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Margaret Atwood numa sessão de conversa no Teatro São Luiz, em Lisboa. Margaret Atwood é uma escritora canadiana que tem desenvolvido uma obra, atravez da poesia, romances e ensaios, sobre a censura e opressão, os regimes opressivos e as identidades sexuais, a construção da sociedade e as alterações climáticas. 23 de Abril de 2022 Teatro São Luiz, Lisboa TOMÁS SILVA/OBSERVADOR
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Integrada num ciclo de conversas que celebram e pensam a democracia, no contexto não apenas das comemorações do 25 de Abril mas também do facto de o tempo vivido em democracia em Portugal ter já ultrapassado o tempo vivido em ditadura, intitulado Mais Um Dia, a conversa com a escritora de A História de uma Serva e Os Testamentos decorreu este sábado à tarde no Teatro São Luiz, em Lisboa

TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

Integrada num ciclo de conversas que celebram e pensam a democracia, no contexto não apenas das comemorações do 25 de Abril mas também do facto de o tempo vivido em democracia em Portugal ter já ultrapassado o tempo vivido em ditadura, intitulado Mais Um Dia, a conversa com a escritora de A História de uma Serva e Os Testamentos decorreu este sábado à tarde no Teatro São Luiz, em Lisboa

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Margaret Atwood. Da economia doméstica à logística militar, a incontornável questão feminina

A autora de "A História de uma Serva" e "Os Testamentos" passou este sábado à tarde pelo São Luiz. Assistimos à conversa com o argentino Alberto Manguel, inserida no ciclo Mais um Dia.

Margaret Atwood surgiu da porta lateral do Jardim de Inverno e atravessou a sala cheia agora batizada de Bernardo Sassetti toda vestida de preto. Envergava um largo xaile vermelho, com uns pequenos motivos pretos, que fazia lembrar um manto de cravos vermelhos que tinha sobre os ombros. Foi precisamente por causa da memória, enquanto pilar da democracia, que a conversa que manteve durante uma hora com o escritor argentino e diretor do Espaço Atlântida – Centro de Estudos de História da Leitura/EGEAC, Alberto Manguel, foi tão relevante.

Começou por ser importante lembrar que nem sempre as mulheres escolheram a profissão que queriam ter. A memória, em Atwood, tem sempre subjacente o feminismo e o questionamento do papel que foi sendo dado às mulheres pela sociedade. Depois de uma introdução por parte de Manguel em que referiu que “tiranos como Putin não podem fazer o seu caminho para sempre”, e após apresentar Atwood como “um espírito livre”, a escritora nascida em Otava explicou que – filha de um entomologista – viveu durante anos em casas no meio de florestas, onde não havia eletricidade, água canalizada ou sequer escola. Mas havia livros, muitos livros, “de todos géneros”. Aprendeu a ler, a mãe dava-lhe manuais com as letras do alfabeto para desenhar e decorar.

Aos 12 foi pela primeira vez à escola, mas aos sete já tinha escrito uma história sobre formigas, não fosse o pai um cientista que estudava insetos. Iniciou-se na poesia, mas isso aconteceu apenas na adolescência, esclareceu. Nesse hiato, que designou por “período negro”, dedicou-se à pintura. “Nessa altura ia ser muitas coisas. Ia ser cientista, ia ser economista doméstica”, contou, até que foi interrompida por Alberto Manguel para que explicasse que profissão era esta última, que não seria familiar aos portugueses. “Havia cinco coisas que as raparigas podiam ser, descritas num manual escolar chamado Guia”, explicou Atwood – e reside também aqui a importância da memória, principalmente para que quem não passou pela experiência não considere o privilégio em que vive hoje um dado para sempre garantido. “Se fosses rapaz, em 1951, podias ser médico, advogado, contabilista, engenheiro. Se fosses uma rapariga podias ser: professora numa escola pública, secretária, enfermeira, hospedeira de bordo ou economista doméstica.” Ser economista do lar, continuou a explicar, era mover-se por áreas como a nutrição ou o têxtil. Atwood não queria ser nada destas coisas mas escolheu a economia doméstica. Disse que, apesar disso, nunca aprendeu a dactilografar. Ainda hoje escreve com quatro dedos e a olhar para o teclado.

Margaret Atwood numa sessão de conversa no Teatro São Luiz, em Lisboa. Margaret Atwood é uma escritora canadiana que tem desenvolvido uma obra, atravez da poesia, romances e ensaios, sobre a censura e opressão, os regimes opressivos e as identidades sexuais, a construção da sociedade e as alterações climáticas. 23 de Abril de 2022 Teatro São Luiz, Lisboa TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

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Escrever disse ter acontecido graças aos bons professores de Inglês que teve no secundário. E assim começou a escrever poesia, até porque na época era muito mais fácil conseguir ver publicada poesia do que prosa. Os romances publicados eram na sua grande maioria estrangeiros e a poesia era publicada em revistas literárias.

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Atwood lembrou também que a escrita e o reconhecimento implicavam muito esforço e resiliência. “Havia uma rede alternativa. Costumávamos trocar umas coisas chamadas cartas”, brincou. “Enviávamos manuscritos uns aos outros, editávamos o trabalho uns dos outros. Começámos a fazer estas editoras em meados dos anos 60, que eram dirigidas por jovens poetas.” As sessões de leitura de poesia começaram no início dos anos 60, em cafés e, em meados da década, havia já formada uma rede de poetas. “Eles podiam aparecer à tua porta e deixava-los dormir no chão da tua sala. E, quando fosses tu à cidade deles, deixavam-te eles dormir no soalho deles.”

Foi um prémio de poesia que permitiu a Margaret Atwood publicar o seu primeiro romance, em 1969, tinha ela 29 anos. Em A mulher Comestível (ed. Livros do Brasil), o mundo – estruturado e vulgar – da jovem Marian começa a desmoronar-se e ela enceta uma relação com os alimentos, dotando-os de qualidades humanas. Numa metáfora ao consumismo e através de um questionamento do papel doméstico e passivo dado à mulher, o femininsmo de Atwood começa aqui a ganhar visibilidade. Como refere o prefácio, trata-se de um manifesto protofeminista. “Estes eram os primeiros tempos em que os autores viam os seus livros publicitados. A primeira sessão de autógrafos que dei deste romance foi na secção de meias e roupa interior de homem do [armazém] Hudson’s Bay Company.” O meio literário era dominado por homens.

Até que Alberto Manguel perguntou a Atwood de onde lhe surgiu a ideia para o enredo de A História de uma Serva (ed. Bertrand), publicado originalmente em 1885 e que veio a ser adaptado a série de televisão em 2017. “Em 1981, [Ronald] Reagan é eleito. Os escritores americanos religiosos começam a tornar-se numa força política. Eles tinham uma agenda. Parte dessa agenda era: as mulheres pertencem estar em casa.”

O seu lado prático, como se descreveu, pensou: “se as mulheres pertencem estar em casa, como é que vamos voltar a enfiá-las lá?”. E assim nasceu a premissa do livro. “A outra questão era: se os Estados Unidos estariam para se tornar num estado totalitário, que tipo de totalitarismo seria? Não seria comunista”, defendeu Atwood. “Todos têm uma justificação, todos dizem ir fazer o que é melhor para nós. ‘Vocês, ucranianos, podem não gostar, mas será melhor para vocês irem ser dominados por nós, porque serão muito mais virtuosos’.” A ideia, reiterou, é sempre a de eliminar a competição mais próxima.

Margaret Atwood numa sessão de conversa no Teatro São Luiz, em Lisboa. Margaret Atwood é uma escritora canadiana que tem desenvolvido uma obra, atravez da poesia, romances e ensaios, sobre a censura e opressão, os regimes opressivos e as identidades sexuais, a construção da sociedade e as alterações climáticas. 23 de Abril de 2022 Teatro São Luiz, Lisboa TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

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Para Atwood, num livro, tudo tem de se encontrar espelhado na vida real. A História de uma Serva narra o suplício da vida de mulheres escravas que funcionam como máquinas reprodutoras, engravidadas por homens casados com mulheres estéreis. “Está na Bíblia, na história de Raquel e Lia”, esclareceu a autora. “Jacó queria casar com Raquel, mas casa primeiro com Lia, só depois com Raquel. As duas irmãs eram mulheres dele e começaram a competir por dar mais vezes à luz, porque ter bebés era muito valorizado.” E explicou o cerne do enredo, deste que é um dos seus livros mais conhecidos: “Como não conseguia ter tantos bebés como Lia, Raquel diz [ao marido]: ‘está aqui uma escrava, faz bebés com ela’.”

A ideia da manipulação dos cartões de crédito referida na história, como metáfora à perda do poder de compra das mulheres que são “enfiadas em casa”, surgiu à escritora a partir da sua própria experiência em utilizar cartões de crédito na Europa, há umas décadas. Nomeadamente em Itália, onde uma primeira recusa do cartão resultava imediatamente na desconfiança que seria uma meliante.

“Em primeiro lugar, a nossa heroína não tem acesso a conhecimento amplo, não aprendeu a ler”, fez questão de salientar Atwood. “Ela não tem perspetivas sobre as coisas, ela não sabe de História. Ela só consegue ir-nos dizendo que lhe está a acontecer.” Trata-se de um padrão, decalcado da História – Atwood lembrou, por exemplo, o regime nazi –, que está sempre a ser revisado.

A chegar ao fim, Manguel lamentou terem ficado várias temáticas por abordar, como foram os casos do feminismo hoje, do papel do humor na arte ou da ecologia (que nas perguntas do público, a seguir, foi aflorada). O escritor a viver em Portugal mencionou “o caos em que estamos a viver” e perguntou a Atwood que leitura fazia do momento presente. “Trata-se de uma reordenação. Apenas um tolo total poderia fazer um prognóstico.”

Atwood referiu ainda que segue um especialista em logística militar no Twitter, o irlandês Phillips P. O’Brien, que vai explicando de que forma as questões práticas vão enformando o decurso da guerra. E, quando uma mulher ucraniana refugiada em Portugal lhe perguntou que papel podem as mulheres ter na guerra, Atwood falou que não se trata já de género e aproveitou para lembrar que foram descobertas estátuas de mulheres gregas guerreiras a empunhar espadas, que, na Idade do Bronze, eram bem pesadas.

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