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Joachim Koerper nasceu na Alemanha, passou pela Suíça, Espanha e aterrou em Portugal para abrir o Eleven, em 2004. Desde aí que chefia o restaurante, que tem agora novo menu de celebração
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Joachim Koerper nasceu na Alemanha, passou pela Suíça, Espanha e aterrou em Portugal para abrir o Eleven, em 2004. Desde aí que chefia o restaurante, que tem agora novo menu de celebração

FILIPE AMORIM/OBSERVADOR

Joachim Koerper nasceu na Alemanha, passou pela Suíça, Espanha e aterrou em Portugal para abrir o Eleven, em 2004. Desde aí que chefia o restaurante, que tem agora novo menu de celebração

FILIPE AMORIM/OBSERVADOR

Joachim Koerper: "Na primeira vez que pus os pés em Portugal levaram-me ao Pedro dos Leitões. Gostei tanto daquilo"

Portugal e Lisboa são o país e a cidade do coração — é o chef alemão, ao comando do Eleven, que o diz sem papas na língua. Ao fim de 50 anos de cozinha sente-se na fase mais estável da carreira.

Alemanha, Suíça, Espanha e Portugal — foi a viver, a comer e a cozinhar em todos eles que Joachim Koerper se tornou naquilo que é hoje. Passaram 50 anos desde que decidiu que a cozinha seria o seu amor maior, e é esse meio século de carreira que celebra agora, em Portugal e em Lisboa, que diz ser o seu “país e a sua cidade de coração”. Há mais de 15 anos à frente do Eleven, que carrega o peso e o reconhecimento de uma estrela Michelin, o chef alemão quis levar os clientes numa viagem com várias paragens pelo seu percurso de volta dos tachos e da alta gastronomia com um menu especial disponível até ao final do ano.

Não pensou ser cozinheiro até a cozinha ter entrado da forma mais natural possível na sua vida, como entra na de todos: a comer. Os almoços fora em restaurantes, acompanhado pelos pais, os maus resultados na escola e uma ajuda na cozinha na hora sagrada das refeições confecionadas pela mãe, levaram Joachim a ir para longe e a dar os primeiros passos no mundo que hoje domina de jaleca estrelada. Sofreu com o rigor alemão dos restaurantes por onde passou, mas admite ter aprendido com muitos dos erros que aí cometeu, antes de aprender sequer o que era um lavagante ou uma alcachofra.

Seguiu por cozinhas suíças e espanholas antes de chegar a Portugal, onde passou primeiro por Coimbra, na Quinta das Lágrimas, e só depois Lisboa. Só depois o Eleven. É ao leme desta cozinha que faz questão de celebrar as últimas cinco décadas de trabalho, e é onde está empenhado em reerguer o que se perdeu com a pandemia, para “voltar a meter o barco em águas calmas”, diz.

E do alto do Parque Eduardo VII come-se bem e viaja-se de mão dada com o chef aos sítios onde já foi feliz, onde aprendeu, onde errou, onde comeu e onde cozinhou. No menu, cada paragem representa um dos países que marca a sua vida profissional e é materializada com produtos de cada um deles e sempre algum português — “é como se o prato fosse viajar e voltasse sempre a Portugal”, diz.

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O chef nasceu na Alemanha, passou pela Suíça, Espanha e depois chegou a Portugal, onde está há mais de 15 anos ©Filipe Amorim

FILIPE AMORIM/OBSERVADOR

50 anos de carreira. Ainda há margem para erro?
Somos humanos, não é? Erramos também todos os dias, claro depende da grandeza do erro, não podes dar uma comida salgada ao cliente, por exemplo. Mas há sempre pequenos detalhes que por vezes escapam, apesar de fazermos atenção em tudo. O cliente encontra um cabelo dentro do prato, é uma coisa que não pode acontecer, mas quando acontece, que é sempre muito imprevisível para nós, é muito chato e não pode ser. Mas, no fundo, trabalhamos para estar sempre a 150% em tudo para termos essa margem e podermos ficar nos 90% quando isso acontece. E é com os erros que se aprende muito, acho que é a lei da vida.

A história deste meio século não começa em Lisboa. Quando é que começou a interessar-se pela comida?
Eu tinha 10 anos e meus pais trabalhavam os dois, mas entre segunda e sexta almoçávamos sempre em restaurantes, sempre, mas restaurantes normais, claro. Eles iam-me buscar à escola e lá íamos nós. E ao fim de semana, como estávamos perto, o nosso pai levou-nos a almoçar a um domingo a França porque a cozinha já era mais requintada, e foi aí que conheci um restaurante diferente daqueles a que íamos sempre. Nós vivíamos numa quinta, o meu pai tinha galinhas também, então nas férias ia todas as manhãs buscar os ovos frescos e fazia em cima do camping gas uns ovos fritos, que aprendi a fazer com a minha mãe. Quando ela cozinhava eu ajudava-a sempre na cozinha e esfregava os pratos. Acho que o tema da cozinha começou a ser plantado nessa altura.

E a escola?
Pois, era o problema. Depois nos anos seguintes eu não estava a ser o melhor aluno na escola, e cheguei a ir para um internato para tentar recuperar e melhorar as notas, porque os meus pais não tinham tempo para me acompanhar nesse aspeto. Portanto, claramente eu não podia ser médico, nem advogado, nem engenheiro nem nada disso.

Então entra a cozinha…
Sim, virei-me para a cozinha. Com 16 anos lá vou eu e parto para um sítio a 600 km de casa, para fazer a aprendizagem, tudo isto na Alemanha. Depois de três anos a aprender, estive num restaurante normal, mas aí eu nunca tinha visto sequer uma alcachofra, quanto mais um lavagante, uma ostra ou uma lagosta. Parti para Berlim, mais três anos, porque não quis fazer serviço militar, para não perder anos de profissão e porque não ganhava nada com isso. Nesse tempo, começou a minha segunda aprendizagem já com outro tipo de matérias-primas.

A minha versão do pastel de nata com a sua bica

O menu é composto por vários momentos correspondentes às várias fases da vida do chef

Mas antes de chegar ao Eleven e o conhecerem como o chef Michelin do alto do Parque Eduardo VII, teve muitas outras paragens. Qual foi a maior escola e qual recorda com mais carinho?
É uma pergunta complicada, é quase como perguntar qual é o filho que gostamos mais. Cada momento tem a sua importância no meu percurso, e o menu especial que servimos aqui, que celebra precisamente os meus 50 anos de carreira, tem em cada momento uma ligação a todos os sítios por onde passei com matérias-primas dos locais. Então da Alemanha trouxe o joelho de porco, da Suíça trouxe a receita de foie gras, de Espanha trouxe as inspirações mediterrânicas e depois, claro, encontrei o meu país de coração, a minha cidade de coração que é Lisboa. Então qual é melhor? Não sei dizer. Cada um no seu momento foi importante para mim. Guardo todos com um carinho especial. Guardo as coisas boas, mas também me lembro das coisas más, os erros com os quais aprendi também.

O que o influenciou mais na forma de trabalhar na cozinha, as origens alemãs ou os sítios onde trabalhou?
Acho que acabei por ser influenciado por todos os sítios. A Alemanha é o rigor, sem dúvida. Lembro-me que na Alemanha, estava lá na brigada com 60 cozinheiros, começávamos às oito da manhã, e eu uma vez cheguei 15 minutos atrasado — foi só aquela vez que aconteceu, depois da bronca que fizeram à frente de toda a gente. São episódios com os quais aprendemos muito. Suíça e França são as técnicas de cozinha, a que até hoje sou fiel. Espanha acaba por ser a alegria, porque quando trabalhamos temos de ter boa disposição, porque se não há alegria as coisas não saem bem, é uma cozinha de coração.

Depois chegou ao Eleven e fez dele uma casa. Como é que foi essa chegada?
Não quero estar a dizer que não havia nada, mas quando cheguei há 15 anos havia alguns clássicos, havia um Gambrinus, o do Pestana Palace, o Vítor Sobral a começar também e até o Ritz já tinha nome, mas fine dining não havia nada. Então nós fizemos isto, demorámos um tempinho, e na altura já se falava que aqui no cimo do Parque Eduardo VII se ia fazer uma cozinha de luxo — e nós não queríamos que essa ideia estivesse no ar, porque não era de luxo, só que dantes não havia nada tão requintado cá. E, na verdade, não é assim que queremos ser vistos, quer dizer, temos um menu executivo de 39 euros, por exemplo. Mas depois de abrirmos foi um sucesso total, tivemos uma recetividade ótima, com as reservas lotadas e a termos de recusar algumas porque para mantermos um bom serviço não conseguíamos dar conta de toda a gente que queria vir ao Eleven. Pouco a pouco, o Eleven acabou a ganhar a sua posição, ganhámos a estrela Michelin em nove meses e assim foi até agora com altos e baixos, com mais altos que baixos.

Joachim recorda que a primeira refeição servida em Lisboa foi no Eleven, quando ainda estava em obras: amuse-bouches e champanhe para os 11 sócios do restaurante. ©Filipe Amorim

FILIPE AMORIM/OBSERVADOR

E como é que era ter uma estrela Michelin na altura?
Ganhar uma estrela Michelin é sempre muito agradável, em qualquer circunstância, mas também sabemos que quando a tiram é muito pior. Eu dirigia o Eleven, mas a verdade é que já tinha, e ainda tenho, o know-how para saber como lá chegar. Já tinha tido essas experiências com o Girasol.

Era mais difícil ganhar?
Há 15 anos acho que era um pouco mais duro que hoje, havia menos inspetores também e hoje há muito mais, e eles tinham também outro conceito. Mas a estrela Michelin representa 30% da faturação, é bom para o negócio — existe mesmo um turismo de estrela Michelin, vêm turistas a Lisboa para fazerem um roteiro de estrelas e isso ajuda-nos muito. Quanto mais estrelas houver na cidade, melhor para todos nós que as temos, mais alimenta esse turismo. Nesse sentido, ter uma estrela na altura projetou-nos muito.

Quem é que o visita aqui no Eleven?
As pessoas de todos os dias são os portugueses, que vêm aqui almoçar, estamos a servir muito bem os almoços, melhor do que pré-pandemia. É muito bom, mas é um fenómeno que não conseguimos explicar. Claro que em relação aos almoços o preço do menu ajuda, a escolha dos pratos que temos é certeira. Ao jantar é o contrário, porque nós aqui trabalhamos com 70% a 80% de estrangeiros e neste momento são muito poucos cá. Não nos podemos esquecer que a hotelaria e a restauração foram dos mais prejudicados pela pandemia, porque um restaurante não pode fazer trabalho de home office, é tudo in loco.

Para quem é que gosta de cozinhar?
É indiferente para quem cozinho. Enquanto chef acho que todos os clientes são iguais, primeiramente, porque todos pagam e eu tenho de os tratar de igual forma. Se vem o presidente da República, por exemplo, claro que sou capaz de vir à mesa cumprimentar, mas sirvo-o como serviria qualquer outro cliente.

Há alguém que gostava mesmo de ter sentado à mesa que ainda não teve oportunidade de servir?
António Costa já vinha, Marcelo [Rebelo de Sousa] já vinha, temos muitos embaixadores, há muita gente que já passou por aqui. Mas não me lembro assim de ninguém em especial, acho mesmo que todos são bem-vindos aqui e estarei cá para os receber e com o melhor que sei fazer.

A estrela Michelin traz mais responsabilidade ou faria tudo igual num restaurante sem a insígnia?
Sim, se não tivesse a estrela faria tudo igual, porque estaria a trabalhar para a ganhar. É uma coisa natural em mim, é um intuito que está no meu ADN, querer sempre fazer melhor.

Pelo meio destes anos, perdeu uma estrela aqui no Eleven. Como é que se sentiu?
Eu já vivi essa perda na minha vida três vezes. A primeira vez foi quando comprei o Girasol [em Moraira, Espanha], que já tinha duas estrelas Michelin. Eu comprei o espaço e no guia seguinte tinha perdido as duas estrelas e nem sequer aparecia mencionado, nem um número de telefone, nada. Como se tivesse desaparecido. Foi um absoluto equívoco e tive de recorrer ao Guia Michelin e perceber o que tinha acontecido, porque como foi aquisição pelo menos uma estrela devia manter-se ou até mesmo a referência. Ficámos tristes, mas continuámos a trabalhar e depois de nove meses ganhamos uma, e em 1994 a segunda estrela Michelin. Na virada do milénio, eu estava fora e perdemos uma do Girasol novamente, foi em novembro.

A história repetia-se…
Em janeiro seguinte vinha o primeiro inspetor visitar-nos e lembro-me como se fosse hoje: chamava-se Victor e ele chegou sentou-se, comeu e disse “nós sabemos o que se passou”. E aí resolvemos.

E a do Eleven?
Cá aconteceu quando fui fazer um evento na Madeira e fui informado que tínhamos perdido a estrela. Foi um bocadinho traumático. Primeiro não sabia o porquê e o que se tinha passado, apesar de termos a oportunidade de pedirmos uma audiência. Depois de falar com eles na altura percebi logo que a recuperação da estrela não ia ser imediata, não ia ser no ano seguinte. E depois de dois anos voltamos a ganhar e aqui nos mantemos firmes, e é muito bom para nós.

"Em 2005 era tudo nosso, éramos só nós, fomos a primeira estrela Michelin da cidade. Agora é ver o quanto crescemos, quantos somos na cidade com estrela. Também não havia, por exemplo, um trabalho tão bom na crítica e no jornalismo gastronómico como existe agora, graças a isso o cliente já está muito mais educado".
Chef Joachim Koerper

Chegar à segunda é um caminho mais complicado?
É, chegar à segunda é muito mais complicado porque servimos almoços a 39 euros, fazemos banquetes lá em cima, fazemos cocktails, fazemos piqueniques no parque, são coisas um bocadinho inimigas do guia.

Há estigma ligado à perda da estrela?
Se for relativamente aos chefs acho que não, de todo. Somos amigos. Ninguém se alegra quando um colega perde uma estrela. A estrela não é só para o chef ou para o restaurante, é para a equipa toda, e portanto não podemos desistir e deixar-nos afetar por isso, pelo contrário, temos de dar a volta para a recuperar.

E com os clientes, nota diferença?
Alguns clientes fiéis aqui dizem que não entendem a decisão, lamentam, mas não é por isso que deixam de vir. Ajudam-nos, na verdade, a puxar para cima. Se ganhas a estrela, ótimo. Mas se a perdes tens de pensar em várias coisas: primeiro como a podes recuperar e depois pensas naquela faturação ligada ao turismo gastronómico Michelin. Portanto, se a perdes, perdes muita coisa. É triste? É. Mas se caímos ao chão temos de nos levantar e não nos podemos refugiar na parte negativa.

Na Malhadinha Nova, a conversa é outra, é mais descontraído mas igualmente sofisticado. O Alentejo a contrastar com a movida de Lisboa. Como é que isso influencia a comida que por lá serve?
O sítio onde está o restaurante influencia a cozinha, sempre. O Alentejo é um sítio calmo, às vezes calmo demais, mas quando estou lá sinto essa paz porque é um conceito muito diferente do Eleven, até porque, por exemplo, na Malhadinha tentamos cozinhar ao máximo com produtos que temos lá na herdade, ou seja, é muito farm to table. Lá tenho um desafio maior em algumas coisas — cá em Lisboa eu preciso de um ingrediente qualquer e peço e sei que no próprio dia ou no seguinte já o tenho. O facto de isso não acontecer no Alentejo acaba por ser um estímulo para mim, ter esse desafio e dar a volta de outra maneira. Vou cerca de uma ou duas vezes lá, estamos a construir uma cozinha consistente, muito própria.

Perguntam-lhe pela estrela lá?
Quando me perguntam porque não cai lá estrela Michelin eu tenho uma ideia do porquê: acho que é por fazermos uma cozinha muito mais adaptada àquilo que é a herdade, é uma cozinha muito alentejana. Temos de continuar a trabalhar, quem sabe não chega.

É consultor na Malhadinha e tem o Eleven, mas o sucesso ao longo dos anos foi claro. Nunca pensou em expandir e multiplicar-se por mais sítios? Como fazem alguns chefs…
Eu expandi para o Rio de Janeiro, com o Eleven Rio, mas fechei porque não estava a resultar. Nem tudo na vida dá certo e esse projeto foi um deles. Graças a Deus que consegui fechar antes da pandemia, porque a gestão seria pior. Algumas vezes o mal vem por bem, foi um bom tempo, aprendi coisas, ganhei amigos, tinha sucesso culinário, claro, mas estabilidade financeira não havia. Então foi melhor fechar.

A expansão pode tornar-se contraproducente?
Não acho que seja, olhemos para o Martín Berasategui, que é triunfante em todos. Eu acho que tudo depende do momento em que fazemos as coisas, se fosse aqui na Europa seria diferente talvez. Não tenho vergonha nenhuma em me lembrar disso.

São histórias desse percurso. E por falar nisso, como é que se conta uma história através de pratos e menus? Porque é que isso é importante?
Bom, nestes 50 anos nós quisemos mandar esta mensagem através de um menu muito especial. O menu começa com Portugal e termina com Portugal, porque quero mandar mensagem para o meu país de coração, porque eu já falo português, penso em português e sonho em português.

No menu vai contando vários episódios da sua vida, recordando viagens…
Sim, foi esse mesmo o objetivo. Contar a minha história e levar os clientes comigo. Todos os pratos têm um produto de um país destes 50 anos, mas também todos eles têm um ingrediente português. É como se o prato fosse viajar e voltasse sempre a Portugal. Então, o primeiro prato é uma amuse-bouche que tem ostra frita com cavala. Temos o carpaccio de joelho de porco que tem lagostim do nosso mar. O segundo prato é a barra de ouro com a receita da suíça de foie gras com uma geleia de ameixa de Elvas. Depois temos o salmonete português e o açafrão de Espanha. De Coimbra tenho um leitão da Bairrada com um fried rice que comi em Singapura que foi simplesmente inesquecível, ou como dizem os espanhóis “de puta madre”. Depois voltamos a Lisboa com a minha versão do pastel de nata com a bica.

50 anos depois, sente que chegou à fase mais estável da sua carreira?
Acho que sim, sem dúvida alguma. Estou muito bem agora.

"Quando decides ser chef, tens de decidir ser amigo, humano. O copeiro da cozinha tem tanto valor que eu, nem podemos pensar de outra maneira, este tipo de cultura só funciona porque há uma equipa, não é só o chef"
Chef Joachim Koerper

Segue cozinheiros da geração mais nova?
Sim, vou acompanhando. Não sou tanto de Instagram e redes sociais, não tenho muito tempo, mas acho que estes jovens cozinheiros têm um cenário mais fácil do que eu tive e outros chefs da minha geração tiveram. No nosso tempo não havia Instragram nem Whatsapp, nem internet, e hoje tu entras no Google e vês uma receita, chegas e fazes, é muito fácil. Era tudo mais complicado na altura.

E dos que vai acompanhando, o que é que ainda aprende com eles?
Todos os dias aprendemos, para mim a humildade está em primeiro lugar sempre. Há aí muitos bons jovens que estão a fazer um trabalho excelente, e acho que há sempre coisas que conseguimos tirar deles. Mas também acho que é importante o contrário: nós, os mais velhos, temos de passar também o que sabemos aos mais novos, faz parte da nossa ética. Caso contrário, esta profissão morre.

Voltando à chegada a Portugal, qual foi a primeira coisa que comeu?
A primeira vez que pus os pés em Portugal foi em Coimbra, em 1999, quando a família Júdice me convidou para fazer a consultoria lá na Quinta das Lágrimas, levaram-me ao Pedro dos Leitões e a primeira coisa que comi cá foi leitão, gostei tanto daquilo. E esta lembrança é muito boa mesmo.

E o prato preferido de sempre?
Ai eu gosto de tanta coisa. Depende sempre. Por exemplo, eu confesso que gosto mais de comer carne que peixe, mas depende do momento em que vou comer. Gosto de um bom chucrute, do meu país, adoro uma feijoada brasileira, adoro ir a um restaurante de carne, como a Sala de Corte, onde sei que tudo é bem feito e a matéria-prima é boa. Gosto de comer lavagante, mas não todos os dias, não é? A comida é muito emocional, está sempre relacionada com o momento em que a comes. Às vezes estou em casa e como uma salada com atum, por que não?

Quem é que cozinha em casa?
Eu como sempre em casa com a minha esposa, a Cíntia, que também é chef de cozinha. Ela não cozinha só para uma pessoa, não come sozinha, então acabo por sair do restaurante e ir comer com ela. Por isso, em casa, é ela que acaba por cozinhar. Vai diversificando: um dia um escalope grelhado, noutro dia um peixinho, comemos de tudo, não tem de ser sempre super elaborado.

Passados estes anos todos continua a ter saudades de algum prato de infância?
Ovos fritos. Ou como vocês dizem ovos estrelados, daqueles que eu fazia na minha infância. Depois claro que fui fazendo adaptações e fazia ovos estrelados com trufa e presunto, um upgrade da coisa. Fica ótimo e quando tu comes é inevitável não te lembrares da tua infância, daquele momento em que ia buscar os ovos diretamente às galinhas. E ainda hoje na Malhadinha consigo fazer isso, é uma sensação ótima comer aqueles ovos fresquinhos, por muito que usemos ovos biológicos.

Recorda-se dos primeiro pratos que serviu em Lisboa?
Não me lembro qual foi o primeiro, porque basicamente foi a carta que desenhei para o Eleven na altura. Mas lembro-me bem de um momento marcante, ainda o restaurante estava em obras, havia escada, estrutura, mas não havia janelas nem nada. Vim eu de Espanha para fazer um catering, umas amuse-bouches. Convidámos os 11 sócios para virem comer e beber, tudo isto em pé, para inaugurar o espaço assim de forma simbólica. Tenho este episódio gravado na memória.

Há alguma criação que o deixe particularmente orgulhoso?
Acho que cada cozinheiro fica contente quando trabalha com ingredientes mais nobres, não é? Uma trufa branca, um lavagante, acho que trabalhar esse tipo de matéria-prima faz crescer o cozinheiro também. Inspira-nos também, porque é um desafio maior.

"Tem todo um futuro [o fine dining] e acho que vamos passar por uns anos loucos de procura, porque as pessoas querem sair, festejar, ter experiências".
Chef Joachim Koerper

Além do prato de foie gras, que está sempre consigo, há algum outro prato que o acompanha desde sempre e que vá motivando novas versões?
Acho que o foie gras é mesmo a minha estrela, faz parte desses meus 50 anos, e é um prato que eu sempre gostei muito de trabalhar e dá muito gosto a comer. Vejo os meus clientes a tiraram prazer disso também. Para as minhas cartas eu faço coisas de que gosto, não vão ver nelas coisas que eu não gosto.

Do que é que o chef não gosta?
Por exemplo, rins ou tripas, eu não gosto então nunca vão ver isso nas minhas cartas. Fígado de porco ou ouriço do mar, também não gosto, é muito forte. Enfim, também são coisas pontuais.

Como é que se vivia a cultura dos chefs há 50 anos?
Sou uma pessoa humilde, não tenho o nariz empinado, tenho os pés, e sempre tive, bem assentes na terra. O chefs não são intocáveis, nem nunca me senti assim, apesar de sentir que fui e sou muito respeitado aqui. Mas as pessoas que me conhecem sabem que sou uma pessoa normal, e é assim que tem de ser. Porque quando decides ser chef, tens de decidir ser amigo, humano. O copeiro da cozinha tem tanto valor que eu, nem podemos pensar de outra maneira, este tipo de cultura só funciona porque há uma equipa, não é só o chef.

Nos últimos anos a cena gastronómica do país evoluiu, há quem venha cá para experimentar os nossos restaurantes, como referia. O que acha que contribuiu para esta evolução?
Lisboa tem muita coisa, mas está muito diferente da Lisboa que conheci há 15 anos, óbvio. Cresceram muito o número e os conceitos de restaurantes aqui, mas eu acho que Lisboa cresceu também muito rápido, e mesmo ao nível de Michelin. Em 2005 era tudo nosso, éramos só nós, fomos a primeira estrela Michelin da cidade. Agora é ver o quanto crescemos, quantos somos na cidade com estrela. Também não havia, por exemplo, um trabalho tão bom na crítica e no jornalismo gastronómico como existe agora, graças a isso o cliente já está muito mais educado.

Que tipo de restaurantes ainda faltam por cá?
Há uma oferta muito boa, sabes? Lisboa tem restaurantes de comida portuguesa, regional, muito bons mesmo. Não gosto de dizer nomes, mas lembro-me de alguns como o Salsa & Coentros, Galito, o Ramiro, e há muitos mais. Há muita coisa já, mas acredito que cresça mais ainda quando o turismo voltar, que espero que seja em breve.

De que maneira a pandemia mudou a sua visão da restauração e do próprio projeto do Eleven?
A pandemia surpreendeu-nos a todos. Tivemos obviamente de nos reinventar, fazer tudo de novo. Nós optámos por fazer um delivery e um take-away, mas num patamar Eleven, ou seja, patamar Michelin, porque é possível fazê-lo — não com todos os pratos, mas é possível. Nós conseguimos chegar a um ponto semelhante ao que poderiam ter aqui. Depois, também fizemos piqueniques, para levar para o jardim. No fundo, inventar e reinventar foram verbos obrigatórios.

Foi o necessário para se manterem à tona ou foi mais uma maneira de não deixar a criatividade morrer?
Ah, com isto tudo não ganhas dinheiro. Não é por aí, de todo. Nós quisemos que os nossos clientes não esquecessem o nome Eleven, foi por isso. Fizemos também para mantermos as pessoas a trabalhar aqui, por sermos humanos. E aprendemos muita coisa com isto, e repito o que disse antes: “há males que vêm por bem”.

Sente então que a pandemia pode mudar o futuro da restauração?
Acho que fica sempre alguma coisa, mais que não seja por ter provado que é possível fazer muita coisa nunca tínhamos tentado antes. E, fora de brincadeiras, há certos hábitos de higiene que eu também acho que se vão manter, o álcool gel, por exemplo. Mas quando estivermos todos vacinados eu acho que a coisa vai ao lugar, estou confiante numa recuperação.

E o fine dining? Vai manter-se tal e qual?
Sim, pode-se manter, mas é sempre preciso fazer algo mais. Acho que vamos retomar o ritmo, hoje não é suficiente fazeres um bom prato, tens de surpreender de alguma maneira, dares um show com a comida. Tem todo um futuro [o fine dining] e acho que vamos passar por uns anos loucos de procura, porque as pessoas querem sair, festejar, ter experiências.

É um mercado intocável mesmo ao nível dos preços? Falando nesta altura mais crítica de pandemia e eventual pós-pandemia.
No nosso caso isso explica-se por termos um público maioritariamente estrangeiro, e temos também o menu executivo mais em conta que equilibra. Mas tem tudo a ver com a qualidade, com a surpresa que cada menu pode trazer. É uma experiência.

O chef produz alguns vinhos na Alemanha e também na Malhadinha Nova ©Filipe Amorim

FILIPE AMORIM/OBSERVADOR

E tendências gastronómicas: passa à margem ou gosta de estar dentro do que cria mais buzz?
Eu acho que temos de nos atualizar e viver a par dos tempos. Vou tentando estar a par dessas coisas e perceber se faz sentido fazer alguma coisa. Com a internet toda a gente segue essas tendências ou modas, e se existem e há uma atenção voltada para determinadas coisas eu acho que temos de aceitar. Os grandes fazem-no, não vejo mal nenhum em fazê-lo também. Não devemos copiar nunca, mas podemos beber alguma inspiração.

Por falar em tendências…para o guia de 2021 foram introduzidas as estrelas verdes, ligadas à sustentabilidade. Como é que se começa a traçar esse caminho?
Numa cidade como Lisboa é muito mais complicado, na Malhadinha seria mais fácil, porque a terra faz o seu trabalho. Mas aqui [no Eleven] até já pensámos em alugar algo fora da cidade, está nos nossos planos ter uma terra gerida por nós para podermos plantar o que usamos aqui na cozinha. Se quero flores, mando plantar, se quero alfaces, mando plantar, enfim, é de facto um novo caminho a descobrir para alguns restaurantes. Nem sempre é fácil.

Como é que se faz a gestão do desperdício?
É complicado. Tentamos ao máximo reaproveitar tudo do que servimos no fine dining e nos outros menus. Por exemplo, o peito do pato servimos no fine dining e a coxa vai para o menu executivo, e muitos produtos que não são usados na totalidade nos pratos ficam para nós, para a equipa. As reservas ajudam também a dosear as quantidades que vamos cozinhar.

Com o olho clínico de chef, em que é que repara mais quando vai a um restaurante?
Primeiro, eu não gosto de assinar ou fazer reservas com o meu nome, mas depois toda a gente me conhece. Claro que observo, mas não faço nenhum comentário, não gosto de o fazer. Faço antes a minha avaliação e, se for o caso, até aprendo alguma coisa que não devia fazer. Não podemos andar a dormir, porque os outros também não o fazem, temos de estar atentos a tudo.

Ainda não falámos de uma coisa. A certa altura começou a produzir vinhos. Visita as suas vinhas regularmente?
Eu tinha trazido uns vinhos meus do Girasol, tinha também outros alemães, feitos numas vinhas de família lá na Alemanha. Aqui, quando comecei o trabalho com a Malhadinha, há três anos, eles davam-me a possibilidade de fazer algum vinho com as uvas deles. Estou muito agradecido por isso, é um gosto que tenho. Às vezes, faço coisas com o [enólogo] Paulo Laureano.

Era o complemento necessário para quem já tem esta bagagem na cozinha?
O vinho é um complemento, sempre. Mas também acho que vinho é com comida, e comida é com vinho.

O que é que ainda lhe falta fazer?
Pergunta difícil. Eu tenho a mente aberta, mas talvez abrir um bistro em Lisboa, conseguir com isso levar a minha cozinha a um público maior. Um bistro Joachim Koerper. Mas a minha força e atenção agora está toda aqui, no Eleven, em superar tudo o que a pandemia nos tirou, é preciso voltar a meter o barco em águas calmas.

Menu 50 anos de carreira

Mostrar Esconder

Alemanha, 1971-1973 
Lagostim com joelho de porco (eisbein), abacate e gengibre

Suíça, 1974-1988 
“Barra de Ouro” – Foie gras com ameixa de Elvas

Moraira (Espanha), 1989-2004
Salmonete de “Moraira” com ervilhas e açafrão

Coimbra (Quinta das Lágrimas), 1999-2005 
“O meu dia no mercado de Singapura” – Leitão da Bairrada lacado com fried rice

Lisboa, 2004-2021
A minha versão do pastel de nata com a sua bica

99€ por pessoa (suplemento de vinhos 49€ por pessoa). O menu está disponível no restaurante Eleven ao longo de todo o ano de 2021. Reservas: www.restauranteleven.com/menus.

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