Ainda como estudante universitário na década de 60, Les Knight começou a refletir sobre o problema da superpopulação humana: haverá um dia em que o planeta Terra deixará de ter meios ou capacidade para satisfazer as necessidades de toda a população mundial. Aderiu ao grupo “Zero Population Growth” (Crescimento da População Zero) durante a faculdade e mais tarde, em 1991, o atual professor substituto de ensino secundário decidiu criar uma newsletter chamada These Exit Times (Estes Tempos de Saída) – o instrumento de lançamento do movimento de extinção humana voluntária. Um movimento do qual Les Knight não se considera o fundador ou o líder, mas sim o impulsionador.

Segundo o movimento, da mesma forma que várias espécies animais se foram extinguindo ao longo dos tempos, também a raça humana seguirá este caminho. Até chegar esse dia, os voluntários – como são chamados os que concordam com o movimento — acreditam que a melhor forma de viver bem é desincentivando a reprodução: ao criar menos humanos, o problema da superpopulação desaparecerá gradualmente.

“Apercebi-me de que a intenção de criar mais um humano por qualquer pessoa, em qualquer lugar, não pode justificar a situação em que nos encontramos: não estamos a tratar devidamente das pessoas que já estão cá e a biosfera está sofrer muito com o nosso crescimento”, explica Les Knight ao Observador. O lema do movimento resume-se numa frase: “Que possamos viver muito e desaparecer”.

Cartoon feito por Nina Paley em colaboração com Les U. Knight

Escusado será dizer que desde da década de 90, Les U. Knight – acrescentou a sigla ‘U’ porque pronunciar o seu nome é semelhante a ‘Let’s Unite’ (Vamo-nos Juntar) – reuniu junto de si e do movimento muito interesse e também polémica. Assumiu-se como a face do movimento de extinção humana voluntária junto dos meios de comunicação social e de vários eventos internacionais, embora descarte o protagonismo. “Muitas notícias dizem que sou o fundador, porque é mais fácil dizer que alguém é o fundador disto ou daquilo. A ideia já circulava há muito tempo e ninguém a encontrou. Eu dei-lhe um nome para que não se possa perder”, diz.

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Na entrevista ao Observador, antes da conferência no Fórum do Futuro, quis deixar claro que a base do movimento de extinção humana voluntária não foi uma invenção do próprio ou um raciocínio que quis passar aos outros, tal como um líder para os seus seguidores. “Não foi um pensamento momentâneo. Foi uma ideia que levou muito tempo e que é discutida há vários anos”, afirma.

Se tivesse de estabelecer algumas diferenças entre 1991 – quando lançou a primeira newsletter do movimento – e 2017, Les U. Knight explica que pouco mudou: a cultura da natalidade continua muito presente e representa um condicionalismo cultural para todos os humanos. “Somos ensinados para pensar que ‘a reprodução é algo bom e há algo errado se não te reproduzires’”, diz. “A natalidade está em todo o lado e é encarada como algo patriótico”, acrescenta o membro do movimento.

Natural do estado norte-americano de Oregon, Les U. Knight não fala muito sobre si. Das pesquisas sobre ele e o movimento são poucos os resultados sobre detalhes da vida pessoal. Sabe-se que não tem filhos, fez uma vasectomia aos 25 anos e considera-se um anarquista. Já teve, no entanto, responsabilidades parentais enquanto padrasto.

Para os voluntários do movimento que têm filhos, Les diz respeitar muito as suas opções: “Eu sei que muitos pais querem ser mais radicais no movimento, mas não o fazem, porque os filhos são a sua maior prioridade. E eu percebo e respeito isso”.

A contenção em falar da vida pessoal não se reflete, porém, nas inúmeras entrevistas que já deu acerca das ideias que defende. A exposição mediática deu visibilidade ao movimento de extinção humana voluntária, mas também manchetes e conotações menos positivas. Um pivô do canal de televisão norte-americano NBC disse ao apresentar Les U. Knight numa entrevista em estúdio: “Se acham que a Greenpeace é radical, têm de ver isto”. Ao relembrar a entrevista com o Observador, riu-se: “Essa foi muito boa”. “Está tudo bem, as pessoas podem ver as coisas com imparcialidade”, diz, ao comentar o tratamento que tem recebido pelos media.

Para Les U. Knight, o ativismo que o movimento de extinção humana voluntária segue é, de facto, radical, porque “não reproduzir pode ser o maior ato de ativismo radical que uma pessoa pode ter”.

Convencer milhões de pessoas para deixarem de reproduzir é uma tarefa árdua, especialmente para quem nasceu rodeado da ideia de que ter filhos é o futuro esperado. “Muitas das nossas instituições incentivam à procriação e muitas pessoas vivem através dos dogmas [religiosos e culturais]. As sociedades evoluíram de forma a serem natalistas, caso contrário, não existiriam. A maioria das religiões tem aspetos que nos dizem como viver e ser boas pessoas para com os outros, mas ao mesmo tempo também incluem a natalidade, porque é uma forma de crescerem”.

Questionado sobre a possibilidade de a economia mundial colapsar quando deixarmos de ter jovens para trabalhar e para cuidar da população mais idosa, o ativista não desarma: “Os sistemas económicos são artificiais e podem ser alterados para beneficiar toda a gente. Neste momento temos um sistema em que as pessoas mais jovens estão a suportar as pensões”. Segundo o ativista, não seria justo “criar novos humanos para sustentar um modelo económico obsoleto”.

Falar de natalidade é falar também de desigualdades mundiais: se em Portugal o envelhecimento se tornou um problema, inclusive para o sistema nacional de pensões; em África, os nascimentos são elevados e a esperança média de vida reduzida.

Les U. Knight não explica como o movimento de extinção humana voluntária atuaria, mas acredita que a discrepância de números e realidades é um indicador de que precisamos de menos humanos para tratar dos que já cá estão. “Não gastando o nosso tempo e energia ao criar novas pessoas, teremos mais tempo para ajudar pessoas com mais necessidades. A exploração e a intromissão por regiões ricas é parte da razão pela qual os africanos, especialmente nos países subsarianos, não conseguiram progredir na liberdade reprodutiva e na igualdade de género”, explica ao Observador.

Slogan do movimento utilizado para autocolante nos carros: “Obrigada por não reproduzir”

“A primeira coisa que as pessoas pensam é na morte”

O movimento de extinção humana voluntária pode ser “uma experiência muito libertadora” para quem não deseja ter filhos, segundo Les U. Knight. No entanto, há determinados mal-entendidos que o impulsionador do movimento acredita que devem ser travados. “A primeira coisa que as pessoas pensam é na morte. É mais fácil pensar no decréscimo da população e falar de morte do que pensar no decréscimo da população e falar em reduzir a procriação. Não queremos que a morte aumente, porque isso não reflete nem ajuda a população. Além disso, é uma coisa horrível de acontecer”, esclarece.

Do mesmo modo, temas como a eutanásia ou o aborto não são sequer considerados pelo movimento de extinção humana voluntária ou por Les U. Knight: “O Homem tem de se prevenir com a contraceção. Se as pessoas pensam que os números dos abortos vão de algum modo melhorar o problema da superpopulação, isso é uma fantasia. É uma questão de direitos humanos, não é uma questão de problemas de população”.

Quanto a números da população mundial, o ativista afirma existirem cerca de 7.6 biliões de pessoas no planeta Terra e que é claramente difícil convencer tanta gente a parar de procriar, “porque foi-nos incutido pelos nossos antecessores de que a reprodução era o caminho a seguir”.

Embora a newsletter These Exit Times continue ativa, Les U. Knight confessa que não chega a tantas pessoas como o website do movimento, com cerca de seis mil visitas diárias e traduzido em 33 línguas (uma delas é o português). “A Internet tornou-se um grande motor do nosso movimento”, afirma.

Para já, além de membro ativo do movimento de extinção humana voluntária, Les continua a dar aulas. Mas os alunos não sabem quem ele é. “Eu mantenho as duas coisas completamente separadas. Sou um professor substituto e seria muito mau incluir as ideias do movimento nas minhas aulas. Eles não são uma audiência que eu queira doutrinar”, conclui.