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Jair Bolsonaro não vai a jogo e falta aos debates televisivos. O que ganha com isso?

Candidato do PSL não vai ao debate marcado para este domingo e alega fragilidade do estado de saúde. Haddad fala em "cobardia", mas Bolsonaro sabe que tem mais a ganhar do que a perder com a decisão.

“Uma aventura.” É assim que Jair Bolsonaro define uma ida sua a um debate televisivo contra Fernando Haddad, razão pela qual anunciou esta quinta-feira que não irá participar nem no encontro marcado para este domingo (21), nem no de sexta-feira (26). Em causa, garante a sua campanha, está a saúde do candidato do Partido Social Liberal (PSL), fragilizada desde que foi esfaqueado numa ação de campanha, em setembro. Mas, embora essa seja uma preocupação válida, são muitos mais os argumentos que sustentam a decisão do candidato da extrema-direita, que segue com vantagem de 18% face a Fernando Haddad, do Partido dos Trabalhadores (PT), de acordo com a sondagem mais recente.

Bolsonaro já tem mais de 18% do que Haddad em sondagem

Para isso mesmo apontam os especialistas ouvidos pelo Observador. Bolsonaro está fisicamente frágil, reconhecem, mas a decisão de faltar aos debates revela muito mais que isso: é uma estratégia que reforça como o candidato está “para lá” da política tradicional, que rebaixa Haddad dentro da hierarquia do PT e que aproveita o efeito “mártir” de que o candidato goza desde que foi vítima de um ataque. Uma espécie de 3 em 1 que tem tudo para favorecer Jair Bolsonaro.

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“Ele não tem obrigação de comparecer. Não vai comparecer”, resumiu na quinta-feira Gustavo Bebbiano, presidente do PSL, questionado sobre a presença do candidato nos debates. Os médicos declararam que Bolsonaro estava “clinicamente apto” para participar, mas a campanha decidiu que a “aptidão” não é suficiente para ultrapassar o desconforto. “Ele continua com a colostomia do lado direito do seu abdómen. Quando é feita do seu lado esquerdo, o paciente tem um controlo do seu fluxo digestivo, ao passo que do lado direito não. Como não há esse controlo, aquela bolsinha pode se encher rapidamente, pode haver um acidente. Pode estourar, como já aconteceu. Então, apesar da melhora que ele vem tendo, o seu estado é de desconforto”, resumiu Bebbiano.

Jair Bolsonaro num dos únicos dois debates da primeira volta em que participou, antes de ser atacado em Minas Gerais (NELSON ALMEIDA/AFP/Getty Images)

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“Ele é um paciente colostomizado e isso traz de facto algumas dificuldades práticas à sua participação”, reconhece ao Observador Luciana Veiga, politóloga da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro. “O deputado que está a ser falado como provável chefe da Casa Civil chegou mesmo a dizer isso com todas as letras. E é razoável”, acrescenta, referindo-se às declarações de Onyx Lorenzoni, que falou “em bom português” para explicar que um doente colostomizado “fede”, o que não seria “adequado no meio de um debate político”.

Há quem, como Janaína Paschoal (que chegou a ser considerada para o cargo de candidata a vice de Bolsonaro), ache que esse impedimento não é suficiente. Mas há muitas outras razões a ampararem a decisão de Bolsonaro, como explica ao Observador Esther Solano, socióloga e professora da Universidade Federal de São Paulo: “A opção de não participar nos debates é claramente estratégica, porque Bolsonaro é um candidato conceptual e programaticamente fraco quando comparado com Haddad e ele sabe que é um risco apresentar-se aos debates. Assim, mantém a campanha sob controlo, usando fundamentalmente das redes sociais”, resume. “Ele está em primeiro lugar nas sondagens. Para quê expôr-se e ir aos debates?”

“Ele claramente diz ‘eu não preciso da televisão. Eu estabeleço uma relação direta com os meus eleitores’. E isso é verdade, está evidente na sua forma de fazer campanha, é uma marca e um diferencial que ele tem.”
Luciana Veiga, professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro

A decisão não surpreende, até porque não é a primeira vez que um candidato que segue em vantagem nas sondagens para uma eleição presidencial no Brasil decide não ir à televisão discutir o seu programa contra outros candidatos. “É relativamente comum, no Brasil, que os candidatos que seguem na liderança não compareçam aos debates, especialmente na primeira volta. Isso não acontece apenas em eleições para governos estaduais e prefeituras, mas também nas eleições presidenciais”, resume ao Observador o consultor político Vítor Oliveira.

“Em 1989, Collor de Mello venceu a eleição e não compareceu em nenhum dos debates da primeira volta. Em 1994, Fernando Henrique Cardoso ganhou na primeira volta e faltou a dois dos três debates; em 1998 não foi a nenhum. Fugindo a essa tendência, Lula da Silva em 2002 foi a todos os debates. Mas, já em 2006 quando procurava ser reeleito, não foi a nenhum debate da primeira volta. E Dilma Rousseff, mesmo indo à maioria, faltou a dois. No Brasil há uma certa prática dos candidatos que seguem à frente faltarem aos debates, pelo menos na primeira volta”, elenca Luciana Veiga.

É certo que, numa segunda volta, é mais raro essas faltas acontecerem. Mas o precedente já foi aberto. E Bolsonaro não é um candidato que se enquadre nos cânones habituais da política.

“Televisão, partido, palanque estadual, dinheiro e debate televisivo — acabou”

Para além da saúde frágil e do precedente, um terceiro trunfo sustenta a decisão— que nunca beneficiaria um outro candidato que não Bolsonaro: o de ganhar força desprezando as formas tradicionais de fazer política. Isso mesmo expressou Onyx Lorenzoni, como aponta Luciana Veiga: “Televisão, partido, palanque estadual, dinheiro e debate televisivo — acabou, não resolve mais uma eleição”, afirmou o deputado.

A campanha direta, junto dos eleitores, sobretudo através das redes sociais, é a forma preferida de fazer política de Bolsonaro (EVARISTO SA/AFP/Getty Images)

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“Quando o Onyx vem com este discurso, é como se ele reiterasse uma postura muito afinada com a campanha de Bolsonaro, que prescinde das práticas da política ‘velha’”, analisa Veiga. “Ele claramente diz ‘eu não preciso da televisão. Eu estabeleço uma relação direta com os meus eleitores’. E isso é verdade, está evidente na sua forma de fazer campanha, é uma marca e um diferencial que ele tem.” Bolsonaro não faz a “velha” política — ele “superou esse processo”, resume a professora.

A decisão, claro, provocou um coro de críticas à esquerda. O próprio Haddad pronunciou-se várias vezes sobre a possibilidade de Bolsonaro faltar aos debates ao longo da última semana. Para além de se mostrar disponível para debater “até na enfermaria”, o candidato do PT acabou por classificar a decisão final de Bolsonaro não como estratégia, mas sim como “covardia”. O ataque é parte daquilo que Esther Solano classifica como uma “guerra de narrativas” entre a esquerda e a direita sobre a não-participação no debate.

“A esquerda e o PT dizem que ele é um cobarde e um anti-democrata por não ir aos debates. O campo da direita e da extrema-direita diz ‘porque é que ele há de ir se quem devia participar do lado do PT era Lula e ele também não vai’?” O argumento tem sido levantado ao longo dos últimos dias, inclusivamente pelo próprio Bolsonaro, e funciona como alfinetada dupla: em Haddad, que é apresentado como marioneta de Lula, e no PT, abalado por ter a sua figura maior na prisão por crimes de corrupção. O presidente do PSL, Bebbiano, ressuscitou esse argumentário esta quinta-feira, ao apelidar Haddad de “poste”. “[Ir ao debate] seria discutir com um poste. Como já disse o candidato [Bolsonaro], quem discute com um poste é bêbado”, sentenciou.

O efeito-mártir da facada ainda se sente: “Eu não pertenço mais a mim mesmo”

É certo que quem não vai a jogo tem menos risco de se queimar — e há um certo calculismo em qualquer decisão de decidir não se expor, como fizeram Collor, FHC, Lula, Dilma e agora Bolsonaro. “Esta é uma estratégia que visa reduzir os riscos de exposição do candidato líder a situações fora do controlo do marketing político. Isto apesar de os debates televisivos no Brasil serem cada vez mais rígidos, com regras que reduzem a espontaneidade — tão característica dos debates no começo da década de 1990…”, reconhece Vítor Oliveira.

Por muito controlo que haja, reforça Luciana Veiga, um debate é sempre um risco. “O debate é um programa ao vivo, o inusitado pode acontecer”, declara, relembrando um episódio de 2016, quando Flávio Bolsonaro, filho mais velho do candidato da extrema-direita, quase desmaiou em palco durante um debate para a eleição de prefeito do Rio de Janeiro. Curiosamente, nessa altura, terá sido o seu pai a recusar auxílio da candidata adversária, Jandira Feghali, médica de profissão.

Dois anos depois, é Bolsonaro pai que está numa posição de fragilidade. Mas, ao contrário do que se poderia pensar inicialmente, a fragilidade que tem demonstrado, fruto do pós-operatório, pode jogar a seu favor. “Ele tinha uma posição autoritária e violenta e a facada humanizou-o, as pessoas ficaram com mais empatia”, resume Esther Solano. “Não sei se a facada o tornou um mártir, mas tornou-o mais humano”, acrescenta Luciana Veiga. “Se pegarmos nas fotos dele agora e antes da cirurgia, vemos que está um pouco abatido. Acho que está mais fragilizado, mas isso até foi positivo para ele, porque reduziu um pouco aquela imagem agressiva que ele estava a passar antes da facada, como gestos como aquele do ‘vamos fuzilar a petralhada’ que fez no Acre, por exemplo.”

Bolsonaro e a sua campanha têm adjetivado frequentemente Fernando Haddad (à direita) como "poste", alegando que o verdadeiro candidato do PT é Lula da Silva (MIGUEL SCHINCARIOL,DANIEL RAMALHO/AFP)

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Talvez por saber isso, Boslonaro não tem assumido medo de se expor como alguém mais frágil e acossado. Esta quinta-feira, ao justificar a decisão de não ir aos debates, o candidato da extrema-direita chegou mesmo a insinuar que uma participação em qualquer ação de campanha nas ruas poderia colocá-lo em perigo: “Segundo a Constituição, se eu morrer assassinado por uma facada ou por um tiro de um sniper, o que vai acontecer é o terceiro colocado vir a disputar a eleição. Então teremos uma segunda volta entre Haddad e Ciro [Gomes]”, alertou, justificando assim o seu recolhimento. “Eu não pertenço mais a mim mesmo”, desabafou. “Hoje em dia eu e o Sérgio Moro [juiz federal responsável pela Operação Lava Jato] não temos mais liberdade no Brasil. Nós não podemos ir a uma padaria comprar um pão, ir à praia com os nossos filhos, perdemos completamente a liberdade. É um jogo de poder. A esquerda fará tudo para me tirar de combate”, afirmou.

Se não é Bolsonaro a calçar os sapatos de mártir, está bem perto disso. E o mais certo é que a jogada seja certeira. De acordo com a sondagem da Datafolha divulgada esta quinta-feira, a esmagadora maioria dos eleitores (73%) acha mal que Bolsonaro não vá aos debates televisivos; mas 76% dos inquiridos admitem que os debates não os farão alterar “de jeito nenhum” o seu sentido de voto. “Como o eleitor brasileiro não costuma punir a ausência nos debates de modo consistente, a estratégia continua a ser utilizada. E o caso de Bolsonaro, como tudo que envolve esta candidatura, é mais extremo”, vaticina Vítor Oliveira.

Bolsonaro pode estar, assim, descansado. A “velha” forma de fazer política tornou-se mesmo irrelevante no Brasil polarizado de 2018. Já nem é preciso aparecer na televisão.

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