786kWh poupados com a
i

A opção Dark Mode permite-lhe poupar até 30% de bateria.

Reduza a sua pegada ecológica.
Saiba mais

i

AFP/Getty Images

AFP/Getty Images

Molenbeek. "Deixem-nos em paz"

Fica a alguns minutos a pé do centro de Bruxelas, mas tem sido retratado como uma realidade alternativa e quem lá vive diz estar farto: "Não somos todos santos, mas isso não faz de nós terroristas".

“Deixem-nos em paz”, “outra vez??”, “não tenho nada a ver com isso”. Quem aqui vive está farto. Farto de jornalistas, farto da polícia e farto de radicais que ali se escondem de quando em vez e dão ainda pior fama ao bairro. Molenbeek é cada vez mais um bairro famoso. Mas será que os próprios belgas o conhecem?

Abdelhamid Abaaoud, Ibrahim e Salah Abdeslam, Hassan el-Haskim, Mehdi Nemmouche, Ahmed Coulibaly, Ayoub el-Khazzani. Estes podiam ser os nomes dos adolescentes que habitualmente jogam cricket na praça junto à Igreja de São João Batista ou daqueles que se juntam em muitas das esquinas do bairro, sem ocupação. Mas não são. E, para quem aqui vive, faz toda a diferença.

Um grupo de jovens joga cricket junto à Igreja de São Baptista, em Molenbeek.

Os números pintam um cenário negro. Aqui vivem quase 100 mil pessoas. Há dez anos eram menos 25 mil. Nos próximos dez anos, a população da comuna de Molenbeek-Saint-Jean deve crescer em média 1,8% ao ano. Mas as autoridades já têm uma bomba-relógio na mão: mais de 40% das pessoas em idade ativa não têm qualquer tipo de atividade.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Desemprego, emigração, terrorismo. Tudo isto parece uma realidade distante da Bruxelas que é efetivamente a capital da União Europeia, onde ainda os líderes da União tomam decisões quase todas as semanas que afetam a vida de milhões. Mas a um passo da capital da Europa, está Molenbeek, uma realidade alternativa.

Da Praça da Bolsa – que fica alguns minutos a pé da famosa Grand Place ou do Manneken Pis, duas das maiores atrações de Bruxelas – a Molenbeek é uma rua de distância. Como no centro de Bruxelas, são poucas as pessoas que encontramos na rua. É um bairro de emigrantes. Marroquinos e argelinos, principalmente, mas não só. A mostrar-nos o bairro temos um português.

Luís Almeida, de 27 anos, trabalha para um banco em Bruxelas e vive em Molenbeek. Quis mostrar-nos que Molenbeek não é o que pintam nas notícias. “As pessoas nem sequer sabem o que acontece nas outras partes de Bruxelas”, diz.

Pelo caminho mostra-nos um bairro diferente. Diferente do que mostram nas notícias, diferente do centro de Bruxelas. A cultura aqui marca a diferença. São poucas as mulheres nas ruas e nos cafés, salas de chá e nas casas de apostas. As que vemos nas ruas, cobrem o cabelo com um hijab.

Numa comuna onde se estima que quase 40% dos seus habitantes sejam muçulmanos (há comunas com maior concentração de muçulmanos), a sua forma de funcionamento parece tudo menos óbvia. Há várias mesquitas pelo bairro, mas grande parte delas nem sinais têm à porta. Se não soubermos do que estamos à procura, facilmente passamos por elas sem dar pela sua existência.

Uma das muitas mesquitas que se podem encontrar entre as ruas de Molenbeek.

Depois de uma semana intensa, os habitantes do bairro estão saturados. “Deixem-nos em paz. Já chega. Passam aqui todos os dias à espera de encontrar terroristas. Esqueçam-nos”, diz um homem num café quando nos anunciamos como jornalistas. Seguimos em frente e tentamos uma nova conversa, desta vez com Sabine, de 23 anos. “Não tenha nada a ver com isso. Não sou muçulmana. E eles também não, são terroristas”, diz enquanto remexe entre um cesto de toalhas à porta de uma das muitas lojas do bairro.

E como está o bairro a viver? “Como sempre. Já em dezembro foi a mesma coisa. Somos sempre os terroristas, os maus da fita, o bairro dos maus e dos ladrões. Essa gente não vem aqui ao bairro. E nem sequer pensam que nós também andamos no metro todos os dias”, diz Sabine, zangada.

Ibrahim, 29 anos, explica-nos, na nossa pausa para um Durum, no restaurante da família onde sempre trabalhou, que Molenbeek é muito mais que as notícias de duas ou três casas com “miúdos que não sabem o que fazem”.

“Eu sou muçulmano e sei que o Corão não diz o que eles dizem. Não os conheço. Não sei nada disso. Mas o nosso bairro é calmo. Já andaste aqui à volta?”, questiona. “Somos uma comunidade. Temos problemas, como todos os outros, mas não somos um bairro de terroristas.

Luís Almeida, que um dia antes nos mostrava o bairro, tinha uma opinião semelhante: “Gosto de sair e passear aqui à volta. Conhecer o bairro”. Em Molenbeek, diz, nunca conheceu grandes problemas. Há sempre alguns grupos de rapazes nas esquinas, mas não se sente inseguro e por isso mesmo rejeita mudar-se, mesmo depois de alguns amigos já lho terem recomendado.

Durante os dias em que houve rusgas, ou quando há operações policiais, há sempre algumas pessoas que se juntam, explica, mas nada de mais acontece. “As pessoas ainda ficam mais unidas”.

E não se assusta com o que está a acontecer? “Vai assustando, mas não penso em ir-me embora”.

O que não se vê nas ruas de um bairro tantas vezes apontado como o albergue dos terroristas do Estado Islâmico? Polícia. No largo onde fica a sede da polícia de Molenbeek há carros, polícias e até militares. Depois disso, praticamente não existem. Em três viagens ao bairro durante várias horas, só assistimos a um carro de polícia a passar e militares na Gare do Oeste, uma das principais estações de Bruxelas.

A presença dos militares em Molenbeek está toda ela concentrada na Gare Oeste.

Ao contrário do centro da cidade, onde a presença de militares e polícias já parece fazer parte do quadro, em Molenbeek parece que as autoridades só vão para operações especiais: “Nunca vejo cá polícia. Quando aparecem ficam umas horas, entram numas casas, mas isso é agora. Antes nem ver. E quando os vemos, é para implicar”, explica Ibrahim. Será mesmo só implicação, perguntamos? “Não somos todos santos, mas isso não faz de nós terroristas”, diz.

Assine por 19,74€

Não é só para chegar ao fim deste artigo:

  • Leitura sem limites, em qualquer dispositivo
  • Menos publicidade
  • Desconto na Academia Observador
  • Desconto na revista best-of
  • Newsletter exclusiva
  • Conversas com jornalistas exclusivas
  • Oferta de artigos
  • Participação nos comentários

Apoie agora o jornalismo independente

Ver planos

Oferta limitada

Apoio ao cliente | Já é assinante? Faça logout e inicie sessão na conta com a qual tem uma assinatura

Ofereça este artigo a um amigo

Enquanto assinante, tem para partilhar este mês.

A enviar artigo...

Artigo oferecido com sucesso

Ainda tem para partilhar este mês.

O seu amigo vai receber, nos próximos minutos, um e-mail com uma ligação para ler este artigo gratuitamente.

Ofereça artigos por mês ao ser assinante do Observador

Partilhe os seus artigos preferidos com os seus amigos.
Quem recebe só precisa de iniciar a sessão na conta Observador e poderá ler o artigo, mesmo que não seja assinante.

Este artigo foi-lhe oferecido pelo nosso assinante . Assine o Observador hoje, e tenha acesso ilimitado a todo o nosso conteúdo. Veja aqui as suas opções.

Atingiu o limite de artigos que pode oferecer

Já ofereceu artigos este mês.
A partir de 1 de poderá oferecer mais artigos aos seus amigos.

Aconteceu um erro

Por favor tente mais tarde.

Atenção

Para ler este artigo grátis, registe-se gratuitamente no Observador com o mesmo email com o qual recebeu esta oferta.

Caso já tenha uma conta, faça login aqui.

Assine por 19,74€

Apoie o jornalismo independente

Assinar agora