“Recuperar da falsa partida” de nome Joacine Katar Moreira, assumir-se como a “esquerda que não desiste” por oposição à esquerda que deixou cair a anterior maioria e, depois de eleitos, lutar por “acordos negociados para legislaturas completas”. São estas as prioridades do Livre para a nova fase política que se abriu com o chumbo do Orçamento, com a certeza de que o partido (ao contrário do que aconteceu em Lisboa) descarta a hipótese de coligação pré-eleitoral com o PS e que deverá voltar a ter Rui Tavares como o principal rosto nas próximas legislativas.

Esta segunda-feira o Livre abriu as candidaturas às primárias que permitirão constituir as listas que o partido apresentará às eleições de 30 de janeiro. De acordo com o que Observador apurou junto de fonte do partido, cerca de uma dezena de candidatos já responderam ao desafio. Nos corredores do partido assegura-se que o tema Joacine já foi ultrapassado e que o partido “fez a sua reflexão e alterou o que tinha de alterar” para que não se repita uma situação semelhante.

Apesar do psicodrama que se gerou naqueles turbulentos meses, o Livre tenta usar o tema Joacine como medalha de honra: ao contrário do que fariam outros partidos, argumenta-se, o Livre não hesitou em “perder a representação parlamentar sem forçar o abandono por parte da deputada”. Foi o preço a pagar por manter o compromisso com as linhas orientadoras do partido e com os compromissos celebrados com os eleitores.

Quanto à próxima legislatura, o Livre lembra a posição que manteve “no curto período em que teve representação parlamentar” quando “sempre defendeu conversações multipartidárias para um programa à esquerda a quatro anos”.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

“Era o salto de modernidade que o país queria depois da geringonça que representou o primeiro passo”, diz ao Observador Rui Tavares que continua a acreditar em soluções à esquerda, multipartidárias. Até porque, alerta o historiador, com uma “pressão muito grande para o voto útil” o risco é o de que quem “vota à procura de maioria absoluta e acorde com bloco central”.

Marcelo convocou Livre para audiência. Depois do tropeção Joacine partido já faz contas para legislativas

Centrado nos valores fundacionais, o Livre concorrerá às urnas a 30 de janeiro sem coligações pré-eleitorais, focado na sua essência: “a esquerda verde europeia que faz as pontes no meio da esquerda entre o centro esquerda e a esquerda mais radical”.

A frase é de Rui Tavares, o militante mais destacado do partido e um dos fundadores que nota que estas eleições são “uma oportunidade para o Livre recuperar da falsa partida em 2019 e voltar a entrar no Parlamento”.

Sobre a antecipação das legislativas os militantes do Livre não têm dúvidas: “Estas eleições surgem de um colapso do compromisso à esquerda”. “A solução de 2015 foi validada pelo país em 2019, provou ser muito clara para o eleitorado que elegeu a maior maioria de esquerda desde o 25 de Abril”, nota ao Observador Rui Tavares que acrescenta que o colapso que agora teve lugar tem início no “pecado original” de não ter havido um entendimento escrito em 2019.

“O Presidente da República não exigiu, fez mal e agora vê-se. O PCP pôs-se de fora, António Costa aproveitou essa saída do PCP e propôs entendimento de mínimos”, diz o historiador, que considera “um erro” a opção de ter deixado “o peso todo em cima das negociações anuais do Orçamento”. Para Rui Tavares, “mesmo antes da pandemia” o entendimento “não era suficiente”.

“O país precisa de ter horizonte não só a quatro anos, mas a uma década”

Posicionando-se entre o PS e a restante esquerda, o Livre  volta a apresentar-se para “dar garantia” aos que “não souberam ter cultura de compromisso” e frisa que o país precisa de a “cultura de diálogo político no Parlamento”.

Depois de ter assumido uma coligação em Lisboa com o PS — que acabou derrotada pela direita –, Rui Tavares descarta que o partido possa coligar-se novamente antes das eleições e deixa ainda críticas veladas ao BE: “Quem tinha a principal responsabilidade de ter a coligação em cima da mesa foi quem governou em Lisboa, quem disse que queria continuar a governar [a cidade] em coligação, mas não aceitou coligar-se antes das eleições”.

Coligações pré-eleitorais estão, por isso, fora da equação. Até ao Congresso de 11 e 12 de dezembro, quando serão apresentadas as listas finais do partido às eleições de 30 de janeiro há um longo processo de primárias. Aberto esta segunda-feira, entre 17 e 21 de novembro há campanha eleitoral interna, a primeira volta nos círculos com mais de seis candidaturas decorre nos dias 22 e 23 de novembro. Para círculos com menos de seis candidaturas (e na segunda volta dos demais) as datas para a escolha são os dias 27 e 28 de novembro. A 29 de novembro o partido tem agendado divulgar os resultados das escolhas internas.

O Livre quer “pôr em cima da mesa a folha de rota do que faz falta ao país”. “O sectarismo à esquerda para permitir a maioria absoluta do PS é voltar ao que foi o passado à esquerda. Queremos andar para o futuro”, diz Tavares, acrescentando que é preciso “colocar na mesma mesa os vários partidos, trabalhando um programa de governo para quatro anos e oferecendo uma maioria progressista e ecológica que tenha sustentação no parlamento e garantias de estabilidade e previsibilidade”.

Sobre o papel que pode desempenhar no partido, Rui Tavares assegura que “não se escusa a fazer a reflexão e avaliar o grau de compromisso” que a decisão de se candidatar exige. “Não me escuso a ter que fazer essa reflexão e a avaliar esse grau de compromisso, mas o passo a ser dado tem que ser a contar com as primárias do Livre”, diz. A julgar pelos resultados das primárias que o partido realizou para as autárquicas de setembro, Rui Tavares não terá dificuldades em ser escolhido entre os pares se decidir candidatar-se.

“A Esquerda que não desiste”, Livre começa a ensaiar o discurso

Num comunicado enviado à comunicação social esta segunda-feira e distribuído também internamente aos membros e apoiantes do partido, o Livre já deixa clara a rota que vai seguir até à campanha eleitoral. Ao contrário de PCP e BE — que culpa por terem deixado cair o Orçamento do Estado — o Livre apresenta-se já como “a esquerda que não desiste”.

“O Livre apresenta-se como uma esquerda sem receios do compromisso e da governação e que procurará sempre acordos negociados para legislaturas completas, que permitam a implementação das políticas transformadoras de que Portugal precisa urgentemente”, lê-se na mensagem política do partido para as eleições.

O Livre deixa também algumas pistas que podem ser base para futuros entendimentos, já que afirma não desistir. “O Livre não desiste de ser uma voz na Assembleia da República em defesa da justiça social e da justiça ambiental, da igualdade e dos Direitos Humanos e uma garantia que o diálogo não morreu com esta crise política”, frisa o partido que acrescenta ainda questões como a “garantia da segurança social; escola pública de qualidade; habitação; valorização do SNS e profissionais; o Novo Pacto Verde; o rendimento básico incondicional ou as 30 horas de trabalho semanais”.

“O que o Livre porá em cima da mesa é a necessidade de haver acordo entre vários partidos negociado com tempo, conteúdos. É preciso ser consequente, ter acordo e metodologia de construção e diálogo que permita ao país passar para outro patamar de ação política”, remata Rui Tavares.