O encontro entre o Presidente da República e a Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais de Crianças na Igreja Católica Portuguesa durou uma hora e meia, com boa parte da conversa a ser dominada pela principal preocupação de Marcelo Rebelo de Sousa: a continuação do trabalho e dos elementos da equipa para lá de janeiro. altura em que será entregue o relatório da investigação que está a ser feita.
Nesta reunião, aliás, ficou marcado um novo encontro, para o início de setembro, onde o Presidente conta ter uma ideia sobre o estado de espírito do grupo coordenado pelo médico de psiquiatria da infância e adolescência Pedro Strecht.
O Presidente da República parece apostado em garantir o quanto antes a continuidade não só do trabalho que está a ser desenvolvido, depois desta primeira fase, como também da equipa, segundo apurou o Observador.
Marcelo terá mesmo desafiado a que possam ser renovados apenas alguns membros, encontrando-se um esquema de rotação, mas evitando “a paragem” e que depois se tenha de começar tudo do zero com novas pessoas. Ainda não teve resposta, mas espera que em setembro, numa nova audiência depois do verão, já possa perceber como será o futuro.
Neste momento, além de Pedro Strecht, fazem parte da Comissão o antigo ministro da Justiça Laborinho Lúcio, a socióloga Ana Nunes de Almeida, o psiquiatra Daniel Sampaio, a assistente social Filipa Tavares, e a cineasta Catarina Vasconcelos.
De acordo com relatos do encontro desta sexta-feira, o Presidente revelou alguma “frustração” com a possibilidade de ter de se voltar ao princípio, já que o trabalho em questão “envolve confiança muito próxima das pessoas” — confiança que não se constrói de um dia para o outro e que, no caso de uma eventual cessação de funções da atual comissão, pode comprometer o processo.
Até aqui ainda não houve qualquer decisão por parte da Conferência Episcopal sobre a continuação desta comissão para lá do relatório que foi encomendado. No entanto, sempre que a questão foi colocada, nunca foi fechada a porta a essa hipótese. Já a vontade de Marcelo Rebelo de Sousa é evidente: que o trabalho desenvolvido pela Comissão Independente tenha continuidade.
Marcelo quis reforçar papel da Comissão
Depois da audiência, Marcelo dispôs-se a responder às perguntas dos jornalistas, num tema em que a sua última declaração foi muito criticada por se ter atravessado pelo anterior cardeal-patriarca de Lisboa, D. José Policarpo, e o atual, e D. Manuel Clemente.
No entanto, em Belém garante-se que a intervenção desta sexta-feira não foi uma tentativa de conter os danos dessa outra intervenção, mas sim que aconteceu a pedido da própria Comissão Independente que, nesta altura, receia que as notícias na comunicação social sobre casos de abusos possam fazer parecer que se dispensam novos testemunhos.
Quando falou aos jornalistas, Marcelo acabou por acentuar isso mesmo, mas nas perguntas surgiu a inevitável questão de D. Manuel Clemente que ocultou um caso de abusos de que teve conhecimento — uma notícia avançada pelo Observador — e, desta vez, o Presidente acabou por ser mais duro na sua análise, aproveitando o momento que criou, já que foi ele que chamou a Belém os membros da comissão independente esta semana.
Marcelo veio, assim, considerar agora que a Igreja terá de se reger pelas regras do Estado de Direito e que isso implica que “retire consequências” do que vier a ser apurado. Tentou acertar a mensagem atrapalhada que vinha da semana anterior, separando águas de forma mais clara entre a sua opinião pessoal e o trabalho que está a ser feito, com as consequências judiciais que possam vir a seguir-se.
A questão judicial estará a preocupar a comissão nesta fase e daí o pedido de reforço da mensagem a encorajar mais denúncias. O receio maior é que, por falta de meios de prova ou dados, seja impossível levar casos à justiça, por arquivamento por prescrição ou insuficiência de provas.
Um cenário que se teme poder ser ainda mais frustrante para quem se dispôs a expor o seu caso, sem que depois veja ser feita justiça — depois da audiência Marcelo sublinhou precisamente que um dos dados que teve nesta conversa foi que as vítimas não procuram indemnizações. mas sobretudo que seja feita justiça.
Por agora, as conclusões preliminares da comissão já chegaram pelo menos a 362 testemunhos válidos e os elementos do grupo de trabalho estimam existam mais de 1.500 vítimas em Portugal.
Nas declarações os jornalistas em Belém, Marcelo disse que se pode esperar “um número apreciável de casos”, tendo em conta a dimensão social da Igreja em Portugal, com trabalho muito ativo em vários setores como escolas ou instituições de solidariedade social, conforme exemplificou.
Esta sexta-feira, o Papa reuniu-se com o cardeal-patriarca de Lisboa no meio da atual crise da Igreja em Portugal, com o surgimentos de várias denúncias de abusos sexuais a envolverem padres.
As consequências desta crise — que não é um exclusivo nacional — para a Igreja católica são notadas em Belém onde se apontam exemplos internacionais, como o da Alemanha onde alguns anos de denúncias do mesmo género (assumidas pela Igreja) resultaram na perda de um número muito significativo de fiéis, que andará à volta de um milhão.