789kWh poupados com a
i

A opção Dark Mode permite-lhe poupar até 30% de bateria.

Reduza a sua pegada ecológica.
Saiba mais

i

SEBASTIEN NOGIER/EPA

SEBASTIEN NOGIER/EPA

Michel Platini. De zero a herói, de patrão a vilão: eterno número 10 francês quer voltar ao futebol

Levou a seleção francesa ao primeiro título de sempre num Europeu. Coleccionou três Bolas de Ouro seguidas. Caiu em desgraça por causa da corrupção. Agora, a lenda francesa quer voltar ao futebol.

    Índice

    Índice

“Um coração fraco”. Foi assim que, aos 17 anos, Michel Platini foi diagnosticado quando estava a fazer um teste respiratório no Metz. Acabou por desmaiar. Andava pelo AS Joeuf, clube de terras industriais, repleto de fábricas e minas, onde nasceu em 1955, quando lhe foi dada a possibilidade de provar o seu valor noutros emblemas. E logo ali a começar, deu um passo atrás. O pai, Aldo, que também andou com a fome de bola a correr-lhe nos pés, era diretor no Nancy e puxou-o para a equipa  em setembro de 1972. O filho começou nas reservas, com os olhos postos na primeira equipa mas só um ano depois, com outro desaire (desta vez por lesão), chegaria ao principal escalão.

Na época seguinte faria 17 golos. Anos depois, ganharia três bolas de Ouro consecutivas, um Europeu, campeonatos (em França e em Itália), uma Taça dos Campeões Europeus e prémios de melhor marcador. Chegaria ao topo do futebol, quer em campo, de braçadeira ao peito, quer na secretária, como presidente da UEFA. Mas, como é que um “coração fraco” dá a volta, se transforma num dos melhores jogadores do mundo e acaba, nos dias de hoje, como um fantasma?

Afinal, o diagnóstico clínico estava errado. E as suspeitas de corrupção, que o levaram a ser detido, banido do futebol e acusado? Ainda falta saber. Mas Platini promete estar de volta. Vergou-se. Quis defender o seu nome. Agora aí está, outra vez. Resta perceber se o querem realmente de volta. O seu coração aguenta, o público pode querê-lo longe da vista. Já com a França fora do Euro 2020 (eliminada nas grandes penalidades pela Suíça nos oitavos de final, depois do empate 2-2 na fase de grupos com Portugal), o Observador revisita a história do lendário número 10 dos Blues.

“Platini, o futuro patrão”. O francês era apenas o número 10 do Nancy e já aparecia em capas de jornais.

Saltemos, então para dentro das quatro linhas. Vindo de uma família católica que tinha um café local (Café de Sportiffs), era quase impossível que a vida de Platini não se cruzasse com o futebol. Táticas dali para aqui, treinadores de bancada bem bebidos, mal sabiam que o miúdo acólito de Joeuf traria tanta alegria  — e desilusão — às suas vidas. Quem o viu jogar, ali no meio campo, número dez, com inteligência maior do que todos, podia prever que se Michel François tivesse em campo a compor o Carré Magique (mais Luis Fernandez, Jean Tingana e Alain Giresse), a França ia acabar a ganhar o jogo — e nós, portugueses, bem que nos podemos queixar dessa perfeição no Euro 84’, mas já lá vamos.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Saint-Étienne, Juventus e um Euro’82 que tanto demorou a conquistar

O francês esteve sete anos no Nancy, clube da casa. Ainda partiu um braço, mas, calejado por erros médicos mais acima no corpo, lá recuperou. Ajudou a subir a equipa em 75 e a vencer a Coupe de France em 78. E claro: a treinar os livres diretos. Aos 21 anos, foi considerado o Melhor Jogador do Ano. Diz a razão, ou, se quiser, quem vestiu a camisola ao lado de Platini,  que quando estamos perante um Deus como ele, só se pode esfregar os olhos e tentar acreditar. É por isso que, sendo milagre ou não, Michel acabaria num dos clubes de topo em França, o Saint Étienne. 82 golos. Mais de cem jogos feitos.

"Decidi ir para a Juventus porque não queria jogar no Natal, como se faz em Inglaterra. Havia mais sol, não conhecia nada sobre o clube, mas sabia que ia ser uma aventura", disse o médio francês.

Antes, já tinha usado a braçadeira de capitão da seleção gaulesa com apenas 23 anos. A França não teve grande prestação no Mundial e Platini, bode expiatório para o desaire dos Blues, levou com as culpas por parte dos adeptos. Mas isso durou pouco. Ficou apenas três anos no St. Etienne, com mais um título no bolso e duas finais da Coupe de France por ganhar. A lenda começava a crescer, a história escrevia-se quase tão rápido como a influência do gaulês nas equipas por onde passava.

A sua família, com nacionalidade francesa mas com raízes italianas, ficaria provavelmente feliz com a sua próxima decisão: vestir a camisola da Juventus. Em vez de rumar a Inglaterra, com Tottenham e Arsenal a suspirar pela sua ida, Platini foi para a terra onde o futebol é religião. Já lá morava um tal de Maradona no Nápoles. Tornaram-se rivais. Número 10 contra número 10. Quase que foram colegas de equipa. Ficaram as imagens.

Essa relação com a Juventus, que teve início em 1982, no ano em que a França perdeu, de forma dramática, nas meias-finais do Mundial contra a República Federal da Alemanha na “Noite de Sevilha”, foi o início de um casamento perfeito. “Decidi ir para a Juventus porque não queria jogar no Natal, como se faz em Inglaterra. Havia mais sol, não conhecia nada sobre o clube, mas sabia que ia ser uma aventura”, disse o médio francês num documentário da Skysports:

Por esta altura, Platini já era maestro da seleção, o patrão que ordenava, organizava e encenava tudo. Depois da trágica derrota com os alemães, os franceses, mais experientes, queriam vingança. Quanto à passagem pela Vecchia Signora, o francês foi colecionando mais títulos ao longo de cinco temporadas:  a segunda Bola de Ouro, dois campeonatos (83/84 e 85/86) e uma taça (82/83) mais uma Taça dos Campeões Europeus (1985) em Heysel, jogo trágico que fez 39 mortos. Platini bem festejou, sim, porque fez o único golo na partida. Mas depois, já com os holofotes virados para a sua cara, quase chorou.

Limpas as lágrimas, chegamos ao ansiado ano de 1984. Um verão quente para os franceses, anfitriões do europeu, que queriam saborear a tal vingança e tentar o Olimpo. Não havia Holanda, Inglaterra ou União Soviética. Nem a República Federal da Alemanha, uuff, felizmente. Platini marcou 9 dos 14 golos de França em toda a competição — recorde só agora ultrapassado por Cristiano Ronaldo, que fez 12 até neste Euro 2020. Dois hat-tricks. E a vitória final diante da Espanha por 2-0. Deus descia à terra e encontrava-se com o seu homólogo francês para o coroar. Era até então a única grande potência a nunca ter ganho aquele troféu.

Falta o amargo de boca que provocou a Portugal nas meias-finais no Vélodrome. A seis minutos do fim, o número 10 francês, sozinho na área, fez das suas. 3-2, não se fala mais disso. Não foi partida para “corações fracos”, não. Mais vale esquecer.

UEFA e Platini: “O início de uma aventura” que correu muito mal

“Platini com estatuto de acusado em investigação a Blatter”. Este é um dos muitos títulos de notícias que podem ser encontrados assim que se pesquisa agora o nome do médio gaulês. Longe vão os dias das letras gordas a idolatrá-lo. Longe vão os tempos que os números nada mais representavam senão golos, livres ou títulos conquistados. A investigação começou em 2015 e colocou, lado a lado, Michel Platini, como presidente da UEFA, e Joseph Blatter, antigo líder da FIFA. Este último terá pago cerca de 1,8 milhões de euros ao primeiro, que lhe queria suceder. Esse sempre foi o plano. As autoridades suíças não encontraram justificação para o pagamento realizado nos anos 90, quando Michel François dava os primeiros passos na maior instituição do futebol mundial. O dinheiro só seria depositado anos mais tarde em 2011.

Foram ambos banidos do futebol durante oito anos, sendo que a pena foi, entretanto, encurtada para seis anos. O futebolista conseguiu ainda reduzi-la mais dois anos. Mas há mais. Noutro processo onde os dois estão envolvidos — e que chega até ao ex-presidente francês, Nicolas Sarkozy –, recai a suspeita de terem sido pagos milhões de euros à FIFA para que o Qatar fosse o país escolhido para organizar o mundial de 2022. O capitão da seleção chegou a ser detido pela polícia francesa — e não porque sugeriu que esta competição fosse jogada no inverno. A sucessão do suíço parecia estar prestes a ser entregue a Platini, mas não aconteceu.

Para perceber como o par mais poderoso do futebol acabou na desgraça, rodeado por um dos maiores escândalos de corrupção no futebol — com mais personalidades relevantes a serem apanhadas na curva pelas autoridades norte-americanas — é preciso, novamente, recuar.

Em 2002 saltou para o comité executivo da UEFA até chegar à sua presidência cinco anos mais tarde. Um caminho feito lado a lado com Blatter. Chung Mong-joon, o rival sul-coreano (também banido do futebol) de ambos na corrida ao primeiro organismo, apelidou aquela relação de "pai e filho", em 2015, ano em que o suíço ganharia a reeleição (quinto mandato), para suposto desagrado de Platini, que queria o lugar. Mais tarde, o francês trairia o progenitor.

Em 1986, Platini voltaria a encontrar os germânicos no Mundial para perder outra vez. Despediu-se dos relvados um ano depois. Uma nova aventura, mas agora rodeado de burocracia. E de corrupção. Só que o caminho até chegar à UEFA foi muito menos criativo do que a sua presença em campo. Visão não lhe faltou. Nem ambição. “Quando jogas futebol ao mais alto nível, tudo na vida parece mais fácil. Quase nunca me engano. Trabalho por instinto”, disse à revista Le Sport em 1987. Quase, quase, até ter sido apanhado pelas malhas da justiça.

Assim que pendurou as botas, Platini fez-se selecionador nacional. Durou apenas quatro anos. Deu tempo para conquistar mais um prémio (Treinador do Ano) ali pelo meio e qualificar a França para o europeu de 1992. 19 partidas sem perder, foi obra. Mas não chegou. Os Blues saíram cedo, sem qualquer vitória e com apenas dois pontos na fase de grupos. Nesse ano, a história seria outra: a repescada Dinamarca (devido à exclusão de uma dividida Jugoslávia em guerra) levantaria o troféu diante da unificada Alemanha.

Andavam os dinamarqueses a celebrar o melhor regresso de férias de sempre e Platini decidiu gozar a reforma do futebol. No entanto, fê-lo a trabalhar, de fato e gravata, no Comité Organizador do Mundial em 1998 que seria realizado em França (e vencido pelos franceses). Foi aí que se tornou próximo de Joseph Blatter, ajudando na sua eleição. Missão cumprida em território nacional, tornou-se conselheiro do suíço na FIFA. Em 2002 saltou para o comité executivo da UEFA até chegar à sua presidência cinco anos mais tarde. Um caminho feito lado a lado com Blatter. Chung Mong-joon, o rival sul-coreano (também banido do futebol) de ambos na corrida ao primeiro organismo, apelidou aquela relação de “pai e filho”, tal como apontou a agência Reuters em 2015, ano em que o suíço ganharia a reeleição (quinto mandato), para suposto desagrado de Platini, que queria o lugar. Mais tarde, o francês trairia o progenitor, ao criticá-lo publicamente. Blatter faria o mesmo. Nada de “coração fraco”, estava mesmo partido.

Voltemos outra vez atrás. Em 2007, Michel François Platini foi eleito presidente da UEFA, tendo também o cargo de vice-presidente da FIFA.”Isto é só o início de uma aventura”, disse no seu discurso de vitória. Terminou com o reinado de 17 anos de Lennart Johansson, prometendo limitar o poderio das grandes equipas na Liga dos Campeões

Nessa corrida para o Qatar receber a competição mundial de 2022, Platini deixou pontas por esclarecer e episódios, no mínimo caricatos, que levantaram demasiadas suspeitas, mas encarados pelo francês com toda a naturalidade.

Do seu legado, além da controversa — e alegadamente corrupta — luta pessoal para que o quente Qatar fosse o anfitrião do Mundial de 2022, ficou também o projeto de fair-play financeiro que não colheu total consenso, as críticas às tecnologias no futebol como o VAR e a organização deste Europeu com o seu modelo inédito (que ainda por cima coincidiu com a pandemia): 24 equipas espalhadas por onze cidades que “vai custar” 115 mil quilómetros a todas as seleções. E o obreiro da competição nem sequer está presente nos estádios.

A ideia de Platini para o Euro vai “custar” 115 mil quilómetros em viagens mas Portugal é a equipa não organizadora que mais se poupa

Nessa corrida para o Qatar receber a competição mundial de 2022, Platini deixou pontas por esclarecer e episódios, no mínimo caricatos, que levantaram demasiadas suspeitas, mas encarados pelo francês com toda a naturalidade, tal como explicado num extenso artigo do The Guardian. Por exemplo, o seu filho Laurent aceitou trabalhar para uma empresa de roupas desportivas, controlada pelo mesmo fundo do Qatar que detém o Paris Saint-Germain, doze meses depois do país árabe ter ganho a votação. Outro exemplo: numa altura em que o escândalo de corrupção já pairava no interior da FIFA, Michel François aceitou — e até brincou com a prenda — um relógio de luxo, oferecido pela Federação Brasileira de Futebol em 2014. E um último, que envolve um encontro entre o próprio, Sarkozy e o príncipe do Qatar, o Sheikh Tamin bin Hamad bin Khalifa al-Thani, nove dias antes da votação final em dezembro de 2010. Tudo estranho, tudo normal.

Neste momento, Michel Platini é um fantasma que paira no topo do futebol europeu que nem sequer assistiu quer à derrota do seu país diante de Portugal em 2016 nem à vitória francesa, sem espinhas, dois anos depois no Mundial 2018. Contudo, quer voltar à vida. E provar a sua inocência, apresentando recursos atrás de recursos até limpar o seu nome. Em junho deste ano saíram notícias que davam conta do regresso do ícone francês aos lugares administrativos no futebol: representar a França no FIFPro. “Sempre disse que voltaria”, referiu. Já não será na FIFA, onde mora agora no seu lugar o seu antigo número dois, Gianni Infantino. Também não será na UEFA, que tem lá um homem, Aleksander Ceferin, que até há bem pouco tempo esteve debaixo de fogo, ao opor-se à realização da malograda Superliga. Platini, que outrora quis retirar poder aos colossos europeus, colocou-se aliás ao lado desta nova competição.

Como médio tem o seu lugar eterno na história. Como presidente, patrão, um dos donos do futebol, a mancha da corrupção já lhe tingiu o legado. “Le Roi” (o rei), “Platoche”, o herói de 84, Deus de Nancy, 10 de ouro da seleção gaulesa, sabe, no entanto, que nunca será esquecido. “Sou o Michel Platini. Toda a gente me conhece, toda a gente me conhece”, referiu numa entrevista ao New York Times, durante o seu “exílio” imposto, que se vai esfumando, mas continua. É verdade, sim, é quase impossível não saber quem é o rapaz de cabelo encaracolado que se tornou lenda na Juventus. Resta saber se toda a gente o irá perdoar ao ponto de o deixar cumprir a ambição: liderar a FIFA, de coração e alma — sem se deixar enredar, novamente, pelos alegados caminhos da corrupção.

Assine por 19,74€

Não é só para chegar ao fim deste artigo:

  • Leitura sem limites, em qualquer dispositivo
  • Menos publicidade
  • Desconto na Academia Observador
  • Desconto na revista best-of
  • Newsletter exclusiva
  • Conversas com jornalistas exclusivas
  • Oferta de artigos
  • Participação nos comentários

Apoie agora o jornalismo independente

Ver planos

Oferta limitada

Apoio ao cliente | Já é assinante? Faça logout e inicie sessão na conta com a qual tem uma assinatura

Ofereça este artigo a um amigo

Enquanto assinante, tem para partilhar este mês.

A enviar artigo...

Artigo oferecido com sucesso

Ainda tem para partilhar este mês.

O seu amigo vai receber, nos próximos minutos, um e-mail com uma ligação para ler este artigo gratuitamente.

Ofereça artigos por mês ao ser assinante do Observador

Partilhe os seus artigos preferidos com os seus amigos.
Quem recebe só precisa de iniciar a sessão na conta Observador e poderá ler o artigo, mesmo que não seja assinante.

Este artigo foi-lhe oferecido pelo nosso assinante . Assine o Observador hoje, e tenha acesso ilimitado a todo o nosso conteúdo. Veja aqui as suas opções.

Atingiu o limite de artigos que pode oferecer

Já ofereceu artigos este mês.
A partir de 1 de poderá oferecer mais artigos aos seus amigos.

Aconteceu um erro

Por favor tente mais tarde.

Atenção

Para ler este artigo grátis, registe-se gratuitamente no Observador com o mesmo email com o qual recebeu esta oferta.

Caso já tenha uma conta, faça login aqui.

Assine por 19,74€

Apoie o jornalismo independente

Assinar agora