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Judah Friedlander: "Sabes o que nos ensinam na escola? Que nós, americanos, somos os maiores"

Gosta de futebol e quer ser presidente dos EUA, pelo menos em palco. Falámos com o humorista Judah Friedlander, o “Future President”, sobre o espectáculo de stand up que apresenta em Lisboa no dia 6.

Judah Friedlander já anda nisto há muitos anos, mas é indiscutível que nos habituámos a esta cara graças a “30 Rock” e a Frank, um argumentista que se sentava nas reuniões para ser incómodo. Também era incómodo em muitos outros momentos. Parte dessa pessoa parece viver com Judah Friedlander, não no sentido “imbecil” da coisa, mas o de gostar de ser incómodo. É isso que se pode ver, por exemplo, no seu especial de stand-up da Netflix, “Judah Friedlander: America is the Greatest Country in the United States”, que está na plataforma desde finais de 2017, onde Judah distribui um número de one-liners impressionante. É um talento.

Estreia-se em Portugal nesta quinta-feira (6 de junho, 21h30) no Teatro Tivoli BBVA, em Lisboa. Traz na língua um novo espectáculo, “Future President”, em que encarna uma personagem que promete trazer a salvação aos Estados Unidos. Esses Estados Unidos, o melhor país do mundo. Estivemos à conversa com Judah Friedlander sobre o que vai trazer a Portugal, o que é isto de andar na estrada na Europa e como o influencia e sobre algumas especificidades dos norte-americanos que inspiram a sua performance e personagem.

[o trailer de “America is the Greatest Country in the United States”, o especial que está disponível na Netflix:]

Curiosidade minha, é a primeira vez que faz uma digressão europeia?
Não, já fiz muitos espectáculos na Europa. Mas será a minha primeira vez em Portugal. Estou a tentar lembrar-me de quando foi a primeira vez que atuei na Europa… creio que foi há sete anos, quando comecei a fazer espectáculos em Inglaterra.

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O fenómeno de ter comediantes britânicos ou norte-americanos a atuar em Portugal, de uma forma regular, é bem recente. Daí a minha pergunta, para tentar perceber um pouco a sua relação com o cenário europeu…
Comecei a ir à Europa há sete anos. E, desde então, tento ir pelo menos uma vez por ano. No ano passado fui aí duas vezes, neste ano estou a pensar ir duas também. No ano passado fui aí em fevereiro durante duas semanas e voltei no Outono para uma digressão de seis semanas. Desta vez vou apenas duas, três semanas, tenho de voltar para os Estados Unidos por causa de outros trabalhos. Mas irei atuar em muitos sítios que serão novos para mim. Inglaterra, Irlanda, Escócia e mesmo na Escandinávia, sei que este circuito já existe há algum tempo. No resto da Europa creio que é algo novo, que começou nos últimos 5/10 anos. É muito entusiasmante. Tento ir ao máximo de sítios possíveis. Acho que isso é importante para o meu espectáculo. Viste o meu especial na Netflix?

Sim.
Gosto de saber coisas sobre os países que visito. E quanto mais aprendo sobre outros países, mais aprendo sobre o meu. É algo que gosto de fazer.

Por razões óbvias, nunca tinha visto um espectáculo de stand-up seu antes do especial da Netflix. Por isso, pergunto-lhe: teve sempre um discurso tão politizado ou é algo recente?
Foi algo que surgiu nos últimos 8, 10 anos. Foi neste período que comecei a ter um discurso mais satírico sobre o mundo e sobre aquilo que se passava nos Estados Unidos. Quando comecei, tinha algumas piadas políticas, mas depois parei com isso: por uma razão simples, ficava com a sensação de que estavam sempre datadas. Mas nos últimos dez anos encontrei uma forma de as fazer sem parecerem datadas. Podes dizer que eu sou um comediante político, mas não me considero como tal. Basicamente, gosto de satirizar o meu país e o seu lugar no mundo. Satirizo o meu país e a forma como responde às grandes questões humanitárias da atualidade. Quando falo de seguros de saúde, da imigração, grandes tópicos, por assim dizer, não é como se fosse algo que estivesse em constante mudança. A posição do governo mantém-se, por isso as minhas piadas não soam tão datadas. Mas no meu espectáculo tenho uma série de one-liners também… tento que o meu humor não seja muito óbvio. Foi algo que sempre almejei, mas agora aponto mais para a esfera política e dos direitos humanos. Tento explorar o lado negro desses assuntos e fazer com que as pessoas se riam.

"Quando estamos a ver televisão, durante uma campanha presidencial, o candidato democrata vai dizer que somos os maiores; o republicano vai dizer que somos os maiores. E eles agem assim… os democratas dizem que o que nos está a impedir de sermos mesmo os maiores são os republicanos e os republicanos vice-versa. É a maneira como fazemos as coisas."

Mas quando vem à Europa tenta adaptar o seu discurso ao país que visita? Informa-se, faz piadas sobre eles?
Não. Por vezes tenho ideias mas quando subo ao palco ainda não estão totalmente concretizadas. Só passado um mês ou dois é que tenho a ideia realmente formalizada. Mas o espectáculo que estou a fazer agora é formalmente muito parecido com o da Netflix.

Ou seja, existe muita interação com o público?
Sim. E é uma sátira aos Estados Unidos. E como estamos a funcionar enquanto país e como reagimos em relação a uma série de assuntos: seguros de saúde, ambiente, a guerra. Os assuntos acabam por ser os mesmos, mas a minha abordagem é bastante diferente.

As pessoas na Europa percebem isso? Isto é, as reações são diferentes das que tem nos Estados Unidos?
Bem, por vezes nos Estados Unidos a audiência percebe o meu amor de forma bem diferente. Mas, sim, geralmente as pessoas percebem. Às vezes riem-se apesar de não perceberem bem o que eu estou a criticar…

O narcisismo americano?
Muita gente na América, seja de esquerda, direita ou centrista, não percebe o seu narcisismo.

Mas de onde é que acha que vem essa ideia de que os Estados Unidos são a melhor nação do mundo? É algo que vos é ensinado?
Penso que é propaganda. É algo que está espalhado por toda a nação e com o qual estamos em contacto desde que somos crianças. Sabes o que nos ensinam na escola? Que nós, americanos, somos os maiores. Quando estamos a ver televisão, durante uma campanha presidencial, o candidato democrata vai dizer que somos os maiores; o republicano vai dizer que somos os maiores. E eles agem assim… os democratas dizem que o que nos está a impedir de sermos mesmo os maiores são os republicanos e os republicanos vice-versa. É a maneira como fazemos as coisas.

E onde se coloca o seu “Future President”?
Claro que somos os maiores. Sabes… estou a satirizar as coisas, mas é claro que o “Future President” acha que somos os maiores.

O que o inspirou a criar essa personagem?
Acho que tudo começou com estas viagens a outros países, começar a atuar fora dos Estados Unidos. Sempre achei muito estranho, quando estava a ver as notícias e ouvia estas duas coisas: primeiro, que éramos o melhor país do mundo e, segundo, durante uma campanha presidencial ouvia sempre que estávamos a eleger o “leader of the free world” [o líder do mundo livre”]. Estão sempre a dizer isso. Será que os outros países nos chamam os “líderes da Terra”? Como é que votas para o “líder do mundo livre”? É estranho. E quando comecei a atuar fora dos Estados Unidos, comecei a notar as diferenças nas personalidades das pessoas. Por exemplo, em Inglaterra nunca vês nas notícias alguém a afirmar que são o número um. Considera o futebol, por exemplo…

Ia perguntar-lhe sobre isso. É um grande fã, não é?
Sim, jogo desde miúdo. Os Estados Unidos estão ligados hoje ao futebol como nunca estiveram. Mas quando eu era miúdo o futebol era visto como um desporto horrível. Mesmo na televisão, quando falavam de futebol era sempre no gozo, faziam sempre piadas sobre como era um desporto para miúdas. Era um desporto para estrangeiros. Até 1994 olhámos sempre de soslaio para o Mundial: era aquela coisa estranha que os estrangeiros faziam. Ninguém respeitava o desporto, a competição. Nós não fazemos, mas os outros países fazem: deve haver algo de errado com eles. E lembro-me que em 1995…

1994, o Mundial?
Não, não. Um pouco depois disso, em 1999, quando os Estados Unidos venceram o Mundial de futebol feminino. Quando isso aconteceu, estava todo o país a ver, a torcer pela equipa, a amar a competição: isto num país que ignorou e gozou com o futebol durante décadas. E, de repente, adoravam. Todas aquelas mulheres tornaram-se heróis nacionais. E foi aí que me apercebi de que nós só gostamos de coisas em que somos bons. Quando somos bons, reconhecemos o valor das coisas, são fantásticas. Mas quando não somos, ignoramos ou dizemos que são uma merda. Se a equipa masculina vencer um Mundial, o futebol será o melhor desporto do mundo. Claro que nem toda a gente se sente assim, mas é o sentimento generalizado. Para mim ainda é chocante como o futebol se tornou num desporto tão aceite. Obviamente, isso é fantástico.

Apoia alguma equipa na MLS?
Não, só gosto de ver bola. Não apoio nenhuma equipa. Gosto do Messi, por isso vejo os jogos do Barcelona. O mesmo acontece com o Liverpool e o Salah.

Mudando radicalmente de assunto: lembra-se de fazer vozes para “Xavier: Renegade Angel”?
Sim!

Trabalhou diretamente com eles? Aquele programa era tão estranho…
Não, creio que nem vi a versão final. Esses gajos… adoro o que eles fazem. Convidam-me sempre que estão a fazer algo novo. E eu digo que sim. Nem preciso de ler o guião.

[excertos de “Xavier: Renegade Angel”:]

Ok… isso leva-me a uma pergunta que lhe queria fazer: qual é o seu critério? Pergunto isto porque tanto participa no mainstream como em projetos altamente marginais.
Gosto de fazer coisas únicas. Muito do que existe em Hollywood tem uma qualidade artística muito fraca. Aliás, muita coisa nem sequer tenta ter uma qualidade artística: é só algo que quer fazer parte de uma indústria, muito genérico. Quero trabalhar com pessoas que façam coisas interessantes, sejam drama ou comédia. Claro que eu sou mais da comédia, mas estou sempre disposto a aprender e a crescer.

Fez parte do elenco de “30 Rock”. Hoje fala-se muito de uma era dourada da televisão, “30 Rock” esteve no início dessa era, ajudou na sua construção. Contudo, esta era não tem sitcoms tão boas como “30 Rock”.
A sério? Não vejo assim tanta televisão.

Sim. Acha que já não há espaço para esse tipo de sitcoms existirem?
O “30 Rock” foi uma ocorrência estranha, no sentido em que era boa televisão que passou mesmo na televisão [risos]. Quando olho para trás, continuo sem perceber como chegou à televisão. E como é que durou tanto tempo! Penso que houve alguma sorte à mistura. Normalmente séries tão boas não permanecem na televisão tanto tempo… principalmente as de comédia, andam sempre à volta de clichés do seu tempo. Fico muito feliz por ter feito parte de “30 Rock”. Não percebo mesmo como algo tão bom teve luz verde. Normalmente não é isso que acontece.

[Judah Friedlander em “30 Rock”:]

É um comediante. Faz stand-up. Trabalha em frente a uma audiência cujo trabalho é julgá-lo. Numa era em que tudo é processado rapidamente e segundo o olhar do politicamente correto, acha que é mais difícil fazer o seu trabalho?
De vez em quando fico ansioso, porque como comediante és obrigado a arriscar. E o humor tem características especiais, tu só sabes se uma piada tem piada depois de a contares. As piadas podem funcionar a vários níveis e, quando as estás a escrever, estás a pensar nessas variantes todas: inclusive se pode ter ou não uma conotação negativa. Mas para saberes isso tens de experimentar. O problema, atualmente, é que aos experimentares, por causa das redes sociais, alguém por dizer: “este tipo disse isto”. E isso pode acontecer num momento em que até já percebeste que a piada não serve e a deitaste fora. Mas pronto, já te apontaram o dedo, já foste humilhado.

E há medo nisso?
Claro. E eu satirizo isso no meu espectáculo. Mas é claro que há muitas coisas neste movimento que estão corretas, levantam questões que são importantíssimas, mesmo que ache que se exagere e policie demais a linguagem. O que mais me desagrada são pessoas que dizem coisas horríveis e que se escondem na ideia de serem “anti-politicamente correto”.

Como assim?
Pessoas que têm mesmo intenção de magoar e de convencer outras pessoas através do discurso de ódio e afirmam-se como anti-politicamente correto. Isso já acho muito perigoso. E acho que o público deve ter especial atenção a isso e perceber as nuances, quando é discurso de ódio e quando não é: porque há muita gente a tirar partido disso.

Mas quando diz uma piada, não acha que por vezes há uma lógica que o penaliza sem pensar primeiro que é comediante e que aquilo é uma piada?
Não sei… penso que se tiver piada, menos se pensa nisso.

"Muita gente no meu país é politicamente preguiçosa, querem apenas eleger uma pessoa e esperam que essa pessoa resolva tudo por elas. Essa é uma das razões pelas quais chegámos onde chegámos. As pessoas não se aplicam, não percebem que isto tem de ser um esforço de grupo. Apenas pensam: vamos eleger uma pessoa e esperar que faça o que está certo."

Ou seja, não se preocupa que o julguem primeiro, antes do público pensar que é um comediante?
Isso será sempre um problema, independentemente do contexto. Por vezes conheço pessoas que me dizem essas coisas na cara: pensava que ias ser um grande otário. Porque me viram em “30 Rock” e não conseguem distinguir a personagem da pessoa real. Para mim é inacreditável que existam pessoas que não conseguem fazer essa distinção. No meu espectáculo satirizo essa adoração aos heróis que nós temos. É… parva! Nós, americanos, somos politicamente preguiçosos, queremos apenas eleger uma pessoa e esperamos que essa pessoa resolva tudo por nós. Essa é uma das razões pelas quais chegámos onde chegámos. As pessoas não se aplicam, não percebem que isto tem de ser um esforço de grupo. Apenas pensam: vamos eleger uma pessoa e esperar que faça o que está certo.

Obrigado, foi um prazer falar consigo.
Obrigado eu. Já agora, uma coisa que noto é que quando faço entrevistas com pessoas de outros continentes, elas fazem perguntas mais inteligentes do que os norte-americanos.

É bom saber isso, acho eu…
Tem a ver com a tal preguiça. 95% das pessoas que me entrevistam nos Estados Unidos não sabem nada sobre mim, não viram o especial do Netflix ou nem sequer sabem que existe. Vão à Wikipedia, leem as primeiras três frases, fazem uma pergunta sobre como foi o “30 Rock” e já está.

Parece speed dating.
Não se dão ao trabalho. É uma questão geracional, também. Há uma geração que parece que não precisa de trabalhar para ter dinheiro e que consegue que lhe façam o que querem através de uma aplicação no telemóvel.

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