Artigo atualizado ao longo do dia
“Aqui vai o maquinista, a conduzir. Aí ao lado vai o fogueiro, que vai deitando o carvão mineral para fornalha. Ambos, em conjunto, têm de estar atentos à pressão que vem da caldeira”. São os dois que levam a carruagem mas é o maquinista quem, no fundo, “controla os seus destinos”. Carlos Machado, diretor das instalações da EMEF no Porto, ia indicado a Marisa Matias como é que aquela carruagem de 1924 funcionava, mas a explicação bem podia ser uma metáfora para descrever aquilo que tem sido a experiência da “geringonça”. Um condutor, um ajudante — na verdade, no Parlamento, foram três — e uma pressão constante que é preciso ir controlando.
O apoio sindical e mais pressão sobre o PS
Esta tarde, a campanha do Bloco de Esquerda passou pelo Parque Oficional do Norte (PON) da EMEF para voltar a falar da ferrovia e da necessidade de investimento na área que foi tutelada nesta legislatura por Pedro Marques, o cabeça-de-lista do PS. Mas foi ao volante daquela carruagem que se falou de objetivos. Ao lado da candidata estavam os números dois e três da lista do BE às eleições europeias, José Gusmão e Sérgio Aires e, questionada sobre se aquela seria a tripulação que queria levar com ela para Bruxelas, Marisa Matias não hesitou: “Estamos aqui os três. Acho que se as pessoas votarem olhando trabalho que temos feito podemos ter um bom resultado. Mas não traço metas“.
A ação não era para falar nem de geringonças — apesar da maquinaria que serviu de pano de fundo para esta visita — nem de metas eleitorais. Debaixo do braço, os bloquistas traziam um manifesto de apoio à candidatura assinado por representantes sindicais de 57 sindicatos. Um morder de calcanhares ao PCP, partido a que este eleitorado é tipicamente afeto. “Não é para passar a perna à CDU“, garantiu Marisa Matias (até porque em declarações de apoio dos sindicatos, a CDU ganha à légua).
Para o PS também havia uma mensagem. Utilizando o facto de haver delegados sindicais cujas situações estão pendentes da negociação que decorrem no Parlamento sobre a legislação laboral, Marisa Matias repetiu o apelo que tinha feito em Coimbra. “Ainda há tempo, tanto na Saúde como no Trabalho, para corrigir as injustiças deixadas pelo tempo da troika”.
Já no fim, e numa altura em que tanto jornalistas como representantes sindicais iam desmobilizando, Marisa Matias tornou ao sítio onde à chegada tinha sido parada por alguns trabalhadores. “Agora não posso, só quando terminar. Mas eu volto“, tinha prometido. E cumpriu. Mas não encontrou lá todas as caras que a tinham saudado inicialmente.
– “Onde está o outro senhor?”, perguntou.
– “O senhor Pires já foi embora”, respondeu-lhe uma das trabalhadoras do bar do edifício central.
– “E já não volta? Não? Então dê-me o número dele”, pediu a eurodeputada.
Depois de alguns minutos de pesquisa em diferentes listas telefónicas lá encontraram o número do senhor Pires. Marisa Matias, imitando uma das imagens de marca de Marcelo Rebelo de Sousa, pegou no telemóvel e fez a chamada. “Estou, senhor Pires? Daqui é a Marisa. Então eu disse que vinha aqui no fim ter consigo… Não acreditou em mim?”. Do outro lado a resposta foi longa, mas a eurodeputada resolveu rapidamente o telefonema. “Olhe, quando passar esta confusão toda voltamos a falar, está bem? Este é o meu número”.
A visita a casa de Luísa para lembrar os cuidadores informais
O fim de tarde do Bloco de Esquerda foi dedicado a uma das bandeiras que o partido mais tem agitado nos últimos anos: os cuidadores informais. No Porto, em Paranhos, vive Luísa Vieira, 59 anos. Cuida do marido, Jorge Silva, de 60 anos, diagnosticado com Alzheimer em 2012.
Desde esse ano que Luísa deixou de trabalhar: “Não recebo qualquer ajuda do Estado. Apenas 105 euros mensais do complemento de dependência que o Jorge recebe”, relata. Isso e a pensão de 410 euros do marido, a quem em 2015 foi atribuída uma taxa de incapacidade de 76%.
Ex-jogador de futeblol, Jorge — ou Fernando Jorge, como era conhecido no meio desportivo — sofre da doença desde os 53 anos, tendo ficado progressivamente incapacitado ao ponto de ser atualmente totalmente dependente. Uma situação que obriga Luísa a estar 24 sob 24 horas ao lado do marido. “Quando consigo ter uma hora para ir tomar um café com uma amiga é uma alegria“, desabafa.
Conta com a ajuda dos dois filhos, de que não pode “abusar porque eles trabalham”. A maior parte dos cuidados fica a cargo de “Ziza” — como lhe chama Marisa Matias. “As noites são a pior parte do dia“, revela. O relato da cuidadora informal leva a cabeça-de-lista a emocionar-se, apesar de já conhecer a história familiar de Luísa Vieira.
Este é um caso dos 800 mil que existem em Portugal. “Quase 10% da população portuguesa”, sublinha Marisa Matias, que fez esta visita apenas acompanhada pelo deputado portuense José Soeiro, que tem sido o pivô bloquista nas negociações pela criação de um estatuto para os cuidadores informais. “É um retrato da situação em que vivem os cuidadores informais”.
“É preciso que esse estatuto avance“, enfatiza a eurodeputada, que assegura que “esse direito, que já está reconhecido noutros países, vai dar mais dignidade” aos cuidadores. “Nós não queremos viver à custa do Estado, nós poupamos imenso dinheiro ao Estado”, diz Luísa.
À saída, despediu-se da reduzida comitiva do BE com um “até amanhã”. “Vai estar presente no mega-almoço do Bloco de Esquerda”, explica José Soeiro.