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NUNO VEIGA/LUSA

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Marcelo ao Observador: Presidente com saudades dos netos e de mergulhos no mar

Em conversa com o Observador numa automotora (sim, numa automotora), diz querer ser a "janela de esperança" que os políticos não são. Tem saudades de ler e nadar. Já escreveu o discurso do 25 de abril

Até já escreveu o discurso do 25 de abril. Marcelo Rebelo de Sousa anda numa correria desenfreada desde que é Presidente e confessa ao Observador, durante uma conversa na cabine de uma automotora alentejana, ter saudades dos netos, de ler, ou de nadar no mar.

Tal como na sua nova vida em Belém, o comboio de Marcelo segue viagem em contrarrelógio. São 11h47 da manhã deste sábado quando o Presidente da República chega à estação ferroviária de Vila Nova da Baronia, uma das poucas linhas de caminho-de-ferro que ainda resiste no interior alentejano. Prepara-se para subir a bordo de um pequeno comboio de três carruagens (uma automotora) que o levará até Beja. A viagem é curta, mas o relógio acelera. A partida é às 11h50. Todos os assessores e seguranças da pequena comitiva presidencial olham nervosos para o relógio. É que Marcelo ainda se demora a cumprimentar, um por um, todos os populares que saíram de casa para o verem passar. E ainda para falar aos jornalistas, mesmo que seja para dizer que “não tem nada a dizer” sobre a tensão crescente entre Portugal e Angola devido à banca. Está bem que é Presidente, mas o comboio, assim que apita, não espera.

“Essa é uma das coisas que me aborrece”, o excesso de controlo e a agenda apertada, diz o Presidente da República numa conversa exclusiva com o Observador durante uma visita que fez à estreita cabine do motorista da automotora, naquele que é o seu primeiro roteiro pelo país enquanto chefe de Estado. “Ainda hoje tivemos de mudar o programa todo de manhã, viu?”. E na véspera “nem jantei” devido aos atrasos que houve no programa e ao facto de ter de estar às 20h30 no cineteatro de Serpa para homenagear o falecido amigo Nicolau Breyner e assistir à “Dama das Camélias”. Não jantou ele nem jantou o resto da equipa que o acompanha, que tem de se adaptar ao ritmo frenético do Presidente.

É o próprio que reconhece que é indisciplinado no cumprimento das normas e dos programas, e que admite a paciência acrescida que a equipa de segurança tem de ter consigo. “Ainda ontem quis entrar numa taberna [em Moura, quando o taberneiro lhe fez o convite para provar o vinho] e eles, coitados, fecharam logo as portas e chatearam-se por causa das questões de segurança”, diz ao Observador, encolhendo os ombros como quem diz que não há nada a fazer. Cada um é como é. Entre a comitiva, ainda assim, todos encaram com tranquilidade o Presidente hiperativo que têm em mãos. “Felizmente tem vontade própria”, ouve-se dizer.

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(Imagens cedidas pela Presidência da República)

Marcelo Rebelo de Sousa tem um relógio próprio, acelerado. Mas também se cansa e tem saudades. De quê? De muita coisa, mas a primeira que lhe vem à cabeça são “os netos”, que estão no Brasil e não vê com frequência. Depois: “Ler”. É que agora teve de trocar os livros pelos dossiês e à noite chega “tão cansado”, que não dá para mais. Mas também tem saudades de “ter tempo para conduzir”, ou apenas de “dar um passeio”. Ou de “nadar”. Sim, há muito que o então apenas professor não dá os seus famosos mergulhos matinais nas praias da linha de Cascais.

“Tenho saudades dos netos, de ter outro espaço de movimentação, eu praticamente hoje já só consigo conduzir ao domingo e, mesmo assim, há domingos que não dá. Amanhã não vou conseguir conduzir. Tenho um programa tal que não tenho um fim de semana há não sei quantas semanas”, comenta em conversa informal com o Observador, lembrando que depois do périplo pelo Alentejo, que termina este sábado ao fim de três dias de agenda intensa, vai seguir-se o 25 de abril — “um dia cheio, que começa à meia-noite da véspera”, mas cujo discurso já está “escrito há muito tempo”, como confessou a dada altura aos jornalistas –, depois a visita de Estado a Roma e depois, logo no início de maio, a Moçambique. “Agora é tudo diferente”, diz.

As saudades do Presidente

Mas não se nota. Há velhos hábitos que se mantêm. Ainda este sábado, a propósito do dia mundial do livro, Marcelo esteve na biblioteca de Alvito a recordar os tempos das “Escolhas de Marcelo”, quando recomendava livros ao domingo à noite na TVI. Agora, na qualidade de Presidente, levou consigo para o Alentejo sete livros “para todos os gostos”, sendo que alguns deles, realçou, não eram oferta da Presidência mas sim de si próprio (“paguei do meu bolso”). Um sobre a história de D. Afonso Henriques, outro sobre a biografia do amigo falecido Nicolau Breyner, o Ensaio sobre a Cegueira, de José Saramago, e três livros da coleção “Uma Aventura”, escritos por Ana Maria Magalhães e Isabel Alçada, sua atual colaboradora em Belém. Apresentou-os a todos, um por um, com a velocidade linguística a que habituou os telespetadores. “A pessoa é como é”, explica, mostrando que vai adaptar a Presidência a si, e não tanto o contrário.

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O rosto da esperança. Se os Governos A, B ou C não dão esperança, dá o Presidente

Enquanto isso, o comboio avança. Desta vez não é só o comboio dos afetos, como foi na campanha presidencial, mas é mais o comboio da “esperança”. Ora nas carruagens, ora nas ruas, ora dentro da estreita cabine do motorista, onde o Presidente se apressa a questionar o funcionário da CP sobre a sua vida e o seu bem-estar, é na proximidade com as pessoas que Marcelo, Presidente, quer apostar.

É essa que quer que seja a sua imagem de marca, mesmo que isso lhe custe as críticas de que está a falar ou a aparecer demasiado na comunicação social. “Eu acho que isso faz muita diferença porque represento uma janela de esperança, e as pessoas precisam de janelas de esperança”, diz ao Observador, explicando porque se demora nos cumprimentos e nos beijinhos, porque é ele que muitas vezes sugere que as crianças tirem selfies ou porque escolheu o interior alentejano, com todos os seus defeitos e virtudes, para começar os seus roteiros pelo país.

A "janela de esperança"

Marcelo admite que para “alguma parte do país político” seja difícil de perceber este desejo de esperança, porque as “guerras partidárias entre oposição e governo têm de existir, são inevitáveis”, e é por isso que reserva para si próprio esse papel. “Tenho evitado as querelas políticas porque às tantas vão fazendo desaparecer a esperança, na base de guerras”, diz, recusando a ideia de que isso se passe apenas com o Governo A, B ou C. “Agora é este Governo, se fosse outro Governo era outro Governo”, acrescenta, lamentando que o que passa para a comunicação social seja apenas as guerrilhas políticas e não as “mudanças que são possíveis fazer no país, nomeadamente com a aplicação dos fundos comunitários”.

"Fala-se de défice do Orçamento, não se fala de um défice de esperança que existiu durante uns anos em Portugal. É bom que esse défice seja vencido rapidamente", reforçou este sábado em visita à Ovibeja.

40 anos depois, um Alentejo diferente

Marcelo entra na cabine do motorista do comboio a fazer jus ao lema das suas presidências abertas: “Portugal Próximo”. Fica os últimos 10 minutos da viagem que o levariam a Beja na companhia do motorista, a apreciar o Alentejo que lhe entra pela janela. Marcelo Rebelo de Sousa não tem nenhuma ligação “nem familiar nem profissional” com o Alentejo, lembra-nos, mas tem uma relação política “muito forte”. Uma relação que surgiu no período pós-revolucionário quando se esforçou por implementar o PPD (depois PSD) no Alentejo. Os tempos vão lá longe, mas Marcelo lembra-se bem do que passou em Beja a fugir pelos telhados da cidade depois de um comício no teatro Pax Julia.

O episódio é recordado logo que o Presidente sai do comboio, na estação de Beja. “Há 40 anos não teve a mesma receção que teve hoje pois não?”, ouve-se perguntar. Os tempos eram outros. “Eram tempos de grande confronto doutrinário e ideológico, como é próprio das revoluções, que ganham em ser vividas com 20 anos de idade”, respondeu, lembrando que agora é “mais velhinho” e, na pele do Presidente “de todos os portugueses”, menos doutrinário.

Se nessa altura teve de subir aos telhados para fugir aos militantes do Partido da Unidade Popular, que tinham boicotado o comício laranja, agora, mais de 40 anos depois, foi recebido de outra forma no coração do Alentejo, que continua comunista. Por onde passava, os populares aplaudiam, em movimentações espontâneas — não organizadas pelas câmaras nem pelos partidos. “Essa foi uma diferença apreciável”, reconhece ao Observador, notando que foi “muito bem recebido” nos nove concelhos por onde passou estes três dias. Todos da CDU, à exceção de Reguengos e Portel (PS), de Fronteira (PSD) e de Portalegre (de um movimento autárquico independente).

"Passei a conhecer o Alentejo intensamente através do cargo na Fundação da Casa de Bragança [onde era presidente desde 2012], porque estava presente em 14 municípios alentejanos. Conhecia toda a situação económico-financeira e social"

Extremamente citadino e com o ritmo urbano no sangue, Marcelo Rebelo de Sousa olha o Alentejo pelas janelas do comboio e vê muitas diferenças, para melhor: o Alqueva, a vinha, a oliveira, “que de repente se tornou uma loucura a nível mundial”, o tomate, e tudo o que surgiu de regadio que é “um novo mundo” para a agricultura alentejana. Então, afinal, Marcelo percebe das lides do campo

“Passei a conhecer o Alentejo intensamente através do cargo na Fundação da Casa de Bragança [onde era presidente desde 2012], porque a fundação estava presente em 14 municípios alentejanos”, mais do alto Alentejo do que do baixo, e esses Marcelo conheceu-os bem. “Conhecia toda a situação económico-financeira e social da maior parte dos municípios”, diz-nos. Vila Viçosa é a vila que conhece melhor, mas mesmo Portel e Alvito, alguns dos concelhos que visitou, também faziam parte do roteiro da fundação que gere o património do último rei de Portugal, D. Manuel II.

O comboio onde seguia o Presidente e toda a comitiva, presidente da Câmara de Beja incluído, apita à chegada à estação. A automotora é antiga, tem 50 anos, e, apesar da modernização que sofreu no interior das carruagens, não é raro sofrer avarias. Desta vez não avariou para Presidente ver, mas a mensagem simbólica foi recebida. É preciso investir, e Marcelo lembra que o primeiro-ministro já prometeu um “pacote virado para o interior” porque é preciso “corrigir as desigualdades” e melhorar a “coesão territorial”. Nomeadamente através da aposta na ferrovia, já que “a morte da ferrovia foi a morte do interior”.

50 anos depois, a automotora precisa de renovação, a linha que liga a localidade de Casa Branca, no concelho de Montemor-o-Novo, e Beja, por onde o comboio presidencial passou, precisa de eletrificação e o interior alentejano, no geral, precisa de investimento nas acessibilidades. Mas 40 anos depois de ter fugido dos esquerdistas pelos telhados do Alentejo, Marcelo Rebelo de Sousa foi recebido em braços.

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