O jardim do Campo Grande, em Lisboa, a escassos metros do estádio de Alvalade, começou a encher-se cedo para os piqueniques. É ali que habitualmente se instalam as rulotes de bifanas e imperiais quando o Sporting joga em casa. Mas neste sábado, ao contrário de outros fins de semana, o grosso das vendas não se fez ao lusco fusco, fez-se sob o sol da hora de almoço.
Num invulgar regresso aos tempos da festa do futebol antes de a ditadura das audiências dos canais desportivos empurrar as partidas para o fim da tarde e, não raras vezes, para a noite, o clássico entre Sporting e FC Porto deste sábado — que acabou empatado a zero — jogou-se às 15h30 e atraiu centenas de famílias a Alvalade.
“Isto é que é futebol”, comenta com o Observador o sportinguista Pedro Ruivo, que, a duas horas da partida, passeia com o filho, Afonso, no jardim do Campo Grande. Pedro é presença assídua nos jogos do clube do coração. Afonso nem tanto. “Por causa dos horários”, lamenta o pai. “Mas sempre que é possível trago-o comigo.”
“Se os jogos fossem todos a esta hora, vinha sempre com o meu filho”
O problema é que há muito que os horários dos jogos de futebol da primeira divisão deixaram de permitir às famílias portuguesas incluir as partidas dos seus clubes favoritos no programa de fim de semana. “Para quem tem filhos pequenos, que têm de ir para a escola de manhã todos os dias, sair daqui às 23h de domingo é impossível”, diz Alexandre Carvalho, um sportinguista de 45 anos que esperava a abertura das portas do estádio bem mais de duas horas antes do jogo.
Alexandre está com a sua mulher, Carla, de 45 anos, e com os dois filhos, Bernardo e Rafael, de 14 e 11 anos. São todos sócios do Sporting, naturais de Alenquer, e vêm a todos os jogos em Alvalade. A única exceção são os de domingo às 21h, aos quais é impraticável trazer as crianças. “Por mim, os jogos eram todos a esta hora”, diz o adepto do Sporting.
O mesmo queria Pedro Ruivo. “Se os jogos fossem todos a esta hora, vinha sempre com o meu filho”, assegura. Pedro, tal como Alexandre, lembra-se bem dos jogos de “antigamente”, ao domingo à tarde. Foi muitas vezes ao estádio antigo do clube depois de almoço e garante que “isso é que era a alegria do futebol”. Está até surpreendido com o horário deste jogo e diz não acreditar que continue a ser assim.
A verdade é que o Sporting-FC Porto às 15h30 deste sábado foi mesmo uma exceção que pode explicar-se por dois fatores. O FC Porto joga na próxima terça-feira contra o Leixões para os quartos de final da Taça de Portugal às 19h30. Para garantir o maior período de descanso possível entre as partidas, a equipa de Sérgio Conceição queria jogar na sexta-feira à noite. Mas a Sport TV, detentora dos direitos de emissão, tem uma palavra a dizer na escolha dos horários, e pretendia que o jogo fosse no sábado — dia com maior potencial de audiências —, de preferência à noite.
Chegou-se a um compromisso: a tarde de sábado, que permitiu a muitas famílias, por um dia, retomar a tradição do futebol à tarde.
Um “almoço de família diferente”
O dia de muitos sportinguistas, na verdade, começou duras horas antes do jogo contra o FC Porto, no pavilhão ao lado do estádio, com o jogo contra o AA São Mamede para o campeonato nacional de voleibol. Muitos adeptos aproveitaram a conjugação dos horários do voleibol, futebol e hóquei em patins para passar a tarde inteira no complexo desportivo do Sporting em Alvalade.
Para outros, foi dia de “almoço de família diferente”, como descreve Vânia Carvalho, que vai à maioria dos jogos do Sporting em casa com a filha, mas que desta vez aproveitou para fazer do clássico o momento central de um dia em família. Fala com o Observador enquanto almoça com a filha nas rulotes perto do estádio um cachorro que, este sábado, foi a ementa do almoço de família.
Nas últimas duas décadas, todos os clássicos entre Sporting e FC Porto a contar para o campeonato jogaram-se ao fim da tarde ou à noite. A exceção aconteceu em 1 de junho de 2003, no antigo Estádio das Antas. Na altura, já o campeonato estava decidido a favor do FC Porto e aquele jogo acabou por ser a consagração dos portistas, treinados por José Mourinho.
Daí para a frente, só em 2016 um clássico entre FC Porto e Sporting para o campeonato aconteceu às 18h. Todos os outros foram a partir das 19h. Houve até jogos às 21h15, que só acabaram bem para lá das 23h.
Nem sempre foi assim. Antes de o futebol profissional capitular finalmente perante os interesses das audiências televisivas e os canais desportivos articularem o calendário desportivo com a Liga, encaixando os jogos grandes nos horários de maior audiência — não raras vezes depois das 21h —, as partidas aconteciam durante a tarde.
“No inverno jogava-se às três da tarde, e no verão era às quatro e meia ou cinco”, lembra Alexandre Carvalho, que se recorda bem dos muitos jogos a que assistiu nessa altura. Tal como Pedro, aproveitou para mostrar aos filhos como era a festa do futebol antes de este desporto se ter tornado, para muitos, num espetáculo quase apenas para ver na TV.
No estádio de Alvalade estiveram este sábado mais famílias do que é habitual. Famílias completas, desde o bebé ao avô, compunham as bancadas, que contaram com mais de 45 mil espectadores esta tarde. Muitas crianças acompanharam os pais pela primeira vez ao futebol. À volta do estádio, os restaurantes da zona encheram-se de famílias — sobretudo sportinguistas. Com a certeza de que “isto é que é” futebol e com um apelo: que haja mais jogos amigos das famílias.