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John Oliver está de olhos postos no mundo. E quer regressar "sem Trump como Presidente"

"Last Week Tonight" é uma referência do humor e podemos ver a estreia da nova temporada na HBO a partir de dia 15. Numa mesa redonda à distância, Oliver diz-nos o que podemos esperar deste regresso.

É uma segunda-feira à tarde, alguns dias antes de o talk show “Last Week Tonight With John Oliver” regressar para a oitava temporada [a estreia está marcada para esta segunda-feira, 15 de fevereiro, na HBO Portugal], e o homem que dá nome ao programa está do outro lado do ecrã para responder a perguntas feitas por jornalistas de diferentes partes do mundo. Atrás de John Oliver está uma parede branca, não a parede branca que o acompanhou durante a maior parte das emissões de 2020, mas uma outra, que lembra todas aqueles episódios memoráveis do último ano, feitos com os meios possíveis. Tendo a oportunidade, é impossível não dizer ao humorista/apresentador algo como “continuo a vê-lo com um fundo branco”, à qual se segue a resposta possível do próprio John Oliver: “E continuarei aqui durante algum tempo.”

A tal parede branca surgiu a 15 de março de 2020. Alguns membros da equipa de John Oliver testaram positivo com Covid-19 e o programa mudou-se para uma outra localização, sem público a assistir e com um fundo branco. Este cenário neutro, inicialmente, era uma incerteza. Isso e a própria existência do programa, sem que ninguém soubesse quanto tempo isto iria continuar assim. Eventualmente, e com quase um ano passado, o fundo branco tornou-se numa piada sobre como nada está a mudar.

Tornou-se também uma referência visual de conforto, um símbolo que parece dizer-nos que vamos sempre poder continuar a contar com John Oliver. Acompanhamo-lo desde os tempos em que fazia parte da equipa de “The Daily Show”. Quando Oliver substituiu Jon Stewart durante uns tempos na apresentação do programa, agradecemos e aplaudimos. Desde que tem o seu próprio programa, perder um episódio é pecado.

[o trailer da nova temporada de “Last Week Tonight with John Oliver”:]

Por estes dias, John Oliver já é cidadão norte-americano, mas quando conquistou um lugar no “The Daily Show”, fê-lo como “correspondente britânico”. E fê-lo muito rapidamente. Sabe bem o que é auto-ironia e pratica-a como poucos – parece uma qualidade inerente britânica – e também sabe explorar as incongruências únicas do Reino Unido com um apuro raro. Uma técnica que, obviamente, também aplica aos Estados Unidos. É um programa de humor, mas também é um programa de jornalismo. As peças principais de “Last Week Tonight With John Oliver” são dedicadas a problemas de fundo, sejam seguros de saúde, funcionamento dos correios, ou tudo o que acontece em vota de uma entidade internacional gigante como a FIFA. O à-vontade da produção da HBO permite incomodar. John Oliver aproveita e incomoda alguma gente. Com classe.

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Fá-lo com seriedade e sabe transformar o sério em humor, sem nunca tirar ao espectador a atenção sobre o problema. O espectador retribuiu e conta com ele todas as semanas para um momento de diversão informada e para garantir algum nível de sanidade mental, através de um programa e de um humor que se revelam resilientes face á realidade.

Há um grande sentido de missão em John Oliver. Seja em informar ou em fazer rir. A sua expressão física mostra que se preocupa. E que também se diverte com o que faz. A 29 de março, o segundo episódio com um fundo branco, John Oliver acabou o programa com um pormenor de um leilão televisivo numa estação da Pensilvânia, dos anos 1990. Um pedaço de memória de outros tempos, em que se estava a leiloar uma série de quadros de “rat erotica”, ou seja, quadros eróticos com ratos. Oliver quis encontrar um dos quadros – “Stay Up Late” – e exercer um instante de filantropia, algo também muito comum no seu programa. John Oliver já explicará, pelas suas palavras, todos esses detalhes dentro de momentos.

"Havia uma parte de mim que estava preocupada em voltar a fazer momentos de comédia em volta de uma estupidez jovial. É algo que fazemos tantas vezes , mas naquela altura, à medida que o número de mortos aumentava, não me parecia que fosse possível fazer esse tipo de coisas. Como é que estarias motivado para fazer e para alguém ver isso no meio de tudo o que estava a acontecer."

Naquela semana, esta piada era mais do que uma piada. Era algo que, para a equipa e para os espectadores, representava um presente e um futuro. Que nos momentos mais difíceis – e de isolamento – havia alguém que conseguia aproveitar algo característico de outros tempos e gostos para explorar o seu ridículo em nome do bem. Era possível fazer humor com coisas estúpidas mesmo com um vírus novo espalhado pelo mundo. E era possível ter propósitos, mesmo que esse propósito fosse encontrar um quadro de rat erotica de um tal Brian Swords, de York, pintado em 1992. Para alguém com um sentido de missão tão grande, que equilibra bem a negritude e a avareza da realidade com o ridículo, qual é o envolvimento de John Oliver numa peça como esta e em outras da mesma categoria?

“É um esforço de equipa”, diz-nos o próprio Oliver. “Quem me falou disso foi o Tim Carvell, que dirige o programa comigo, e que conheço desde o ‘The Daily Show’. Um amigo nosso que escrevia para lá enviou-lhe um vídeo com isso, um vídeo antigo desse leilão televisivo. Isso surgiu num momento interessante, logo no início do confinamento…”

Nesta altura, John Oliver aproxima-se da câmara e aumenta o tom da voz. Era a primeira pergunta à qual respondia a estes jornalistas que não estava relacionada com Donald Trump ou com política internacional. A memória pelo entusiasmo de procurar “Stay Up Late” vem ao de cima. Fala como se fosse uma criança, muito excitado com o incrível disparate que protagonizou para todo o mundo.

“Havia uma parte de mim que estava preocupada em voltar a fazer momentos de comédia em volta de uma estupidez jovial. É algo que fazemos tantas vezes – e que, em muitas delas, são a minha parte favorita do programa –, mas naquela altura, à medida que o número de mortos aumentava, não me parecia que fosse possível fazer esse tipo de coisas. Como é que estarias motivado para fazer e para alguém ver isso no meio de tudo o que estava a acontecer? A rat erotica foi um presente. E era justificado porque estávamos todos em casa a ver muita televisão e a sugestão de ver aquele programa nasceu de uma ideia de ‘se já não tens mais nada para ver, vê isto. Podemos ver isto juntos, é incrível.’ Não me recordo de quem teve a ideia, mas pareceu claro que se conseguíssemos encontrar o quadro e usar o dinheiro da produção da HBO para o programa e depois financiar bancos alimentares pelo país – algo que já fizemos no passado – então isto poderia ser divertido e justificado.”

A peça não surge por acaso. Como mencionado, surge no segundo episódio em confinamento, um especialmente negro, em que a maior parte do programa é dedicado a uma peça sobre como o controlo da pandemia nos Estados Unidos estava a ser muito mal gerido e com consequências gravosas.

“Faríamos essa peça sobre o coronavírus, que seria uma espécie de jantar, e depois daríamos a sobremesa às pessoas: comam lá o jantar e aqui têm o vosso gelado, que era a rat erotica. E quando me disseram que encontraram o quadro, nem sabia como me ia sentir. Quando a FED-EX chegou à minha porta e vi o quadro pensei: deve ser isto que é a esperança. Foi algo muito ridículo, tenho noção disso, mas naquele ponto foi o mais otimista que me senti. Se conseguimos encontrar um quadro de rat erotica dos 1990s, então é claro que o mundo conseguiria descobrir uma vacina para este vírus. Foi o primeiro momento em que  senti de que as coisas poderiam melhorar.”

O sentimento é recíproco. E claro que as coisas só podem melhorar. Naquele momento, o público de John Oliver precisava de rat erotica. Tal como precisava de um grande “fuck 2020” para acabar a sétima temporada:

Também é possível que veja “Last Week Tonight With John Oliver” por outras razões. Como por exemplo, Donald Trump. Foi ele o principal ingrediente das últimas temporadas da produção e portanto a questão inevitável é: como é que sobreviverá sem ele?:

“Quero muito voltar a fazer um programa sem Donald Trump como Presidente dos Estados Unidos. Ele queria sempre atenção. Atraía o foco para si sobre qualquer problema. Queria ser o centro de tudo, em qualquer situação. E sabemos que ao removê-lo, alguns problemas institucionais continuam. E quero continuar a falar deles sem ter essa distração. Donald Trump era alguém que respirava todo o oxigénio da sala.”

Oliver regressa a Trump pouco depois, para explicar como muitas vezes esse “respirava todo o oxigénio da sala” também era notório no seu programa: “Saltámos várias semanas nas nossas histórias principais. Muitas vezes poderíamos proteger as histórias que tínhamos já preparadas. Podíamos falar sobre Trump no início do programa e depois falar do que tínhamos planeado. Mas por vezes, parecia irresponsável não colocar o que tínhamos planeado em suspenso, porque o que acabara de acontecer nessa semana era demasiado urgente, deveria ser aquilo que deveríamos falar, não podíamos fugir a isso.”

“Como Trump, Bolsonaro transformou-se precisamente naquilo que disse que ia ser. Infelizmente, penso que iremos voltar a Bolsonaro muitas vezes no programa, porque o comportamento dele tem muitas consequências. Não só para a população do Brasil, mas para o mundo.”

“Não acredito que Joe Biden terá soluções à escala dos problemas que enfrentamos. E anseio por falar disso ao invés de Trump.” Assim remata o assunto, lembrando que nunca perde a atenção em relação ao que se passa à sua volta e que não é uma mudança de Presidente que fará mudar o seu sentido de missão. Afinal, é alguém de fora que sabe olhar para o interior do olho do furacão e daí tirar conclusões, com uma preocupação abrangente: “Como Trump, Bolsonaro transformou-se precisamente naquilo que disse que ia ser. Infelizmente, penso que iremos voltar a Bolsonaro muitas vezes no programa, porque o comportamento dele tem muitas consequências. Não só para a população do Brasil, mas para o mundo.”

Olhar para o mundo não tem de ser sempre uma tarefa fria a analítica. Quem vê o programa regularmente sabe que estas saídas para fora dos Estados Unidos nem sempre são sérias. E depois há a Nova Zelândia:

“Olho para a Nova Zelândia para me entreter. O que não procuro na Nova Zelândia é a referência para a qual toda a gente deveria olhar. Jacinda [Ardern, a primeira-ministra daquele país] está a dar uma lição aos outros líderes mundiais sobre como navegar nesta pandemia. Com responsabilidade e empatia. O que é uma pena, porque quero que a Nova Zelândia regresse àquilo que faz melhor, os momentos excêntricos que me fazem rir e que me dão matéria de trabalho [risos]. Tenho um amigo que agora está lá a fazer stand-up. A ideia dele estar lá e fazer stand-up para uma sala com público deixa-me muito confuso. Imagino que agora as coisas estejam ótimas na Nova Zelândia.”

Para muitos de nós, o ano só começa agora. Quando o primeiro de trinta episódios desta temporada de “Last Week Tonight With John Oliver” for emitido. O mundo continua igual, o fundo branco estará lá. Sem audiência. E os melhores trinta minutos semanais continuarão a ser os melhores trinta minutos semanais.

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