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Quanto valerá uma ida à casa de banho de Kim Kardashian? Esse será provavelmente o único momento não contabilizável em dólares na vida da famosa menos talentosa do século XXI. “Representar e cantar não são as únicas formas de talento”, disse numa entrevista ao The Guardian. “Também é uma habilidade ser adorada por aquilo que sou em vez de representar uma personagem escrita por outra pessoa.”

Ainda que seja muito questionável a genuinidade da trama do reality show “Keeping Up With The Kardashians”, cuja 12ª temporada estreia este domingo em Portugal (19h30, canal E!), Kim vive praticamente de um mecenato existencial. O seu único talento é gerir esse império de nada — porque Bernardinas há muitas, mas como manter vivo o interesse do público pela sua “xaroca”? Eis algumas dicas para quem deseja Kardashianizar a sua vida.

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“Pai, tu escreveste a minha emoção”

É o que diz Ana Malhoa na canção “Brinca Comigo, Pai”. Já no caso dos Kardashians, Rob assinou o livro de cheques da filha Kim. Nesta jornada pela fama, há que começar por ter um parente bem relacionado, já que a projeção desta infame família começa nos anos 90 pelo facto de Rob ser um dos melhores amigos e advogado de O.J. Simpson, quando este foi acusado de assassinar a sua ex-mulher Nicole Brown Simpson. As jovens irmãs Kardashian, ainda pré-adolescentes, estiveram até presentes no julgamento, desde cedo pequenas traças procurando as luzes da ribalta.

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O pai Rob morreu em 2003, mas a mãe Kris é ainda hoje a grande mentora empresarial da família.

Cultivar uma ética de trabalho é importante

Até porque não vai haver outra forma de escapar às acusações de ser rica e passar a vida a roçar o traseiro — e que traseiro — pelas paredes. Na entrevista ao The Guardian, o jornalista insiste: mas então qual é mesmo o talento de Kim Kardashian? “Bem”, responde, “um urso pode fazer malabarismos em cima de uma bola e ter talento — só que não é famoso”. Pelo sim pelo não, durante a adolescência Kim trabalhou nas empresas do pai. Mais tarde, dedicou-se ao personal styling e ao personal shopping. Uma das suas clientes é a atriz Lindsay Lohan; outra é a cantora Brandy, na altura considerada a mais mal vestida por bloggers da especialidade. Hoje, pode obviamente dizer-se que Kim Kardashian é uma empresária: tem marcas de relógios, produtos de beleza, aplicações para smartphones, roupa — e, enfim, terá sempre a sua própria vida para gerir até à derradeira insolvência existencial.

Ser amiga de Paris Hilton

Paris Hilton and Kim Kardashian during T-Mobile Sidekick 3 Launch - Inside at 6215 Sunset Blvd in Los Angeles, California, United States. (Photo by Chris Polk/FilmMagic for Bragman Nyman Cafarelli)

É algo que não está ao alcance de qualquer um mas é um ótimo impulso para o negócio. Muitos jornalistas americanos testemunham que Kim Kardashian andava, literalmente, atrás da herdeira milionária Paris Hilton; depois começou a andar ao lado e, finalmente, ultrapassou-a em todos os sentidos. Foi uma espécie de cobaia inconsciente de tudo o que viria a ser mais tarde estrategicamente replicado por Kim Kardashian: dos reality shows à sextape. Qual sextape? Não finjam que não sabem do que estou a falar.

Tem de haver uma sextape

E tem, pelo menos, de parecer que foi acidentalmente parar à internet. Enquanto uns discutiram qual das milionárias tinha mais talento para o sexo oral, outra discussão — igualmente pertinente — invadiu os fóruns da internet e das mesas de café: uns defendiam que Paris fora de facto apanhada com a boca na botija, outros achavam que a sextape de Kim Kardashian era uma encenação muito oportuna para a colocar nas bocas do mundo. O certo é que ambas lucraram milhões após negociarem a comercialização e os direitos da sua intimidade. Kardashian ainda ameaçou processar a distribuidora que detinha a sextape, mas a empresa prontificou-se a oferecer-lhe 5 milhões de dólares. Depois deste “acidente”, o mundo tornou-se a sua ostra: cada vez mais famosa, posou para a Playboy e estreou então, no canal E! Entertainment, “Keeping Up With the Kardashians”.

Quem tem uma mãe como Kris Jenner tem tudo

MALIBU, CA - AUGUST 24: Kris Jenner and Kim Kardashian West attend Westime Celebrates Kris Jenner's Haute Living Cover at Nobu Malibu on August 24, 2015 in Malibu, California. (Photo by Vivien Killilea/Getty Images for Haute Living)

(Photo by Vivien Killilea/Getty Images for Haute Living)

Foi ela quem, oportunamente depois do escândalo da sextape, pegou num episódio-piloto do reality show e o levou a Ryan Seacrest, produtor do canal E! Entertainment. Seacrest ainda torceu o nariz por achar a família demasiado extensa e confusa — além dos Kardashians originais, ainda havia os descendentes do casamento de Kris com o outrora atleta olímpico Bruce Jenner (hoje Caitlyn Jenner, depois de assumir a sua verdadeira identidade de género). Será que o público ia conseguir fixar aqueles nomes todos e afeiçoar-se a tamanho forrobodó? Dar uma oportunidade à família Kardashian foi o melhor que Ryan Seacrest podia ter feito. Além de todos os spin-offs que dela surgiram, a série vai já na 12ª temporada. O segredo é manter a vida interessante. Sendo que a vida, por definição, é bastante aborrecida a maior parte do tempo.

Se não aconteceu podia ter acontecido

“Keeping Up With the Kardashian” ensina-nos que se não está para acontecer, nós pagamos para que aconteça. Em 2011, Kim casou-se com o jogador de basket Kris Humphries, naquele que foi entendido como o maior golpe de marketing da família, acusada de procurar desesperadamente plots para alimentar o programa de televisão. Kim vendeu os direitos de transmissão da cerimónia do casamento por 100 mil dólares e as fotos por 1,5 milhões. E divorciou-se 72 dias depois, caindo em descrédito mesmo perante alguns dos seus fãs. Cada relação de Kim Kardashian é uma empresa, sendo que a mais bem-sucedida até agora é a que montou com o rapper e produtor Kanye West, também ele um rapaz com jeito para inventar boas tramas da vida real.

Poucos acreditam que o plot da vida daquela família não seja totalmente encenado, o que também provoca algum fascínio: onde estarão as fronteiras entre a vida real e o que mostram na televisão? Já nenhum dos Kardashian e restantes envolvidos deve saber bem responder. É possível que todo o elenco, ao fim destas temporadas, já se tenha transformado naquilo que quis parecer. Menos no momento de reclusão da latrina. Aí, sim, deve estar toda a verdade.

Façamos as contas

Em 2010, por exemplo, há registo de que Kim Kardashian tenha faturado 18 milhões de dólares. Só por cada episódio de “Keeping Up With the Kardashians” ganha à volta de 80 mil. Mais 20 mil por promover marcas no Twitter e 50 mil por cada vez que aparece numa discoteca ou numa festa. E há ainda um detalhe interessante neste plano de negócio: quem quiser estar presente numa festa de anos de Kim Kardashian tem de pagar. Quando fez 30 anos, cobrou entre mil e 2500 dólares aos convidados. E, de cada vez que se escreve um artigo como este, há um membro do clã Kardashian que fica mais rico e um ex-concorrente da Casa dos Segredos que chora.

Ana Markl é guionista, apresentadora no Canal Q e animadora de rádio na Antena 3