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Rodagens da nova série da RTP, que adapta o livro "Madrugada Suja" de Miguel Sousa Tavares, para uma série televisiva que estreará em 2023. 28 de Julho de 2022 Tribunal Militar, Lisboa TOMÁS SILVA/OBSERVADOR
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Em "Madrugada Suja", o cantor-entertainer-candidato Manuel João Vieira volta a ser ator, agora no papel de um poderoso construtor de nome Acrísio Travassos

TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

Em "Madrugada Suja", o cantor-entertainer-candidato Manuel João Vieira volta a ser ator, agora no papel de um poderoso construtor de nome Acrísio Travassos

TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

"Madrugada Suja" e o mundo catita e tão português da corrupção: na rodagem da adaptação do livro de Miguel Sousa Tavares

Série da RTP adapta livro de Miguel Sousa Tavares. Corrupção autárquica, crises ambientais e violação. Um drama com sátira, porque só assim é que se olha para o país. Estreia está agendada para 2023.

No Supremo Tribunal Militar no Campo de Santa Clara, em Lisboa, encontra-se um suspeito do costume. Juízes e funcionários gozam as respetivas férias judiciais. Não há réus nem advogados à vista. Há, isso sim, um computador à espera de alguém na sala de conferências, nada mais. O suspeito é Manuel João Vieira, de camisa e gravata, agarrado a uma muleta por causa de um problema no joelho, que deambula por aquela sala para agarrar uma garrafa de água. “Esta época já foi, já não vou aos treinos”, suspira. No hall do lado de fora, centra-se um pequeno caos saudável com técnicos, câmaras, assistentes e outras figuras essenciais para que tudo isto aconteça. Faz calor, o final de tarde está a chegar, mas é preciso trabalhar. Ena Pá 2000, “Mundo Catita”, candidatura presidencial, Manuel João Vieira anda novamente dedicado à política, é disso que se trata?. Não, desta vez o assunto é outro.

Esta quinta-feira foi dia marcado na agenda para rodar mais uma cena de “Madrugada Suja”, produção na qual o cantor-entertainer-candidato volta a ser ator, agora como poderoso construtor Acrísio Travassos, CEO da BlueOcean. Falamos de uma nova série da RTP1 de seis episódios, uma adaptação livre do livro — feita por Filipa Cabrita de Sousa — com o mesmo título, escritor por Miguel Sousa Tavares, que será estreada em 2023.

É o primeiro grande projeto de Sebastião Salgado como realizador, guionista de novelas e séries que já vimos na televisão portuguesa e que agora tem em mãos o primeiro grande desafio de ficção. O antigo advogado e agora homem da câmara também deambula pelo tribunal, mas do outro lado, a orientar a equipa técnica para o ensaio que se segue. O frenesim vai ganhando organização, não sem surpresas, ao ponto do operador de som tirar as meias e pedir desculpa por eventuais cheiros incómodos. Afinal, estamos num tribunal, quer-se silêncio para filmar, mas o julgamento é outro: há sete cenas para filmar, estamos na quinta semana de rodagem. Neste ensaio que presenciamos vão estar Marco Mendonça (Rudolfo), Rafael Morais (Filipe Madruga) e Iris Cayatte (Rita) em personagem, a trocar dois dedos de conversa sobre projetos de arquitetura na autarquia de Vila Nova de Odemar, aldeia alentejana que só existe neste enredo.

Rodagens da nova série da RTP, que adapta o livro "Madrugada Suja" de Miguel Sousa Tavares, para uma série televisiva que estreará em 2023. 28 de Julho de 2022 Tribunal Militar, Lisboa TOMÁS SILVA/OBSERVADOR Rodagens da nova série da RTP, que adapta o livro "Madrugada Suja" de Miguel Sousa Tavares, para uma série televisiva que estreará em 2023. 28 de Julho de 2022 Tribunal Militar, Lisboa TOMÁS SILVA/OBSERVADOR Rodagens da nova série da RTP, que adapta o livro "Madrugada Suja" de Miguel Sousa Tavares, para uma série televisiva que estreará em 2023. 28 de Julho de 2022 Tribunal Militar, Lisboa TOMÁS SILVA/OBSERVADOR Rodagens da nova série da RTP, que adapta o livro "Madrugada Suja" de Miguel Sousa Tavares, para uma série televisiva que estreará em 2023. 28 de Julho de 2022 Tribunal Militar, Lisboa TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

No Supremo Tribunal Militar, em Lisboa, centra-se um pequeno caos saudável com técnicos, câmaras, assistentes e outras figuras essenciais para que tudo isto aconteça

TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

Vamos à história. Aqui há corrupção, autarquias, problemas ambientais, desertificação, traições e uma violação. Trama pesada, em três épocas diferentes, com um cheirinho a sátira. Dos anos 60 à viragem do milénio, a narrativa centra-se em 1988. Filipe é o protagonista, arquiteto municipal, que fica encarregue de liderar o projeto de construção de um empreendimento imobiliário de luxo numa área protegida, que teve o “insólito aval” da Agência Portuguesa do Ambiente. Onde é que isto já se viu? Um caso arquivado de uma violação que assombra uma procuradora do DIAP, um empresário influente que poderá ser primeiro-ministro. E haverá mais, mas não vamos aqui dar conta de tudo.

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“A corrupção tem moldado as últimas décadas de Portugal. Desertificação do território, especulação imobiliária, aldeias abandonadas, tudo está relacionado com este género de corrupção. Estas personagens não são caricaturas, são arquétipos. A ironia aqui tem um papel fundamental, precisamente por ser ficção”, confessa Sebastião Salgado ao Observador numa curta pausa (também as faz) antes de saltar para a próxima cena.

"Temos sido tão bombardeados com informação que ficámos apáticos. A ficção mete um espelho, compreende-se melhor a sociedade. Aqui ligamo-nos às pessoas, sentimo-nos traídos, há emoções. Com as notícias é impossível."
Iris Cayatte, atriz

O realizador, sempre concentrado, sem acusar grande pressão (pelo menos exterior) segue a vida como a tinha planeada e encaminha-se para o gabinete de Estudos Arqueológicos de Engenharia Militar. Sim, sim, Sebastião não vai estudar, rumou só para a régie improvisada, rodeada de secretárias, livros e mobília antiga. Mas Iris Cayatte, pouco antes de começar a trabalhar, está cá fora, sentada, a preparar-se serenamente com a ajuda de um cigarro. Nem parece estar prestes a dar corpo a Rita, funcionária camarária, mulher (?), amante (?), namorada (?) de Filipe com uma filha em comum (?) — tantas dúvidas, só mesmo a chegada de 2023 para as esclarecer. Foi a ela que calhou a fava em “Madrugada Suja”, o bom mau-prémio de ser o condão ético de toda esta história. Trabalha num dos escritórios “a fazer contas para corruptos” e ficará sem chão quando Filipe descobrir o seu segredo. Está apresentada.

Como se costuma dizer nestas coisas: o público português pode conhecê-la de novelas como “Prisioneira” (2019) ou “Vidas Opostas” (2017), mas a atriz tem tem trabalhado também lá fora — na verdade, é onde tem passado a maior parte do tempo. O ano de 2021 foi um ano em grande: contam-se participações em filmes de Bruno Gascon (“Evadidos”) e séries da HBO, como “Kamikaze”. Há três anos, esteve lado a lado com outro dos protagonistas desta “Madrugada Suja”, Rafael Morais, numa curta-metragem, “Cuidado”, assinada por (isso, adivinharam) Sebastião Salgado, na qual os dois interpretam um casal nazi. Neste caso, a energia é diferente. Mais leve. Mas não menos relevante. “Temos sido tão bombardeados com informação que ficámos apáticos. A ficção mete um espelho, compreende-se melhor a sociedade. Aqui ligamo-nos às pessoas, sentimo-nos traídos, há emoções. Com as notícias é impossível”, desabafa.

Rodagens da nova série da RTP, que adapta o livro "Madrugada Suja" de Miguel Sousa Tavares, para uma série televisiva que estreará em 2023. 28 de Julho de 2022 Tribunal Militar, Lisboa TOMÁS SILVA/OBSERVADOR Rodagens da nova série da RTP, que adapta o livro "Madrugada Suja" de Miguel Sousa Tavares, para uma série televisiva que estreará em 2023. 28 de Julho de 2022 Tribunal Militar, Lisboa TOMÁS SILVA/OBSERVADOR Rodagens da nova série da RTP, que adapta o livro "Madrugada Suja" de Miguel Sousa Tavares, para uma série televisiva que estreará em 2023. 28 de Julho de 2022 Tribunal Militar, Lisboa TOMÁS SILVA/OBSERVADOR Rodagens da nova série da RTP, que adapta o livro "Madrugada Suja" de Miguel Sousa Tavares, para uma série televisiva que estreará em 2023. 28 de Julho de 2022 Tribunal Militar, Lisboa TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

Nota-se uma vontade de discutir tudo ao pormenor, mesmo que se sinta um certo caos. "O que é que já partiram?", grita um dos técnicos. A adrenalina causa estilhaços, mas não estão à vista, é uma arte

TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

De volta à rodagem, nota-se uma vontade de discutir tudo ao pormenor, mesmo que se sinta um certo caos. “O que é que já partiram?”, grita um dos técnicos. A adrenalina causa estilhaços, mas não estão à vista, é uma arte que se desenvolve com o tempo. Que os militares presentes à porta do tribunal não os oiçam. Mas estamos na reta final, compreende-se que o nervoso não seja assim tão miudinho. Essa discussão entre todos os elementos da equipa tem sido uma das grandes vantagens para Rafael Morais (“Amadeo”, “Glória”, “Sangue do Meu Sangue”), que conta ao Observador que este método não é muito habitual em projetos portugueses. “Houve ensaios, discussão de mesa, um registo diferente daquilo que habitualmente se vê em Portugal. É uma abordagem mais cinematográfica”, conta.

Isso ou uma atenção aos conteúdos audiovisuais que versam sobre corrupção. Sendo um tema endémico no país, que ora salta para a capa dos jornais, ora brota em conversas de café, não é fácil arranjar abordagens novas. Ainda assim, Maria João Mayer, produtora associada de “Madrugada Suja”, não esconde o entusiasmo em estar a trabalhar em ficção para a RTP1. Porque apesar da febre que atingiu o país, abrindo portas para grandes produções internacionais plantarem o seu negócio por cá, continua a haver vontade em apostar no público português. “O nosso público é a minha principal preocupação”, afirma. Claro que se a Netflix ou outra familiar vier, que venha, será bem vinda. A HBO já veio, com produções mais curtas para o seu catálogo em Portugal, como “Capitães de Açúcar” e “Emília”. Mas histórias portuguesas há muitas e boas, com certeza.

"Para a minha personagem, a corrupção é normal. Em Portugal existe o hábito de contornar a lei, achamos que é natural para andarmos para a frente. Foi assim durante muito tempo. Acho que devíamos criar uma Universidade de Corrupção para encontrarmos novas formas de a praticar e seguir as tendências lá fora."
Manuel João Vieira, músico e ator

Durante a consulta pública de conteúdos da RTP1, a editora Cristina Ovídio apresentou o livro de Miguel Sousa Tavares a Maria João Mayer. Avançou-se, o autor “ficou contente” com o projeto, depois foi uma questão de desenhar, produzir e filmar os seis episódios, nada de mais. No meio deste fervilhar de produções, arranjou-se, por mais difícil que esteja a situação, tempo e equipa, sob um calor abrasador do abençoado Alentejo — e sempre com o risco de incêndio à perna — para fazer a rodagem. “Gravámos em Santiago do Cacém, Grândola e Évora. Foi um delírio completo. Cheguei até de precisar de arranjar pessoas de um dia para o outro. Mas não me estou a queixar. Ainda bem que há emprego”, conta.

Não tem faltado emprego na área audiovisual, mesmo que isso traga um problema acrescido às produções nacionais. Também não tem faltado corrupção no país, segundo as notícias das últimas décadas, mesmo que isso atrase ou prejudique a nação. Nem tão pouco séries nacionais, segundo o que se vê, o que catapulta a nossa indústria para voos possivelmente maiores. Uma citação clássica como “Isto só neste país” podia ser o título de um dos episódios de “Madrugada Suja”. Ou o nome de uma das cantigas de Manuel João Vieira. Mas estamos num final de tarde de uma quinta-feira, a última de julho. O seu primeiro disco “sobre dor de corno” está a ser preparado. Só que no tribunal, não há música. A entrada do homem no plateau está quase a chegar. Fica uma ideia no ar: criar uma escola de corrupção.

Não se sabe se a sugestão não saltou mesmo para um dos guiões, já que todos — e mesmo todos — ajudaram a escrevê-los. Essa é, pelo menos, a garantia do realizador. “Para a minha personagem, a corrupção é normal. Em Portugal existe o hábito de contornar a lei, achamos que é natural para andarmos para a frente. Foi assim durante muito tempo. Acho que devíamos criar uma Universidade de Corrupção para encontrarmos novas formas de a praticar e seguir as tendências lá fora”, conta o também músico. Afinal, ainda que pelos lados do Campo de Santa Clara Manuel João Vieira esteja como ator, a política continua-lhe no sangue. De dia, de noite e madrugada fora.

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