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Crocidura lasiura, um dos musaranhos onde foi detetado o vírus Langya
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Na investigação, 63 de 121 musaranhos-de-dentes-brancos-de-ussuri (Crocidura lasiura) tinham o vírus Langya

Kim, Hyun-tae (2009)

Na investigação, 63 de 121 musaranhos-de-dentes-brancos-de-ussuri (Crocidura lasiura) tinham o vírus Langya

Kim, Hyun-tae (2009)

Afinal não há um novo vírus de origem animal, nem será perigoso como os henipavírus. Mas qual é o risco do Langya?

O vírus Langya é da família do sarampo e papeira, mas não será tão perigoso como os vírus Nipah e Hendra. Era conhecido nos musaranhos, mas de 2018 a 2021 registaram-se 35 casos em pessoas na China.

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Ainda antes de o coronavírus SARS-CoV-2 começar a causar vítimas (conhecidas) na China, já os médicos estavam atentos a um outro vírus de origem animal, o Langya (LayV). A investigação mais alargada no nordeste da China começou depois de uma pessoa infetada ter dado entrada no hospital em dezembro de 2018. Depois disso, três hospitais-sentinela chineses procuraram ativamente encontrar este e outros vírus de origem animal em doentes que apresentassem febre e tivessem tido contacto com animais no mês anterior.

Entre abril de 2018 e agosto de 2021 foram detetados 35 casos de infeção com LayV, dos quais nove tinham outras infeções e 26 tinham exclusivamente este vírus. Os resultados foram divulgados apenas no dia 4 de agosto, numa “Correspondência para o Editor” da revista científica The New England Journal of Medicine.

Os henipavírus, de origem animal como o coronavírus que deu origem à Covid-19, grupo ao qual os investigadores associaram o LayV, são conhecidos por puderem ter um desfecho fatal. Mas esta classificação já foi contestada. O Observador compilou o que já se conhece sobre este agente infeccioso para o qual ainda não foi detetada até agora qualquer transmissão entre pessoas.

“Temos de continuar a fazer vigilância para todos estes vírus."
Marc Veldhoen, Instituto de Medicina Molecular João Lobo Antunes

Como foi detetado o vírus Langya?

Uma mulher de 53 anos deu entrada num hospital-sentinela chinês, preparado para monitorizar vírus de origem animal que infetam humanos (zoonoses), em dezembro de 2018. Queixava-se de febre, dor de cabeça, fadiga, tosse, dores musculares, anorexia, náusea e inflamação dos nódulos linfáticos. A zaragatoa recolheu uma amostra da garganta, foi efetuada uma análise PCR e o genes do vírus foram lidos para que pudesse ser identificado (sequenciação do genoma). Resultado final: vírus Langya, que até agora estava associado a uns pequenos animais, em expansão em Portugal e na Europa, os musaranhos.

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Quantos casos de infeção foram registados entre humanos?

No período do estudo, o vírus foi identificado em 35 doentes, dos quais 26 não tinham mais nenhum agente infeccioso detetável. A maioria destes eram agricultores e viviam em Qingdao, na província de Shandong, como o primeiro caso, ou Xinyang, na província de Henan, ambas na China. A maioria dos doentes tinha mais de 50 anos, mas o espetro de idades era muito vasto: os quatro mais novos tinham nove, 27 anos e 34 anos (dois) e nenhum era agricultor. O doente mais velho tinha 84 anos e não tinha doença prévia, tal como a generalidade dos outros doentes.

Todos os doentes foram testados para outros agentes infecciosos, como os vírus respiratórios mais comuns — num dos doentes foi detetado o vírus da gripe — e os patogéneos zoonóticos (de origem animal), tendo a febre grave causada pelo vírus da síndrome de trombocitopenia sido a doença mais comum (com seis casos em nove doentes). A trombocitopenia é uma doença das plaquetas, que faz com que existam em número reduzido no sangue, aumentando o risco de hemorragia. A febre hemorrágica causada pelo vírus da síndrome renal foi detetada em dois outros doentes.

E entre os animais?

Durante a investigação, os investigadores recolheram amostras de sangue dos animais domésticos com quem os doentes conviviam: 459 animais no total. Destes, 79 eram cães que vagueavam livremente, 168 eram cabras que viviam num regime de semi-cativeiro, 112 eram porcos em cativeiro e 100 eram de gado também em cativeiro. Entre os animais domésticos foram detetados sete casos positivos: três em cabras e quatro em cães.

Adicionalmente, a equipa recolheu amostras de tecidos (camadas de células), conteúdo do sistema digestivo e urina em 25 espécies de animais selvagens — ratos, ratazanas, esquilos, lémingues e musaranhos (os únicos que não se incluem no grupo dos roedores). No total foram analisados 3.380 animais e o vírus detetado em 79 deles: 63 musaranhos-de-dentes-brancos-de-ussuri dos 121 analisados (52,1%), oito musaranhos-de-dentes-brancos-pequenos dos 40 analisados (20%) e oito roedores de quatro espécies (entre os 1.323 animais analisados destas espécies).

Os investigadores viram assim reforçada a hipótese de que os musaranhos sejam o reservatório natural do vírus — ou seja, o animal onde o vírus produz cópias suficientes para continuar a infetar outros animais e pessoas.

Que sintomas provoca a infeção com LayV?

Os 26 doentes que não tinham outras infeções apresentavam todos febre. Entre os sintomas mais comuns estavam também fadiga, tosse, anorexia e dores musculares — cada um deles registado em cerca de metade dos doentes. Mais de um terço dos doentes queixou-se de náuseas, dor de cabeça e vómitos. Outros doentes apresentaram também inflamação dos nódulos linfáticos, expectoração, arrepios, pneumonia, diarreia, tonturas, dores abdominais, sangramento das gengivas e/ou púrpura (manchas na pele).

Os casos foram detetados nas províncias de Shandong (número 5 no mapa) e Henan (número 8).

A que família pertence o LayV?

O vírus Langya encontrado nos doentes humanos é geneticamente muito semelhante ao que antes tinha sido encontrado em musaranhos. O vírus pertence à família dos paramixovírus (Paramyxoviridae), tal como o vírus do sarampo e o vírus da papeira.

Os vírus desta família são conhecidos por terem um envelope a envolver uma molécula única de ARN (que contém os genes) e por serem transmitidos por gotículas expelidas pelos espirros ou tosse. No entanto, não se sabe como o LayV chegou aos humanos e animais domésticos, nem se é transmissível entre pessoas.

Os vírus Nipah e Hendra pertencem a esta família, especificamente ao género dos henipavírus, ao qual os autores da carta ao editor associaram o LayV. Mas o investigador Benhur Lee, da Escola Médica de Mont Sinai (Nova Iorque), discorda. Numa publicação no Twitter, o cientista que ​​se interessa pela emergência de novos vírus explica que o LayV apresenta mais semelhanças com os vírus do tipo Mojiang.

O vírus Mojiang (MojV) foi encontrado em ratos no poço de uma mina e foi associado a uma pneumonia fatal em três mineiros, em 2012. Também o LayV apresentou alguns casos de pneumonia entre os doentes, mas sem nenhuma morte registada. A maior semelhança, porém, está num dos genes, que aparece no LayV, no MojV e em outros vírus semelhantes (como DarV e GakV), mas não nos henipavírus (como Nipah e Hendra), nem no resto da família dos paramixovírus. É este gene que condiciona um mecanismo de entrada dos vírus nas células diferente daquele que os henipavírus usam, como publicado pela equipa de Benhur Lee na revista Nature Communications. Logo, conclui o investigador, o LayV não pertence ao grupo dos henipavírus.

Quais os riscos dos vírus Nipah e Hendra?

A transmissão dos vírus Nipah e Hendra foi detetada do sul da Ásia, sobretudo nas regiões mais tropicais, à Austrália. A infeção com estes vírus pode provocar problemas respiratórios e inflamação fatal do cérebro.

O vírus Nipah foi identificado pela primeira vez em 1999 e apresenta uma taxa de letalidade que pode ir dos 40 aos 75% — consoante o surto e a capacidade de identificação dos doentes — releva a Organização Mundial de Saúde. Este vírus pode ser transmitido por morcegos, porcos que comem as fezes dos morcegos ou por alimentos contaminados (como as frutas de que se alimentam os morcegos frugívoros). O primeiro surto aconteceu na Malásia, em 1999, mas desde 2001 que acontece todos os anos no Bangladesh.

Os morcegos frugívoros também são o reservatório do vírus Hendra, que pode causar doença grave nas pessoas e nos cavalos. O primeiro surto aconteceu em Hendra, um subúrbio de Brisbane na Austrália, em 1994. Na altura, foram infetados 21 cavalos e duas pessoas. Nas pessoas, os sintomas podem ir do equivalente a uma gripe ligeira aos mesmo sintomas graves do vírus Nipah e nos cavalos incluir febre, batimento cardíaco acelerado e deterioração rápida do estado de saúde, também com problemas respiratórios e neurológicos, refere a Direção de Saúde de Nova Gales do Sul.

O impacto nos cavalos é tal que já foi aprovada uma vacina para prevenir o risco de infeção nestes animais, ao mesmo tempo que se reduz a probabilidade de infeção de humanos — normalmente os cavaleiros, tratadores ou pessoas que tratam dos animais mortos.

“Não houve contacto próximo entre doentes, nem história comum de exposição ao vírus, o que sugere que a infeção na população humanas seja esporádica.”
Zhang et al (2002) New England Journal of Medicine

Temos motivos para nos preocupar?

Por enquanto, não. O que não quer dizer que não se mantenha a vigilância para este vírus. Enquanto não forem detetados casos de transmissão entre humanos, a preocupação com estes vírus será muito menor, explica ao Observador Marc Veldhoen, imunologista no Instituto de Medicina Molecular João Lobo Antunes.

“Não houve contacto próximo entre doentes, nem história comum de exposição ao vírus, o que sugere que a infeção na população humanas seja esporádica”, escreveram os autores da carta ao editor. Foram identificados 15 familiares como contactos próximos de nove doentes, mas em nenhum dos casos foi detetada a infeção ou transmissão de LayV. Os investigadores alertam, no entanto, que o número de pessoas seguidas era muito pequeno para que se possa tirar uma conclusão definitiva aobre a possibilidade de transmissão de pessoa para pessoa.

E aprendemos com o coronavírus SARS-CoV-2, e outros vírus antes deste, que as mutações podem acontecer facilmente nos vírus e que uma dessas mutações pode conferir a capacidade de o vírus se transmitir entre humanos.

O que deve ser feito a partir deste ponto?

“Temos de continuar a fazer vigilância para todos estes vírus [LayV e outras zoonoses]. É um grande trabalho, mas muito importante”, reforça Marc Veldhoen. “A deteção precoce, identificação de potenciais hospedeiros de reservatórios e rastreio de contactos, tal como foi feito neste estudo, são passos cruciais para prevenir a próxima pandemia”, disse Nick Fountain-Jones, investigador na Escola de Ciências Naturais da Universidade da Tasmânia, num comentário ao estudo.

Estas descobertas mostram quão incrivelmente importante é a vigilância viral”, disse Nick Fountain-Jones, investigador na Universidade da Tasmânia. “Este grupo de vírus representa uma ameaça constante e real para os seres humanos e para o gado, e vírus como o LayV precisam de ser monitorizados cuidadosamente.”

A ideia foi também reforçada pelo infecciologista Jaime Nina: “Há uma coisa que não nos podemos dar ao luxo de deixar de fazer, que é diminuir a investigação de vírus de origem animal que podem passar para o homem em regiões como a China, que é muito rica neste aspeto”, disse ao Diário de Notícias.

Jansen de Araujo, virologista do Laboratório de Pesquisa em Vírus Emergentes da Universidade de São Paulo, disse à BBC Brasil que seria importante verificar se os morcegos frugívoros, que transmitem e são reservatório para os vírus Nipah e Hendra, também transportam o LayV.

O que está a ser feito em Portugal?

A Direção-Geral da Saúde (DGS) indicou esta quinta-feira à Lusa que está em articulação com as autoridades de saúde internacionais, aguardando mais informação da Organização Mundial da Saúde sobre eventuais medidas a considerar.

Atualizado a 11 de agosto, às 18h35, com a resposta da DGS à Lusa e o comentário de Nick Fountain-Jones

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