A presidente do BCE garante que a autoridade monetária da zona euro está “consciente” do impacto da subida rápida das taxas de juro para as famílias que têm crédito à habitação – designadamente nos países, como Portugal, onde é maior a prevalência dos créditos indexados a taxas variáveis (Euribor). Porém, depois de ter feito essa referência direta a Portugal (num grupo de países onde também incluiu Espanha, Finlândia e alguns países bálticos), Christine Lagarde lamentou que, “infelizmente”, não há nada que o BCE possa fazer para “atenuar” esse impacto. E ficou “muito claro” que os juros vão continuar a subir.

Lagarde fez esta alusão concreta a Portugal na conferência de imprensa promovida esta quinta-feira em Frankfurt, após ter sido anunciado mais um aumento das taxas de juro. Desta vez, foi um aumento de 25 pontos-base, metade do ritmo de agravamento das últimas três reuniões da autoridade monetária. Porém, para que não restassem dúvidas, a presidente do BCE sublinhou várias vezes que este abrandamento não significa que se esteja prestes a “fazer uma pausa” na trajetória de subida dos juros (como já estará a acontecer nos EUA).

Ainda há caminho a percorrer” no aperto das condições monetárias, designadamente no nível de taxas de juro, sublinhou Lagarde, deixando “muito claro” que seria errado achar que o BCE estaria prestes a mudar de rumo. Já o comunicado oficial do BCE, divulgado momentos antes, continha uma referência a “decisões futuras” sobre taxas de juro que iriam, garantia o banco central, colocá-las em níveis “suficientemente restritivos” para baixar a inflação que continua “demasiado elevada há demasiado tempo”.

Jörg Krämer, analista do alemão Commerzbank, comenta em nota enviada aos clientes que “após sete aumentos de taxas de juro, num movimento total de 375 pontos-base, Lagarde sublinhou que o processo de aumento das taxas de juro ainda não terminou”. Porém, acrescenta o especialista, a presidente do BCE “frisou que as subidas das taxas de juro já feitas estão, já, a começar a ter um efeito” no controlo da inflação.

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A expectativa do Commerzbank é que as taxas de juro vão continuar a subir “até ao verão”, o que pode significar pelo menos mais duas subidas – a 15 de junho e a 27 de julho. É isso que antecipam “alguns” governadores – “mais duas ou três subidas“, além da anunciada esta quinta-feira –, segundo fontes contactadas pela agência Reuters já após a reunião em Frankfurt.

Nem Mário Centeno defendeu que juros não subissem, segundo Lagarde

A presidente do BCE revelou que houve “alguns” membros do Conselho do BCE que defenderam um novo aumento das taxas de juro em 50 pontos (o que seria o quarto consecutivo, se se tivesse confirmado). Assim, este compromisso com mais subidas dos juros terá sido a forma através da qual Christine Lagarde conseguiu formar um consenso no sentido de aumentar as taxas em apenas 25 pontos-base nesta quinta-feira.

Alías, de acordo com a francesa, nenhum dos membros do Conselho do BCE defendeu que as taxas se mantivessem inalteradas. Isto significa que nem mesmo Mário Centeno (que foi um dos membros com direito de voto nesta reunião, que é rotativo) terá argumentado que a autoridade monetária deveria interromper já as subidas de juros.

O governador do Banco de Portugal tem referido, em entrevistas nos jornais, que o BCE deveria ter alguma “paciência” e deixar passar algum tempo para avaliar os impactos das subidas de juros que já foram feitas nos últimos meses. Em menos de um ano, os juros saltaram de -0,5% para 3,25% – o que é, de longe, o aumento mais brusco da história da zona euro.

Centeno pede “paciência” para avaliar os efeitos das subidas de juros que já foram feitas. Economista-chefe do BCE prevê mais subidas

O que Lagarde acrescentou é que, embora o BCE tenha “noção” do impacto que esta subida brusca dos juros está a ter para milhões de famílias na zona euro, “infelizmente” não há nada que se possa fazer. “Este não é um impacto que possamos atenuar porque a nossa missão é obter estabilidade dos preços, baixar a inflação para o objetivo de 2% – e a ferramenta primordial que usamos para cumprir esta missão é a taxa de juro”, atirou Christine Lagarde.

A presidente do BCE acrescentou que “alguns países estão a tomar medidas e alguns bancos também estão a recorrer a instrumentos como moratórias e períodos de carência” para apoiar os clientes em maiores dificuldades. Porém, sublinhou Christine Lagarde, a melhor coisa que se pode fazer, a este respeito, é controlar a inflação de modo a que, no futuro, se possa baixar as taxas de juro para níveis inferiores aos atuais.

“Famílias preocupadas, já não conseguem encaixar subidas no orçamento familiar”

Para já, porém, a tendência é para um aumento dos indexantes de crédito. Nuno Rico, economista da DECO Proteste, disse à Rádio Observador que “esta decisão, que já era esperada, vai traduzir-se na continuação da subida das prestações para as famílias que têm crédito à habitação em Portugal”.

O especialista notou que “não existe uma correlação direta entre as taxas decididas pelo BCE e os indexantes de crédito mas há uma correlação indireta”, porque “a Euribor é definida pelo juros cobrados nos créditos feitos entre os bancos” e, nessa medida, isso é muito influenciado por aquilo que os bancos pagam pelo financiamento que vão buscar ao BCE (e, também, por aquilo que recebem quando lá depositam a liquidez que têm).

“O ciclo de subida das prestações para as famílias que têm crédito à habitação vai ter continuidade”

Esta decisão vai, afirma Nuno Rico, “penalizar ainda mais as famílias que, no último ano, viram aumentar as suas prestações de crédito em várias centenas de euros”. O economista nota que “têm aumentado de forma significativa os pedidos de aconselhamento para tentar lidar com esta subida, as famílias estão preocupadas e em alguns casos já não conseguem encaixar no orçamento familiar estas subidas das prestações“.

“O que nós tememos é que esta continuidade da subida dos juros possa traduzir-se em maiores dificuldades para as famílias portuguesas“, conclui Nuno Rico, salientando que estas são das “mais expostas à subida das Euribor porque 93% dos créditos são em taxa variável, uma percentagem que é muito inferior na generalidade dos países da zona euro”.

Lucros das empresas e negociações salariais são “os motores” da inflação

Está nas mãos dos políticos e dos cidadãos baixar a inflação. Mas como é que podem fazer isso, exatamente? Christine Lagarde alertou para a necessidade de haver “um bom contrato social”, para garantir que “os motores de inflação não se ativam um ao outro”. Isto é, exemplificou, uma situação em que os trabalhadores exigem salários mais elevados e as empresas não abdicam dos lucros: “isso pode levar-nos para uma situação mais difícil que nos obrigaria” a mais medidas de aperto monetário, avisou a francesa.

O “número mágico” que comanda os bancos centrais (e a vida de quem tem crédito). A meta da inflação em 2% ainda faz sentido?

A presidente do BCE disse que em “vários setores”, as “empresas têm aumentado margens de lucro” à conta da incerteza em torno da inflação e de alguns desequilíbrios entre oferta e procura. Isso aconteceu, sobretudo, no ano passado, notou. Porém, nesta fase, o que parece preocupar mais Christine Lagarde é que “algumas recentes negociações salariais” também estão a gerar alguma pressão inflacionista na zona euro, numa fase em que dificuldades nas cadeias de abastecimentos ainda não estão solucionadas.

Tudo isto são fatores que influenciam a evolução dos preços e que podem impedir a transmissão dos preços das matérias-primas agrícolas e alimentares, que têm vindo a cair nos mercados financeiros nos últimos meses. “Esperamos que essa descida dos preços das commodities chegue ao consumidor“, disse Lagarde, acrescentando que, na área da energia, os “governos devem retirar apoios rapidamente e de forma concertada“. Caso contrário, isso “obrigaria” a autoridade monetária a apertar ainda mais as taxas de juro, avisou a presidente do BCE.