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As fotografias que ilustram este artigo foram tiradas na casa de Maria Guedes, no Estoril
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As fotografias que ilustram este artigo foram tiradas na casa de Maria Guedes, no Estoril

ANDRÉ DIAS NOBRE / OBSERVADOR

As fotografias que ilustram este artigo foram tiradas na casa de Maria Guedes, no Estoril

ANDRÉ DIAS NOBRE / OBSERVADOR

Maria Guedes e os 10 anos de Market Stylista: "Cada vez tenho mais orgulho nas marcas portuguesas e no que fazemos por cá"

Foi uma das primeiras bloggers portuguesas, mas hoje gosta mais de estar nos bastidores dos mercados: "São muitos anos disto. Já fiz, já me diverti e agora apetece-me estar mais no meu cantinho".

Em criança, desenhava bonecas de papel e recortava roupas para lhes vestir. Não tinha qualquer dúvida de que queria ser estilista, “era assim que se dizia na altura”, mas aos 18 anos trocou de planos, preocupada com a falta de saídas profissionais. Trabalhou em marketing e publicidade, mas acabou por ir, anos mais tarde, a galope em cima do bichinho da moda, rumo a Nova Iorque para tirar do sistema o tal curso de design de moda que tinha entalado desde miúda. Estagiou no atelier de Zac Posen, chegou mesmo a querer ficar para sempre na cidade que nunca dorme, mas as raízes falaram mais alto. Voltou para Portugal e foi traçando o seu caminho, um caleidoscópio das coisas de que mais gostava, comunicação visual, styling, estender a mão a quem precisava de umas dicas para se vestir. “A vida acaba por fazer estas coisas, vamos juntando várias partes daquilo de que gostamos”, recorda Maria Guedes, 44 anos, em entrevista ao Observador.

Em janeiro de 2009, deu por si a juntar essas tais dicas: “Às tantas percebi que tinha ali um manuscrito.” Tinha manuscrito e tinha mãos para o ilustrar. Foram dois anos a aprender em Nova Iorque, sim, e tantos outros a desenhar em miúda, era assim que se entretinha quando se refugiava no seu mundo, influenciada pela mãe que via na televisão os desfiles de moda na escadaria da Praça de Espanha. Em novembro desse ano, a Porto Editora publicou o livro Tanta Roupa e Nada Para Vestir, enquanto o blogue Stylista ganhava leitores. Recebeu convites para ir à televisão, as marcas queriam trabalhar com ela, tudo se foi desencadeando naturalmente até que, em 2013, pediu à amiga Mafalda Anjos para organizar uma das edições do seu mercado, o Colares Market, com os projetos portugueses que conhecia e que queria dar a conhecer. Ao fim de duas edições, percebeu que precisava de mais espaço e mudou-se para a Fiartil, no Estoril. Nascia assim o Market Stylista, que celebra 10 anos este fim de semana, nos dias 27 e 28 de maio, numa edição de verão especial com música, copos e festa. “Espero que esteja bom tempo”, torce a fundadora neste conversa que começa com uma viagem no tempo.

Maria Guedes vive no Estoril, mas passou os primeiros 10 anos da sua vida no Linhó, a brincar na rua com as vinhinhas

ANDRÉ DIAS NOBRE / OBSERVADOR

Que memórias guarda da infância?
Foi uma infância muito feliz. Fartei-me de brincar na rua com as minhas vizinhas, eram todas raparigas, e de passear muito pela natureza. Era uma zona muito pequena, lembro-me de ir a pé comprar o pão e de haver animais no colégio [do Ramalhão]. Hoje já é mais desenvolvida, mas na altura era muito familiar. Fazíamos muitos passeios à Lagoa Azul e à Serra de Sintra. Vivi assim até aos 10 anos.

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Lembra-se de quando despertou para a moda?
Desde que me lembro que a minha mãe gostava muito de moda e de ver os desfiles na televisão, aqueles que havia na escadaria da Praça de Espanha, em Itália. Ganhei gosto por vê-la e por ver esses desfiles. E desde muito pequenina que gostava imenso de desenhar, fartava-me de desenhar figuras femininas, roupa, ilustração de moda. Era a minha forma de me entreter. Desenhava bonecas de papel e desenhava roupas para elas, os meus pais ainda devem ter isso tudo guardado. Passava assim a maior parte do tempo. Também tenho uma irmã e brincávamos muito juntas, mas quando ia mais para o meu mundo era isso que fazia. Então, desde pequenina que não tinha dúvida nenhuma que queria ser estilista, era assim que se dizia na altura.

Mas depois acabou por estudar outra coisa.
Mais tarde acabou por não acontecer. Nos anos 90, quando tinha 18 anos e comecei a escolher um curso para a faculdade, percebi que não era propriamente uma saída profissional [viável], podia ser um hobby.

Costumava roubar roupas à sua mãe?
Costumava. Quando comecei a ir para a preparatória não havia muitas lojas de roupa. Lembro-me de a Zara estar a começar a aparecer. Vestíamo-nos até muito tarde com roupa mais infantil. Às tantas, com 12 ou 13 anos, deixei de achar tanta graça e comecei a usar roupas da minha mãe. Ia para a escola com grandes enchumaços e grandes blazers, coisas assim muito eighties. Era assim que era criativa, a ir buscar roupas ao armário da minha mãe. Era o que havia.

A vida acaba por fazer estas coisas, vamos juntando várias partes daquilo de que gostamos.

Lembra-se da primeira peça de designer que comprou?
Lembro-me de viver em Nova Iorque quando estava lá a estudar, de ver numa loja vintage umas sandálias da Chanel e de ter achado que era uma loucura e que as queria. Pensei: “Não quero saber, vou ficar a comer cereais durante um mês, mas vou comprar estas sandálias”. Estava completamente apaixonada e estavam a um preço acessível. Estava toda orgulhosa e toda contente, fartei-me de usá-las.

Estudou marketing e publicidade no IADE, mas foi para Nova Iorque atrás da paixão pelo design

ANDRÉ DIAS NOBRE / OBSERVADOR

Ainda as tem?
Ainda devo ter, mas já não sei onde. Ou então já vendi, porque faço muitas vendas de segunda mão. Porque depois não eram muito confortáveis. Eram lindas de morrer, mas não eram confortáveis.

Há pouco falava do desejo de ser estilista, mas acabou por estudar marketing e publicidade no IADE. 
Sim, porque não havia muita saída profissional [com o design de moda]. Ainda considerei estudar design gráfico, mas era preciso ter boa nota a geometria descritiva e eu não tinha. Na altura, marketing era uma área que me fascinava, as vendas, a identidade visual, a comunicação. Acabei por fazer esse curso e gostei imenso, ainda trabalhei vários anos em agências de publicidade na área de criação de marcas.

Quando resolveu que ia mesmo fazer o tal curso de moda em Nova Iorque?
Depois, quando já tinha quase 30 anos, ainda não era casada nem tinha filhos, não tinha nada que me prendesse e decidi tentar o curso de moda em Nova Iorque. Fiz o curso de dois anos da Parsons School of Design, que era um curso complementar para quem já tivesse curso superior. Fui tirar isso do meu sistema, esse sonho antigo e essa vontade. Foi ótimo, mas ajudou-me a descobrir que gostava mais de uma mistura entre comunicação visual e styling do que propriamente de só fazer roupa. A vida acaba por fazer estas coisas, vamos juntando várias partes daquilo de que gostamos. Em 2019 lancei a minha marca de roupa, que é mais um hobby do que propriamente um negócio a que consiga dar muita atenção mas que adoro, diverte-me e sossega essa Maria pequenina.

"Fiz um estágio de um ano com o Zac Posen. Era só artistas e cantoras a entrarem no atelier para se vestirem para as festas, como a Beyoncé e a Rihanna. O Puff Daddy era um dos investidores e também estava sempre lá à conversa connosco."

Disse uma vez que Nova Iorque foi a melhor experiência da sua vida. 
Foi como se estivesse a viver um sonho. Para já, viver em Nova Iorque era uma coisa que eu adorava que um dia pudesse acontecer. Tirar um curso de moda também foi absolutamente fascinante, super difícil, um nível de exigência que nunca tinha sentido cá. Amadureceu-me e puxou imenso por mim. Foi um curso intenso e importante do ponto de vista pessoal. Fui sozinha, não conhecia ninguém.

Como é que isso foi?
Muito duro, era preciso estudar imenso e trabalhar numa métrica diferente, porque eles não funcionam com metros, mas com jardas e eu sou péssima a matemática, era tudo uma confusão. À medida que o tempo foi passando fui fazendo amigos e amigas, fui ficando mais à vontade no curso e a conseguir mostrar melhor o meu valor, a ter melhores notas. Fiz um estágio de um ano inteiro com o Zac Posen, que na altura era muito conhecido. Era só artistas e cantoras a entrarem no atelier para se vestirem para as festas, como a Beyoncé e a Rihanna. O Puff Daddy era um dos investidores e por isso também estava sempre lá à conversa connosco. Era como se estivéssemos num universo paralelo. Ajudei a fazer a coleção que foi depois apresentada na New York Fashion Week em setembro, no fim do estágio. Trabalhámos o verão todo, dia e noite. Foi espetacular ver aqueles vestidos a passar e saber que ajudei a fazer alguns deles.

Já contou em algumas entrevistas que queria ficar em Nova Iorque, mas que voltou para Portugal porque se apaixonou.
Foi uma combinação de fatores. Por um lado, queria muito ficar em Nova Iorque, não queria voltar nem por nada. Por outro, não estava a encontrar grandes oportunidades profissionais, era complicado quando se tinha só um visto de estudante, que durava um ano. Ao mesmo tempo, os meus amigos começaram todos a ir embora e comecei a perceber que a cidade podia ser muita solitária. Comecei a pensar que queria passar o resto da minha vida perto da família, das minhas memórias, dos meus sítios e das minhas pessoas. Preferia voltar às minhas raízes. Voltei durante um verão só para pensar um bocadinho e já não quis voltar. Não me imaginava a ter uma vida muito competitiva e muito solitária.

"Houve um mês de janeiro em que estava com menos trabalho e comecei a juntar essas sugestões todas. Às tantas percebi que tinha ali um manuscrito. Pus-me a fazer ilustrações e apresentei a algumas editoras. Acabei por escolher a Porto Editora e publicámos o 'Tanta Roupa e Nada para Vestir'."

Foi nessa altura que conheceu o seu marido?
Foi um bocadinho mais tarde. Quando voltei, comecei a fazer vestidos. Como tinha vindo do curso de moda de Nova Iorque, as minhas amigas perguntavam-me se podia ajudá-las a fazer vestidos para usarem em casamentos. Também fiz vestidos de noiva. Na altura não havia tanta oferta, por isso comecei a dar dicas e a escrever folhas com sugestões. Depois, houve um mês de janeiro em que estava com menos trabalho e comecei a juntar essas sugestões todas e às tantas percebi que tinha ali um manuscrito. Pus-me a fazer ilustrações, porque sabia fazer ilustração de moda, e apresentei a algumas editoras. Acabei por escolher a Porto Editora e publicámos o Tanta Roupa e Nada para Vestir. Fiz o blogue para acompanhar o livro e acabou por pegar. Isto foi em 2009 e conheci o meu marido em 2011, mas foi tudo muito rápido entre voltar, o livro, o blogue e o marido.

É verdade que escreveu o livro num mês?
Sim! Quando tenho uma ideia, gosto de começar e acabar, não gosto de arrastar as coisas muito tempo. Era um mês em que estava mais tranquila. Nunca pensei que alguém o publicasse, mas nessa altura realmente começava a falar-se mais de estilo, roupas e dicas. Havia cada vez mais lojas de fast Fashion, mais consumo, mais essa preocupação. O livro foi lançado em novembro, mas já estava escrito desde janeiro, foi só uma questão de paginação e de capa.

O que é que se estava a passar em 2009 para de repente se dar esta viragem? Andava inspirada.
Na altura nem me estava a aperceber disso. Estava a ter ideias porque precisava de encontrar um caminho na minha vida, mas na verdade nada era muito sólido. Estava a ver o que é que dava. Também ia pintando uns quadros e fazendo umas exposições. Andava a tentar perceber qual seria o meu caminho, mas nada era sólido ou concreto como forma de viver. Não imaginava escrever um livro, não estava nos meus planos, mas as coisas começaram a acontecer de uma forma tão subtil e gradual que acho que só agora olhando para trás é que percebo o que aconteceu.

Maria Guedes está casada desde 2014 e tem dois filhos

ANDRÉ DIAS NOBRE / OBSERVADOR

Foi uma das primeiras influencers em Portugal — na altura ainda eram bloggers — a quebrar uma espécie de barreira invisível. De repente as pessoas sabiam quem era e conheciam o seu trabalho. Como é que vê as mudanças neste universo desde então?
Em 2009 éramos muito poucas. O panorama mudou, acima de tudo. Hoje há muito mais diversidade, muito mais estilos, personalidades, formas de estar e de pensar, e isso é bom porque há muito mais fontes de inspiração e de identificação para as pessoas, há oferta para mais gente. Era tudo muito inocente na altura. Sabíamos que as pessoas nos liam quando chegavam ao trabalho, antes de começarem com os emails, e dava para escrever mais. Havia uma certa inocência, porque não havia posts patrocinados, era tudo mais pessoal. Hoje em dia é mais planeado e encenado. Acho isso bom, porque tornou-se uma forma de trabalho, dou valor ao que as outras influencers fazem, vejo o trabalho que está por trás de tirar uma boa fotografia, de um bom reel, com o styling certo e num determinado cenário. Agora esta área profissionalizou-se e acho isso interessante, porque o panorama criativo é maior e há muita gente boa a trabalhar, o que vejo no TikTok, por exemplo, é inspirador. Eu é que já não tenho energia para isso.

Uma vez tivemos de mandar uma parede abaixo na véspera do mercado e voltar a construí-la no dia a seguir.

Em 2013 surgiu a ideia de fazer o primeiro mercado. Porquê?
Depois da crise de 2008, o desemprego subiu e muita gente da minha geração começou a perceber que não queria ter aquela vida de escritório que em muitos casos vai das 9h às 21h. Havia muita criatividade, muita gente a querer mudar de vida e fazer outra coisa qualquer. Começaram a aparecer os primeiros negócios como a Bohemian Swimwear, a More is Better ou a Chvange e comecei a receber emails dessas marcas e de outras a perguntarem-me se queria experimentar os produtos e mostrá-los no blogue. Havia muita ajuda entre empreendedores, estávamos todos à procura de um caminho diferente do convencional. As pessoas começaram a mostrar interesse por essas marcas e outras sentiram-se inspiradas por elas para fazerem os seus próprios projetos, mesmo que fosse em paralelo a algum trabalho que já tivessem. Então, começaram a aparecer marcas pequenas e locais com cosias muito giras. Uma vez fui em família passear para um mercado em colares, que era o Colares Market, e percebi que era de uma amiga de infância, a Mafalda Anjos. Perguntei-lhe se me deixava ser um dia ser eu a organizá-lo com umas marcas que conhecia. Então fizemos o primeiro, quase como uma reunião de amigos, e foi assim. Na altura até levei roupa minha para vender em segunda mão. Ainda chegámos a fazer lá uma edição no Natal mas em 2014 percebemos que íamos precisar de um espaço maior. Foi assim que viemos para o Estoril [para a Fiartil]. A partir daí, começou a crescer e a ter cada vez mais marcas e mais gente, o que já exige uma organização mais séria e profissional. Já não tem nada a ver com o encontro de amigos de 2013.

Como é que se monta um mercado desta dimensão? É uma operação muito complexa?
É uma operação complexa, mas como já são 10 anos no mesmo sítio às tantas já não temos grandes surpresas. Dantes, durante muitos anos, fazia todos os mercados de verão aqui no Estoril e depois fazia os de inverno todos em Lisboa. Estava sempre a mudar de sítio porque achava isso giro, fazia parte da dinâmica ir apresentando em espaços diferentes. Aí sim, cada sítio novo apresentava as suas dificuldades e limitações, tínhamos de tentar contornar tudo da melhor forma possível, dava mais trabalho. Aqui já conhecemos lindamente o espaço e trabalhamos diretamente com a Câmara Municipal de Cascais nas licenças e nos procedimentos todos. É trabalhoso, são muitos dias de preparação, mas já não tem os mesmos imprevistos.

"Não vão só para passear, pagam bilhete para entrar num mercado de compras porque vão com esse propósito", diz sobre o Market Stylista

ANDRÉ DIAS NOBRE / OBSERVADOR

Que tipo de imprevistos?
Há sempre uns stresses. Faz parte da organização de eventos acontecerem coisas de que não estamos à espera e que temos de contornar e gerir. Uma vez fizemos um mercado em Marvila e, na visita dos bombeiros para verem se estava tudo em conformidade, percebemos que não havia uma saída de emergência. Tivemos de mandar uma parede abaixo na véspera do mercado e voltar a construí-la no dia a seguir. Já houve infiltrações, inundações, stands a precisar de obras, mas na Fiartil já não temos surpresas de maior.

Como é feita a escolha das marcas? 
O meu propósito é sempre tentar ir mudando as marcas em todas as edições e adaptá-las a cada estação, especialmente desde que temos quatro edições por ano. Por um lado, para não saturar, ir variando a oferta e garantir que o cliente encontra sempre qualquer coisa nova. Por outro, para alinhar com a estação. No Natal, vou sempre preferir ter pequenos presentes de valor mais baixo. Na primavera, coisas mais viradas, para as férias da Páscoa, para fitness ou roupa de criança — é uma altura em que os pais percebem que as roupas já não servem aos miúdos. No verão, é swimwear, praia e férias. No outono, vamos mais para os saldos de verão e para um avanço de temporada de outono/inverno. Sei que há marcas que têm sempre procura e que vou mantendo e há outras que é interessante ir mudando e diversificando, para trazer coisas novas. A ideia é que seja uma coisa dinâmica, que haja entrada e saída, e trocas e voltas.

"Há 15 anos, quando ia ao Chiado a um domingo, estava tudo fechado. Há 20 anos, só íamos jantar fora se alguém fizesse anos (...) O nosso panorama criativo e empreendedor está muito mais rico, muito mais diverso (...) Cada vez tenho mais orgulho nas marcas portuguesas e no que fazemos por cá, na qualidade, no design e no profissionalismo."

Tem noção do impacto que a feira tem para algumas destas marcas?
Não tenho muita noção. Sei que é uma boa arena de vendas, porque junta muitas pessoas que vão especificamente para comprar. Não vão só para passear, pagam bilhete para entrar num mercado de compras porque vão com esse propósito. Sei que é simpático em termos de vendas e de oportunidades. Muitas vezes, há marcas que me dizem que foram convidadas para irem para um hotel na Comporta porque alguém as viu aqui; ou que jornalistas as viram e propuseram uma entrevista, por exemplo. Fico mesmo contente. Acima de tudo, o que é importante é dar-lhes a oportunidade de se apresentarem a um público grande.

Em 2018 falou com o Observador a propósito de um mercado que ia acontecer no Pavilhão Carlos Lopes e comentou que essa edição estava mais sofisticada, referindo-se às marcas que iam estar presentes. Como é que o próprio mercado foi evoluindo?
O nosso panorama criativo e empreendedor está muito mais rico, muito mais diverso. Com essa riqueza toda surgem projetos super interessantes e profissionais, que já não ficam nada atrás das coisas que se fazem lá fora. Antes pelo contrário. Cada vez tenho mais orgulho nas marcas portuguesas e no que fazemos por cá, na qualidade, no design e no profissionalismo. Quanto mais novos negócios há, mais facilmente conseguimos encontrar um grupo deles que são já muito bons. Cada vez temos mais turistas e mais estrangeiros residentes em Portugal, que vão lá parar [ao mercado] sem serem meus seguidores nem saberem quem eu sou e adoram. Pelo menos é este o feedback que as marcas me dão. Ficam todas contentes porque tiveram ali franceses, espanhóis, brasileiros e ingleses que compraram e querem voltar a comprar. O próximo passo é tentar levar estas marcas além fronteiras.

"Temos cada vez mais esse orgulho de vestir, comprar, usar o que é nosso. De assumir o que é nosso. Já não é aquela coisa que havia quando eu era miúda, que o que se usava eram os fatos de banho brasileiros e não saíamos disso."

E como é que os portugueses mudaram, enquanto público?
Temos cada vez mais esse orgulho de vestir, comprar, usar o que é nosso. De assumir o que é nosso. Já não é aquela coisa que havia quando eu era miúda, que o que se usava eram os fatos de banho brasileiros e não saíamos disso. O panorama e comportamento de consumo mudou completamente. É espectacular que isto tenha acontecido num espaço tão curto de tempo. Há de ter sido uma coisa que aconteceu nos últimos 10 anos. Tem sido fascinante assistir a esta mudança de comportamento de consumo e de já não haver aquele medo de se fazer o próprio negócio ou de sair um bocadinho da zona de conforto.

Mudou o panorama, o público e a forma de trabalhar, quando falamos mais concretamente nas redes sociais. Tem saudades do blogue?
Tenho, porque gosto mais de escrever e de poder desenvolver o que estou a dizer, de pôr mais fotografias, de não me preocupar tanto com o resultado visual. Mas os tempos mudam, temos de nos adaptar e eu adoro o Instagram. A vida também muda, não sei se hoje em dia ia ter o tempo e a disponibilidade que tinha para o blogue. Era preciso muito mais tempo de preparação. O Instagram é muito mais rápido e acaba por estar mais alinhado com a nossa dinâmica do dia a dia. Cada vez há menos tempo.

"Às vezes, as pessoas reconheciam-me na rua e eu achava bizarro e divertido ao mesmo tempo, era miúda e ia à televisão fazer dicas de estilo, achava gira a parte da exposição."

Como é que tem sido crescer ao longo destes 14 anos com uma certa exposição e com um público que a segue?
Quando comecei, nem sabia muito bem o que estava a fazer e no que me estava a meter. Comecei a ver alguns blogues internacionais dos EUA e de Espanha em que as miúdas diziam “comprei esta coisa na Zara e estou a usar assim e assado”. Achei espetacular. Uma amiga espanhola dizia-me: “tens de fazer o mesmo”. Resolvi fazer, mas na altura nunca pensei que estivesse a mostrar a cara ou o corpo. Às vezes, as pessoas reconheciam-me na rua e eu achava bizarro e divertido ao mesmo tempo, era miúda e ia à televisão fazer dicas de estilo, achava gira a parte da exposição. Hoje em dia, que já sou mais velha, já não faço tanta questão. Por um lado, o meu trabalho depende da minha imagem, portanto não há volta a dar. Sinto que aparecer eu ou aparecer só o produto é diferente em termos de vendas, mesmo as marcas dizem-me isso e pedem-me para fotografar as peças postas.

"Prefiro estar alegremente nos bastidores e a fazer o meu trabalho de mercados. São muitos anos disto, já fiz, já me diverti e agora apetece-me estar mais no meu cantinho."

Como vê isso?
Percebo perfeitamente, porque as pessoas veem os produtos no Instagram e, se gostam de alguma coisa, já vão para o mercado com isso na cabeça. Mas eu não costumo expor muito a minha vida pessoal. Os meus filhos apareciam mais quando eram pequeninos, agora o meu filho não está muito para aí virado e não tem pachorra. Só aparece quando lhe apetece. A minha filha ainda gosta, mas em geral acho que é para irem desaparecendo. Não ponho amigos nem nada que seja muito pessoal, valorizo imenso a minha privacidade e sou naturalmente tímida, não gosto muito de ser reconhecida. Já não acontece hoje em dia. Há tanta gente tão conhecida e com tantos seguidores e eu não tenho esses seguidores todos, em comparação. Prefiro estar alegremente nos bastidores e a fazer o meu trabalho de mercados. O caminho tem vindo a ser esse. São muitos anos disto, já fiz, já me diverti e agora apetece-me estar mais no meu cantinho.

Teve de lidar com os infames haters?
Não lido muito com isso. Claro que recebi comentários desagradáveis, mas nada de especial. Por ter uma exposição menos emocional e menos próxima, também não há controvérsias, acabo por não ter muitas vozes contra, opiniões ou haters. Felizmente é tudo tranquilo, não sei se ia ter pele grossa para lidar com isso.

Trabalha a partir de casa e tenta aproveitar o máximo de tempo possível antes de ir buscar os miúdos à escola

ANDRÉ DIAS NOBRE / OBSERVADOR

Que lugar ocupou a maternidade?
No princípio foi tudo meio difícil. Quando os meus filhos eram bebés, claro que era mais complicado conciliar trabalhar em casa com a maternidade, foi intenso. Tudo depende da capacidade de organização — quanto mais precisamos, melhor organizamos o nosso tempo de forma a conseguirmos encaixar tudo. Depois as coisas começam a fluir, eles começam a ir para a escola e hoje em dia acabo por organizar o meu tempo em função de quando consigo estar sozinha a trabalhar. A partir das 17 horas, saio de casa para os ir buscar, estou com eles, trabalhos de casa, levar ao futebol, lanchar, estou sempre a tentar ser o mais produtiva possível até essa hora. Começo o dia bem cedo para conseguir que dê para tudo e ter tempo de qualidade para eles.

Uma vez perguntaram-lhe numa entrevista algo sobre se o seu marido a apoiava na gestão dos filhos e a Maria respondeu que não se tratava de apoio quando a relação é colaborativa, que a tarefa é dos dois. Isto foi há 8 anos, quando não havia tanta sensibilização para o tema da igualdade de género, o discurso era diferente. 
Não considero sequer outra opção. Hoje em dia, num casal, toda a gente está a dar o seu melhor e a trabalhar. Tem de haver uma flexibilidade enorme, um dia precisas tu e outro dia preciso eu. Temos que ser flexíveis e tentar segurar o equilíbrio. Eu, por estar a trabalhar em casa, tenho mais flexibilidade para conseguir encaixar as coisas, mas às vezes sou eu que preciso que fique o meu marido com os miúdos, até por causa dos mercados ou porque tenho mais stress e horários complicados. Para mim, não faria sentido esse equilíbrio não existir, essa flexibilidade de parte a parte para termos os melhores resultados. Que ainda haja essa forma de pensar… percebo, foram muitos anos a viver assim. Felizmente, as coisas estão a mudar e hoje em dia já não faz sentido que assim seja [que existam desigualdades], se não é um peso enorme para cima das mulheres. O peso não pode ficar todo só para um lado, não faz sentido.

"Na altura em que criei o blogue, usava-se muito a palavra fashionista, era uma das grandes buzzwozrds. Quis precisamente que se chamasse Stylista em oposição a isso, porque pensei que esta coisa de estarmos sempre a usar o que está na moda e ir mudando todas as estações para depois pormos para o lado não faz sentido nenhum."

Diria que se interessa mais pelo conceito de estilo do que pela moda propriamente dita?
Gosto muito da ModaLisboa, às vezes vou ver alguns desfiles. Acho que o panorama mudou muito em Portugal, há mais cor e mais criatividade. Nem sempre tenho oportunidade de ir. Uma das edições calha sempre nos anos do meu filho, a de outubro, e perto do mercado de outono. Há uns desencontros de agenda. Mas sim, sou mais virada para o lado mais prático. Adoro moda, design, construção, perceber os acabamentos e costuras de uma carteira, mas no dia a dia gosto de ter um uniforme que dê para tudo e que não exija muito tempo para pensar. É um bocadinho isso que defendo. Na altura em que criei o blogue, usava-se muito a palavra fashionista, era uma das grandes buzzwords, e eu quis precisamente que se chamasse Stylista em oposição a isso, porque pensei que esta coisa de estarmos sempre a usar o que está na moda e ir mudando todos os meses e todas as estações para depois pormos para o lado não faz sentido nenhum. Sempre fui defensora de que era muito mais interessante construir um guarda-roupa que tivesse a ver connosco, que nos fizesse sentir conforto. Também não tenho muito jeito para o resto, para grandes misturas. Não saberia, no dia a dia, ter essa criatividade toda. Há quem a tenha e isso é espectacular, mas eu não, vou mais para os básicos, e para uma construção de estilo pessoal que me garanta que estou bem em todas as ocasiões, do que pela moda.

Sempre defendeu a ideia de se editar o armário e de tentar manter apenas o imprescindível. Consegue fazer isso? O que faz para a casa não se transformar num armazém com tantas marcas a quererem oferecer-lhe coisas?
Raramente aceito presentes por isso mesmo. Às tantas, por simpatia ou por gostar muito das peças, acabava por acumular muita coisa e é preciso haver essa edição, não há espaço para tudo. Então as marcas percebem quando eu peço para não levarem a mal e explico que tenho o maior gosto em fotografar, mas que prefiro devolver. É o que acontece com os mercados, também. Acabo por ter no meu armário no meu quarto só o que uso no dia a dia e, depois, tenho uma arrecadação com alguns porta-fatos com coisas de casamento, de Natal, de verão, algumas categorias guardadas para poder de vez em quando ir lá pescar. No dia a dia, tenho só coisas básicas. O meu armário neste momento são calças brancas, camisas de linho, sandálias e ténis, sapatos rasos. Mais nada. Além dos acessórios — gosto de óculos de sol, carteiras, anéis, enfim. É aí que acabo por ser mais colorida e criativa. Até porque a minha vida não precisa de mais do que isso. Trabalho em casa, vou buscar os miúdos e vou ao supermercado.

A 10.ª edição do Stylista Market vai ter muitas surpresas, garante, mas ainda não as pode revelar

ANDRÉ DIAS NOBRE / OBSERVADOR

O que podemos esperar da edição que marca os 10 anos do mercado Stylista?
Vai ser uma explosão de verão no recinto da Fiartil. Muitas marcas novas, coleções novas e, pelo que já vi, é tudo espetacular. Depois, neste mercado, o melhor é que está tudo num sitio só, uma pessoa consegue num ou dois dias levar fatos de banho para os miúdos, toalhas, sandálias, e resolve tudo ali. Estamos a pensar em coisas especiais. Já sabemos, mas ainda não posso dizer. Vamos ter uma mini festa a acontecer no sábado ao fim do dia. Vamos festejar estes 10 anos de forma super descontraída, sem interferir com as compras, e juntar a animação, as marcas, as pessoas, os cães, os amigos, a talvez uns copos… vamos ver. Estamos a pensar em coisas para ser diferente, giro e memorável. Espero que esteja bom tempo.

E planos para o futuro? O que é que ainda falta fazer?
Gostava muito de continuar este trabalho que faço, porque adoro fazer isto. E tenho assim uma vontade de chegar a estrangeiros, de chegar mais longe, arranjar outras iniciativas. Talvez ter uma loja num sítio mais central, onde passem mais turistas para se conseguir chegar a um novo público. O público português já conhece e adora e tem um sítio para ir vendo as marcas novas, mas gostava mesmo de chegar um bocadinho além fronteiras. Há imensas coisas que se podem pensar para ajudar as marcas portuguesas. Somos muito conhecidos pela produção têxtil e gostava que ficássemos conhecidos também pela parte criativa e de design que tem imenso potencial. Vamos ver. Devagarinho, o que teremos todos para dizer daqui a 10 anos? Tenho a certeza que o panorama vai continuar a evoluir. Cá estaremos para ver isso, com muito orgulho.

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