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O filme de Annaud é uma recriação dramatizada do incêndio da Catedral de Notre-Dame, nos dias 15 e 16 de abril de 2019, meticulosamente fiel à realidade dos acontecimentos, feita com imagens de arquivo e rodadas no próprio templo atualmente a ser restaurado
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O filme de Annaud é uma recriação dramatizada do incêndio da Catedral de Notre-Dame, nos dias 15 e 16 de abril de 2019, meticulosamente fiel à realidade dos acontecimentos, feita com imagens de arquivo e rodadas no próprio templo atualmente a ser restaurado

Photo Yann Castanier. Hans Lucas

O filme de Annaud é uma recriação dramatizada do incêndio da Catedral de Notre-Dame, nos dias 15 e 16 de abril de 2019, meticulosamente fiel à realidade dos acontecimentos, feita com imagens de arquivo e rodadas no próprio templo atualmente a ser restaurado

Photo Yann Castanier. Hans Lucas

Jean-Jacques Annaud: "O incêndio em Notre-Dame é uma história de suspense, é puro cinema"

Eurico de Barros conversou com o realizador Jean-Jacques Annaud, que em "Notre-Dame em Chamas" recriou com o máximo de detalhe o incêndio que quase consumiu a catedral parisiense em abril de 2019.

O cineasta francês Jean-Jacques Annaud, autor de filmes como “A Guerra do Fogo”, “O Nome da Rosa”, “O Amante” ou “Sete Anos no Tibete”, esteve em Portugal a promover a sua nova realização, “Notre-Dame em Chamas”, que se estreia esta quinta-feira. É uma recriação dramatizada do incêndio da Catedral de Notre-Dame, nos dias 15 e 16 de abril de 2019, meticulosamente fiel à realidade dos acontecimentos, feita com imagens de arquivo e rodadas no próprio templo atualmente a ser restaurado. Mas também trabalhado em estúdio, através da construção de uma maqueta de grandes proporções, à qual foi pegada fogo. O Observador falou com Annaud sobre o filme, as histórias incríveis que mostra e não tinham sido contadas até agora e os pormenores da rodagem.

“Notre-Dame em Chamas” era um projeto seu, ou foi uma encomenda? Como é que o filme aconteceu?
Passou-se que me propuseram fazer algo que eu nunca tinha feito: uma montagem de imagens de Notre-Dame a arder. Não é o que gosto de fazer e não tinha vontade de me meter nisso, mas nessa altura descobri as informações reais sobre o que se tinha passado durante o incêndio e fiquei estupefacto. E pensei que era a ocasião ideal para fazer um grande filme de cinema, espectacular, com muita intensidade, emoções e suspense.

E o que é que descobriu nessa altura?
Descobri pouco a pouco que os verdadeiros acontecimentos eram inimagináveis. E depois soube que os jornalistas que os tinham contado não sabiam tudo o que tinha acontecido no decurso do incêndio e que as coisas eram ainda mais espectaculares e inverosímeis. Estávamos então em pleno confinamento e achei que o cinema tinha, de novo, que oferecer um espectáculo verdadeiro. Mas não apenas espectáculo. Um espectáculo com conteúdo, com intensidade dramática, com emoção, tal como os filmes que eu gostava de ver quando era espectador e ainda não realizador. Essa foi a razão deste filme.

[Veja o “trailer” de “Notre-Dame em Chamas”:]

Sei que gosta muito de igrejas antigas, e de Notre-Dame em especial.
Sim, muito. E gosto muito da Idade Média graças a Notre-Dame, que visitei muita vezes quando era pequeno. Eu morava com os meus pais nos arredores de Paris e todas as semanas vínhamos à cidade, e saíamos numa estação de Metro mesmo em frente à catedral. E agora, moro a 550 metros de Notre-Dame e tenho instintivamente emoções muito especiais para com este edifício. Além disso, encontrei na história deste incêndio bonitas histórias humanas, e uma história eterna sobre a diferença entre o que é verdadeiro e o que é verosímil. Muitas vezes, o que é verdade, é inverosímil, e quando somos argumentistas não ousamos ir tão longe no improvável. Isso apaixonou-me também. Além disso, interessa-me o espectáculo do fogo.

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Em que aspeto? A beleza terrível do fogo?
O fogo é um inimigo extraordinário, porque também é um amigo e logo é o mais temível dos inimigos. Ilumina-nos, aquece-nos mas também nos carboniza. E tem também essa beleza tremenda que refere. É bonito porque é perigoso e no cinema faz viver e morrer um cenário. Cada chama transforma a imagem. Tem um fascínio muito específico, aquilo a que os bombeiros chamam “o fascínio do mosquito”. Sabemos que nos vamos queimar, mas aproximamo-nos dele na mesma. Assim, todos estes elementos deste incêndio eram elementos de puro cinema, junto com um drama que acaba bem.

"É preciso trazer as pessoas de novo aos cinemas, e só conseguimos isso com filmes que façam a diferença. Não as podemos atrair com coisas que elas veem de graça na televisão. Nem com mais filmes de super-heróis. Temos que sair desse modelo, senão o cinema transforma-se num circo para adolescentes e perde o seu público fundador, as pessoas de 30, 40 anos."

Ou seja, em “Notre-Dame em Chamas”, sabemos que vai tudo acabar bem, mas mesmo assim, estamos em ansiedade o tempo todo.
É um velho princípio hitchcockiano. Para conseguirmos um bom efeito de suspense, é melhor informarmos logo o espectador do fim da história. Dar a resolução do enigma logo à partida. Nós sabemos que a catedral vai aguentar-se, que não vai arder toda nem desabar. O suspense está no “como”. Como é que se conseguiu que não ficasse destruída? Como é que evitaram a catástrofe? E isso aconteceu graças a factos que são cada um mais insólito que o outro: a história da chave do cofre das relíquias de Cristo, o curador da catedral que está em Versalhes quando se dá o fogo e anda às voltas para conseguir entrar lá… Quando li estas histórias na imprensa, pensei que me estavam a enganar. Mas quando falei com as pessoas envolvidas, descobri que as coisas tinham sido ainda mais incríveis do que tinha lido. Porque os jornalistas tinham feito o seu trabalho em poucos dias e eu tive um ano para falar com toda a gente e fazer as minhas investigações. O filme é um grande espectáculo e uma história verdadeira. “A true story”, como os americanos gostam de dizer.

O filme foi rodado ainda durante o confinamento?
Foi. E todos os cinemas do mundo estavam fechados quando o escrevi. Eu e os produtores pensámos que era preciso fazer filmes para que as pessoas tivessem vontade de voltar ao cinema. Portanto, o filme foi pensado para isso, foi feito em Dolby Atmos e em IMAX: som imersivo, grande ecrã. É preciso trazer as pessoas de novo aos cinemas, e só conseguimos isso com filmes que façam a diferença. Não as podemos atrair com coisas que elas veem de graça na televisão. Nem com mais filmes de super-heróis. Temos que sair desse modelo, senão o cinema transforma-se num circo para adolescentes e perde o seu público fundador, as pessoas de 30, 40 anos.

Jean-Jacques Annaud na Catedral de Notre-Dame, durante as filmagens de "Notre-Dame em Chamas"

Todos vimos as imagens do incêndio, mas à distância, e lemos o que se passou dentro da catedral. “Notre-Dame em Chamas” mostra-nos tudo o que não vimos na televisão nem a imprensa contou, de forma muito detalhada É essa a diferença do filme?
A diferença é essa, no que sentimos. Quando estamos com os atores que interpretam os bombeiros, sentimos o que eles sentem, vivemos o que eles estão a viver, estamos com eles e do lado deles, sentimos a coragem, a angústia, a tensão. De outra forma, é um fogo visto ao longe. É como as imagens que vemos hoje da guerra na Ucrânia, são quase todas de longe, à distância. Mas o drama das pessoas, o drama individual, de cada um, está ausente, não o partilhamos. Vemos a carnificina, mas não o medo, o sofrimento, as histórias pessoais. No filme incluo imagens de arquivo, feitas na altura, para recordar às pessoas que o que mostro em “Notre-Dame em Chamas” e não foi filmado, é a verdade do combate ao fogo. Estar dentro do acontecimento e vê-lo de perto é toda uma outra coisa. É participar no drama.

Construiu um modelo da catedral em estúdio para poder recriar os acontecimentos?
Sim, fizemos um modelo do edifício em grande escala. Mas rodámos algumas imagens na própria catedral: na sacristia, nas galerias, no presbitério e nalgumas escadarias, toda a equipa teve que usar equipamento especial anti-chumbo, foi muito complicado. E filmámos também cá fora e noutras catedrais francesas. Em estúdio, reconstituímos a nave da catedral, toda a torre onde se passa o final e que teria feito cair tudo se o fogo não tivesse sido apagado, e também a galeria onde estão todas aquelas gárgulas de pedra, e ainda a do transepto norte.

"O filme tem dois mil planos, 400 dos quais tratados com efeitos visuais, e três quartos destes são retoques e de fogo virtual. É que para ficar bem feito, o digital fica mais caro que o real. Há realizadores que gostam de dizer que tudo se compõe na pós-produção, mas não é verdade. Para que o digital fique mesmo como deve ser, custa muito caro e leva um tempo imenso."

E pegou mesmo a esse modelo? Não são efeitos digitais, é fogo verdadeiro?
Claro. Quando rodei “O Nome da Rosa”, peguei fogo ao cenário no final. Este fogo real é vivo, mexe com os atores. Quando dei a ordem de acender o fogo, os atores ficaram no meio de um calor enorme, não precisei de lhes recordar que era tremendo e perigoso, eles representaram em função disso. É a realidade. Se tivesse usado efeitos digitais, tinha de ter dirigido os atores assim: “O fundo azul é o fogo, finjam que estão cheios de calor e atemorizados, e que está a sair água com toda a força das mangueiras e estão todos molhados.” Não podemos captar bem as emoções dos atores com este nível de mentira. Precisamos de ter 85 por cento de realidade. É muito mais fácil dirigir os atores quando eles estão numa situação que compreendem. O que não nos impede de completar os cenários construídos com retoques digitais.

Qual foi o peso dos efeitos digitais em “Notre-Dame em Chamas”?
Essencialmente, usei-os para apagar os cabos que prendiam os atores que fazem de bombeiros, porque o cenário tinha dois metros de altura e havia sempre o risco de quedas. O filme tem dois mil planos, 400 dos quais tratados com efeitos visuais, e três quartos destes são retoques e de fogo virtual. É que para ficar bem feito, o digital fica mais caro que o real. Há realizadores que gostam de dizer que tudo se compõe na pós-produção, mas não é verdade. Para que o digital fique mesmo como deve ser, custa muito caro e leva um tempo imenso. Sempre me preocupei com os detalhes em todos os meus filmes, para que as pessoas acreditem na história, nas emoções, nas personagens. Não podemos ser incomodados por detalhes que de repente vão perturbar o espectador.

[Veja imagens da rodagem do filme:]

Não houve problemas em estúdio com o fogo durante a rodagem?
Não. A rodagem correu sempre muito bem. Quando há um elemento de perigo, toda a gente tem cuidado e toma precauções. Preparámos e ensaiámos tudo com muito cuidado, como se estivéssemos no teatro. E o teatro não podia pegar fogo nem os técnicos e os atores ficarem queimados, não é? Toda a gente sabia o que tinha que fazer, e fiquei muito satisfeito e orgulhoso com todo o trabalho e com o resultado final. E não ultrapassámos o orçamento.

O filme tem um herói coletivo: os bombeiros. Que nunca são mostrados como super-heróis, mas sim como pessoas reais.
Exato. Detesto super-heróis. Mas que raio são esses tipos com bíceps impossíveis, poderes absurdos e namoradas fisicamente perfeitas? Eu não quero fazer filmes com criaturas dessas. O que me tocou nos bombeiros, e não apenas em Paris, é que são pessoas que têm uma vocação, e é uma vocação de humildade. O general que dirigiu as operações, e que eu ponho no filme, disse-me: “Nós estamos todos os dias no coração de dramas que marcam uma família pelo resto das suas vidas. E intervimos muitas vezes em dramas destes. O dia todo. Uma vida inteira. E é por isso que gostamos do nosso ofício. A nossa vida é feita para ajudar outras vidas. Há poucas pessoas que se podem orgulhar do seu trabalho como nós nos orgulhamos do nosso.” Eu não tinha calculado que ia ficar tão comovido e saí deste filme com um sentimento de imenso respeito por estes profissionais e pelo seu trabalho.

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