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Cedido por João Magueijo

Cedido por João Magueijo

João Magueijo: "Fui expulso do Colégio Moderno por uma redação"

Expulso da catequese, considerado incapaz pelo Exército, ameaçado de morte depois do terceiro livro. A vida de João Magueijo está repleta de situações polémicas, mas nada disso o apoquenta.

João Magueijo é emigrante há quase 30 anos. Foi para Inglaterra em 1989, porque não era possível estudar Cosmologia em Portugal e porque era demasiado “esquerdalho” para sequer ponderar ir viver para os Estados Unidos.

Com a Inglaterra mantém uma relação de amor-ódio, como deixa transparecer no livro “Bifes mal passados”, editado pela Gradiva. Não quer viver nem trabalhar noutro local, mas também não aguenta passar um ano inteiro em terras de Sua Majestade. Itália, Grécia ou Cabo Verde, são alguns destinos que usa como escape.

Aos 50 anos assume que só se sentiu verdadeiramente português em duas situações, uma delas no Canadá, com a comunidade portuguesa, que agora retrata no livro “Olifaque”, editado pelo Clube do Autor e que espera que seja tão polémico como os anteriores.

João Magueijo completou este ano 50 anos. Chegou a pensar que só faria Ciência até aos 30, mas afinal será para o resto da vida - Fábio Vilares/Observador

Fábio Vilares/Observador

Uma teoria controversa, livros polémicos, muitos palavrões. Essa rebeldia vem desde a infância ou é uma competência que tem ganho ao longo do tempo?
Vem desde a infância. Eu fui posto na rua da catequese. Quando andei na catequese houve ali umas desgraças a certa altura e fui posto na rua. E fui expulso do Colégio Moderno [Lisboa]. Há um percurso de rebeldia nesse sentido. Agora, também acho que as instituições não foram capazes de encaixar as coisas, não é? Fui expulso do Colégio Moderno por uma redação, o que é um bocado esquisito. Não foi por andar a fumar haxixe, nem coisas assim. Foi uma coisa de rebeldia intelectual.

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Escreveu algo que não devia?
Escrevi uma coisa um bocado desagradável em relação à Maria Barroso — que Deus a tenha.

E isso no pós-25 de Abril?
No pós-25 de Abril. E que fosse antes?! Era a mesma coisa. Ainda por cima, supostamente pessoas da oposição ao fascismo, não é? Vamos lá ver, a minha grande experiência de ir para Inglaterra foi exatamente ser tudo permitido. Quer dizer, uma pessoa levantar-se e dar um murro noutra não é permitido, mas o tipo de coisas que eu fazia em Portugal e que dava escândalos nunca teria dado escândalos em Inglaterra. Acho que Portugal nunca saiu do fascismo, mas não saiu do fascismo dentro da cabeça, ainda continua a haver um bocado essa mentalidade.

Recorda-se do 25 de Abril de 1974?
Eu tinha sete anos no 25 de Abril. Recordo-me bem dos putos andarem a fazer manifestações no bairro e de vez em quando fecharem a escola — 11 de Março e não sei quê —, mais os golpes que ia havendo de vez em quando. Mas a minha memória do 25 de Abril é um bocado em segunda mão, no sentido em que acho que a mentalidade do fascismo ficou e perdura em Portugal. Não foi o 25 de Abril que mudou as coisas. Começou a mudança. Mas as coisas demoraram tempo a mudar e continuam a mudar.

Quando andei na catequese houve ali umas desgraças a certa altura e fui posto na rua.

E é isso que não o traz de volta a Portugal?
É uma das coisas. Mas é uma das coisas que justifica a rebeldia. Acho que há um bocado aquela atitude de ser diferente e de ser contra as instituições, precisamente pelas instituições que tinham um lado repressivo.

Que era o que lhe acontecia na catequese?
Na catequese sem dúvida, mas também no Colégio Moderno. Fui aluno do Lopes Graça. O Lopes Graça é uma figura de referência para mim. Estudei música e estudei composição com ele. O Lopes Graça era uma pessoa que teve uma vida de merda — completamente — à conta de recusar-se a ser parte do sistema, numa altura em que não se podia tocar a música dele no país. E teve uma vida horrível. Conheci-o já bastante tarde, tinha uns 18 anos quando comecei a ter aulas com ele. Ele tinha oitenta e tal. E morreu quando eu já estava em Inglaterra.

Foi este problema com as figuras de autoridade que lhe deu problemas na tropa?
Na tropa fui declarado incapaz.

Como assim?
Fiz a inspeção para a tropa muito tarde, por erros vários. Tinha 25 anos. Já tinha acabado o doutoramento. E até hoje não sei o que aconteceu. Eles começaram a dividir as pessoas em grupos e puseram-me num grupo com um cigano que era uma coisa completamente caótica. Eu não era capaz de criar anarquia como aquele gajo criava. Impossível, completamente. Ele disse o que lhe apeteceu — uma total falta de sentimento de repressão. À conta disto, sempre que íamos a um lado qualquer [durante a inspeção] era: “Cuidado com estes dois gajos!”. E eu juro que não fiz nada. E no fim acabei por ser declarado incapaz, que é uma coisa um bocado esquisita.

Lamenta?
Não, não, de maneira nenhuma. Deu imenso jeito. A maior parte das pessoas aparecia lá com um certificado médico a dizer que eram coxos e não sei quê. Eu não fiz nada e acabei por não ir.

Depois de ter sido expulso do Colégio Moderno atraí a atenção de um dos professores, o professor de História, que era o António Louçã. Ele achou: "Este gajo tem potencial revolucionário".

Outra das situações em que se envolveu foi num movimento trotskista.
Sim, mas isso foi muito antes, talvez com 16-17 anos. Depois de ter sido expulso do Colégio Moderno atraí a atenção de um dos professores, o professor de História, que era o António Louçã. Ele achou: “Este gajo tem potencial revolucionário”. [risos] Havia uma revista chamada “Versus”, de um grupo que se chamava Esquerda Revolucionária, ou algo assim, que era um dos vários grupos que entretanto ficaram aglutinados pelo Bloco de Esquerda e que gravitavam à volta do PSR [Partido Socialista Revolucionário]. Eu trabalhei bastante com eles. Lembro-me de escrever um artigo sobre a legalização do aborto na altura. E houve uma altura em que o António Louçã se chegou ao pé de mim e disse: “João, nós precisamos de uma coisa tipo Versus juvenil”. E começámos a rir histericamente. O resultado disso foi uma variante, uma revista acessória da Versus, que tinha um nome muito estúpido: Perversus. Escrevi imenso para lá.

E era só isso que fazia ou também participou em manifestações?
Andava em manifestações. E lembro-me de uma vez termos pintado a Embaixada da África do Sul. Foi uma situação completamente diabólica. Estava lá um polícia. E tive de ir com a minha namorada para a marmelada do outro lado para atrair as atenções do polícia enquanto eles pintavam aquilo tudo. O pai de um amigo meu trabalhava nos laboratórios da Gulbenkian e tinha-nos dado nitrato de prata para meter na tinta. Aquilo nunca mais sai da parede. Lembro-me de anos depois ter passado na Embaixada da África do Sul e aquilo ainda estar tudo cagado.

O que é que os seus pais pensavam disto tudo?
A minha mãe passou-se completamente dos carretos com a história da catequese, porque era uma pessoa muito católica. O meu pai que é ateu fartou-se de rir, mas cuidadosamente à frente da minha mãe. A história do Colégio Moderno foi uma coisa um bocado mais pesada. Eu era muito bom aluno e um gajo ser expulso é um bocado… Acabei por fazer o 11º ano por mim próprio. Estive fora do sistema todo e fiz os exames no fim. E eles estavam preocupados com isso, obviamente. Depois, quando tive boas notas nos exames aquilo passou. Acho que precisava mesmo disso, sair do sistema e estar a trabalhar por mim próprio durante um ano. E depois na faculdade foi uma confusão. Também nunca ia às aulas. Primeiro não era obrigatório ires às aulas na faculdade e havia aquela situação que eu preferia: estudar e depois, no fim, fazer os exames. E foi na altura que comecei a fazer música com mais cuidado, comecei a estudar com o Lopes Graça, comecei a tocar piano mais a sério.

Continuou com a música?
Não. Houve uma altura em que tive de tomar uma decisão muito clara entre música e Física. Infelizmente vivemos numa época em que é impossível fazer tudo, há muita especialização. E isso tornou-se cada vez mais óbvio. Foi possível durante os dois ou três primeiros anos da faculdade. Depois, no último ano, comecei a fazer investigação e aí é que se tornou óbvio que era impossível fazer as duas coisas.

Nem por hobby?
Eu não acho graça nenhuma fazer música por hobby. Aquilo ou se faz a sério ou não se faz. E eu estava a fazer aquilo demasiado a sério, portanto era um bocado frustrante fazê-lo a outro nível. Às vezes quando as coisas correm mal na física penso: “Olha o disparate que eu fui fazer. Podia ter sido músico”. Se calhar se fosse músico fazia a mesma coisa: “Devia ter sido físico”. Isto é capaz de influenciar o facto de eu fazer outras coisas fora da ciência. Escrevo livros. Não é um hobby — porque faço aquilo a sério —, mas ocupa-me muito menos tempo que a ciência.

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Acha que ter estudado música desperta o lado criativo que o ajuda depois na ciência?
Acho que é mais do isso, é uma questão de equilíbrio mental. Eu dava em doido se só fizesse Física. Dava completamente em doido. Mas também há um lado de inspiração. Por exemplo, estive agora em Nova Iorque com um amigo meu, o Stephon Alexander, que escreveu um livro chamado “The Jazz of Physics”. Ele é músico de jazz e é físico, professor catedrático na Brown University.

Então é possível conciliar?
Ele consegue conciliar. Eu não consigo. Não estou a dizer que é impossível. Estou a dizer que eu não consegui. E ele diz que uma coisa inspira outra e que há uma ressonância entre as duas. E mais, o livro dele é sobre aquela ressonância que há entre mecânica quântica, que tem aquilo a que chamam uma situação, não de incerteza, mas de oportunidade e improvisar em jazz. Ele acha que há um paralelo entre física moderna e o jazz especificamente.

Então usa a escrita como escape?
Diria que é mais um equilíbrio mental fazer uma coisa diferente da Física. E gosto de escrever. Sempre gostei de escrever. No fundo, comecei a escrever por razões completamente pontuais e acidentais que tiveram a ver com Física — comecei por fazer divulgação científica. E o primeiro livro, acho que se nota, é tudo menos um livro de divulgação científica convencional. Podia ser ficção. Não é, mas podia ser. É autobiográfico. É uma coisa que se faz muito agora, mas na altura não se fazia. E foi aí que eu descobri: “Olha, afinal sou capaz de escrever. É capaz de não ser má ideia escrever”. Agora, nunca vou ser escritor e não me venham com literatura, por amor de Deus. Não quero nada disso, não quero ter nada a ver com essa gente. Quero é escrever.

Mas escreveu um livro de ficção.
Mas não é literatura. Não me venham ofender. [risos]

Imagina-se a escrever depois de deixar a ciência?
Não vou deixar a Ciência. É uma coisa que é um bocado difícil fazer.

Nunca vou ser escritor e não me venham com literatura, por amor de Deus. Não quero nada disso, não quero ter nada a ver com essa gente.

Entranha-se?
Entranha-se completamente. Às vezes posso fazer mais intensamente do que outras vezes. Lembro-me de dizer que a ciência era para se fazer até aos 30 anos. [risos] Lembro-me de dizer isso quando tinha 29. [risos] Entranha-se. No meu caso, ainda por cima, é uma questão de modo de vida e de maneira de pensar. E de autoestima também. Há uma questão de curiosidade e a pessoa faz ciência porque tem curiosidade, quer saber como é que são as coisas. Esse lado é viciante. É um vício total, como uma droga, uma droga forte. E é um bocado difícil sair disso. Escrever depois de fazer Ciência? Não. Eu acho que é ao contrário. Sou capaz de escrever mais, não sei, mas vai ser sempre em paralelo com a Ciência. Nunca escrevo ao mesmo tempo que estou a fazer Ciência, mas de repente, durante duas semanas, tiro “férias” e escrevo. Normalmente fora do ambiente onde faço Ciência. Portanto se faço Ciência em Londres, não escrevo em Londres.

10 perguntas rápidas a um físico teórico que adora palavrões

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1. O que lhe perguntam sempre nas entrevistas?
Acho que são todas muito diferentes. Houve uma altura que perguntavam pela teoria, como é óbvio. Depois houve outra altura que perguntavam: “Então já te deram porrada em Inglaterra?”. [risos] Há coisas comuns, mas que variam ao longo do tempo.

2. O que é que nunca lhe perguntaram que gostava que lhe tivessem perguntado?
Com os [jornalistas] ingleses fiquei completamente lixado com aquela história de não me deixarem explicar que aquilo [o livro “Bifes mal passados”] é uma carta de amor a Inglaterra. No fim recusei-me a dar entrevistas porque descambava sempre.

3. Que pergunta é que nunca responde?
Não vou responder a essa pergunta. [risos] Há coisas muito pessoais que não respondo.

4. Conseguia viver num país onde os palavrões fossem proibidos?
Não. Não era capaz. [risos]

5. Se não fosse físico teórico o que seria?
No passado teria sido músico. Agora… Não quero dizer escritor, porque não quero fazer parte dessa raça. Não quero ser escritor, quero escrever.

6. Qual é o seu maior medo?
Não gostava de ficar numa situação sem as minha faculdades mentais. Acho que isso era uma coisa muito má.

7. Pensa ter filhos?
Não. Não. Acho que já é tarde demais de qualquer maneira.

8. Tem animais de estimação?
Adoro gatos, mas sou alérgico. É a maior tragédia da minha vida. É das poucas coisas a que sou alérgico, que é exatamente o animal que eu mais gosto.

9. Em que país nunca viveria?
[risos] Na Alemanha. Já fui à Alemanha muitas vezes e não tive problema nenhum, mas nunca lá viveria.

10. Qual seria um tema para um próximo livro?
Não sei. Quando se acaba um livro: “Nunca mais escrevo outro! Já chega!”. [risos] Eu gostava de escrever sobre Itália, por exemplo. E nesse caso até já tinha um título. Em Itália quando uma coisa não presta diz-se “fa cagare”, dava um lindo título em português. [risos]

Faz uns retiros.
Vou para Cabo Verde agora, mas agora acho que não vou escrever, porque acabei de escrever um livro. Já chega.

Não tem ideias para o próximo livro?
Ideias tenho, mas acho que é um bocado cedo começar a pensar nisso. Acabar um livro é sempre uma coisa extenuante. E todos os meus livros deram sempre confusão.

O que motivou este livro [“Olifaque”, Clube do Autor], que é um bocado diferente dos outros? Bem, o “Bifes mal passados” [Gradiva] já era diferente.
Eles são todos diferentes uns dos outros.

Mas o “Bifes mal passados” era biográfico, quase, como o primeiro.
Este também é biográfico, de certa maneira. Não é diretamente, é ficção. Dada a natureza do narrador tem de ser completamente encriptado e mudado para ninguém se sentir enxovalhado com aquilo, mas é claro que muita coisa é biográfica. A ficção é muito biográfica. Essa coisa do ficção/não-ficção não tem nada a ver com a percentagem de realidade, tem a ver com o estilo.

Acha que vai ser tão polémico como o “Bifes mal passados”?
Espero bem que sim. Se a polémica for aquilo que é preciso para as pessoas lerem e se interessarem pelo assunto, acho muito bem. Por exemplo, no caso do “Bifes mal passados” o efeito que isso teve foi as pessoas reconsiderarem o que é ser português e o porquê deste sentimento de inferioridade em relação ao norte da Europa, nomeadamente aos ingleses. Neste caso acho que tem a ver com a nossa identidade cultural. Temos cinco milhões de pessoas lá fora e não pensamos nelas, ao mesmo nível que desprezamos essas pessoas e achamos que elas são inferiores a nós. E há qualquer coisa de errado dentro da nossa identidade cultural se pensarmos dessa maneira. Se a polémica é o que é preciso para chamar a atenção para cinco milhões de portugueses, acho muito bem.

Mas o “Bifes mal passados” não foi muito bem aceite em Inglaterra.
O “Bifes” não foi traduzido em inglês porque não deixei. Acho que ia ser mal entendido. E é verdade, fizeram-me ameaças de morte. Estava em Itália, estava-me nas tintas, mas recebi 500 ou 600 e-mails na altura em que os tabloides pegaram naquilo. Havia ali coisas muito feias. Não fui à Polícia porque nunca levei aquilo muito a sério e porque não estava em Inglaterra. Se estivesse em Inglaterra ia mostrar aquilo à Polícia, porque eram mesmo ameaças de morte.

No “Bifes mal passados” mostra uma relação de amor-ódio com Inglaterra. Quando acabou a Universidade em Portugal sabia que queria ir para Inglaterra? Sabia que queria fazer Cosmologia?
Sabia que queria fazer cosmologia. E na altura nem sequer era uma questão de melhor ou pior, não havia nada em Portugal para fazer cosmologia. Então a escolha era essa. Agora é um bocado mais equilibrado, mas na altura a Inglaterra era o melhor lugar na Europa para fazer Cosmologia, nomeadamente o grupo de Cambridge, o grupo do Stephen Hawking. Os Estados Unidos não queria. Era uma coisa que vinha daquele passado esquerdalho, aquele passado de revolucionário. Viva la revolución! Um gajo não podia ir para os Estados Unidos, que era a Meca do capitalismo. São aquelas parvoíces. Mas foi por causa disso que não pensei sequer em ir para os Estados Unidos. Portanto Inglaterra foi a escolha óbvia.

Num “May Ball” em Cambridge, onde fez o doutoramento (1994) – cedido por João Magueijo

Escolheu Cosmologia quando entrou para a faculdade ou já estava interessado pela Ciência?
Isso vinha desde os 11 anos. Nisso fui muito prematuro. Interessei-me pela Física, em particular, muito cedo. Pela Ciência ainda mais cedo. Conto isso no primeiro livro: o meu pai ofereceu-me um livro do Einstein, “A Evolução da Física”, que mudou completamente a minha perspetiva e a minha maneira de pensar. E foi aí que decidi que ia fazer Física teórica. Cosmologia foi um bocado mais tarde. Especificamente a ideia de o universo primordial ser o berço, ser o laboratório da Física teórica, isso foi uma coisa mais tardia. A partir dos 20-21 anos soube claramente que queria fazer Cosmologia, não havia outra opção.

Qual era o interesse em Ciência antes do livro?
O meu interesse pela Ciência começou pela Química, uma coisa mais concreta. Achava muita graça à maneira como as reações químicas se passavam. Tinha um laboratório em casa, em Évora. Havia uns gajos, uma drogaria, que me vendiam tudo. Era uma coisa que não passa pela cabeça agora. Eles vendiam tudo a um puto de sete ou oito anos. Eu podia fazer uma bomba com aquilo que eles me estavam a vender. Um puto chegava ali e pedia ácido nítrico e eles vendiam-me ácido nítrico.

Nunca explodiu nada em casa?
Não. Podia ter acontecido. [risos] Felizmente não cheguei a fazer os disparates que podia ter feito com as coisas que eles me vendiam. Porque havia ali potencial.

Como é que começou a ter ideias para fazer essas coisas?
Estava interessado. Lia livros e queria fazer experiências. Isto era na casa dos meus avós. E eles eram um bocado “deixa andar”. Ainda hoje acho graça a esta falta de cuidado, esta liberdade total que se goza às vezes em Portugal como criança. E em Évora, em particular, havia muito disso.

Os dois irmãos Magueijo depois de terem andado a fazer disparates. “Essa fotografia está linda. Aquele anjinho pequenino de quatro anos, era uma gata brava do pior que pode haver.” – foto cedida (e comentada) por João Magueijo

Se tivesse crescido em Lisboa, teria sido diferente?
Mas eu cresci em Lisboa. Quer dizer, vivi lá [em Évora] até aos cinco anos. E depois ia lá de férias. Aprendi a falar no Alentejo. Perdi o sotaque porque vim para Lisboa. Mas passo uma noitada com o meu primo em Évora e começo a falar alentejano. E eu e a minha irmã falamos “avosês”. Sempre me dei muito bem com a minha irmã [11 meses mais nova] e nós temos uma linguagem que mais ninguém percebe. No fundo é decalcada dos disparates que a minha avó dizia: coisas agramaticais, disparates, alentejanismos extremos, alguns dos quais ninguém usa, mesmo no Alentejo. Nós temos ali um dicionário de disparates que é uma coisa incrível. Portanto este interesse pelas línguas esquisitas já vem lá de trás.

Ela é rebelde como o João?
É. Pior do que eu. É mais inteligente do que eu, ainda por cima. Por isso cuidado com ela. [risos]

Ela seguiu Ciência?
Não. Ela seguiu um curso de inglês e depois foi trabalhar para a Disneylândia. Acho que tinha um bocado de reação contra o lado intelectual da família. Não que a minha família fosse historicamente intelectual, basicamente só o meu pai — o meu pai é catedrático de Clássicas —, o resto da família é completamente não intelectual. Mas acho que mesmo assim a minha irmã deve ter sentido um bocado essa pressão.

E os vossos avós eram permissivos com a vossa rebeldia?
Eram mais que os nossos pais. Obviamente. Houve um ano que os meus pais estiveram em França, o meu pai estava a fazer o doutoramento. E nós ficámos com os avós maternos e criámos uma relação muito próxima com eles. Já a tínhamos antes, mas nesse ano completamente… Eles tomaram conta de nós. No “Bifes” a minha avó aparece a torto e a direito, o meu avô também. E aquilo tornou-se um bocado uma piada recorrente.

Marcaram a pessoa que é agora?
Completamente. Especialmente o meu avô. Havia ali uma certa tolerância, o não se chatear com coisas que eu devia ter e não tenho. Só ter sido criado naquele ambiente, com uma pessoa assim, foi bom. Sinto-me muito ligado ao Alentejo por esse ano. Estou marcado ao Alentejo esteticamente por causa dos avós. Especialmente o avô, o avô foi uma pessoa fundamental para mim.

Volta ao Alentejo com regularidade?
Não, nem por isso. Gostava de voltar mais, mas não tem acontecido. Eu tenho uma vida de doidos. Uma vida de cigano: ando sempre por aí. Tenho estado muito em Itália. E na Grécia — normalmente passo lá um mês de férias. A maior parte das coisas que escrevi foi na Grécia, nas ilhas gregas. É engraçado. O meu pai era professor de grego moderno. Eu podia ter aprendido e não aprendi. Porque é aquela coisa dos putos rebeldes: o pai tenta ensinar, então não quero saber disso para nada. Havia discos de grego moderno lá em casa, música do [Míkis] Theodorákis, havia imensas coisas ali que podia ter aprendido. E anos mais tarde, dou comigo numa ilha no cu de Judas, em que ninguém fala mais nada, e vão buscar um desgraçado que está lá nos campos e é o único que sabe falar inglês ou francês — já nem me lembro o que era — e lá vem o homem traduzir. E pensei: “Se eles estão a ser tão simpáticos e se o homem pode vir de lá para falar comigo e para traduzir, eu também posso aprender isto”. E realmente a verdade é que tinha apanhado de ouvido muita coisa. Agora falo grego moderno.

A primeira vez que tive esse contacto com a comunidade emigrante portuguesa e fiquei completamente inserido nela, foi no Canadá.

É emigrante há quase 30 anos. É tratado como um emigrante?
Sou emigrante. E não fui expulso, não me deram um pontapé no cu por razões económicas. Há uma história no “Olifaque” que é a história da minha prima Isabel, que disse: “Não, ele não é emigrante”. Como se não fosse. É a imagem de que o emigrante é um pedreiro ou uma mulher de limpezas. A prima Isabel tinha razão: é a imagem portuguesa do que é a emigração. De certa maneira, os ingleses são piores do que isso. Os ingleses não dizem emigrantes. Dizem migrantes para os outros povos que vão para Inglaterra — para os “pretos” que lá aparecem. Quando são os “brancos” ingleses são “expat” [expatriado]. Têm uma palavra para isso. Um “expat” é um emigrante inglês, superior. É uma maneira de ver as coisas. Em Portugal, infelizmente, há aquela imagem um bocado estereotipada do que é um emigrante. Eu sou um emigrante e acho que tenho as credenciais completas para ser um emigrante.

Tem contacto com a comunidade portuguesa emigrada?
A primeira vez que tive esse contacto com a comunidade emigrante portuguesa e fiquei completamente inserido nela, foi no Canadá. Dava-me lindamente com os emigrantes portugueses em Londres. Mas no Canadá é diferente. É diferente porque as pessoas ganham mais, são mais bem tratadas, existe muito mais aquele espírito de associações. As pessoas trabalham muito, mas ganham muito, e depois são respeitadas por isso. Não há estigma social por ser pedreiro. Em termos sociológicos — não económicos —, há socialismo total no Canadá. Foi onde realmente me senti emigrante — emigrante no mau sentido da palavra, segundo muita gente. No sentido de uma pessoa que faz água pé na garagem, touradas à corda no meio do Canadá, cabidela com as galinhas desgargaladas no backyard. Tudo isto é ilegal, mas acontece. E estive completamente inserido nesta comunidade, mas isso é porque essa comunidade existe muito mais do que Inglaterra. Não foi uma questão de escolha.

Viveria no Canadá?
Vivi lá dois anos e teria lá ficado. Não fiquei lá por razões profissionais. Não funcionou. Mas adorei os dois anos que vivi no Canadá, que são retratados no “Olifaque”. Foi uma paixão total que apanhei pelo país e pela comunidade portuguesa de Toronto. Foi engraçado estarmos a falar de Évora, porque nunca me tinha sentido português, tirando o ano em Évora com os avós, até Toronto. Ouvi numa entrevista que aquilo é o pior, o mais execrável e o mais lamentável que existe em português. [risos] Eu não acho. Acho que a água pé, as touradas e essas coisas todas são a nossa identidade e aquilo é muito bem preservado ali. Fiquei muito, muito apegado a essa comunidade. Da mesma maneira que estou muito apegado a Évora.

No Canadá, em 2007, numa paródia numa quinta - foto cedida por João Magueijo

Cedido por João Magueijo

Em Inglaterra sente que os ingleses o tratam como um emigrante, ou por ser cientista acha que é mais fácil?
Acho que é diferente. Mas os ingleses são um bocado cagões e há sempre aquela coisa de separar os emigrantes em Inglaterra e os ingleses. Além do mais, eu digo no “Bifes” e é verdade: eles acham que nós não somos completamente brancos. Eles são. Ouvi isto de várias pessoas e dá-me vontade de rir. Não me importo de ser “preto”, estou-me nas tintas, acho é um bocado ridículo as pessoas dizerem isso, isso revela um bocado um problema qualquer de autopercepção. Devem imaginar que ser branco é uma coisa do norte da Europa.

Parece um sentimento um bocado nazi.
Sim. Não é por acaso que o nazismo aconteceu onde aconteceu. É verdade, completamente, racista e xenófobo. Mas isto não é surpresa nenhuma. É surpresa nós, portugueses, que às vezes temos esses sentimentos sermos o alvo disso. De repente passar para a posição de alvo tira-te o tapete.

Como emigrante em Inglaterra, está preocupado com o depois do Brexit?
Vai ser um problema para eles. Para mim não. Vai ser um problema para os hospitais, para as escolas secundárias e vai ser um problema para as universidades. O Imperial College pagou — e bem — a advogados para tentarem resolver este problema aos professores que lá estão.

Que são na sua maioria estrangeiros.
Que são na sua maioria estrangeiros. Vão ter um problema enorme se as pessoas saem. O Imperial College está preocupadíssimo com isso. O NHS [Serviço Nacional de Saúde britânico] está preocupado. As cadeias de café expresso e não sei quê, é tudo empregados italianos e espanhóis. Como é que vai ser? Vão ser os ingleses a fazer aquele trabalho? São uns preguiçosos e uns incompetentes e uns inúteis. Não vão ser eles de certeza. Eu não estou preocupado. Eles é que estão preocupados. E isto é uma confusão, porque nos últimos cinco anos estive a viver quatro meses em Itália, todos os anos, quatro meses em Inglaterra e quatro meses por aí. E isso foi um problema para a advogada do Imperial College. Ela basicamente queria arranjar razões para eu ficar com um permanent residency [residência permanente]. Mas é preciso estar seis meses por ano no país. Ela arranjou maneira de resolver isso, porque é retroativo e ela arranjou um período em que eu realmente estive seis meses por ano no país e foi suficiente. E uma vez tendo aquilo fica-se com aquilo para sempre.

E vai poder continuar a poder viajar facilmente ou não?
Vou. Espero que sim. Mas isto criou um problema à partida. Aquela liberdade de movimento que havia dentro da Europa vai desaparecer e vai afetar os ingleses, especialmente as pessoas mais novas.

Eu não estou preocupado [com o Brexit]. Eles é que estão preocupados.

Se fosse forçado a sair de Inglaterra para onde iria?
Para Itália. Neste momento estou apaixonadíssimo por Itália. É muito fácil para mim arranjar maneira de ir para lá, mas é um disparate. Não gostava de ir para lá, preferia ficar em Inglaterra. É muito mais fácil trabalhar em Inglaterra ou usar a Inglaterra como base do que usar a Itália. Itália é uma confusão de primeira apanha. O ideal é estar ilegal dentro de Itália.

Que é o que faz?
É o que faço, mais ou menos.

Mais vai para Itália para trabalhar, certo?
Vou para trabalhar. O último ano estive lá como professor convidado oficialmente, pela primeira vez. E juro que nunca mais, é uma confusão. Prefiro estar lá ilegalmente. Tenho um gabinete, falo com as pessoas, escrevo artigos, ponho “La Sapienza University” nos créditos – ninguém tem de saber. É mais simples. Uma pessoa para lá estar oficialmente é uma balbúrdia. Itália é uma confusão. Mas se tivesse de ser, ia para Itália. Gosto muito de Itália. De certa maneira tornou-se um “pseudo-Portugal”, um surrogate [substituto]. [risos] Os meus instintos mediterrânicos transferiram-se todos para Itália, de certa maneira. Não consigo trabalhar em Portugal, mas consigo trabalhar em Itália.

Não consegue trabalhar em Portugal porque não há lugar, ou porque não consegue trabalhar neste país?
Não há ambiente aqui [em Portugal], na minha área. Está melhor em certas áreas, mas fazer Ciência em Portugal é muito difícil. Na minha área é mesmo impossível, diria eu. Ao passo que em Itália, no meio daquela confusão toda, faz-se. E aquilo pode parecer um bocado caótico, mas acaba por ser produtivo de uma maneira um bocado esquisita e estrambólica. Esses quatro meses ao ano são muito produtivos.

João Magueijo com Stephon Alexander, um dos colegas com quem colabora normalmente – foto cedida por João Magueijo

Os momentos criativos são isolados ou em equipa?
É quase sempre tudo feito em equipa, na minha área. E é sempre tudo feito fora do gabinete. Quando estive com o Stephon Alexander, vínhamos no comboio de Nova Iorque para Providence — onde é a Brown University — completamente arrasados, porque aquilo tinha sido um fim de semana de doidos.

Um fim de semana de lazer?
Completamente de lazer. E íamos ali a dormitar e a escrever um artigo científico. [risos] Pelo menos o blueprint [plano] daquilo. E é um artigo que acho que é capaz de ter um potencial enorme. Acho que a parte criativa da Ciência é sempre assim. Depois há uma parte obviamente técnica, não é? E isso é diferente. É preciso estar calminho, sóbrio. [risos] Descansado. Mas a parte criativa é muito feita em grupo. Um grupo de pessoas que trabalham comunicam, atiram disparates uns para os outros, gritam uns com os outros. Aquelas conversas em Itália deviam ser gravadas, a gritaria que para ali havia. Os italianos gritam se que fartam. Aquilo é uma coisa linda, aquelas discussões. Dou-me bem com Itália, dou-me bem com o ambiente científico italiano. Preferia não ir viver para lá, porque depois há o lado mau de Itália: uma máfia total. Há imensa corrupção e, obviamente, o ambiente académico não fica atrás. Mas, ao contrário de Portugal, as coisas de facto acabam por ser produtivas e funcionar. Só há uma maneira de resolver este problema em Portugal: é começar de novo.

Tem estado atento à investigação que se faz em Portugal, aos grupos que têm surgido na área?
Tenho, de vez em quando. Mas já há muito tempo que perdi essa ideia épica e heroica de voltar para Portugal e mudar tudo. Porque isso não é assim, é ao contrário. Todas as pessoas que vi voltarem com essas ideias, ao fim de um ano ou dois são absorvidas pelo sistema. Uma pessoa não muda nada.

João Magueijo com Andy Albrecht, no ano 2000, clip do documentário Einstein Biggest Blunder – DOX Productions Ltd

Estava a dizer que esta parte da criatividade surge muito em grupo. Quando teve a ideia que depois deu origem à Teoria da Velocidade Variável da Luz estava sozinho ou em grupo?
Essa tive sozinho. Isso aparece no primeiro livro. Estava com uma ressaca enorme. Ia a atravessar um campo de râguebi do Saint John’s College a chover, a chover imenso, quando tive essa ideia. Um disparate total. Mas foi assim.

Foi um momento Eureka?
Sim, mas um Eureka ressacado. [risos] Ao menos o Arquimedes saiu da banheira. Eu estava dentro da banheira: estava a chover torrencialmente. Em geral é em grupo. Essa ideia foi uma exceção. E, depois, obviamente, aquilo foi desenvolvido em grupo com o Andy Albrecht. Mesmo quando a ideia inicial é uma coisa individual, acaba por ser um trabalho de grupo.

Como foi partilhar uma ideia disparatada, como disse?
“Isto é completamente idiota.” [disse João Magueijo ao colega] “É pá João, isso é que é. Há imenso tempo que ando a ver se resolvo isto.” [respondeu o amigo] E depois há altos e baixos. Isto foi um momento em que ele ficou entusiasmado. Depois houve uma altura em que ele perdeu o entusiasmo e eu fiquei entusiasmado. Portanto, é preciso um bocado essa ressonância de entusiasmos e depressão fora de fase para criar um projeto. Depois, há uma fase diferente que é a fase de desenvolvimento, isso às vezes demora meses.

Trabalha em contínuo nessas alturas?
Às vezes até demais. Às vezes não sou capaz de dormir. É de doidos. Quando é mesmo uma fase de desenvolvimento, quando há aquele entusiasmo, é uma coisa completamente de doidos. É uma explosão de adrenalina incrível. E a pessoa nem sequer consegue dormir, porque está sempre a pensar no problema. E eu adoro essa fase. É isso que cria o vício, porque é uma droga, é mesmo uma droga forte. E aí é contínuo. E depois, claro, preciso de me ir embora, não é? O descanso do herói.

Atualmente passa quatro meses em Inglaterra a dar aulas, quatro meses em Itália a fazer investigação e quatro meses por aí. Aqui, por volta de 1995, foi esquiar e partiu o esqui – foto cedida por João Magueijo

Na altura a teoria foi extremamente controversa e teve muita dificuldade em publicar o artigo científico. Os ânimos estão mais calmos? Já passaram quantos anos?
Foi em 1999. Já passaram 18 anos. Vamos lá ver, as coisas mudaram muito. Acho que a teoria está mais desenvolvida do que nunca.

Continuou sempre a trabalhar na teoria?
Sim. Às vezes mais, outras vezes menos. Mas, por exemplo, na altura nós não conseguimos explicar as flutuações do princípio do universo, que é a coisa fundamental. E, no fundo, aquela teoria que deu uma celeuma tão grande, tinha ali um buraco enorme. Ninguém era capaz de fazer essas contas. Depois, encontrámos nichos dentro desse campo de teorias de velocidade variável da luz em que realmente conseguimos fazer essas contas. E a teoria nunca esteve em tão boa forma para explicar o princípio do universo e as propriedades de várias coisas, nomeadamente das flutuações no princípio do universo. Eu não diria que é mainstream, de maneira nenhuma, mas também não é aquela coisa chanfrada que era no princípio. E há uma comunidade pequena a trabalhar nessa teoria.

É um bocado esquisito uma pessoa, que no fundo era o puto charila, que andava para ali a mandar bocas, de repente tornou-se a autoridade. As outras pessoas escrevem artigos e quem é que os apanha na avaliação por pares? Sou eu. Acabo por fazer esse papel de figura de autoridade que não era coisa que eu queria, mas pronto, é a sequência inevitável. Tenho 50 anos, essas coisas são um bocado inevitáveis. A pessoa vai crescendo e vai, de certa maneira, tendo responsabilidade pelas pessoas mais novas. Acho que desde que não se tenha uma atitude dogmática é fixe, não há problema.

A Teoria da Velocidade Variável da Luz diz, de certa forma, que a Teoria da Relatividade Geral de Einstein tem uma parte que não está bem e pretende explicar melhor a parte da formação do universo. Se Einstein ainda fosse vivo o que é que lhe diria?
A primeira teoria de velocidade variável da luz é do Einstein. Isto não é muito sabido, mas é. É de 1911 ou 1912, já não me lembro. Mas ele depois desistiu da ideia. Mas isto quer dizer que a pessoa que inventou o dogma não era dogmática em relação ao dogma. Foram as pessoas que vieram a seguir que criaram esse ambiente de que isto não se pode questionar. Acho interessante que o Einstein tenha sido o primeiro a propor a ideia. Quer dizer alguma coisa, não?

E se o encontrasse agora, dava-lhe os parabéns pelo prémio Nobel da Física?
Ele nunca teve dúvidas sobre as ondas gravitacionais. E mais, nunca ninguém teve dúvidas sobre elas existirem, porque havia maneiras indiretas de ver as ondas gravitacionais. Nós sabíamos que a Teoria da Relatividade estava certa nesse sentido, que a ondas gravitacionais eram emitidas, não tínhamos era visto diretamente. O que é engraçado nesta história é que aquilo vai ser um novo canal para ver o universo, e nesse sentido é uma coisa de breakthrough [rutura] total em termos tecnológicos.

A primeira teoria de velocidade variável da luz é do Einstein. Isto não é muito sabido, mas é.

Einstein não conheceu, mas certamente que se cruzou com o Stephen Hawking nos corredores.
Sim, falei com ele várias vezes — falar no sentido em que é possível falar. Houve uma altura que estive no grupo dele. Fui para Cambridge na altura em que ele se estava a divorciar, portanto nós apanhámos com as escandaleiras todas. [risos]

Havia muitas cenas?
Havia cenas enormes dentro da universidade. Lá com a enfermeira, ainda por cima. Portanto havia ali situações de telenovela. Fui para lá em outubro de 1989, e aquele Natal foi a altura em que aquilo explodiu tudo. Lembro-me de pensar: “Em que manicómio é que me vim meter?” Acho que com a situação que o Hawking tem [Esclerose Lateral Amiotrófica] não é muito fácil comunicar. Ele na altura ainda estava muito ativo intelectualmente, agora não sei se estará. Mas acho que o Hawking é um físico genial. E depois há o lado obviamente de circo e o lado da figura pública. Achei muito bonito os jogos Olímpicos de Londres em que os Paralímpicos foram abertos por ele. Ele obviamente é a pessoa incapacitada mais famosa do mundo. Chegar ali e começar a dizer coisas quase poéticas sobre o princípio do universo… Achei aquilo lindo. Há um lado público dele que acho que é muito bom, mas depois há o lado de palhaçada total. Mas toda a gente tem de sofrer com isso.

Qual a próxima polémica em que espera ver-se envolvido?
Eu acho que este livro, o “Olifaque”, tem potencial, porque aquilo é um manguito a uma certa intelectualidade portuguesa que acha que pode definir o que é a língua e o que não é, o que está correto gramaticalmente e o que não está, o que é literatura e o que não é. E à conta disto não podemos falar de cinco milhões de portugueses que têm uma língua diferente, que têm umas vidas que não são exatamente muito literárias — é mais uma telenovela. Portanto, é possível que isto seja um escândalo. Se for e se o resultado for pôr o holofote sobre esta comunidade, que é desprezada, acho muito bem. No fundo isto é a “Gaiola Dourada” para maiores de 18 anos. Mas o filme a “Gaiola Dourada” é uma coisa completamente sacarina. Aquilo não é assim, é muito pior. E devia haver mais coisas que vão diretas ao tutano da emigração portuguesa, da língua, dos problemas, dos traumas, mas também das coisas boas.

Vai fazer divulgação do livro junto da comunidade portuguesa no Canadá?
Sou capaz de fazer. Aliás, há muito tempo que estou convidado para ir falar à rádio local. Já falei com o Onésimo [Teotónio Almeida], que tem um programa de televisão, em New Bedford — aquela televisão local portuguesa. Ele gravou duas entrevistas comigo, uma das quais sobre o “Olifaque”. E vai fazer divulgação deste livro junto da comunidade portuguesa dos Estados Unidos. Isso já está gravado. Não disse o nome do livro, porque aquilo é um programa que aparece antes da telenovela, portanto há crianças e não sei quê. Deixei o Onésimo decidir e o que ele fez foi dizer mais baixo. Toda a gente ali sabe o que é “olifaque” [a asneira “holy fuck” dita com sotaque português]. Os portugueses [não emigrantes] podem ter de pensar um bocado, mas um emigrante, que tem as coisas de ouvido, sabe imediatamente.

Já há muito tempo que desistiu da ideia de voltar para Portugal - Fábio Vilares/Observador

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