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"Tem-se sempre medo. Cada vez que começo um quadro, tenho medo", confessa-nos o artista americano, nascido a 20 de novembro de 1961 em Los Angeles, cidade onde vive e trabalha
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"Tem-se sempre medo. Cada vez que começo um quadro, tenho medo", confessa-nos o artista americano, nascido a 20 de novembro de 1961 em Los Angeles, cidade onde vive e trabalha

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"Tem-se sempre medo. Cada vez que começo um quadro, tenho medo", confessa-nos o artista americano, nascido a 20 de novembro de 1961 em Los Angeles, cidade onde vive e trabalha

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Mark Bradford: “A sociedade tem de alargar a sua noção do que é um artista”

É um dos nomes mais importantes na arte contemporânea, faz parte da lista de 100 pessoas mais influentes para a revista "Time" e inaugurou "Ágora" em Serralves. Entrevistámos Mark Bradford.

Mark Bradford nasceu em 1961 numa das zonas problemáticas de Los Angeles, South Central. Pobre durante a infância e adolescência, começou por ganhar a vida como cabeleiro, no salão da mãe. Viajou cedo para a Europa, onde passeou por todo o lado, visitou museus, divertiu-se em clubes noturnos, conheceu muita gente. A arte e a sua história interpelaram-no e inscreveu-se na Universidade de L.A. Aprendeu, esqueceu e tornou-se artista. As causas sociais a ditarem-lhe os interesses e a pontuarem as telas que enchia de papéis de todo o tipo, coloridos, pintados com tinta barata, cortados, serrados, martelados. Assim mesmo, com uma linguagem pictórica que ninguém explorara tão a fundo, muito mais do que a “colagem em técnica mista”, resolveu convencer o mundo de que as necessidades do homem são mais importantes do que o luxo ou o sucesso.

Correu riscos pelas ideias que se impôs, negro e homossexual. Dentro de um corpo político difícil de aceitar no seu país, abriu caminho para as lutas dos mais fracos, migrantes, emigrantes, imigrantes, jovens oriundos de famílias de acolhimento, pobres, presos, mulheres, crianças. Atento, sempre, às necessidades dos outros, foi dando voz, sendo a voz. A revista Time considerou-o uma das cem pessoas mais influentes de 2021. Compreende a classificação, mas não se atém a ela. Expõe pela primeira vez num grande museu europeu desde 2017, quando representou os Estados Unidos na Bienal de Arte de Veneza e chamou a si a responsabilidade de encontrar emprego para os reclusos da prisão da cidade italiana.

Em Serralves mostra “Ágora”, uma exposição composta por alguns inéditos realizados nos últimos dois anos, durante o confinamento que a pandemia ditou, fruto do isolamento e do medo; obras recentes; uma paródia de um conjunto de tapeçarias dos Países Baixos criadas há 500 anos, cujo título manteve ,“A Caça do Unicórnio”; e uma reflexão sobre o inferno e a Idade Média, uma idade de trevas como o momento presente, que une local e universal numa mesma sociedade infestada e infestadora.

A exposição "Ágora" pode ser visitada em Serralves até ao dia 19 de junho de 2022

Qual é o papel da arte na sociedade?
Penso que as ideias por detrás da arte contemporânea e mesmo do modernismo são importantíssimas para a sociedade, dão-lhe forma, questionam a sociedade e são parte dela. Não considero que estejam em mundos separados. Olhamos para essas ideias tal como olhamos para trás na história da arte. Louise Bourgeois, por exemplo, foi uma feminista a sério, uma ativista também, mas no seu tempo estava apenas a fazer o trabalho dela. Desse ponto de vista, nós, artistas, sempre estivemos ao lado da sociedade, dentro dela e dos seus problemas. As nossas ideias sempre fizeram parte da sociedade tal como todos a entendemos. Normalmente, até é a sociedade que tem de nos apanhar.

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É isso que se aprende numa escola de arte? O que é que se aprende numa escola de arte?
Aprendemos história da arte e aprendemos que ideais moldaram o século XX. A seguir, quando saímos da escola de arte, devemos esquecer isso o mais depressa possível.

Tem que se ser uma pessoa diferente?
Tem que se partilhar a voz de e com alguém, tiramos o peso do modernismo dos ombros e colocamos o do pós-modernismo.

Como definiria pós-modernismo?
Descartes, Foucault, a teoria, que supostamente nos forma. Li a teoria, gosto da teoria e acabo por teorizar também. Temos que ler Clement Greenberg para compreender Rosalind Krauss. Só que depois, a determinada altura, temos que deixar isso para trás das costas e tentar encontrar alguma coisa só nossa e para nós.

Tem que se criar uma linguagem própria?
Isso mesmo. E pode ser difícil. Trazemos connosco muitos fantasmas. Temos muitos “devemos” quando saímos da escola, devemos fazer isto, devemos fazer aquilo. Devemos fazer o que é adequado, ter um comportamento adequado, escrever o texto adequado.

Para si não houve esses devemos isto e aquilo?
Não.

Como descobriu a sua linguagem específica?
No estúdio. No mundo.

Foi uma decisão sua utilizar materiais menores, como papéis de vário tipo, e cartazes publicitários, etc., em vez de tinta. Fazer colagens em vez de pintar telas?
Era pobre, não tinha dinheiro, trabalhava num cabeleireiro e dormia no chão do estúdio. Conseguia pagar aquele espaço, mas não tinha dinheiro. O que é que se faz num estúdio se não se tem dinheiro?

"Os artistas do século XXI sabem bastante mais sem terem experienciado a realidade. Pode-se ir ao Porto no Youtube. No entanto, não se está a experienciar o Porto. Logo, este tipo de informação intensa é muito diferente da experiência pessoal da realidade."

Trabalha-se.
Como? Temos que perceber como é que podemos trabalhar com material barato. Por isso é que apareceram os lençóis, tinta barata, papéis de fazer permanentes ao cabelo. Custavam 50 cêntimos. E cá vamos nós. Cá vamos nós com o pós-modernismo e com toda a carga social atrás.

As suas preocupações sociais são de vária ordem?
Racismo, alterações climáticas, migração, preocupações de género… Deixamos o material falar por nós. Falo através do material que uso. Pego em todo o material social que encontro e ponho dentro de uma batedeira, misturo tudo e apareço com outra coisa do outro lado. Meto tudo no triturador. Sou como um salsicheiro. Junto tudo o que encontro, misturo, e já está. Sou um fazedor de salsichas, se me compreende.

A escala do seu trabalho é enorme. Porquê?
Às vezes gosto de relacioná-lo com o corpo para que ele se sinta esmagado, gosto que as pessoas entrem dentro dos trabalhos, como se de uma experiência planetária se tratasse, como se se pudesse andar dentro do trabalho.

Não tem medo de dizer que é vulnerável?
Sim, tenho medo de mostrar que sou vulnerável. Mas mostro na mesma que sou vulnerável. Tento ser perfeito.

Ninguém é perfeito, tenta mesmo ser perfeito?
Não. Não tento ser nada. Tento estar presente. Estar apenas presente.

Qual é a diferença entre um artista do século XXI e um artista do século XX?
O Instagram, a Internet.

Formas de comunicação?
Comunicação e informação à disposição a todo o momento. Os artistas do século XXI sabem bastante mais sem terem experienciado a realidade. Pode-se ir ao Porto no Youtube. No entanto, não se está a experienciar o Porto. Logo, este tipo de informação intensa é muito diferente da experiência pessoal da realidade.

É esse acesso constante às coisas?
Um acesso realmente constante e assíduo existe, porém, ainda não significa que se tenha estado no Porto. Só vimos a cidade no Youtube. Se formos lá, pisarmos o chão, terra firme, será completamente diferente. Vamos usar mais sentidos, o cheiro, o tato, toda a relação com o espaço é diferente.

É nesse contacto direto com a realidade que funciona o seu grande projeto social Art & Practice?
O projeto Art & Practice nasceu a partir de uma ideia minha muito simples. Pertencendo eu à classe trabalhadora, classe média, levei muito tempo a descobrir a arte contemporânea. Como qualquer criança, na escola, fui no autocarro visitar museus longe da comunidade a que pertencia. Vi Claude Monet, os impressionistas, artistas de todos os movimentos. E disseram-me: “isto é arte”. OK! A seguir volta-se para casa, para a comunidade onde se vive, onde nos sentimos confortáveis, seguros, onde sentimos que podemos ter uma opinião. Percebi que teria gostado muito de ter um Museu de Serralves no meu bairro, na vizinhança, perto de casa. Seria interessante ter podido entrar lá, por exemplo, quando ia à loja comprar qualquer coisa para a minha mãe, no caminho para comprar um disco para mim, ou a caminho da casa de uma amigo. Seria interessante que houvesse arte no meu bairro.

Mark Bradford Presents His Project At The USA Pavilion At The International Art Biennale 2017 Mark Bradford Presents His Project At The USA Pavilion At The International Art Biennale 2017

Mark Bradford na apresentação da exposição que levou à Bienal de Veneza, no pavilhão dos EUA, em 2017

Getty Images

Poder ver arte sem se sentir intimidado?
Exato, sem me sentir intimidado. Então, pensei em construir eu esse espaço para a arte a caminho do que quer que seja nos bairros da classe operária. Vou fazer isso, decidi. Entretanto pensei, não vai ser só arte, vai ser arte mais qualquer coisa. Pensei na classe média trabalhadora, pensei nas comunidades marginalizadas. Há problemas graves nestas comunidades. Não quero que seja só arte, portanto. Lembrei-me então dos jovens oriundos de famílias de acolhimento. Achei que essa juventude toda podia constituir-se como a vizinhança do espaço artístico que ia construir. Ali à volta, em Los Angeles, há imensas casas de acolhimento. Foi por isso que pensei mostrar uma luz, acenar-lhes com uma ponta de esperança. Resolvi dar-lhes metade do edifício, a outra metade ficou para o museu. Não faço a equação do que tiro e do que dou. Não faço as contas. As pessoas perguntam-me porque é que a arte e os jovens vão a par, lado a lado, e eu respondo “porque eu quero”.

Porque decidiu que era assim?
Não analiso as coisas à exaustão. Não tenho uma razão específica para que arte e acolhimento caminhem lado a lado. Gosto que seja assim.

Importava-se de ser mais conhecido por ajudar pessoas do que por ser um artista?
Nunca pensei nisso. Mas acho que sou apenas um artista. Todos estes projetos, todas as coisas que faço são fruto de eu ser eu. Há muitas áreas diferentes da sociedade em que estou interessado. O que faço é seguir os meus interesses. Só isso. Não tenho que ser um ativista por causa disso. Sou só um artista. É a sociedade que tem de alargar a sua noção do que é um artista. A ideia que se tem sobre o que é um artista é demasiado romântica, um bocadinho trágica e muito limitada. É a sociedade que tem de mudar. Sou um artista que explora os assuntos nos quais está interessado e que os deixa levá-lo até onde eles o levarem. Não há qualquer diferença em relação ao que acontecia quando tinha 18 anos e viajei para a Europa e comprei um Europass, espécie de Inter Rail, e fui para a estação em Amesterdão e pensei que nunca tinha ido a Lisboa, fiz oito horas de comboio e cheguei a Portugal.

Como todos os europeus fizeram nos anos 80 e 90?
Foi exatamente nesse período que cá estive. Se vocês andavam de mochila às costas, eu também andava de mochila às costas. Andávamos de um lado para o outro. Era ir. Foi maravilhoso. Os bilhetes de comboio eram baratos, conhecíamos pessoas… Foi assim que fui às corridas de touros em Pamplona, não queria correr, mas teve que ser.

Experienciou tudo isso?
Ah, sim. Foi só isso que fiz durante os anos 80. Viajei por toda a Europa, dormia em sacos cama, fui até Marrocos…

E aos museus, foi?
Os museus eram de graça. De qualquer modo, se não se tinha dinheiro para entrar no Louvre, ficava-se deitado no jardim. Bebia-se vinho e à noite ia-se às discotecas. Dormia-se em pousadas da juventude e ficava-se toda a noite na rua porque alguém tinha trancado a porta.

Tem a noção de que hoje pode ser visto como um exemplo para muitos outros?
Não sei. Um bom ou um mau exemplo?

Tem consciência de que se preocupa com vários problemas socias e que a sua atenção a eles pode levar outros a segui-lo e a ter as mesmas preocupações?
Não me importo nada com isso. Acho que as pessoas têm que ser genuínas e seguir a sua consciência, as suas paixões, aquelas que consideram mais interessantes, mais engraçadas, mais na moda.

"Sou afro-americano e este é um corpo político. Estão constantemente a lembrar-me do meu corpo e da cor da minha pele. Às vezes vou na rua e consigo ver o desconforto das outras pessoas. É o meu corpo a provocá-lo. Sou negro e sou alto. Não pensaria nisso se as pessoas não me o fizessem sentir. Muitas vezes oiço os fechos dos carros a serem trancados."

Expressar o que se sente sem medo.
Não. Ter medo, mas expressar tudo isso na mesma. Tem-se sempre medo. Cada vez que começo um quadro, tenho medo.

E da pandemia?
Também tenho medo. Olho para este tempo como um momento muito confuso, a pandemia é uma confusão. Temos que nos lembrar de outros embaraços, momentos de atrapalhação. Todos temos episódios assim. Ou porque bebemos demais e temos que ir trabalhar, aparecemos e estamos uma desgraça. Ficamos embaraçados, toda a gente está a olhar para nós. Não faz mal, está tudo bem. Tentamos que haja menos momentos assim, constrangedores, confusos. Queremos ser perfeitos. Só que, neste momento, atravessamos uma pandemia e nada disso é possível. Estamos todos a correr riscos, mesmo que não queiramos.

Porque criou “Cerberus”, uma peça que diz ser o mapa de Los Angeles, um trabalho sobre a revolta de Watts, em 1965?
Foi um momento violento e muito transformador. Tento sinalizar o que aconteceu, morreram pessoas. A revolta mudou a cidade, mudou-a em termos raciais, económicos e do entendimento da comunidade.

Diz que o seu corpo sempre há de ser político.
Exatamente. Sou afro-americano e este é um corpo político. Estão constantemente a lembrar-me do meu corpo e da cor da minha pele. Às vezes vou na rua e consigo ver o desconforto das outras pessoas. É o meu corpo a provocá-lo. Sou negro e sou alto. Não pensaria nisso se as pessoas não me o fizessem sentir. Muitas vezes oiço os fechos dos carros a serem trancados. É isto que o movimento Black Lives Matter diz. Estes corpos valem tanto como os corpos dos brancos. Temos valor. Temos que ser tratados como tal. O protesto tem a ver com esse valor. E é por tudo isto que o meu corpo sempre será político.

E o seu trabalho?
Não acho que o meu trabalho seja político. Há obras na história da arte que são políticas, estas podem ter algum conteúdo desse tipo também, mas são, ao mesmo tempo, como as aguarelas de Monet.

Como Jackson Pollock, diria eu.
E como Jackson Pollock.

E como Rauschenberg.
Sim. Sou um amante de história da arte, mas também gosto muito de arqueologia, antropologia social, cartografia, contra mapeamento, pessoas que questionam a forma como os cartógrafos marcam o espaço, uma forma de expor as desigualdades.

São essas as suas grandes influências?
Sim.

E que influência tiveram sobre si as tapeçarias da Idade Média, “A Caça ao Unicórnio”, expostas no Metropolitan Museum de Nova Iorque, e que reproduz com cuidado?
A pertinência da pandemia, os movimentos que fez nascer, as intervenções policiais… A Idade Média é chamada também a Idade das Trevas, com crises terríveis, a deterioração dos corpos pela peste. As tapeçarias eram nessa altura o meio usado para falarem desses conflitos. Achei que era muito interessante fazer as minhas próprias tapeçarias para falar de hoje e foi o que fiz à minha maneira.

Chamou a esta exposição “Àgora”, como a assembleia grega. Teve receio que a democracia desaparecesse quando Donald Trump esteve no poder?
Não tive medo de perder todas as vitórias democráticas que ganhámos com Barack Obama, mas percebi que íamos adormecer durante algum tempo. Sabia que não ia ser igual. Sabia que muitas das propostas liberais que pusemos em cima da mesa como sendo direitos dos cidadãos iam sair da mesa, não todos. Nunca são todos. Nunca regredimos completamente. Podemos dar passos atrás, mas não vamos totalmente lá atrás.

"Sou um artista que explora os assuntos nos quais está interessado e que os deixa levá-lo até onde eles o levarem", diz-nos Mark Bradford

Com Biden e Harris haverá uma mais justa distribuição do poder?
Estão a voltar a pôr o liberalismo em cima da mesa. Podia ir mais depressa, na minha opinião, mas começa a sentir-se uma maior diversidade no governo. Parece-se mais com a América, mais com os Estados Unidos, sim.

A América ainda é a terra da liberdade?
O quê? Terra da liberdade para quem? Para os seleiros brancos e as suas propriedades, para as mulheres que não tinham direito a propriedade nenhuma, para os escravos? Talvez seja à medida que a constituição avança, à medida que a alterarmos.

Trabalhou sobre esse tema da constituição em Londres numa peça chamada “We the People”.
Sim. É preciso alterar e empurrar a constituição mais para a frente, para que chegue mais longe. Quero dizer que podemos mesmo alterá-la, a constituição tem que ser um documento vivo. Sempre que pensarmos que a democracia é estática e não pode ser mudada, estamos em apuros. Temos sempre que pensar que fazemos parte da democracia e que a pudemos mudar.

A representação dos Estados Unidos que assumiu na Bienal de Arte de Veneza, em 2017, também mudou a vida a muita gente, ao ajudar a encontrar emprego para muitas mulheres presas, numa associação humanitária que dura até hoje.
Para mim não era suficiente expor no pavilhão dos EUA, parecia-me que faria demasiado parte do mundo da arte. Estávamos a caminhar para um certo tipo de mudança e era o pavilhão dos Estados Unidos a representar a América de Barack Obama, até que, na inauguração da bienal, já Trump tinha ganhado as eleições. Era uma espécie de colapso, estava tudo infestado. Não queria fazer apenas o pavilhão debaixo da arquitetura jeffersoniana, basicamente do Monticello de Thomas Jefferson. Grandes problemas de história. Porque não, então, mostrar o lado social também?

Mostra sempre o lado social do momento.
Sim, acho que mostro.

Será porque enquanto homem comum não deixa de ter necessidades?
Nunca nos podemos esquecer das lutas dos homens, as pessoas lutam e vivem mesmo ao nosso lado. Pensamos que estamos mal, mas há muito pior. Basta pensar naqueles que estão na fronteira da Bielorrússia, os que estão a atravessar o Mediterrâneo, na fronteira mexicana. Há sempre pessoas necessitadas, sempre.

Voltando ao trabalho que agora apresenta em Serralves, “Cerberus”, o cão de três cabeças que guarda a porta do inferno, também é uma fonte de influência. Porquê?
Sempre o senti como algo intimidante. Gosto disso. De resto, tenho vindo a falar disso há 20 anos.

Tem sido consistente?
Tenho.

Foi considerado pela revista “Time” uma das cem pessoas mais influentes em 2021. Alguém que influencia a mudança no mundo. Vê-se assim?
Não. De maneira nenhuma.

"[tenho feito] Tudo o que me interessa, sim. O pessoal do estúdio, que é uma espécie de família para mim, diz-me muitas vezes que não pode ser, que não vai ser bom para a minha carreira. Não quero saber, vou atrás do que me interessa, vou. Seja no mais pequeno sítio da Islândia, ou no maior lugar de não sei onde. Se me interessa, vou."

Como é que se vê, então?
Vejo-me como alguém normal, simples, constante. Tenho os mesmos amigos há anos, o mesmo companheiro. Sou uma pessoa normal com uma experiência extraordinária. Percebo que tudo isto seja extraordinário. Não sou ingénuo. Percebo porque é que estou na revista Time. Quando tinha uns 15 anos era um rapaz normal. Depois cresci e passei a medir 2 metros. De repente, a minha vida parecia ter mudado, tanta atenção sobre mim, tanta gente a olhar. Pensei para comigo: “não vou deixar que o mundo me diga quem sou”. “És jogador de basquetebol? És modelo?” “Não!” Que deceção. Não quero saber se está uma ou se estão cem pessoas a olhar para mim. Vou seguir o meu caminho. Quando me tornei artista surgiu a ideia de sucesso vinda não sei de onde. Percebi que era outra armadilha. Teria eu de me comportar como as pessoas de sucesso? Não, disse para mim mesmo. Continuei o meu caminho exatamente como antes. Sou eu quem decide o que significa sucesso, o que é arte, o que significa raça. Tem sido assim há muito tempo. Consigo ir ao Google e ver o que se passa com o meu nome. Mas o que é que tudo isso significa para mim?

Quanto ao futuro, tem alguma expetativa determinada?
Continuar o meu caminho.

E projetos, não?
Sim. Gostava de fazer alguns projetos com crianças mais pequenas. Estou a desenvolver um projeto desses em Tijuana, que me deixa muito contente e impaciente ao mesmo tempo.

Tem feito de tudo.
Tudo o que me interessa, sim. O pessoal do estúdio, que é uma espécie de família para mim, diz-me muitas vezes que não pode ser, que não vai ser bom para a minha carreira. Não quero saber, vou atrás do que me interessa, vou. Seja no mais pequeno sítio da Islândia, ou no maior lugar de não sei onde. Se me interessa, vou.

Lembra-se muitas vezes de quando era cabeleireiro?
Sim, claro. Foi uma época maravilhosa. As mulheres aprendem a navegar de outra maneira, mexem-se de forma diferente. Sabem que existe pobreza, e o que isso significa, sabem que há machismo, misoginia, mexem-se de uma forma mais subtil, usam mais sentidos.

Para se protegerem?
E para se protegerem, também, sim. Aconteceu o mesmo comigo. Tinha que ter cuidado, andar com atenção, olhar mais para todos os lados. Um homem e uma mulher vão na rua, o homem cai no buraco, a mulher vê o buraco e desvia-se. Cresci assim, cresci num ambiente feminino, de mulheres a viverem como deve ser, a experienciarem grandes acontecimentos e a viverem períodos confusos, a serem esquecidas, negligenciadas, tantas vezes a não lhe darem o devido lugar, mas mesmo assim a andarem para a frente. Foi maravilhoso. Prepararam-me para a vida. Disseram-me sempre que eu ia caminhar de maneira diferente. Nunca me chamaram gay, alertaram-me para que ia ser difícil. Tinham razão. Porém, foi muito útil. Nos momentos mais difíceis, pensei sempre como elas, se elas não se queixam eu também sou capaz de me levantar e continuar. Protegeram-me mas não me esconderam do mundo.

Como artista, gostava de estar à frente de um departamento cultural governamental, ou algo do género?
Não, acho que não me iam deixar fazer o trabalho. Não gosto de política. Mas acredito que se fossem artistas a estar à frente do Facebook, ou das 500 grandes empresas norte-americanas, sim, tudo seria diferente. Isto, claro, se lhes dessem ouvidos. A eles e a mim.

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