértices, Sternberg chama a isto o “amor vazio”. Se a relação não preenche, se é fonte de insatisfação, se existe rutura, se há um compromisso vazio de sentimento, isso transparece para os filhos e para a família… Ninguém beneficia. Os filhos e a família são peças importantes de reflexão mas não podem ser “a única cola” para o casal. Há efetivamente situações em que os casais procuram persistir nas relações “para proteger os filhos”… A verdade é que se a relação já não está assente em ingredientes sólidos, na maioria das vezes os pais estão a propiciar modelos de indiferença, de tensão, por vezes conflito e hostilidade…

São outras coisas que seguram relações… Porque amamos quem nos faz sentir especial, nos faz sentir bem connosco próprios, aprecia a nossa singularidade, nos admira. Porque amamos quando conhecemos o outro verdadeiramente, sabemos o que aquece o seu coração e escolhemos fazê-lo muitas e muitas vezes. Porque o amor cresce com a admiração e enfraquece com a crítica. Porque amamos quem está disponível para nos escutar. Porque o amor constrói-se na flexibilidade e na partilha. Porque não há amores perfeitos. Há experiências únicas, idiossincráticas e o que funciona com uns casais pode não funcionar com outros.

Filipa Jardim da Silva: Os filhos e a família, assim como compromissos financeiros e projetos profissionais conjuntos, podem segurar uma relação, o que não significa que seja uma relação feliz, romântica e de qualidade. Há casais que se transformam em companheiros de casa, partilhando tarefas, dividindo despesas e assumindo a parentalidade a meias assim como os compromissos familiares. Não existe intimidade, não existe diálogo sobre a relação, não existem objetivos e planos partilhados, não existem demonstrações de afeto. Existe uma coabitação com base em respeito e gratidão, o que para o mundo poderá bastar para parecer-se com uma relação romântica, ainda que não o seja.

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