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Rui Oliveira/Observador

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Máscaras, dúvidas e algumas saudades. Seis meses depois, o regresso à escola trouxe euforia e muitas perguntas

Miguel está preocupado com as aulas de educação física, Maria quer saber como funcionará a cantina e Guilherme queixa-se do calor provocado pela máscara. O regresso à escola trouxe muitas perguntas.

São 8h45 e à porta da Escola Secundária João Gonçalves Zarco, em Matosinhos, miúdos e pais fazem fila de máscara no rosto e olhar apreensivo. O portão está aberto, mas ainda ninguém pode entrar. Há carros estacionados em segunda fila, mas também autocarros e metros a chegar recheados de quem ali sai para começar um novo ano letivo. A distância social nem sempre é respeitada, tal é a vontade dos abraços, das conversas e das brincadeiras entre os mais novos. “Filho, até logo e entra com o pé direito”, ouve-se da janela de um carro que arranca logo a seguir.

Joana Nogueira é uma das muitas pessoas encostadas às grades da escola. Aguarda que a filha Luana entre para a sua apresentação, está no 8.º ano e já conhece os cantos à casa, mas nem por isso a preocupação da mãe é menor. “A minha expectativa é que tudo corra bem, mas vamos ter sempre receio. Digo-lhe muitas vezes para ter cuidado e não tocar em nada, para não tirar a máscara e levar sempre álcool gel de casa”, confidencia ao Observador, sem tirar os olhos do portão. “Ela tem asma, por isso tenho sempre muito medo que apanhe alguma coisa”, justifica, acrescentando que a vontade da filha em regressar à escola já se fazia notar. “Estava muito ansiosa, quase nem dormiu, queria muito voltar. No início foi complicado estudar em casa, mas ela é boa aluna e adaptou-se. Vamos ver, espero que tudo corra pelo melhor.”

Às 9h em ponto, um funcionário ordena que entrem os alunos do 7.º ano. Passando o portão, veem-se várias funcionárias vestidas com uma t-shirt azul e o logótipo da escola, prontas a indicar um novo caminho até ao edifício. “Cuidado com a distância de segurança”; “mantenham-se todos em fila”; “meninos, não posso ver aglomerados”, dizem. Na entrada, todos passam por um tapete desinfetante e um dispensador de álcool gel. “Desculpe, pode dizer-me qual é a minha sala?”, questiona quem ainda é novo por ali. “Tens de subir estas escadas e é o primeiro corredor à direita”, responde um dos colegas que tem o mesmo destino.

Espalhadas pelo chão, as setas autocolantes amarelas e pretas indicam as direções dos percursos permitidos e no corredor todos têm agora que esperar para entrar na sala. “Encostem-se à parede, não fiquem aí no meio”, pede uma das funcionárias.

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Uma grande fila formava-se junto ao portão ao longo da manhã, no dia em que os alunos regressam à escola de forma faseada

Rui Oliveira/Observador

Na sala A – 105 está Rita Anastácia, professora de biologia e geologia há três anos naquela escola. De máscara no rosto e braços cruzados, observa os seus alunos ainda pela janela. Será diretora de turma do próximo grupo a chegar: o 8.º ano. “Foi um período de muito trabalho, houve um esforço muito grande por parte da escola e dos professores, regressar traz sempre preocupações acrescidas”, começa por dizer ao Observador.

Depois da “exigente experiência” do ensino à distância, a professora antevê algumas dificuldades. “Vai ser complicado mantê-los tanto tempo concentrados, pois serão 100 minutos de aula e intervalos de apenas 10. Temos que lhes transmitir serenidade e muita responsabilidade.” Da janela, Rita já consegue adivinhar o estado de espírito de alguns alunos. “Esta turma é muito ativa, vejo que estão com saudades uns dos outros, querem conversar e jogar à bola.” A docente não tem dúvidas que muitos já sentiam falta do ambiente escolar. “Eles querem voltar, mas essencialmente querem voltar a estar juntos.”

O seu regresso ao ensino presencial, traz uma preocupação maior. “Os meus pais pertencem ao grupo de risco, começando a dar aulas todos os dias vou ter mais cuidado e deixar de estar tanto com eles”, lamenta.

Reencontros agitados e uma chuva de perguntas

Além do computador, Rita tem na secretária várias folhas com as novas regras assinaladas, um estojo com lápis e canetas e uma lista com o nome e o número de cada aluno. Ao todo, serão 26 os que vão chegar dentro de poucos minutos. “Bom dia! Vai precisar de um projetor?”, pergunta uma das funcionárias enquanto passa pela porta da sala. A professora assegura que prefere ler as regras do que projetá-las, algo que poderá não ser uma prática comum no futuro, uma vez que o papel será evitado na escola. “A partir de agora vou passar a projetar muito mais coisas e a registar no quadro com marcadores de cores diferentes para lhes facilitar a memória visual”, adianta.

“Olá, ‘stôra’!”, diz a primeira aluna a chegar. “Bom dia, tenham calma”, responde a diretora de turma, mal se apercebe da presença de mais alunos apressados. Dá um passo atrás na tentativa de manter o distanciamento social, mas de pouco lhe vale. Depois de confirmado o nome e o número, cada aluno, um a um, senta-se num lugar atribuído. “Estás tão grande”; “O teu cabelo está diferente”, afirma, surpreendida, a professora ao rever alguns adolescentes.

A fila para entrar na sala começa a desfazer-se gradualmente, tal é a vontade de conversar e mostrar coisas nos telemóveis. Já com toda a turma sentada, o silêncio é pouco e as perguntas são muitas. “Sei que estão todos com saudades uns dos outros, mas agora é preciso ouvirem-me. Eu própria estava muito ansiosa, hoje acordei eram umas 4h30 da manhã e não consegui dormir mais”, começa por partilhar a professora. “Este será um ano letivo completamente diferente, vai exigir muito esforço da nossa parte, temos todos que colaborar para tudo correr bem. Vai ser difícil, mas há de passar. Há muitas mudanças e vocês têm que as absorver todas, mas claro que também não vai ser hoje.”

“Como vão ser as aulas de educação física?”; “Vamos ter trabalhos de casa?”; “Vou ter tempo para comer no intervalo?”; “Quando posso tirar a máscara?”; “Vamos continuar a ter fotocópias?”, “Haverá espaço para todos no refeitório?”. Perante a chuva de perguntas, a professora pede o habitual: “Quem tiver questões, ponha o dedo no ar, por favor!”. “Já estou cheio de calor”, desabafa Guilherme para os colegas mais próximos.

De máscara e ainda sem mochila, os alunos entram nas salas um a um, após serem chamados pelos professores

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A primeira regra parece simples. “Quando saem da sala, têm que virar sempre à direita e manter a distância entre todos”, esclarece a professora. “Claro, não é para vir tudo ao molho e fé em Deus”, atira Gonçalo, sentado na segunda fila, enquanto arrasta o cartão da escola pela mesa.

A professora continua as explicações, mas nem todas as alterações parecem agradar à turma. “Vão passar a ter aulas só de manhã e começam às 8h, em vez das 8h15.” “A sério?”, ouve-se em coro. “Passam a ter apenas dois intervalos de 10 minutos.” “O quê?”, respondem alguns. “A vossa sala e os vossos lugares serão sempre estes, à exceção das aulas de educação física e tecnologias da informação e comunicação.” Esta é uma mudança que pode trazer benefícios. “Este ano já não te vais perder nem atrasar, a sala é sempre a mesma”, brinca a professora com Guilherme, o mais irrequieto do grupo.

As conversas paralelas entre as secretárias sobem de tom, cada regra conhecida é motivo de surpresa e alguma indignação. “Alguém quer voltar ao ensino à distância?”, questiona a diretora de turma, já adivinhando a resposta. “Não!”, diz a turma quase em coro. “Parece que já se esqueceram das regras básicas de uma sala de aula, mas hoje vou dar-vos um desconto.”

Miguel está sentado na primeira fila, joga futebol e mostra-se muito preocupado com as aulas de educação física. “Vão ser só abdominais? Vou poder tomar banho?” Rita explica que o exercício físico será feito de uma forma mais individual e não em desportos coletivos, provocando a desilusão de muitos. “Se tiver que correr de máscara, vou morrer”; “Quando respiro a minha máscara vem junto”, ouve-se no fundo da sala.

O rol de explicações continua. Deixou de haver toque para entrar e sair e os cartões deixaram de passar nas máquinas junto ao portão. Os alunos vão agora entrar e sair de forma faseada e cabe aos encarregados de educação autorizar a entrada e a saída de cada um. “Não se esqueçam que a vossa atitude vale 20% da nota final e que o limite agora são quatro faltas injustificadas”, alerta a diretora de turma.

Nova sinalética no chão e no exterior, álcool gel em cada porta e novos percursos nos corredores são algumas novidades neste arranque do ano letivo

Rui Oliveira/Observador

“Vou ter tempo para comer nos intervalos?”, pergunta Maria. A professora reconhece que as pausas serão curtas para uma ida à casa de banho, ao bar e ainda dois dedos de conversa, por isso sugere que os alunos tragam um lanche de casa. Quanto ao almoço, explica que vão poder almoçar na escola com uma senha e em horário específicos ou levar as refeições em formato take away para casa. “As máquinas de chocolates estão a funcionar?”, questiona Gonçalo, ficando sem certezas absolutas.

“Mexeste na máscara, Miguel. Toma lá álcool-gel”, atira a professora, que mal olha para o lado vê outra “infração”. “Não podes colocar a mochila em cima da mesa, Helena”. Enquanto a diretora de turma aponta num papel os alunos que ainda não conseguiram todos os manuais por estarem esgotados, entra outro grupo para o edifício. “Olha aqueles no corredor em contramão”, observa Guilherme, que não tira os olhos da janela.

“Há dúvidas?”, questiona a professora Rita. O silêncio surge finalmente e logo de seguida o ruído das cadeiras a arrastarem no chão. “Ninguém se levanta, tem que sair uma fila de cada vez. Quando saírem, viram à direita e seguem sempre em frente, não podem ficar parados no corredor”, ordena em voz alta. “Juízo e não tirem a máscara”, afirma já em jeito de despedida.

Mais funcionários, novo serviço take away e salas sem arejamento

Observando o funcionamento do primeiro dia, o diretor da Escola Secundária João Gonçalves Zarco explica como o estabelecimento de ensino se preparou para esta nova fase. A máscara é obrigatória para todos e, de uma entrada oficial, a escola passou a ter duas e conta ainda com uma saída pelas traseiras. Há novos circuitos no interior e nos corredores só é possível andar pelo lado direito.

O problema parece estar mesmo nas salas de aula. “A escola não esticou, por isso fomos obrigados a organizar as turmas com 28 alunos, não era a nossa vontade, queríamos ter turmas menores, mas não nos foi autorizado. Felizmente temos carteiras individuais com cerca de 80 centímetros de distância entre elas”, sublinha José Ramos, diretor da escola.

José Ramos, diretor da Escola Secundária João Gonçalves Zarco, em Matosinhos, fez questão de visitar todas as salas no primeiro dia

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O arejamento e o isolamento sonoro dos espaços é também uma das preocupações da direção. “Temos salas com pouco arejamento, as janelas abrem cerca de dois centímetros para cima, e neste momento temos de ter as janelas e as portas sempre abertas. Nem sempre é fácil, até porque em frente estará outra sala exatamente nas mesmas condições, os professores vão ter que falar alto e se calhar haverá alguma confusão”, antecipa.

Para evitar aglomerados e cruzamento de alunos, o ensino básico e secundário terão aulas em horários diferentes e as opções para fazer refeições vão aumentar. “O ensino básico terá aulas só de manhã, por isso não terá necessidade de almoçar na escola. Os alunos que assim o desejarem, poderão levar a refeição em formato take away para casa. Os alunos do ensino secundário terão as aulas concentradas no período da tarde, nestes casos terão que tirar uma senha para almoçar na cantina, que terá uma limitação de 50 lugares e funcionará por turnos.”

As aulas são agora mais longas e os intervalos foram reduzidos a 10 minutos. “Felizmente temos um espaço grande ao ar livre que será essencial para eles aliviarem e tirarem um bocadinho a máscara. Estarem tantas horas de máscara e sem se mexerem será a parte mais complicada de gerir.”

A distância social de pelo menos um metro entre os alunos nem sempre foi assegurada ao longo do primeiro dia

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Para garantir a desinfeção de todos os espaços e reforçar outros serviços, como a secretaria, a autarquia de Matosinhos irá colocar seis novos funcionários nesta escola. “Já entraram dois e quando vierem os outros quatro penso que as coisas podem ficar ainda melhores”, afirma José Ramos, o diretor.

Isaura Soeira é funcionária na Gonçalves Zarco há 22 anos, diz nunca ter passado por um momento tão delicado, mas mantém o otimismo. “Procuramos ter todas precauções necessárias, da higienização à sinalética, temos tudo organizado”, assegura ao Observador. O que mais a preocupa, tal como em outros anos, são os alunos do 7.º ano, que chegam a esta escola pela primeira vez. “São novos, não conhecem o espaço e os primeiros dias são sempre mais complicados. Temos de estar mais atentas a estes alunos, mas estou confiante, acho que vai tudo correr bem. Hoje eles obedeceram às nossas orientações, acho que estão a reagir bem.”

No seu serviço, Isaura conta que tem sete colegas em idade de risco. “Deixamo-las ficar em casa na altura de maior pico, agora estão ao serviço, mas estão com vontade de regressar ao trabalho, prontas para dar o seu melhor.” Se alguém apresentar sintomas, a funcionária sabe bem o que fazer: conduzir para a sala de isolamento e ligar para as autoridades de saúde. “O mais importante é que a escola continue a funcionar.”

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