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[Artigo publicado originalmente em fevereiro de 2019 e republicado a propósito do 30.º aniversário de Tiananmen]
“No ano passado, na altura do Ano Novo, dois polícias abordaram-me e ao meu marido. Um disse ‘Vem aí a Festa da Primavera [nome alternativo para o novo ano lunar chinês] e o gabinete de segurança publica de Henan quer desejar boas festas a algum pessoal-chave. Vocês são muito sortudos, são uns deles.’” Cheng Jianping, ativista chinesa também conhecida por Wang Yi — condenada a um ano num campo de trabalhos forçados, em 2010, por ter escrito um tweet onde dizia “Carrega, juventude zangada!” — contou à Human Rights Watch o que lhe aconteceu no Ano Novo de 2018. As autoridades locais, para evitarem que “armasse confusão” durante a época das festividades, ofereceram-lhe dinheiro: 1000 yuans, o equivalente a cerca de 130€.
É uma das estratégias que têm sido utilizadas pelo Governo chinês para lidar com o ativismo político no país e para evitar que os dissidentes espalhem as suas mensagens. Por vezes, os ativistas são até convidados para viagens a locais exóticos, de forma a afastá-los das grandes cidades aquando de acontecimentos com grande cobertura, como comícios do Partido Comunista Chinês ou eventos internacionais que podem ser utilizados pelos ativistas para chamar a atenção para a situação de direitos humanos na China. À prática foi dado o nome de bei lüyou (ser “turistado”), segundo conta a New Yorker. Mas este é o castigo mais doce a que um cidadão chinês pode ser submetido.
O Estado chinês continua a “desenhar e aplicar leis novas sob a pretensa de ‘segurança nacional’ que representam ameaças sérias aos direitos humanos”, segundo avaliou a Amnistia Internacional no final de 2018. Só nos últimos três anos, 250 pessoas foram detidas e interrogadas por suspeitas de “subversão”.
Este novo ano lunar chinês, cujas celebrações se iniciaram esta terça-feira, 5 de fevereiro, será mais uma oportunidade para o Governo chinês apertar a malha de controlo sobre as atividades políticas e sociais dos seus cidadãos. E, com recurso a novas tecnologias como câmaras de vigilância inteligentes, sistemas de crédito social e listas negras que proíbem determinadas pessoas de embarcar em transportes, começa a ser mais fácil controlar uma população de quase 1,4 mil milhões de habitantes. A cada época do Ano Novo chinês, tem lugar a maior migração temporária de pessoas do mundo: são quase três mil milhões de viagens a acontecer entre o final de janeiro e o início de março.
Nem todos os chineses, contudo, conseguirão viajar para perto dos seus entes queridos este ano. Alguns serão impedidos ou terão pelo menos a vida dificultada para apanhar um simples transporte, já que fazem parte de uma lista negra. Outros, na tentativa de chegar a outros pontos do país, poderão ficar pelo caminho ao serem detidos, se uma câmara com reconhecimento facial os descobrir no meio da multidão. À medida que o Estado chinês consolida o seu poder através destes mecanismos, os ativistas políticos são os mais afetados no imediato; mas, a longo prazo, está também a ser urdido um sistema de engenharia social que pode tentar controlar todos os passos de cada cidadão, avisam os especialistas.
Está numa lista negra? Então não pode comprar bilhete
Imaginemos um cidadão chinês que pretende ir visitar a família neste Ano Novo do Porco à sua aldeia, a uns bons milhares de quilómetros de distância da grande metrópole onde vive. O mais provável é tentar comprar um bilhete de avião ou de comboio de alta-velocidade, dada a distância. Só que pode dar-se o caso de não conseguir comprar um bilhete, nem na aplicação de telemóvel, nem nas bilheteiras da estação. Porquê? Porque está numa lista negra de um tribunal — ou seja, foi ali colocado por ter sido condenado por alguma infração e o tribunal considerar que não cumpriu com o que lhe foi exigido.
A situação é recorrente em casos de dívidas, por exemplo. E pode mesmo impedir o dito cidadão de ir visitar os pais e os avós, como explica ao Observador Martin Chorzempa, investigador do Peterson Institute for International Economics, especializado no caso chinês: “Há locais aonde não é possível aceder a tempo. Se, por exemplo, a pessoa que estiver na lista negra tiver o azar de viver numa ponta da China e a sua cidade-natal ser noutra, o comboio normal demora dias [a fazer esse caminho]. E muitas destas pessoas por vezes só descobrem que estão numa lista destas na altura em que vão comprar os bilhetes e depois andam às voltas para tentar perceber porque foram colocadas na lista.”
Foi o caso do advogado Li Xiaolin, em 2016, quando foi impedido de comprar um bilhete de avião por ter sido colocado numa lista de pessoas “que não são de confiança”. Em causa estava uma ordem de um tribunal que não teria sido cumprida. Li, condenado por difamação no ano anterior, foi obrigado a pedir desculpa à vítima. O advogado enviou então um pedido de desculpas por escrito ao tribunal, mas este considerou que o pedido não parecia “sincero” porque tinha sido enviado a 1 de abril (dia das mentiras). Li nunca foi notificado dessa decisão e foi automaticamente colocado numa lista negra de alguns transportes públicos, sem aviso.
Este Ano Novo será o primeiro desde que o Estado chinês passou a aplicar à escala nacional este sistema de “crédito social” através de listas negras para voos e viagens de comboio de longa velocidade, desde maio de 2018. E, com base no seu comportamento nos transportes públicos este ano, muitos chineses podem vir a ser colocados numa destas listas para o próximo ano, como forma de castigo por atos como fumar nas carruagens, vender ou comprar bilhetes no mercado negro ou incomodar os outros passageiros. “Uma razão muito importante pela qual as ações de desconfiança e pouco civismo nos transportes públicos acontecem é porque muitas vezes o preço a pagar é baixo. Uma forma eficaz de resolver isto é através de um castigo amplo”, declarou Lian Weiliang, vice-diretor da Comissão de Desenvolvimento e Reforma Nacionais antes do início da época das festas. Segundo Weiliang, desde março de 2018 que 4209 pessoas foram colocadas em listas negras de aviação e 1793 em listas que os proíbem de apanhar comboios de alta velocidade.
Steve Tsang, diretor do Instituto Chinês da Faculdade de Estudos Orientais e Africanos da Universidade de Londres (SOAS), explica ao Observador que o impacto destas listas, é, no entanto, reduzido: “Afeta as pessoas em termos do tipo de transporte que podem apanhar, não as impede de viajar. Podem sempre apanhar um autocarro, só que é claro que demorarão muito mais horas a chegar.” Muitos chineses nestas listas terão também recorrido às aplicações de partilha de boleias, disponíveis online e através de redes informais. No Ano Novo de 2016, por exemplo, cerca de 300 mil chineses recorreram a este método para visitar as famílias. Em 2018, terão sido com certeza muitos mais.
Aerial footage shows 5 km-long traffic gridlock in Guangdong ahead of #LunarNewYear. #SpringFestival pic.twitter.com/4PPtaHjlHz
— China Xinhua News (@XHNews) February 3, 2019
Por agora, a maioria consegue contornar o problema. Mas isso não invalida que o sistema de listas negras venha a evoluir para outro tipo de infrações. “Por enquanto, isto é sobretudo inconveniente. No entanto, se a política de crédito social se estender a respostas mais extremadas do Estado, que vão para lá de bilhetes em comboios de alta velocidade, podemos estar perante uma situação bem mais problemática”, avisa Tsang.
O sistema de crédito social: receber pontos por doar sangue e perder outros tantos por passar um sinal vermelho
O chamado “sistema de crédito social” já existe de diversas formas e funciona debaixo de vários chapéus — quer de agências estatais, quer de empresas particulares. Mas a noção de um único sistema de crédito social, que agrega todas as informações existentes sobre todos os cidadãos chineses e os recompensa ou castiga consoante as suas ações, ainda não existe. Assim sendo, o que é então o sistema de crédito social chinês e como funciona?
“Neste momento, é um conjunto de iniciativas locais vagamente coordenadas, levadas a cabo por governos regionais, e de mecanismos nacionais em que os ministérios concedem castigos ou recompensas”, resume Chrozempa. “O sistema ainda está longe de assemelhar-se a um sistema coeso e não há para já provas de que acabará por ser usada uma ‘pontuação de crédito social’ geral”, acrescenta. Ou seja, “ainda não afeta a maioria dos chineses.”
Aquilo que é gerido diretamente pelo Estado central é então agregado numa plataforma chamada Credit China, que inclui as chamadas “listas negras” dos tribunais, mas também os castigos sociais aplicados por organismos estatais por ações que violem regras relacionadas com impostos, ambiente, segurança alimentar, etc. A sua aplicação, contudo, ainda é limitada.
A este sistema nacional, somam-se os projetos piloto de autarquias locais — atualmente 43. Nestes, como o que existe na cidade de Rongcheng, por exemplo, é atribuída uma base de mil pontos a cada cidadão; por cada ação pública — como doar sangue, por um lado, ou receber uma multa de trânsito, por outro —, uma pessoa pode ganhar pontos ou perdê-los. Muitos pontos podem traduzir-se em vantagens, como descontos em lojas ou melhor acesso a empréstimos ou empregos estatais. Os projetos piloto devem servir para testar um modelo nacional que, espera o Governo, seja aplicado até 2020. Segundo o Conselho de Estado chinês, o sistema de crédito social “permitirá aos de confiança que deambulem em qualquer lugar sob o Paraíso, ao mesmo tempo que é mais difícil para os de pouca confiança darem um único passo”.
Contudo, o sistema nacional e os sistemas locais são muitas vezes confundidos com os sistemas privados de várias empresas, embora sejam tecnicamente diferentes. É o caso do Sesame Credit, o sistema de pontos ligado ao grupo Alibaba, de Jack Ma, que utiliza os consumos online dos clientes, bem como as suas atividades nas redes sociais, para criar um programa de fidelidade e de caracterização dos seus clientes que recompensa com produtos e descontos determinados comportamentos. “Uma pessoa que jogue jogos de computador dez horas por dia, por exemplo, seria considerada uma pessoa ociosa”, explicou Li Yingyun, da Sesame Credit, à Newsweek. “Uma pessoa que compra fraldas frequentemente seria considerada provavelmente como pai ou mãe e, portanto, como uma pessoa com maior sentido de responsabilidade.”
Embora sejam programas totalmente privados e independentes do modelo de crédito social estatal, investigadores como Mareike Ohlberg, do Instituto Mercator para Estudos Chineses, levantam a possibilidade de todos estes dados pessoais poderem vir a ser passados ao Estado chinês no futuro. “Pode haver uma espécie de acordo entre uma cidade e a Alibaba ou a Tencent para uma partilha de dados e isso pode incluir a avaliação dos cidadãos”, declarou a investigadora à revista Wired.
Por estas e outras razões, no Ocidente já há quem tenha feito duras críticas a todos estes modelos de coleta de dados e avaliação de comportamentos dos cidadãos. O vice-presidente norte-americano Mike Pence chamou-lhe “um sistema Orwelliano”, em referência ao Grande Irmão do livro 1984, de George Orwell. E mais recentemente, em Davos, o milionário George Soros alertou para os perigos do sistema de crédito social e avisou que o Presidente chinês, Xi Jinping, é atualmente “o inimigo mais perigoso daqueles que acreditam em sociedades livres”.
Em Pequim, contudo, encara-se o sistema com naturalidade: “É indispensável para qualquer governo moderno”, declara Zhu Lijia, professor de Gestão Pública. “Em vez de passar multas, colocar os infratores em listas negras públicas é uma forma mais eficaz de controlar o seu comportamento.”
Steve Tsang não tem dúvidas de que é disso mesmo que se trata: controlo. “É um incentivo para não se fazerem determinadas coisas e para, em vez disso, fazer outro tipo de ações que melhorem o crédito de cada um. É uma forma de influenciar o comportamento dos cidadãos”, afirma. Nos projetos piloto, os resultados são positivos quando se avaliam parâmetros como o civismo na estrada. Por enquanto, tudo parece estar limitado à legalidade e as autoridades chinesas fazem um brilharete quando apontam a redução do número de acidentes num cruzamento de estradas até então problemático, por exemplo. Mas, e no futuro? Se o sistema for alargado para outro tipo de comportamento, quem garante aos chineses que não poderão ser punidos por visitar determinados sites, ler livros específicos ou participar em reuniões de uma organização em concreto? A caixa de Pandora está aberta.
Câmaras com reconhecimento facial, um cenário de ficção científica tornado real
Para o professor Tsang, se o uso de bases de dados que centralizam informações sobre os cidadãos é preocupante, há outro uso da tecnologia cujo impacto é ainda mais premente: o de câmaras de videovigilância com reconhecimento facial, utilizadas sobretudo para apanhar cidadãos procurados pela Justiça.
“No Ano Novo, as pessoas viajam muito e as suas caras vão ser scaneadas e verificadas, portanto é muito mais fácil apanhar alguém. É claro que isso significa que podem apanhar-se criminosos. Mas também podem apanhar-se ativistas políticos. As autoridades não fazem qualquer distinção entre alegados criminosos e dissidentes políticos”, declara o investigador da SOAS. “Por isso isto é preocupante, é uma matéria de direitos humanos.”
Só no último ano, o número de estações de comboio com a tecnologia de reconhecimento facial Skynet passou de 133 estações para 300, de acordo com dados do South China Morning Post. Em algumas aldeias chinesas, conta o Le Monde Diplomatique, é possível ligar os telemóveis particulares às câmaras de vigilância na rua, através do programa experimental Sharp Eyes. E o Governo chinês espera conseguir alargar estas e outras tecnologias a todos os espaços públicos até 2020. Neste momento, já há 200 milhões de câmaras de vigilância por toda a China, um valor quatro vezes superior ao dos Estados Unidos. Várias startups chinesas, como a Megvii, a Yitu ou a SenseTime, estão a desenvolver ainda mais novas tecnologias nesta área.
Controlo, censura e ansiedade. “Na China todos sabem que estão sempre a ser vigiados”
Não faltam exemplos sobre como este tipo de tecnologia tem sido usado com sucesso para apanhar criminosos fugidos à Justiça — como foi o caso recente de uma mulher, detida em Xangai, 17 anos depois de ter matado o namorado. Mas basta ler os relatos vindos da região de Xinjiang, onde a minoria muçulmana Uigur é acossada e perseguida por praticar a sua religião, para perceber como esta tecnologia e outras podem ser usadas para fins políticos: os Uigur, enviados frequentemente para campos de “reeducação”, são controlados e monitorizados no seu dia-a-dia através de câmaras, scanners, redes wi-fi e outro tipo de tecnologia de ponta.
O sistema de crédito social, nas suas múltiplas encarnações, ou o uso de sistemas como o Skynet são novas formas encontradas pelo Governo de Xi Jinping para manter firme o controlo sobre a sociedade chinesa. “Pode ser surpresa para muitos, mas a verdade é que a China tem dificuldade em aplicar muitas das suas leis”, diz o investigador Chorzempa. “A ironia é que grande parte dessa quebra de confiança se deve ao próprio Partido, porque a Revolução Cultural destruiu muitos valores tradicionais e tornou muitas pessoas desconfiadas umas das outras. Depois tivemos uma explosão de crescimento económico, baseado num vazio moral, o que levou a que muita gente deixasse de acreditar nos slogans do Partido”, analisa.
Mas para grandes males, grandes remédios, A ideia por detrás destes sistemas não é nova, mas o alcance destas novas ferramentas é muito bem-vindo pelas autoridades nacionais: “O Governo chinês sempre teve interesse em manter ficheiros sobre os seus cidadãos. No passado, cada pessoa tinha um dang’an, ou seja um ficheiro, que descrevia toda a sua vida. Nele constava tudo: casamento, posição social, emprego. Mas isto era muito rudimentar. A arma mágica que está agora a ser criada pode atualizar a vigilância e trazê-la para uma era muito mais complexa”, resumiu o diplomata britânico Charles Parton, que viveu mais de 20 anos na China, na Spectator.
Mas porquê investir tanto dinheiro e esforço num sistema tão complexo como este quando já existiam redes de informação, mesmo que mais rudimentares? “Porque não?”, responde de volta o professor Tsang. “O sistema do Partido sempre foi o controlo. Eles têm a tecnologia, portanto por que razão não a hão de usar?”
Setenta anos depois da Revolução, o controlo total continua a ser o objetivo do Partido
O alcance deste sistema, contudo, não preocupa os cidadãos comuns chineses que, como resume o professor Tsang, “estão mais preocupados com o sítio onde vão jantar ou fazer compras”. “É o comportamento humano típico. As pessoas pensam que o sistema é bom, porque apanha criminosos e, como elas não fizeram nada de mal, não têm nada com que se preocupar. Será assim até serem elas as afetadas pelo sistema”, analisa ao Observador.
“Para mim, o sistema de crédito social não é uma coisa completamente nova. Acho que sempre a tivemos. Agora está é num formato mais eficiente”, dizia uma chinesa a um programa da Al Jazeera em Pequim, sem demonstrar qualquer sinal de preocupação. Casada e com um filho, tem um crédito social de mais de 700 pontos em 800 possíveis numa das aplicações de empresas de comércio. E pretende continuar a usá-la.
O seu comportamento não surpreende investigadores que têm estudado estes sistemas, como Martin Chorzempa: “Até agora, a maioria dos chineses pensa que estes sistemas não serão usados contra si, apenas contra pessoas que estão a causar problemas ou que tiveram azar. E não penso que seja porque o conceito de privacidade é diferente [do do Ocidente]. Antigamente, a privacidade era vista como um luxo, sim, mas cada vez mais os chineses demonstram ter preocupações relacionadas com a privacidade semelhantes às dos ocidentais.”
Por agora, os maiores prejudicados são aqueles que arriscam ter uma atividade política que vá contra as ideias do Partido Comunista Chinês: “O ativismo político está a ser cada vez mais condicionado pelo uso destas tecnologias”, resume Steve Tsang. Não só os mecanismos de controlo político estão mais facilitados, como o próprio Estado pode sempre ir mais longe do que previu inicialmente. Quando se entra numa lista negra, é muito difícil sair dela e os mecanismos legais disponíveis para os cidadãos não são claros. A forma como programas como o sistema de crédito social podem vir a ser moldados é a grande incógnita — e, num país autocrático onde o Estado de Direito é uma miragem, os cenários apocalípticos não são de se excluir.
A maior parte dos especialistas que estudam este tipo de programas são cautelosos na avaliação que fazem deles, mas não conseguem evitar levantar preocupações. “Penso que há uma necessidade real de algumas destas ferramentas, sobretudo no campo económico”, começa por dizer ao Observador o investigador económico Chorzempa. “Mas, sem uma avaliação e transparência pública robustas, arriscam-se a provocar mais problemas do que os que resolvem. O sistema pode ser alvo de hacking, pode ser abusado e pode levar à paranóia.”
A própria forma de funcionamento do sistema pode ser, em si, perversa. “É uma forma preventiva de moldar a maneira de pensar das pessoas e a sua forma de agir”, resumiu à Foreign Policy Samantha Hoffman, uma das maiores especialistas no sistema de crédito social chinês. “Para mim, isso é o que o torna Orwelliano.”
Mas, mesmo que as bases de dados se tornem cada vez mais completas e os algoritmos sejam cada vez mais refinados, aquilo que é imutável é a motivação por detrás das tentativas de controlo social por parte do Estado chinês. “Estamos a falar de um país que, nos últimos 70 anos, vive num sistema de um Partido único que tem estado a observar toda a gente e a dizer-lhes o que fazer. Um país onde os direitos individuais não são valorizados e não são respeitados”, sentencia Steve Tsang. “Isto não é particularmente novo.”
Wang Quanzhang que o diga. O advogado de direitos humanos chinês, que defendia sobretudo ativistas políticos, foi condenado a quatro anos e meio de prisão por “subversão” no final do mês de janeiro, mesmo no início da época de viagens para este Ano Novo. Será um dos milhares de chineses que não irão poder visitar a família para celebrar o novo ano do Porco. E, para isso, não foi preciso estar em nenhuma lista negra, nem ser filmado por nenhuma câmara de vigilância.