O que o candidato Marcelo vai fazer nesta campanha só o candidato Marcelo sabe. A cada momento. Onde é que vai agora, senhor Presidente?, pergunta-lhe o Observador quando o vê continuar a andar, de mãos nos bolsos das calças, apesar de já ter terminado a ação de campanha prevista (à última hora). “Vou aqui à Faculdade de Medicina ver como está a funcionar no primeiro dia de confinamento”. No edifício no Campo Santana, em Lisboa, entrou sem pré-aviso e deixou os seguranças de boca aberta, sem saberem o que dizer, só lhes saiu mesmo aquela recomendação do momento: “Desinfetem ali as mãos”. Mas Marcelo já o tinha feito e já ia lançado dentro do edifício vazio. O dia 1 do confinamento geral foi o primeiro dia de Marcelo numa campanha que já vai a meio para os outros candidatos a Belém.

Chegar seis dias depois dos outros à rua — e a bem da verdade diga-se que foi por vontade (ou falta dela) própria — tem destas coisas, Marcelo esteve mais de meia hora a responder às perguntas de uma semana inteira de ausência do terreno eleitoral. O candidato falou da pandemia, do caso da vigilância a jornalistas, da campanha, do seu estado “de auto-vigilância passiva”, dos testes, do que deve ser discutido e do que não deve (aquilo que os adversário têm feito). Resumiu uma semana a 31 minutos de declarações non-stop, depois seguiu pela Calçada do Moinho de Vento acima, com mais uma visita fisgada e com mais um propósito em mente. É que o improviso dá muito trabalho de preparação. E Marcelo pode parecer não ter nada preparado, mas o efeito de cada passo, por mais imprevisto que pareça, é pensado por si. E até o facto de ter ou não jornalistas à volta.

Se não vejamos: nos dois últimos dias não avisou a comunicação social quando foi ao alfarrabista em Lisboa que ia fechar, nem mesmo que ia fazer uma visita visita ao Museu Nacional da Arte Antiga. Mas nem por isso deixou de ser notícia e esta quinta-feira até esses episódio de campanha privada revelou aos jornalistas que a intenção foi deixar na campanha “dois gestos para a cultura”, seguindo-se agora a “preocupação eminentemente social”. Foi pelo menos assim que enquadrou a visita ao Centro Social Laura Alves no Campo Santana que acabara de fazer.

Marcelo parte para campanha a meio. E frugal da carteira ao estômago

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Ao lado do presidente da Junta da Freguesia de Santo António (Lisboa), Vasco Morgado (PSD), Marcelo lá foi desfiando os feitos da instituição no apoio às famílias da localidade. “Cobre 200 famílias, o que quer dizer 17% da população da freguesia”, explicou: “Um exemplo de que todos dão as mãos numa situação de confinamento”. E a seguir, o que vai fazer? “Vamos ver. Eu depois digo qualquer coisa”. Mas nem foi preciso porque subiu logo a íngreme Calçada do Moinho de Vento com mas uma ideia na cabeça.

Sozinho, com dois seguranças do corpo de segurança pessoal (obrigatório porque, mesmo candidato, é o Presidente), despediu-se de Vasco Morgado ao cimo da rua, mas antes de seguir para o seu carro atravessou para o lado da Faculdade de Ciências Médicas. “Não avisei nem nada, vamos lá ver”. Ainda se cruzou com duas estudantes do 1º ano e advertiu-as de que “é uma grande luta” a que têm pela frente. Entrou pela Faculdade, com os jornalistas atrás, os seguranças pasmados, deu os bons dias e foi por ali fora, até empurrar a medo uma porta que estava encostada. Era um auditório vazio. Já tem saudades das aulas? “Tenho saudades, mas estou satisfeito por estar vazio”.

Ali estava o que queria provar: que as universidades não têm de fechar porque estão em exames nesta altura do ano e os alunos não se cruzam por ali. E as escolas, concorda que se mantenham abertas? “Concordo, era um sacrifício muito grande”. Passou a mão pela cabeça do primeiro-ministro nesta matéria ao dizer que “não há soluções perfeitas, mas há que decidir”. Mais uma vez, não estava ali por acaso, como também não foi por acaso que recebeu em Belém, horas depois, Tiago Guerra, o português absolvido depois de uma condenação errada do Tribunal de Díli, Timor-Leste. Ali já era o Presidente da República (que também é candidato) em funções, mas não deixou de lado a outra vertente. Não resistiu e mandou dali o seu reconhecimento para a “embaixadora Ana Gomes”, pelo “papel determinante que teve na resolução desta saga”. Empurrar a adversária para a diplomacia, longe de Belém.

O carro “escavacado” que vai ter “de aguentar até ao fim da campanha”

Foram poucos minutos de Marcelo em campanha, pouco mais  de 60, mas dá pano para mangas. O seu horror ao silêncio não dá hipótese a momentos mortos. Ou porque há um prédio em obras que “parece que foi comprado por franceses para ser um hotel”, ou porque não sabe onde vai poder fazer campanha e as farmácias: “Eu adoro, mas não pode ser”. Ou porque esteve para ir para Medicina, mas pronto: “Sou hiponcondríaco”. Ou então porque: “No outro dia ao sair da RTP, passei por cima de um pino de cimento” e o “carro ficou um bocadinho escavacado à frente”. “Vou mostrar-vos o que aconteceu ao meu carrinho”.

Os jornalistas seguiam-no pela rua enquanto o candidato se dirigia, sozinho, sem comitiva, para o seu carro — afinal nunca se sabe quando pode desviar caminho para mais uma visita — e o Presidente lá se baixou para mostrar os arranhões. “Foi um bocadinho mau mas não é dramático”, dizia repetindo de si para si o nome do culpado: “Pino de cimento…”. É no seu automóvel que vai fazer campanha, mas nem por isso se preocupa, vai assim mesmo: “Aguenta até ao fim da campanha”. E mesmo antes de fechar a porta atira: “Estou vivo, não foi desta!”. O administrador da Faculdade que vinha disparado a subir a rua já não o apanhou. Estava estupefacto, ninguém sabia que Marcelo ia entrar por ali adentro. Ninguém sabia. Foi um tufão que por ali passou, mas já tinha seguido rumo a parte incerta.

Eu cá não ataco… os que passam a vida a atacar

Quase todos, embora garanta que não responde a ninguém porque como Presidente tem de estar acima dessas lutas e falar no futuro. De rajada, numa frase aos jornalistas que o confrontavam com os insultos de André Ventura, disparou: “O fundamental é olhar para o futuro e não tanto estar a dizer o que cada um pensa sobre o que outro usa. Se tem barba ou não tem barba, se usa batom se não usa batom, se se penteia de uma maneira ou de outra, se é bom ou mau, se gosto ou não gosto.” “O que os portugueses querem saber é isto: o que é que aquela pessoa vai fazer e em que condições nos próximos cinco anos”. Marcelo assegura que é o que tem feito nos últimos dias, em debates e entrevistas, e é o que fará até ao fim. Nesse formato ou na rua. “Logo se vê, eu depois digo qualquer coisa”.

Marcelo critica estratégia de adversários. “O que interessa não é se usa batom ou não”