776kWh poupados com a
i

A opção Dark Mode permite-lhe poupar até 30% de bateria.

Reduza a sua pegada ecológica.
Saiba mais

Dagestan State Medical University in Makhachkala, Russia
i

O médico Valentim Lourenço insiste na nota mínima: “A PNA é um exame de raciocínio clínico, não é por se decorar livros, como no Harrison, que se tem boa nota.”

Yelena Afonina/TASS

O médico Valentim Lourenço insiste na nota mínima: “A PNA é um exame de raciocínio clínico, não é por se decorar livros, como no Harrison, que se tem boa nota.”

Yelena Afonina/TASS

Mais de 100 médicos entram no internato com nota “negativa” na Prova Nacional de Acesso

Estudantes defendem que se trata de uma prova de seriação e desvalorizam. Médico diz que ter 19 pontos numa prova que vale 150 é miserável.

Em 2020, 293 médicos não conseguiram ter sequer metade da pontuação máxima da Prova Nacional de Acesso (PNA). Dos 150 pontos que podem ter no exame que dá acesso ao internato médico e à futura especialidade, quase 300 recém-licenciados tiveram abaixo de 75 pontos. Com 2.462 médicos a prestar prova, significa que quase 12% tiveram uma nota que equivaleria a negativa. Destes, 50 acabaram excluídos do mais recente concurso ao internato médico, o de 2020, mas 101 conseguiram colocação nos hospitais apesar da nota baixa. Os resultados do concurso foram conhecidos em dezembro e a nota mais baixa de um médico que conseguiu vaga foi de 39 pontos — o que numa prova classificada numa escala de 100 equivaleria a 26%.

No ano anterior, o primeiro em que a Prova Nacional de Acesso foi feita em Portugal (em 2018 houve um teste piloto), substituindo a temida prova Harrison, os resultados não foram muito diferentes. Mais de 450 médicos tiveram nota abaixo dos 75 pontos e 129 conseguiram vaga no internato. A nota mais baixa foi 19 (equivalente a um 12,6% numa escala de 100).

Entre os estudantes de medicina, os valores baixos são desvalorizados com base em três argumentos: a PNA é uma prova de seriação e não de avaliação. Serve para ordenar os estudantes que, da nota mais alta para a mais baixa, têm prioridade na escolha das vagas que abrem na formação da especialidade (internato médico). Em segundo lugar, quando fazem a PNA já fizeram os seis anos de formação médica numa universidade e têm todos os requisitos para poderem seguir em frente com a sua formação. Por último, depois de feita a PNA, e antes da especialidade, fazem um ano de internato de formação geral, ganhando experiência.

No passado, quando era o exame Harrison a vigorar, chegou a haver nota mínima. Abaixo de 50 valores (em 100), os estudantes ficavam impedidos de seguir para o internato. A prova, que tinha como bibliografia única o livro com o nome do cardiologista Tinsley Harrison, obrigava, acima de tudo, à memorização. A PNA é uma prova que obriga ao raciocínio clínico.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Essa nota mínima deveria regressar? Valentim Lourenço, que fala em nome próprio, e não enquanto presidente do Conselho Regional do Sul da Ordem dos Médicos, acredita que sim e afirma que “ter 19 pontos numa prova que vale 150 é miserável”, já que respondendo a perguntas aleatoriamente num teste há estudos que demonstram que se consegue ter cerca de 30%.

“Durante anos, se tivesse menos de 50% na Harrison não se podia seguir para o internato, mas nessa altura havia muitos candidatos e poucas vagas. Há uns 15 anos, acabou-se com a nota mínima e, na minha opinião, a decisão foi tomada também porque se começou a ficar com vagas por preencher. Faltavam médicos com nota alta para ocupar os lugares do internato.”
Valentim Lourenço, presidente do Conselho Regional do Sul da Ordem dos Médicos,

“Ter 19 pontos é, por isso, ter menos do que respondendo à sorte, ao calhas”, afirma. Na sua opinião, mesmo sendo uma prova de seriação, devia haver uma nota mínima: quem tivesse menos de metade, uma negativa, não poderia seguir para o internato.

Porque se acabou com a nota mínima?

“Durante anos, se um aluno tivesse menos de 50% na Harrison não se podia seguir para o internato, mas nessa altura havia muitos candidatos e poucas vagas”, recorda Valentim Lourenço. “Há uns 15 anos, acabou-se com a nota mínima e, na minha opinião, a decisão foi tomada também porque se começou a ficar com vagas por preencher. Faltavam médicos com nota alta para ocupar os lugares do internato”, diz o ginecologista e obstetra. Nessa altura, recorda, “o argumento dos que chumbavam na Harrison, e que defendiam o fim da nota mínima, era o de que o exame era muito difícil e servia de seriação, não de avaliação”.

Valentim Lourenço lembra um caso de uma médica com quem conviveu, que entrou no internato com 30%, chumbou-o por duas vezes e que, para conseguir passar, acabava a ter de fazer em 3 ou 4 vezes o que os colegas faziam à primeira. “Neste caso, era uma médica que vinha do estrangeiro, de um sistema de ensino diferente do português e que não tem a mesma qualidade do nosso.” Muitas destas baixas notas da PNA são, na sua opinião, de alunos estrangeiros que procuram equivalência dos seus cursos para o sistema português e que têm uma preparação mais fraca.

Para o sistema de saúde português considera que o problema é todos conseguirem entrar no sistema, devido a uma decisão que, para si, tem uma explicação simples: o Ministério da Saúde precisa de garantir que tem médicos no Serviço Nacional de Saúde. “E são estes profissionais, muitos que acabam a especialidade com más notas, que têm menos formação de base, que vão para os hospitais para garantir que se cumprem as necessidades de mão de obra barata”, acusa. Os que têm melhores notas acabam por fazer carreira no privado ou até optar pelo estrangeiro, defende, onde lhes são oferecidas melhores condições de trabalho.

Por tudo isto, Valentim Lourenço insiste na nota mínima: “A PNA é um exame de raciocínio clínico, não é por se decorar livros, como no Harrison, que se tem boa nota.”

Embora o concurso de internato da especialização seja da responsabilidade do Estado, é a Ordem dos Médicos quem faz e quem trata da validação da prova. “Acredito que haja alunos que simplesmente não estudaram, ou que só vão tentar o internato no ano seguinte e vão só para experimentar a prova. E há os contingentes especiais. Mas quando se trata de um exame que verifica os conhecimentos médicos faz todo o sentido ter nota mínima”, defende o médico ginecologista.

No concurso de 2020, entraram para o internato médico 23 alunos com menos de 60 pontos (40% se a escala fosse de 100). Oito vagas foram ocupadas na especialidade de Medicina Interna, seis em Medicina Geral e Familiar, quatro em Imuno-hemoterapia e uma em Estomatologia. Os locais estão espalhados pelo país como, por exemplo, no Centro Hospitalar Barreiro Montijo, no de Leiria, no do Oeste ou, na capital do país, no Lisboa Norte e no Lisboa Central. Hospital de Vila Franca de Xira, o Hospital Prof. Dr. Fernando Fonseca e o Instituto Português Oncologia também receberam alguns destes médicos com baixa nota na PNA.

Para Valentim Lourenço, “o Ministério da Saúde tem a faca e o queijo na mão: pode mudar as regras, mas precisa destes médicos com notas mais baixas para o trabalho de sapa, e para serem desviados para as urgências.”

Olhando para os 101 colocados com nota abaixo de 75, vê-se que a maioria entrou em vagas de Medicina Interna ou de Medicina Geral e Familiar. Quanto à qualidade do ensino de medicina em Portugal, Valentim Lourenço acredita que ela é boa, embora as universidades continuem a ter demasiados alunos para aquilo que consideraria aceitável.

O Observador questionou o Ministério da Saúde sobre esta situação: se preocupa a atual ministra da Saúde, se Marta Temido tem alguma solução à vista e se, no limite, há apreensão pela qualidade dos cuidados prestados por estes profissionais. Até à publicação deste artigo, o Observador não obteve qualquer resposta da tutela sobre estas questões, nem sobre se a possibilidade de voltar a haver uma nota mínima de ingresso ao internato médico está em cima da mesa.

Students learning to administer anesthes

Estudantes de medicina defendem que a Prova Nacional de Acesso não precisa de uma nota mínima

Getty Images

Estudantes de Medicina recusam ideia de nota mínima

Na Associação Nacional de Estudantes de Medicina (ANEM), que representa cerca de 11 mil alunos de diferentes faculdades, a ideia de ter uma nota mínima na Prova Nacional de Acesso é rejeitada por completo.

“A PNA é um modelo recente de uma prova onde estão inscritas pessoas que já foram avaliadas em medicina. Já têm o seu curso feito”, diz Francisco Pêgo, o novo presidente da associação. Para si, usar um corte nos 75 pontos para falar em positivas e negativas não é justo, já que se trata de um exame de seriação e não de avaliação.

“Já são médicos, já terminaram o curso, a sua capacidade já foi avaliada e aprovada a todas as disciplinas, estão perfeitamente habilitados para o exercício autónomo da medicina”, insiste. “Não acredito que ter um 39 na PNA signifique que a capacidade desse médico exercer medicina seja medida apenas por esse número.”

Explicações para as notas baixas tem várias, semelhantes às apontadas por Valentim Lourenço, mas sublinha que não gosta de generalizar. Para além de dificuldades que possam ser sentidas por estudantes estrangeiros que façam a prova portuguesa, o presidente da ANEM também lembra que os níveis de investimento de cada estudante serão diferentes.

Para Francisco Pêgo, o verdadeiro problema não são as notas baixas, mas terem ficado vagas por preencher no concurso de internato médico para a especialização de dezembro. “Houve quem, apesar de poder ocupar uma vaga, tenha preferido não o fazer e isso é um sinal de alarme — mostra-nos que o Serviço Nacional de Saúde não está a ser capaz de reter médicos”, diz o estudante da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto.

Internato médico fica com vagas por preencher. A nova geração de médicos “não quer ser escravizada” no SNS

Catarina Dourado, a antecessora de Francisco Pêgo na presidência da ANEM, está a fazer o 6.º ano na Universidade de Coimbra e conta que vai agora começar a estudar para a PNA. A sua opinião converge com a do colega do Porto: não há necessidade de ter uma nota mínima numa prova de seriação.

Sobre as notas baixas, não encontra nenhuma explicação diferente das anteriores. “Há alunos que vão apenas para experimentar, para ver como é o ambiente. Muitas pessoas fizeram curso no estrangeiro e não estão assim tão bem preparadas. E haverá sempre aquelas pessoas a quem, simplesmente, nesse dia a prova não correu bem.”

Assine a partir de 0,10€/ dia

Nesta Páscoa, torne-se assinante e poupe 42€.

Não é só para chegar ao fim deste artigo:

  • Leitura sem limites, em qualquer dispositivo
  • Menos publicidade
  • Desconto na Academia Observador
  • Desconto na revista best-of
  • Newsletter exclusiva
  • Conversas com jornalistas exclusivas
  • Oferta de artigos
  • Participação nos comentários

Apoie agora o jornalismo independente

Ver oferta

Oferta limitada

Apoio ao cliente | Já é assinante? Faça logout e inicie sessão na conta com a qual tem uma assinatura

Ofereça este artigo a um amigo

Enquanto assinante, tem para partilhar este mês.

A enviar artigo...

Artigo oferecido com sucesso

Ainda tem para partilhar este mês.

O seu amigo vai receber, nos próximos minutos, um e-mail com uma ligação para ler este artigo gratuitamente.

Ofereça artigos por mês ao ser assinante do Observador

Partilhe os seus artigos preferidos com os seus amigos.
Quem recebe só precisa de iniciar a sessão na conta Observador e poderá ler o artigo, mesmo que não seja assinante.

Este artigo foi-lhe oferecido pelo nosso assinante . Assine o Observador hoje, e tenha acesso ilimitado a todo o nosso conteúdo. Veja aqui as suas opções.

Atingiu o limite de artigos que pode oferecer

Já ofereceu artigos este mês.
A partir de 1 de poderá oferecer mais artigos aos seus amigos.

Aconteceu um erro

Por favor tente mais tarde.

Atenção

Para ler este artigo grátis, registe-se gratuitamente no Observador com o mesmo email com o qual recebeu esta oferta.

Caso já tenha uma conta, faça login aqui.

Assine a partir
de 0,10€ /dia

Nesta Páscoa, torne-se
assinante e poupe 42€.

Assinar agora