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JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

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Mete Coban: "Ficámos preguiçosos enquanto geração: lemos títulos e acreditamos"

É o jovem que convenceu mais jovens a votar nas eleições britânicas, participando em campanhas na Uber e no Tinder. Para Mete Coban, CEO do My Life, My Say, é inacreditável ainda não votarmos online.

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25 anos, líder do grupo político não-partidário My Life, My Say e responsável pelo aumento da participação dos jovens nas eleições legislativas do Reino Unido em 2017. Mete Coban é o rosto por detrás da democracia digital britânica, do envolvimento dos jovens no Brexit e o mais jovem vereador eleito do distrito londrino de Hackney. Do governo do Reino Unido recebeu, em 2018, a distinção de “Democracy Change-Maker of the Year” pelo trabalho que tem desenvolvido para capacitar os jovens a assumirem um papel mais ativo na vida democrática, promover competências de liderança e pensamento crítico. Ao Observador, numa passagem pela Speakers’ Series, iniciativa promovida pela incubadora britânica Second Home e pela Embaixada do Reino Unido em Portugal, Coban explicou como é “inacreditável” ainda não podermos votar online.

Conhecido por realizar campanhas nacionais colaborativas, ser pioneiro na democracia digital e promover uma maior participação dos jovens na vida comunitária, Mete Coban fez parte de uma parceria com apps como a Uber ou o Tinder para chegar aos jovens e convencê-los a votar. Sobre o Facebook, as notícias falsas e os escândalos como o Cambridge Analytica, diz que as empresas de redes sociais têm de se responsabilizar mais, mas não são as únicas. Com o dedo bem apontado aos media, diz que a culpa não é só da tecnologia: “Ficámos preguiçosos enquanto geração: lemos títulos e acreditamos. Acho que há um problema sério em volta das notícias falsas e de tendência nos media tradicionais, que tem de ser respondido. E não só no meu país”.

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

“Fizemos o mesmo com o Tinder: quando alguém estava a fazer swipes recebia uma mensagem a apelar ao registo eleitoral”

Primeiro, o que é o My Life, My Say?
O My Life, My Say é uma organização sem fins lucrativos juvenil não partidária que, de forma geral, tem a missão de impulsionar os jovens a participar na democracia. Atingimos esse objetivo de quatro formas. Primeiro, tentando interagir com os jovens em espaços onde normalmente não iriam para falar de política — organizamos Cafés de Democracia com o apoio da Starbucks, por exemplo, apesar de não ser exclusivo. A ideia é juntarmos 30 a 40 jovens que falem de política enquanto bebem café, num contexto menos formal, no qual não sintam obrigação de usar um fato nem de ter um nível mínimo de conhecimento político.

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Também temos a nossa parte mais ativista: fazemos muito para defender as vozes dos jovens. Organizámos o “All-Party Parlamentary Group on a Better Brexit for Young People”, porque aqui não importa se votaram a favor, contra, ou se não votaram de todo no Brexit. O que importa é que as vozes dos jovens sejam ouvidas nas negociações. E por isso fomos contratados pelo governo do Reino Unido e pela Comissão Europeia para organizar uma consulta nacional sobre o que os jovens querem ver nas negociações. Publicámos dois relatórios para o grupo parlamentar.

Estamos no Conselho Nacional da Democracia do governo, que aconselha sobre as melhores formas de interagir com os jovens; e também organizamos uma conferência anual — que lançámos no ano passado com o presidente da câmara de Londres, Sadiq Khan — que á a Common Futures Forum.

Como o país ficou tão dividido entre jovens e velhos, aumentando a divisão intergeracional, e também entre as zonas rurais e urbanas, a ideia é procuramos criar uma base comum, que junte pessoas de vários contextos para conversarem sobre como criar movimentos, o futuro do setor tecnológico, como se constrói uma marca, a União Europeia, entre outros temas. Funciona bastante bem. Isso é basicamente o que fazemos. De forma geral, estamos focados em [promover a] participação.

"Foi aí que comecei a querer saber o que era isto da política, apesar de ter estado sempre a pensar em política, desde o início, sem me aperceber. Isso levou-me a questionar porque é que, olhando para a idade média dos deputados e dos conselheiros, que era elevada, as visões dos jovens não estavam representadas. Foi isso que me apaixonou"

Quando é que este movimento nasceu?
Começámos em 2014, informalmente, como uma sociedade universitária. Na altura, estávamos frustrados porque todos os eventos convidavam pessoas com filiações político-partidárias ou ligadas a alguma ideologia e nós queríamos criar uma plataforma neutra, na qual não interessava aquilo em que as pessoas acreditavam e assim não andariam a insultar-se. E começámos a organizar eventos em várias universidades. Depois de 2014, e da eleição de 2015, tivemos uma campanha nomeada #bethechange, para encorajar os jovens a registarem-se para votar. A campanha tornou-se viral e tivemos de nos profissionalizar. Passámos a ser uma organização sem fins lucrativos e agora temos 6 pessoas a trabalhar nisto a tempo inteiro.

Era bastante jovem quando começou isto. Que idade tinha?
Tinha 19, 20 anos quando lancei isto.

E porquê?
Acho que o que me fez lançar o My Life, My Say e envolver-me na política desde cedo foi o meu background: sou da zona de Hackney, que é descrita como o gueto de Londres. Não podia ir à escola na minha zona. O clube de juventude a que ia quatro ou cinco vezes por semana, desde os meus 14 anos, foi encerrado subitamente porque perdeu financiamento público. Éramos frequentemente a zona esquecida e negligenciada de Londres. Isso politizou-me naturalmente desde cedo e fez-me pensar sobre as razões pelas quais tudo isto acontecia: o meu clube ia fechar e ninguém dizia nada; ninguém lhes dava dinheiro. Os meus professores viam que estava sempre a fazer estas perguntas e disseram-me “devias pensar na política como uma opção para ti”. E foi aí que comecei a querer saber o que era isto da política, apesar de ter estado sempre a pensar em política, desde o início, sem me aperceber. Isso levou-me a questionar porque é que, olhando para a idade média dos deputados e dos conselheiros, que era elevada, as visões dos jovens não estavam representadas. Foi isso que me apaixonou.

E acha que a tecnologia pode ajudar os jovens a interessar-se pela política e pelo que os seus governos fazem?
Sim e não. Acho que o perigo da tecnologia — tenho estado envolvido em várias conversas sobre como podemos aproveitar a democracia digital para envolver as pessoas — é que, às vezes, vamos demasiado longe e tentamos substituir a interação cara a cara pela tecnologia. O problema é a forma como chegamos às pessoas em comunidades com acesso mais difícil à tecnologia e como falamos com as pessoas que pensam de forma diferente da nossa. Mas acho que existem formas de os meios digitais apoiarem a interação cara a cara. O exemplo que dou são as eleições legislativas de 2017, no Reino Unido. Gerimos uma campanha chamada “Turn Up to the Elections”, que era uma parceria entre organizações — incluindo nós, que organizávamos os Cafés, por exemplo — e trabalhámos com a Uber. Sempre que alguém que tivesse entre 18 e 24 anos chamava um táxi, recebia uma notificação nos 3 minutos seguintes a perguntar se já tinha pensado em registar-te para votar. Fizemos o mesmo com o Tinder: quando alguém estava a fazer swipes, à direita ou à esquerda, recebia uma mensagem a apelar ao registo eleitoral. E essa mensagem chegou a todos os utilizadores da plataforma com idades entre os 18 e os 24 anos.

Quais foram as consequências dessa campanha?
Tivemos a maior participação eleitoral jovem de sempre em 2017. Parcialmente — e volto à razão pela qual os cafés na Starbucks também funcionavam bem — foi porque a nossa estratégia passava por, em vez de criarmos um espaço e esperar que as pessoas viessem a nós, tornando-se membros do My Life, My Say, optarmos por pensar nos lugares a que os jovens vão no seu dia a dia, na sua vida social, e tentarmos perceber como nos podíamos ligar a eles nesses espaços. Venho de um background ligado ao futebol (era olheiro do Arsenal e do Southampton) e os clubes de futebol têm fundações comunitárias que trabalham com imensos rapazes e raparigas de comunidades menos privilegiadas, que os ajudam a encontrar oportunidades no mercado de trabalho.

O que fazemos é trabalhar com essas fundações para que comecem a pensar também em políticas. O que dizemos é que os jovens naturalmente se preocupam com políticas, preocupam-se com os problemas que os afetam, com o acesso a um emprego que lhes pague com respeito e lhes dê dignidade, em ter um bom telhado. O problema é quando veem os métodos políticos tradicionais como forma de responder aos problemas com que se preocupam. E há muitas razões para não existir essa correspondência neste momento. No Reino Unido e na Europa não estamos educados em relação aos vários níveis de governação, ao significado da democracia, às formas de interagir com os legisladores locais e com os decisores regionais e nacionais.

"Ficámos preguiçosos enquanto geração: lemos títulos e acreditamos. Acho que há um problema sério em volta das notícias falsas e de tendência nos média tradicionais, que tem de ser respondido. E não só no meu país"

Também há uma crescente desconfiança entre a classe política e os cidadãos, porque durante anos e anos as pessoas prometerem coisas que não cumpriram, particularmente em relação aos jovens, porque a maioria dos políticos não apelou ao jovens, pensou que eles não iam votar e que, portanto, não havia razões para lhes fazer promessas. E depois há a representação: se um jovem ou uma mulher, por exemplo, olhar para o parlamento e vir poucas mulheres vai pensar que aquele espaço não é para ela — isso vai empurrá-la para fora. Temos de pensar numa resposta para esses problemas.

“Há o perigo de gastarmos muito dinheiro no Facebook, pensando que estão a fazer um bom trabalho chegando a X pessoas, mas não”

É interessante. Falou da Uber e do Tinder mas não falou do Facebook.
Nós usamos o Facebook. Tivemos uma campanha no Facebook, Twitter e Instagram. Mas o problema é que há o perigo de gastarmos muito dinheiro nessas plataformas, pensando que estão a fazer um bom trabalho chegando a X pessoas, mas não temos dados sobre quantas dessas pessoas estão em comunidades a que é difícil aceder. E acho que estaríamos a preparar-nos para falhar. Vejo constantemente quando as pessoas tentam criar campanhas de registo eleitoral e pensam “se tweetarmos constantemente ‘vai votar’ as pessoas vão votar”. Isso não vai fazer as pessoas votar. O que temos de fazer é lidar com os problemas das pessoas e fazê-las perceber que podem acreditar na política, tal como no meu caso, quando me interessei pelo clube juvenil. Estava a falar de política, mas não de forma tradicional. Acho que o método tem de ser esse.

Escândalos como o Cambridge Analytica afastam as pessoas das redes sociais e geram desconfiança em torno do Facebook?
Sim. Há um problema nos media tradicionais porque eles têm muitas vezes uma tendência política ou ideológica. No caso do Brexit, vimos jornais como o Daily Mail a apoiar o Brexit. E nos media alternativos, como no caso das redes sociais, o problema é no que se acredita e em quem é que se confia. Acho muito importante ensinar os jovens desde cedo a pensar de forma crítica, a questionar as coisas constantemente, porque o problema agora é termos imenso acesso à informação e ficarmos reduzidos a uma crença. Ficámos preguiçosos enquanto geração: lemos títulos e acreditamos. Acho que há um problema sério em volta das notícias falsas e de tendência nos media tradicionais, que tem de ser respondido. E não só no meu país.

No caso das redes sociais, os comportamentos dos jovens estão a mudar. Os adolescentes já não estão no Facebook, estão no Snapchat ou no Instagram. Considera todas estas plataformas?
Sim.

Por causa do escândalo Cambridge Analytica, Mark Zuckerberg foi obrigado a ir ao Congresso norte-americano, onde durante 10 horas foi questionado pelos congressistas e senadores

Getty Images

Como encontra a forma certa de fazer chegar a mensagem certa às pessoas certas?
Acho que a mensagem é muito importante. É aqui que as redes sociais podem ser muito úteis, porque é lá que estão as celebridades ou as pessoas que se tornaram famosas através do Instagram ou do Twitter e que têm imensos seguidores — sejam 200 mil seguidores de moda ou 300 mil de videojogos. O que fazemos é trabalhar com as pessoas que têm seguidores e que não participam necessariamente na política, mas que sabemos que se passarem a mensagem certa, pela forma como interagem com os utilizadores, isso pode inspirar muitas pessoas a registarem-se para votar ou a participar na política.

As notícias falsas são um dos grandes problemas de hoje. Como ajudam os jovens a saber no que acreditar?
É muito complicado. Não há uma solução a curto-prazo para resolver o problema das notícias falsas. No fundo, trata-se de darmos às pessoas as competências certas para viver numa sociedade em que não aceitam as coisas pelo seu valor superficial e pensam criticamente sobre se são verdadeiras ou não. É por isto que temos de ir às escolas. Isto é um problema enorme. Quando pensamos nas redes sociais o problema não são apenas as notícias falsas, também é o terrorismo e o resto. As redes sociais têm sido boas de muitas formas e más de muitas formas. A realidade é que podemos implementar medidas a curto-prazo, mas vão ter um impacto muito reduzido. O que temos de fazer é ir às escolas e trabalhar as competências pessoais ligadas ao pensamento crítico, ao debate, à compreensão da inclusão e da diversidade para que, quando crescerem, estas crianças tenham a capacidade de tomar decisões informadas.

Então acha que já não há esperança para os adultos?
Não é que não haja esperança. Há coisas que as empresas de redes sociais podem fazer para melhorar isto, quando falamos de legislação para campanhas políticas, por exemplo. A campanha pelo Brexit foi multada e está em tribunal. Mas o problema é que quando se criaram as leis para as campanhas não havia redes sociais. E agora há. Temos de perceber como regular as redes sociais no contexto eleitoral. E as empresas têm de — e isto deve ser difícil em termos técnicos porque eles têm milhões de utilizadores — ser mais rápidas na resposta às notícias falsas. Demoram demasiado tempo a remover algo falso [da rede] e, nessa altura, já muitas pessoas leram aquilo. O reverso da moeda é que se fizermos isso, as pessoas vão dizer que estão a roubar a liberdade de expressão a alguém. Temos de escolher o que queremos.

Vivemos numa altura em que — e eu sou pela liberdade de expressão — tudo tem de ser controlado, para não infringir os direitos das pessoas, e isso propaga ódio pela sociedade. E não é liberdade de expressão. No nosso caso, as pessoas dizem que devemos deixar pessoas como a Katy Hopkins ou o Nigel Farage [líder do UKIP] dizerem o que quiserem. E claro que devemos deixá-las dizer o que quiserem e participar na política, mas não se isso chegar ao ponto em que desumanizam outras pessoas e levam-nas a magoar alguém. Isso não é liberdade de expressão. Acho que quando olhamos para as redes sociais, as empresas têm de começar a agir mais rápido.

Nigel Farage foi uma das principais caras do Brexit e abandona a liderança do UKIP em 2018

PATRICK SEEGER/EPA

E isso vai, na sua opinião, melhorar o pensamento crítico.
Sim, acho que sim.

Porque é isso que os jovens precisam?
Precisam de ter um processo: quando veem uma notícia como sabem que está correta ou não? Que perguntamos devem fazer? Exemplo: quem é o autor, quantas fontes tem, de onde vêm as notícias dele, se há outros meios de comunicação a dar esta notícia. Perguntas básicas que devíamos levá-los a fazer. Mas também acho que os meios de comunicação tradicionais são um problema. Podemos focar-nos muito nas redes sociais, mas há um grande problema de tendência nos meios de comunicação tradicionais. E têm de ser resolvidos, porque estão a influenciar a opinião de milhões de pessoas, sem consequências.

No caso do Brexit — não te vou aborrecer com a história –, mas fui a Portland para termos um Democracy Cafe e havia cerca de 40 pessoas. Quarenta dessas tinham votado pelo Brexit e teriam votado outra vez se houvesse outro referendo. Se lhes perguntássemos porquê, a maioria responderia que havia muitos imigrantes do leste da Europa que foram para Portsmouth. Quando se fala com eles sobre as inseguranças que os levaram a votar pelo Brexit, respondem que estão relacionadas com as oportunidades de trabalho, as dificuldades em comprar casa e porque pensam que os imigrantes do leste da Europa estão a roubar-lhes essas coisas. Mas, na verdade, quando lhes perguntamos porque é que eles pensam isso eles dizem “Não viste nas notícias? Eles disseram isto e aquilo”. É isso que as notícias fazem.

Venho de uma família de imigrantes e não recebo benefícios do Estado. Até dou mais ao Estado, como jovem. Mas os media nunca vão fazer notícias sobre mim nem sobre os milhões de pessoas como eu, que deram esse benefício positivo ao país. O que fazem é pegar numa pessoa que fez algo de errado e pô-la na capa do jornal, dizendo: “Estas pessoas vieram da Somália ou da Turquia, o governo deu-lhes uma casa de 8 quartos, eles estão a receber estes benefícios todos e estas pessoas são preguiçosas”. E quando as pessoas de Portsmouth leem isto e estão com dificuldades em arranjar trabalho pensam “isto não é justo”. Portanto, acho que os media têm de aceitar responsabilidades por alguns dos problemas que temos agora.

"Os políticos têm de passar a liderar-nos mais. Acho que os políticos estão com medo de liderar. Vivemos numa era na qual a razão pela qual estamos a ter tantos problemas é porque já não temos líderes."

E como é que seria aceitar essas responsabilidades?
Os políticos têm de passar a liderar-nos mais. Acho que os políticos estão com medo de liderar. Vivemos numa era na qual a razão pela qual estamos a ter tantos problemas é porque já não temos líderes. O teu trabalho enquanto político é liderar as pessoas, certo? E às vezes isso significa que vais ter de tomar uma decisão que não é necessária e instantaneamente popular, mas o teu trabalho é educar as pessoas, levá-las contigo e fazê-las compreender porque tomaste aquela decisão. É por isso que vivemos em democracias representativas. Porque, de outra forma, viveríamos numa democracia direta. E o problema agora é que particularmente na Europa, no mundo ocidental, tens tantos líderes, ou melhor, aquilo a que chamamos líderes, mas que na verdade são mais como mensageiros. Eles seguem constantemente aquilo que acham que a opinião pública quer ouvir. E não têm qualquer visão.

É essa a razão por detrás dos movimentos populistas e nacionalistas que têm surgido por toda a Europa, por exemplo?
Sim e nalguns casos eles podem não ganhar eleições, mas estão a ganhar na mesma. Se olhares para um país como a Holanda, vês que [Geert Wilders] não ganhou as eleições, mas conseguiu pôr deputados no parlamento. E como o principal partido estava com medo que ele lhe roubasse eleitores, fez uma campanha mais à direita. Olha para o exemplo do Reino Unido. A razão pela qual tivemos o referendo foi esta: o Partido Conservador estava preocupado que o UKIP lhe roubasse votos. Apesar de estes partidos não estarem a ganhar eleições, estão, na verdade, a influenciar os principais partidos a aproximarem-se das suas ideias e a tomarem decisões sobre assuntos que eles querem resolver. Sim, o Nigel Farage não é o primeiro-ministro do Reino Unido, mas ele é a razão pela qual tivemos o referendo. Na verdade, nesse sentido, ele é o maior influenciador. Não estão a ganhar no sentido em que chegam a primeiros-ministros, mas estão a influenciar o debate.

Geert Wilders, líder do partido nacionalista holandês PVV (Partido da Liberdade), que nas eleições de 2017 foi o segundo partido mais votado

REMKO DE WAALAFP/Getty Images

“Não vamos ter um Brexit que funcione para os mais jovens”

Tendo em conta que não foram os jovens aqueles que mais votaram a favor do Brexit, acha que se podem sentir subrepresentados quando o Brexit de facto acontecer?
Sim, de forma massiva.

E como é que se pode inverter isso? O que pode ajudar os jovens a sentirem-se representados?
Acho que o problema com o Brexit é que, em última instância, quem vai afetar mais são as pessoas da nossa geração. E acho que não vai ser só no Reino Unido, mas em todo o mundo ocidental. Estamos a crescer enquanto geração divididos. Parece que é um problema apenas do Reino Unido porque tivemos o referendo, que expôs esta divisão, mas posso assegurar que temos diferenças massivas destas entre as gerações mais jovens e as mais velhas por toda a Europa. Tenho andado a trabalhar nisto há dois anos e meio e a certificar-me que os mais jovens têm uma voz nas negociações.

E têm surgido alguns movimentos, mas acho que o governo e os políticos não os veem em grande escala. Quando pensam nos grupos que têm impacto, pensam na comunidade de empresários, na da cultura e artes e os jovens acabam, de alguma forma, por ficar cá para baixo, porque acham que não vamos votar. E em certa parte têm razão, porque não votámos no passado. Mas acho que gradualmente esta realidade tem vindo a mudar e nas eleições de 2017 tivemos um resultado muito bom. Tive reuniões com muitas pessoas no governo britânico, incluindo com a primeira-ministra. E isto foi o resultado de terem visto que os jovens estão mesmo com vontade de participar.

Como é que chegamos a um ponto em que os jovens não se sintam subrepresentados? É difícil dizer, mas acho que precisamos de encorajar mais jovens a tomarem uma posição política. Olha para a Alexandria Ocasio-Cortez, nos EUA: tem 29 anos e vê o quão boa ela é, é muito melhor do que os políticos que são mais velhos do que ela. Não estou a dizer que não devas ter pessoas mais velhas. Estou a dizer que no caso do Reino Unido, não é suposto termos uma democracia representativa? Onde estão os deputados que representam os jovens? Porque é que 50% destes deputados não são mulheres, por exemplo? Porque é que não há minorias representadas? Não podes dizer o que é que os jovens veem como problema. Precisamos de ter mais líderes jovens.

"Fazemos parte de uma geração que cresceu sem fronteiras físicas e agora vamos ter regras para fazermos estas coisas. Acho que a principal prioridade de um Brexit que funcione para os jovens é ter acesso a estas liberdades, a liberdade de movimento e a liberdade de tudo o resto."

O que é que é um Brexit que funcione para o mais jovens?
Infelizmente, não vamos ter um Brexit que funcione para os mais jovens. Mas um Brexit que funcione para os jovens é aquele que mantém próximas as relações económicas com a União Europeia. E o que quero dizer com isso? Uma das principais coisas que encontrámos no nosso estudo foi que os jovens valorizam muito a possibilidade de viajar, estudar e trabalhar fora, como os amigos que fazem por toda a Europa. É a possibilidade de dizerem que esta semana vão voar para Barcelona e que talvez fiquem lá durante uns meses, encontraram um trabalho temporário e vão. Hoje, não existem barreiras a isto mas as coisas vão mudar. Fazemos parte de uma geração que cresceu sem fronteiras físicas e agora vamos ter regras para fazermos estas coisas. Acho que a principal prioridade de um Brexit que funcione para os jovens é ter acesso a estas liberdades, a liberdade de movimento e a liberdade de tudo o resto.

As eleições europeias estão a aproximar-se e, regra geral, são as que têm maior abstenção. O que se pode fazer para termos mais jovens a votar?
Acho que um dos problemas da União Europeia, que o Brexit expôs de muitas formas, é que tem muita dificuldade em comunicar com as pessoas comuns, fora dos seus muros. Quando vais lá para fora e perguntas às pessoas qual é a visão da União Europeia duvido muito que haja muita gente a responder. Acho que muitos jovens não compreendem o que a União Europeia faz por eles ou porque é que o seu voto importa tanto a nível europeu. A maioria das pessoas não sabe o que o seu representante no Parlamento Europeu faz. E por isso não percebem qual é o objetivo do voto. Não acredito que vamos conseguir resolver isto rapidamente, mas acho que tem de haver esta autorreflexão por parte da União Europeia, sobre como se conecta melhor consigo própria e com os cidadãos.

O que acha do voto online? Ajudaria a aumentar a participação dos jovens?
Sim, acho que devíamos ter. Vivemos numa era em que usamos o mobile banking online, mas há pessoas que não confiam no voto online porque têm medo dos piratas informáticos. Temos as nossas finanças online e achamos seguro. Certamente há mais pessoas preocupadas com as suas finanças do que com o seu voto online. Por isso, porque é que não podemos ter o mesmo para os votos? Vivemos numa era em que o mercado de trabalho mudou. No Reino Unido, por exemplo, as eleições acontecem a um dia da semana e neste novo mercado de trabalho há pessoas que começam a trabalhar às 11h e terminam às 20h, outras entram às 7h e terminam às 16h e as mesas de voto estão abertas entre as 7h e as 22h. Há aqui uma pequena janela para se votar, mas tem de ser na tua mesa de voto, no sítio onde vives.

Há tantas coisas da nossa vida pessoal que fazemos online, mas não podemos fazer isto… E algumas das críticas e problemas que se têm feito ao voto online, como o perigo de manipulação e de hacking, também podem acontecer no voto por correio. Sabes? É inacreditável não podermos votar online. É um passo natural e espero começar a vê-lo.

Acha que as pessoas vão confiar?
Acho que o cinismo vai sempre existir e as pessoas vão sempre questionar. Em última instância, muitos desses argumentos sobre confiança podia falar deles em relação ao voto por correio. Como é que sei que quando ponho o meu voto numa carta ele vai ser efetivamente colocado na caixa certa? Não sei. Já estudei muito este tema e acho que a forma de o voto online funcionar é criando uma identidade digital única. E se houvesse interferência, ser capaz de a detetar. Porque se está online, deixa rasto. E nos votos por correio não há, envias e não sabes o que acontece.

"Há muitas pessoas na história, como Nelson Mandela ou Martin Luther King e Barack Obama, que nos mostraram que o impossível é possível. E alguns dos problemas com os quais temos de lidar não estão sequer perto dos deles. Se eles conseguiram, porque é que nós não conseguimos?"

Quais são as ferramentas mais poderosas da democracia digital?
A democracia digital traz-nos uma nova forma de consultar as pessoas. Há novas formas de interações entre opiniões e a democracia digital é muito útil para isso. Há muitas empresas tecnológicas que podem ser muito úteis para aumentar a participação nas eleições, mas precisam de ter um papel mais socialmente responsável. Quando olhas para o que se passou com o anúncio da Nike com o Colin Kaepernick, percebes que as vendas da Nike subiram 20%. A razão para isto ter acontecido tem a ver, em parte, com o facto de as pessoas também estarem mais pré-dispostas a gastar dinheiro se souberem que a marca está a fazer algo bom. Acho que é do interesse destas empresas começarem a fazer mais atividades e interagirem mais com o ativismo cívico.

Os políticos europeus deviam criar políticas para aumentar mais a participação dos jovens na política?
Acho que sim. A União Europeia devia usar o seu poder e competência para pôr as pessoas à volta da mesa e dizer: “Vamos lançar esta campanha, por exemplo, e quero que vocês a patrocinem”. Foi isso que aconteceu connosco no Reino Unido.Nós lançámos a campanha, mas o governo britânico trouxe empresas para a mesa, porque de outra forma não teríamos podido aceder a algumas coisas.

O que podem os jovens fazer pelos jovens?
Precisamos de começar a pensar… Compreendo o cinismo e compreendo que as pessoas estejam chateadas e que se sintam desiludidas, que não podem confiar nas instituições e nos políticos. Mas ou nos deparamos com a dura realidade de deixar as coisas como estão e pura e simplesmente queixarmo-nos ou levantamo-nos e somos a mudança. Acho que há muitas pessoas na história, como Nelson Mandela ou Martin Luther King e Barack Obama, que nos mostraram que o impossível é possível. E alguns dos problemas com os quais temos de lidar não estão sequer perto dos deles. Se eles conseguiram, porque é que nós não conseguimos? Espero que consigamos tirar uma abordagem positiva, saindo, sendo exigentes e tendo a certeza de que estamos a segurar os políticos que fazem a diferença.

O que é um futuro pelo qual vale a pena lutar?
Sinto que nos últimos 15 ou 20 anos construímos algumas coisas na Europa, em termos de liberdades cívicas. Como disse há pouco sobre o Brexit, na nossa geração não existe o conceito de fronteiras físicas. E acho que que todos os valores que ajudaram a construir isto, como a ideia da cultura partilhada, a diversidade, a possibilidade de aprendermos uns com os outros, de aprendermos linguagens diferentes, a interação entre as pessoas, tudo isto está sob ameaça agora. E acho que vale a pena lutar por isto. Quando olhas para os populistas e para os nacionalistas na Europa, ficamos com a ideia de que eles vão começar a ganhar muitos lugares nos parlamentos e a pressionar estas ideias. Enquanto jovem, estou terrivelmente apavorado com o que está por vir e acho que precisamos de lutar pela nossa liberdade.

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