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Liberto Peiro

Liberto Peiro

Metaverso, a cultura latina e maior igualdade de género: é possível saber que música vamos ouvir no futuro (e como)?

Assim se traçou o futuro da música na décima edição do BIME. Agentes, editoras, artistas, produtores reuniram-se em Bilbau, olharam para a indústria e apontaram caminhos. O Observador esteve lá.

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Estamos no Palácio Euskalduna, em Bilbau, a poucos metros do Guggenheim. Numa das muitas salas de conferências, há um ecrã no qual vemos a coreógrafa e bailarina chilena Kiani Del Valle a dançar. Porém, não está sozinha. Aos seus movimentos, juntam-se os de outros organismos vivos que replicam, na sua própria expressão corpórea, o bailado contemporâneo que Kiani vai construindo. A isto, Anna Diaz chama de “expansão do corpo”: “a Inteligência Artificial é um espelho do que somos” e, neste caso, é o espelho daquilo que a indústria da música pode vir a ganhar ao incorporar estas ferramentas, “como instrumentos musicais”, no seu processo criativo.

Anna, fundadora e diretora artística da Hamill Industries, empresa com quem Floating Points colaborou na realização do videoclip de “Last Bloom”, discursa no âmbito de uma palestra sobre a utilização de Inteligência Artificial no futuro do sector artístico e cultural. O futuro, como pudemos comprovar, está já a ser moldado no presente: o projeto que a Hamill Industries desenvolveu ao lado de Kiani Del Valle foi apresentado na edição deste ano do Sónar, um dos grandes festivais europeus que em 2023 celebra 30 anos na sua cidade natal, Barcelona.

Esta é apenas uma das muitas evidências de que o formato de concerto ao vivo a que nos habituámos nas últimas décadas pode estar a caminhar para uma progressiva desmaterialização (já testemunhámos isso com a série de concertos promovidos no jogo online “Fortnite”) ou para um modelo híbrido entre o físico e o mundo virtual. Não foi, afinal, The Weekend que vendeu parte dos bilhetes para a digressão “After Hours Til Dawn” através de tokens não fungíveis (NFTs) que davam vantagens exclusivas aos seus compradores?

Neneh Cherry e a filha, Tyson McVey, foram as protagonistas de um dos painéis da conferência

[JAVIER ROSA]

Julen Martin diz-nos que ainda estamos a tentar perceber o alcance que o metaverso pode ter na indústria da música e é exatamente para dar alguma luz sobre este e outros tópicos que o BIME existe, defende o seu diretor. Na décima edição deste encontro internacional que juntou em Bilbau, entre os dias 26 e 29 de outubro, agentes, editoras, artistas, produtores e tantos outros profissionais do setor musical, discutiu-se que música vamos ouvir no amanhã e de que forma a vamos comercializar e consumir. “Não é um evento para a indústria, é um evento que fazemos com a indústria”. A indústria respondeu em peso: mais de 3.000 pessoas marcaram presença no BIME e cerca de 1.500 acompanharam o evento no online.

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Ainda fará sentido falar de géneros musicais?

A música não se fechou apenas no Palácio Euskalduna. Ela andou por toda a cidade, como pinchos vaidosos expostos nas barras dos restaurantes e tabernas bascas. Passeando pelas ruas de Bilbau, anormalmente quentes para esta altura do ano, deparámo-nos com filas à porta dos bares, aglomerados de pessoas curiosas com o que poderiam encontrar lá dentro. Se durante o dia foram as conferências e as masterclasses a tomar conta do BIME Pro, à noite foram os showcases a dominar o cartaz do BIME Live.

Mais de 60 bandas de todo o mundo, espalhadas por uma dúzia de salas, procuraram aqui um espaço para, quiçá, darem um salto na sua carreira – precisamente aquilo que os London Grammar fizeram na primeira edição ou aquilo que o artista basco ZETAK fez em maio, na estreia do BIME em Bogotá, firmando uma parceria com os colombianos Bomba Estéreo que deu origem ao single “Zoriontasuna (La vida es de verdade)”, a rodar desde setembro nas plataformas. “Este é um bom sítio para as bandas se apresentarem, porque há aqui um montão de promotoras e de editoras”, aponta Julen Martin.

Segundo os CENSOS de 2020, a população de origem hispânica ou latina foi responsável por metade do crescimento demográfico nos Estados Unidos da América nos últimos dez anos e isso, claro, tem as suas repercussões culturais.

De edição para edição a oferta é cada vez mais eclética e espelha-se naquilo que fomos apanhando por estes dias. Houve de tudo no BIME Live: desde o rock com laivos de Cure e Pixies dos chilenos Friolento, ao pop alternativo dos ATZUR, duo austro-espanhol liderado pela voz grave de Patrícia Atzur, passando pelo ritual de rock e afro beat dos portugueses Club Makumba, à desconcertante Rakky Ripper, um fenómeno em potência do pop espanhol, algo que poderíamos definir como um cruzamento de Britney Spears com trap, reggaeton, electro trash e anime.

Rakky Ripper, que pôs o club Back Room ao rubro, é talvez o exemplo mais paradigmático da progressiva diluição de géneros no panorama musical atual. “Os mais jovens não escutam apenas uma coisa, consomem muitos estilos”, observa Julen, referindo que hoje em dia as pessoas olham para a música com muito menos preconceitos.

A ascensão da música latina

As grandes publicações globais parecem ter percebido isso mesmo e começaram a abrir os seus horizontes a estilos que, até há bem pouco tempo, eram considerados menores, como o reggaeton, a música latina ou o trap. Se em 2019 foi um choque para alguns ver J Balvin a protagonizar a capa da Rolling Stone, quase tão chocante como o encontrar no cartaz da edição portuguesa do Primavera Sound, hoje isso praticamente já nem é uma discussão.

Segundo os CENSOS de 2020, a população de origem hispânica ou latina foi responsável por metade do crescimento demográfico nos Estados Unidos da América nos últimos dez anos e isso, claro, tem as suas repercussões culturais: apesar de grande parte dessa população já ter nascido em território americano, na hora de se expressar criativamente, recupera as tradições dos países dos seus pais, usando orgulhosamente o castelhano como língua mãe.

Afo Verde, CEO da Sony Music Latin Iberia, foi um dos responsáveis editorais presentes no BIME em Bilbau

[JAVIER ROSA]

“Esta nova era fascina-me” diz Afo Verde, CEO da Sony Music Latin Iberia, numa das conferências mais concorridas desta edição. Para o “Tio Afo”, como é chamado por muitos artistas que cresceram sob a sua alçada, há um nome que sobressai dos demais no que diz respeito a esta mudança de paradigma na indústria da música: Rosalía. Não só é uma artista hispânica de projeção mundial, diz, como utiliza todos os elementos à sua disposição para criar e empoderar a sua arte.

“Nos anos 50, um artista tinha que saber cantar e ter uma boa apresentação, como o Elvis. Nos anos 80 apareceu o vídeo e a cultura da imagem. Os artistas tinham que cuidar primeiro do vídeo-clip e depois das canções. Hoje, precisam de dominar um grande menu de coisas, como a comunicação e as redes sociais. Nem todos estão preparados para isso e muitos têm uma qualidade artística extraordinária, mas falham na hora de socializar”.

Por isso é que Rosalía, para Afo Verde, é a artista do momento, ela que apresentou a primeira live do seu último álbum, Motomamy, no TikTok. “O importante é estar cómodo na transformação e não lutar contra a evolução”, aponta, defendendo que atualmente os artistas têm que fazer “planos lindos” para todas as plataformas.

Empoderamento feminino: do trabalho de estúdio ao palco

Esta apresentação no TikTok protagonizada por Rosalía “vai marcar um antes e um depois na indústria da música”. Quem o diz é Rebeca León, precisamente a manager da estrela catalã. Fundadora da Lionfish Entertainment, empresa que atua no ramo da produção e do agenciamento de artistas, Rebeca tem um passado na EMI, na AEG e na Sony Music onde trabalhou alguns dos grandes nomes internacionais das últimas décadas, como Enrique Iglesias, Ricky Martin, Black Eyed Peas ou Katy Perry.

A mudança passa também pela formação de profissionais dentro da indústria. Se é verdade que há muitas mulheres artistas, o mesmo não se pode dizer de engenheiras de som, produtoras ou de outras técnicas cujo trabalho esteja relacionado com o estúdio. “A Rosalía é um grande exemplo de uma mulher que se atreve a produzir e isso é muito bonito, porque inspira outras a fazer o mesmo”.

Entre as suas grandes lutas está o empoderamento feminino. “A música latina mudou muito nos últimos cinco anos e há muitas mais mulheres em posição de poder”. Porém, aponta, falta dar um passo importante, o de criar riqueza para as mulheres. “Desde pequenos os homens são criados para serem caçadores e para procurar coisas e as mulheres são criadas para serem perfeitas e cuidar da casa”. Na altura de investir e de implementarem o seu próprio negócio, diz, as mulheres tendem a retrair-se. “É preciso mudar esta mentalidade.”

A mudança passa também pela formação de profissionais dentro da indústria. Se é verdade que há muitas mulheres artistas, o mesmo não se pode dizer de engenheiras de som, produtoras ou de outras técnicas cujo trabalho esteja relacionado com o estúdio. “A Rosalía é um grande exemplo de uma mulher que se atreve a produzir e isso é muito bonito, porque inspira outras a fazer o mesmo”.

É exatamente para trazer mais mulheres para lugares de destaque nas fileiras da indústria que Rebeca León criou a sua própria empresa: “queremos instigar outras mulheres a não terem medo de não serem perfeitas, não terem medo de aprender e de lançar coisas que pensavam que não seriam para mulheres. Não há nada que não seja para as mulheres”.

“A música latina mudou muito nos últimos cinco anos e há muitas mais mulheres em posição de poder”, diz Rebeca León, manager de Rosalía

Liberto Peiro

Neneh Cherry e Tyson, embora discursando numa outra palestra, certamente concordariam com Rebeca León. Mãe e filha estiveram presentes no BIME para, a partir dos seus percursos, falarem desta temática e da forma como a identidade racial foi e ainda é uma barreira no meio artístico. “O facto de ser uma mulher negra sueca afetou-me e é parte de quem eu sou. Onde quer que eu fosse, era recordada disso”, partilha Neneh, lembrando que muitas vezes era chamada de Mariann Karlsson (nomes do meio) de forma de a parecer “uma sueca normal”.

Já Tyson cresceu no Reino Unido, sentindo também a “pressão constante” da identidade racial no seu percurso. Juntando a isto uma profunda consciência de identidade de género, formou em 2015, juntamente com a sua manager Hannah TW, a Ladies Music Pub, uma plataforma que agrega mulheres e pessoas de diferentes origens raciais, sociais e da comunidade LGBTQI+ no processo criativo. São elas agentes, produtoras, diretoras de festivais, artistas, consultoras, publicitárias, enfim, mulheres que incorporam todo um rol de funções e que se aliam para inverter uma realidade ainda dominada por homens (só no Reino Unido, 70% dos diretores executivos na música são homens). “Temos que comunicar e trabalhar juntas para crescer e descobrir novas maneiras de merecer o reconhecimento por aquilo que fazemos”.

Próximo passo: Bogotá

Julen Martin sabe que o futuro da música passa por aqui, bem como pelas questões de sustentabilidade e de melhoria das condições de trabalho. “No nosso setor não temos tido cuidado com esse aspeto”. O caminho faz-se por via de uma maior regulamentação da indústria, defende, algo que se alastra igualmente para o mercado do streaming. “Há cerca de 7 milhões de artistas presentes nas plataformas, mas só 80 mil conseguem faturar mais de 1.000 dólares por mês”, adverte desta feita Alejandro Varela, diretor da editora independente argentina S-Music.

“As regras antes eram definidas por quem lançava a música, agora estão num grupo de pessoas que lançam as plataformas”, aponta Gee Davy, porta-voz da IMPALA (Association of Musicians Independent Artists and Publishers), argumentando que, embora as plataformas tenham surgido para democratizar a música e dar mais oportunidade a novos artistas, há muito a melhorar.

Foi com isso em mente que a IMPALA (Association of Musicians Independent Artists and Publishers) apontou dez pontos essenciais para um consumo e difusão streaming mais justos. Entre as principais conclusões do estudo estão a reformulação do modelo de assinaturas (as taxas de conversão dos modelos free para premium andam na ordem dos 25% em Espanha e em Portugal, já na Suécia atingem os 80%); terminar com a lei Safe Harbour, que desresponsabiliza as plataformas dos conteúdos por si divulgados; obrigar ao pagamento justo de royalties, acabando com os esquemas em que os artistas abdicam dos seus direitos em troca de uma posição privilegiada em playlists; e modificar o mecanismo do algoritmo.

“As regras antes eram definidas por quem lançava a música, agora estão num grupo de pessoas que lançam as plataformas”, aponta Gee Davy, porta-voz da associação, argumentando que, embora as plataformas tenham surgido para democratizar a música e dar mais oportunidade a novos artistas, há muito a melhorar: “o algoritmo é bastante redutor e põe-nos em caixas pequenas. Gostava que as plataformas introduzissem algum caos no sistema”.

E aqui voltamos ao metaverso, à chamada revolução da web 3.0, à qual os músicos estão a aderir para recuperar o controlo da sua obra. Em 2021, os Kings of Leon lançaram o seu oitavo álbum de estúdio, When You See Yourself, através de NFTs. A série “NFT Yourself” desdobrou-se em três pacotes que davam vantagens aos fãs, como conteúdos audiovisuais exclusivos ou regalias nos concertos. O álbum foi comercializado através da plataforma Yellowheart, especializada em criar experiências digitais – como concertos, meet-and-greet e merchandising virtual – que aproximem os músicos do seu público, sem intermediação dos tradicionais agentes da indústria.

A discussão continuará no próximo ano, na segunda edição do BIME na Colômbia. Será de 3 a 6 de maio, em Bogotá, cidade criativa da UNESCO que “respira música por todo o lado”

Javier Rosa

No mesmo ano, Grimes protagonizou uma das movimentações mais surpreendentes no mercado virtual: a série de 10 desenhos da sua coleção “WarNymph Collection Vol 1” foi vendida em 20 minutos, rendendo à artista seis milhões de dólares. A Rolling Stone lembrou, a propósito disso, que para obter um lucro semelhante com a música, através das plataformas de streaming, Grimes precisaria de mais de 2.500 milhões de reproduções.

“A indústria está cada vez mais profissionalizada e, com a mudança de formatos de consumo, tudo está a evoluir a uma velocidade muito rápida”, sintetiza Julen Martin. A discussão continuará no próximo ano, na segunda edição do BIME na Colômbia. Será de 3 a 6 de maio, em Bogotá, cidade criativa da UNESCO que “respira música por todo o lado”. Respiremos também estes ritmos, em carne e osso ou virtualmente, para não perdermos o comboio da evolução. Até lá, todas as conferências da décima edição do BIME Bilbau estão disponíveis na plataforma online do evento.

O Observador esteve em Bilbau a convite da Last Tour, empresa responsável pelos festivais Bilbao BBK Live (Bilbau), Cala Mijas Fest (Málaga) e pelo Kalorama, que teve a sua primeira edição este ano em Lisboa

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