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Carlos Mota Pinto. Como ele chegou a primeiro-ministro do Governo de iniciativa presidencial

A 24 de Outubro de 1978, Mota Pinto informava Ramalho Eanes das condições para formar Governo e o Presidente aceitava. Quando regressou a Coimbra, o futuro primeiro-ministro disse à mulher: "Já está".

Foi primeiro-ministro do IV Governo Constitucional e fez, com Mário Soares, a coligação entre os dois maiores partidos portugueses, PS e PPD/PSD, constituindo o Bloco Central. Primeiro líder do grupo parlamentar dos sociais-democratas, foi também ministro com diferentes pastas: Defesa, Comércio e Turismo. Morreu aos 48 anos, em 1985, e em apenas 11 anos de vida política ativa assumiu um importante papel nos primeiros anos da democracia pós 25 de Abril.

João Pedro George assina a biografia de Carlos Mota Pinto publicada pela Contraponto, que chega às livrarias esta sexta-feira, 21 de outubro. O Observador faz a pré-publicação de um excerto em que é recordada a indigitação de Mota Pinto como primeiro-ministro.

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“Mota Pinto”, de João Pedro George (Contraponto)

A indigitação de Mota Pinto como primeiro-ministro do IV Governo Constitucional

“Em 22 de Setembro de 1978, Ramalho Eanes dirigiu-se novamente ao País, num discurso em que procurou distanciar-se das querelas político-partidárias, ao mesmo tempo que criticava os partidos pela sua incapacidade de chegarem a um entendimento. Do seu ponto de vista: «[O Presidente da República tem] a obrigação de procurar e de promover soluções políticas estáveis que reforcem o regime democrático. (…) Esse natural dever é ainda mais imperativo quando uma grave crise económica, que ameaça a independência nacional e o futuro de Portugal, exige esforço colectivo democraticamente organizado. [Além disso] esse dever é, por outro lado, indeclinável quando os partidos representados na Assembleia da República afirmam que não têm condições de, por si, atingir uma plataforma de entendimento que assegure uma solução estável e coerente, isto é, uma solução política que permita continuidade governativa até ao fim da legislatura e que esteja assente nos pontos essenciais de um programa de Governo.» Depois, relembrou: «Não foram alterados os condicionalismos profundos que fundamentaram as alternativas expostas em agosto, até porque nenhum partido apresentou qualquer nova proposta ou fórmula de Governo que seja adequada à situação política presente.» De seguida, enumerou as propostas que aproveitava para submeter novamente à consideração dos partidos para a solução da crise:

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«1. Realização de um acordo interpartidário que assegurasse ao Governo base parlamentar maioritária estável e coerente e fosse julgado adequado à situação política existente, pelo Presidente da República.

«2. Nomeação de um primeiro-ministro que promoverá a formação de um Governo com apoio parlamentar maioritário sem coligação.

Esse mandato só será conferido se os partidos autorizarem a participação de militantes seus neste Governo. Esta fórmula deverá evoluir para um acordo interpartidário, com validade até 1980, que deverá ser concretizado dentro de um prazo em que a realização de eleições antecipadas, que completem a actual legislatura, ainda tenha significado político. Se não for possível concretizar o acordo interpartidário em prazo útil, a Assembleia da República será dissolvida e serão marcadas eleições gerais antecipadas nos prazos constitucionais.

«3. Nomeação de um primeiro-ministro que apresentará à Assembleia da República um Governo com um programa cujo ponto essencial será a preparação dos mecanismos eleitorais. Logo que este objectivo esteja realizado e se não houver um acordo interpartidário que fundamente um Governo estável até ao fim da Legislatura, a Assembleia da República será dissolvida e marcadas eleições nos termos da Constituição.

«4. Se ainda este Governo for recusado parlamentarmente será formado Governo de natureza idêntica. A sua rejeição permitirá a dissolução da Assembleia da República e a marcação de eleições nos prazos constitucionais.»

Com base num levantamento das tendências do eleitorado, a equipa do Presidente da República mostrava-se pouco inclinada para a realização de eleições antecipadas, opinião que era partilhada por um número considerável de conselheiros da Revolução, ouvidos na sexta-feira 13 de outubro de 1978. Muito difícil parecia também a concretização de um acordo interpartidário, pois uma reedição da coligação PS-CDS estava completamente fora de questão (essa hipótese era rejeitada, de forma inequívoca, por ambos os partidos) e um pacto PS-PCP, qualquer que ele fosse, era visto como altamente improvável.

Nesses dias de outubro, Mota Pinto voltou a aparecer na lista, que chegou a ser extensa, dos «primo-ministeriáveis». A cada novo dia, o seu nome ia-se impondo como o mais plausível, por muito que alguns suspeitassem de que a indigitação poderia recair novamente sobre Nobre da Costa. Segundo os jornais, a escolha de Mota Pinto teria adquirido consistência na semana de 16 de outubro de 1978, depois de o PS ter manifestado a sua discordância perante um novo Executivo presidido por Nobre da Costa, solução que também não agradou ao CDS e tão-pouco ao PCP. Além disso, fazendo um balanço das declarações produzidas pelos dirigentes dos partidos políticos, o nome de Mota Pinto parecia contar com o eventual apoio, ou pelo menos com a «não hostilização», dos socialistas e dos centristas. Para alguns, o nome de Mota Pinto teria sido lançado para os meios de comunicação social como uma espécie de «balão de ensaio», precisamente para testar os reflexos dos partidos, dos comentadores políticos, dos intelectuais e, em geral, da população.

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Em 17 de outubro, por exemplo, o Diário de Lisboa anunciava: «Mota Pinto aproxima-se do “perfil”.» Por esses dias, circulava nas redações dos jornais uma lista de vários candidatos a primeiro-ministro que, dizia-se, fora fornecida aos partidos e ao Conselho da Revolução. O Jornal de 20 desse mês garantia que tinham sido sugeridos pelo Presidente da República aos partidos onze nomes: Maria de Lourdes Pintasilgo (embaixadora de Portugal junto da UNESCO e primeira mulher, em Portugal, a desempenhar funções ministeriais, tendo sido ministra dos Assuntos Sociais do II Governo Provisório); António Ferrer Correia (professor catedrático e reitor da Universidade de Coimbra, adquirira grande projeção graças a um parecer decisivo para resolver, a favor de Portugal, questões relacionadas com o testamento de Calouste Gulbenkian, de cuja fundação era membro do conselho de administração); Carlos Alberto da Mota Pinto (também citado na altura da escolha de Nobre da Costa para primeiro-ministro, era agora dado como «um dos nomes mais insistentemente falados para o cargo»); Isabel Magalhães Colaço (professora catedrática da Faculdade de Direito de Lisboa e membro do Conselho Constitucional); José da Silva Lopes (ministro das Finanças e do Plano do Gabinete de Nobre da Costa, cargo que já tinha ocupado nos II e III Governos Provisórios, de Vasco Gonçalves, ex-Governador do Banco de Portugal); Manuel Rocha (engenheiro civil, ex-diretor do Laboratório Nacional de Engenharia Civil e ex-ministro do Equipamento Social e Ambiente no I Governo Provisório, considerado sobretudo um técnico de grande competência, integrara nessa qualidade a comitiva de tecnocratas que acompanhou o Presidente da República na sua viagem ao Brasil e à Venezuela); António Martins (licenciado em Engenharia Mecânica, nenhuma experiência governativa ou política, tinha desenvolvido grande parte da sua atividade no sector privado, ex-presidente do conselho de administração da Hidroelétrica de Cabora Bassa, ex-membro do conselho geral da TAP, ex-diretor do Gabinete da Área de Sines, ex-presidente da Comissão de Planeamento da Região de Lisboa, também acompanhou o Presidente da República na viagem antes referida); Ângelo de Almeida Ribeiro (advogado, ex-bastonário da Ordem dos Advogados e ex-presidente da Liga Portuguesa dos Direitos do Homem, igualmente sem experiência política, pertencera ainda à comissão que elaborou a primeira Lei Eleitoral após o 25 de Abril e ao grupo de relatores do chamado «Relatório das Sevícias»); Vasco Vieira de Almeida (advogado, consultor jurídico e económico privado, muito ligado ao grupo empresarial de Manuel Bulhosa, foi convidado depois do 25 de Abril para desempenhar as funções de delegado da Junta de Salvação Nacional junto da banca, ex-ministro da Coordenação Económica no I Governo Provisório, ex-ministro da Economia do Governo de Transição de Angola, na qualidade de representante do Estado português, ex-militante no MUD Juvenil, apoiante da candidatura de Arlindo Vicente à Presidência da República, preso duas vezes pela PIDE, era considerado político hábil, «gostando de não o parecer»); Alfredo Nobre da Costa (a ser indigitado novamente, seria considerado por alguns como uma «provocação» do Presidente da República); Vitorino Magalhães Godinho (historiador, professor catedrático da Universidade Nova de Lisboa, doutorado com o grau mais elevado da Sorbonne, ex-ministro da Educação nos II e III Governos Provisórios, militante antifascista ligado à Seara Nova e ao MUD Juvenil, tinha sido presidente da Comissão Nacional de candidatura do general Ramalho Eanes).

Entretanto, procurando distanciar-se da posição assumida genericamente por quase todas as forças políticas com assento na Assembleia da República, o PSD insistia na necessidade de eleições antecipadas (os sociais-democratas estavam convencidos que delas sairia um fortalecimento da sua posição partidária) e dizia não aceitar outro Governo que não fosse de mera gestão e apenas por alguns meses. Por outras palavras, Sá Carneiro, que na televisão, no dia 20 de outubro, acusara o PS de «ter instaurado entre nós, em conluio com o PCP, um comunismo burocrático», não acreditava na materialização de um acordo interpartidário, o que impossibilitava a segunda alternativa, razão pela qual lhe parecia inevitável a concretização da terceira proposta sugerida por Ramalho Eanes na comunicação ao País em que tinha apontado as várias soluções alternativas para a superação da crise governativa.

Ainda assim, a postura do PSD não era necessariamente incompatível com a segunda proposta de Eanes, na medida em que esta só previa que o Governo formado segundo os princípios enunciados pelo Chefe do Estado permanecesse até 1980, isto se entretanto não houvesse um acordo interpartidário concretizado «dentro de um prazo em que a realização de eleições antecipadas», que completassem a atual legislatura, ainda «tivessem significado político». No fluxo e refluxo das negociações, a posição do PSD foi sucessivamente endurecendo, até que no dia 19 de outubro o partido comunicou ao Presidente da República que não autorizaria a participação de militantes seus no Governo que viesse a ser formado. O objetivo era levar Ramalho Eanes a tender para a terceira alternativa, conforme Sá Carneiro referiu no decorrer de uma conferência de imprensa em 20 de outubro, realizada em Madrid. Esta decisão, como observaram os analistas e os observadores políticos, poderia criar novos conflitos no interior do PSD, onde a fação social-democrata, tida como afeta ao grupo das «Opções Inadiáveis», nutria algumas simpatias pelo ex-PPD Mota Pinto.

Entretanto, o Presidente da República desdobrava-se em reuniões com os quatro partidos parlamentares e com os membros do Conselho da Revolução. Nesses encontros, Eanes apresentou vários nomes. Por exemplo, alguns jornais ventilaram a informação de que, no caso de optar por um dirigente partidário, a pessoa mais indicada, na opinião de Eanes, seria Barbosa de Melo. O PS aceitou esta sugestão, mas, segundo revelaram alguns jornais, acrescentou-lhe dois outros nomes de militantes do PSD: Sousa Franco e Ernâni Lopes (se um deles fosse escolhido para ocupar o gabinete de São Bento, teria depois de se desvincular do partido). A proposta do PS, porém, foi liminarmente rejeitada, tendo alguns conselheiros levantado sérias dúvidas quanto às reais intenções dos socialistas quando a resolveram formular. Ainda assim, à saída de Belém, Jaime Gama deu a lume aqueles dois nomes, o que causou grande impacto junto dos jornalistas e de alguns meios políticos. Aos poucos, os candidatos foram-se reduzindo a três: Carlos Mota Pinto, Nobre da Costa e Vitorino Magalhães Godinho. Sendo estes os últimos nomes que Eanes referiu nas audiências derradeiras.

Nobre da Costa, o ainda primeiro-ministro, e Magalhães Godinho não colhiam o apoio da maioria dos partidos (Nobre da Costa era apoiado apenas pelo PSD), o que não sucedia com Mota Pinto, que, embora fosse encarado de forma reticente pelo PSD, era apoiado pelo PS e pelo CDS. A solução Nobre da Costa tinha um outro problema: se fosse indigitado, a concretização da segunda alternativa presidencial para a formação do Governo ficaria de imediato comprometida, pois tanto o PS como o CDS não hesitariam em derrotar o programa do novo Executivo, como aliás já acontecera com o III Governo, o que obrigaria o Presidente da República a desencadear eleições legislativas antecipadas, como Sá Carneiro pretendia (daí talvez o seu apoio a Nobre da Costa), mas que Eanes tentava evitar a todo o custo. Sobre Vitorino Magalhães Godinho, dizia-se que era uma pessoa imprevisível e de feitio truculento (o que dificultaria quaisquer tentativas de negociação de pactos interpartidários), embora Eanes nunca tivesse escondido dos seus interlocutores, em particular dos dirigentes partidários, a sua simpatia pelo ex-ministro da Educação e Cultura dos II e III Governos Provisórios; em todo o caso, como alguém terá afirmado durante essas conversas, o autor de A Estrutura da Antiga Sociedade Portuguesa (1971) jamais aceitaria tal incumbência num contexto político-partidário como aquele. Quanto a Mota Pinto, político sem partido, era considerado um democrata reformista com intenção social, ou seja, um defensor do chamado «socialismo reformista». Alguém, em suma, que se definia a si próprio como um «social-democrata de estilo europeu». A incerteza, todavia, reinou até ao fim nos meios partidários e jornalísticos.

No dia seguinte, as coisas pareciam menos claras. Ansiosos, os jornalistas procuravam descobrir alguma coisa. Nas redações, nas repartições, nos cafés, etc. afluíam as interrogações. Quem seria o novo primeiro-ministro? O Jornal Novo, por exemplo, titulava na capa «Eanes diz hoje quem será o primeiro-ministro».

Apesar disso, no dia 23 de outubro de 1978, o Jornal Novo anunciava na primeira página: «Mota Pinto aceitou. Eanes comunicou o nome do primeiro-ministro ao Conselho da Revolução e vai dizê-lo esta tarde aos partidos.» Segundo as suas fontes, o jurista de Coimbra teria dado a conhecer a sua disponibilidade para o cargo ao Presidente da República na sexta-feira anterior, 20 de outubro, depois de ter adiado durante algumas horas a sua decisão final, «julgando-se que a reserva assim demonstrada tenha que ver com o conhecimento exacto dos pontos de vista dos principais partidos face à sua eventual indigitação». O mesmo jornal dizia ainda que nessa manhã de dia 23, de molde a ultimar a sua decisão, Eanes teria presidido a uma reunião extraordinária do Conselho da Revolução, que tendo começado às dez horas terminara cerca de 15 minutos depois, sinal de que o encontro teria servido apenas para divulgar àquele órgão o nome escolhido pelo Presidente (o Expresso desmentiria esta versão, dizendo que nessa «meteórica reunião» do Conselho da Revolução Eanes não apresentou o nome do primeiro-ministro). À tarde, com início às 16 horas, antes de anunciar publicamente a personalidade indigitada para formar o IV Governo Constitucional, Eanes receberia, em audiências breves, por esta ordem, o PS, o PSD, o CDS, o PCP e a UDP.

No dia seguinte, as coisas pareciam menos claras. Ansiosos, os jornalistas procuravam descobrir alguma coisa. Nas redações, nas repartições, nos cafés, etc. afluíam as interrogações. Quem seria o novo primeiro-ministro? O Jornal Novo, por exemplo, titulava na capa «Eanes diz hoje quem será o primeiro-ministro» e informava: «Frustrando as expectativas ontem veiculadas pela generalidade dos órgãos de comunicação social, o nome do primeiro-ministro só será conhecido hoje, depois de mais uma fase de audiências realizada na tarde de ontem em Belém, em que as delegações partidárias ainda não tiveram conhecimento da escolha presidencial. Assim, e segundo as previsões dos serviços competentes da Presidência da República, o nome do indigitado primeiro-ministro do IV Governo Constitucional será comunicado ao país muito provavelmente ao fim da tarde de hoje. Entretanto, Belém dará a conhecer aquele nome aos partidos com representação parlamentar, através de contacto telefónico. Por outro lado, continuam a ser focados os nomes de Mota Pinto, Nobre da Costa e Barbosa de Melo como as hipóteses mais possíveis de virem a ser concretizadas, conforme ficou implícito nas declarações ontem prestadas pelos responsáveis das delegações partidárias à saída de Belém. Entre aqueles nomes, Mota Pinto é o que reúne mais consenso, o que não constitui, no entanto, certeza antecipada da sua indigitação, já que a responsabilidade da mesma caberá apenas ao Presidente da República.»

Às 11h13 de 25 de outubro de 1978, as dúvidas foram desfeitas: Carlos Mota Pinto era indigitado pelo Presidente da República para o cargo de primeiro-ministro do IV Governo Constitucional. Segundo disseram então os jornais, a confusão instalara-se porque Eanes, apesar das divergências políticas de fundo manifestadas pela quase totalidade das formações partidárias (com exceção dos sá-carneiristas, convencidos de que Nobre da Costa só aceitaria ser novamente indigitado se o objetivo fosse preparar eleições antecipadas, como preconizava o líder do PSD), continuava a tentar impor o nome de Nobre da Costa. Aparentemente, o general Eanes, depois de avaliar as posições assumidas pelos partidos, permanecia disposto a indigitar de novo o chefe do III Governo, demitido em 14 de setembro.

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Segundo a revista do Expresso de 28 de outubro de 1978, também o próprio Nobre da Costa conservou, «até relativamente quase ao fim, uma certa expectativa quanto à hipótese de poder vir a ser indigitado novamente primeiro-ministro».

Não tendo reunido condições para encabeçar a concretização da segunda alternativa apresentada por Eanes em 22 de setembro, Nobre da Costa comunicou ao Presidente que não aceitaria a sua eventual indigitação. Quando se apercebeu das reticências de três dos partidos representados no Parlamento — o PS, por exemplo, opunha-se firmemente, tal como os conselheiros da revolução —, entendeu que não estava disposto a comparecer outra vez perante o Parlamento para ser novamente chumbado (como parecia altamente provável). Perante a determinação manifestada por Nobre da Costa, e tendo Ramalho Eanes percebido que insistir naquele cenário só agravaria o conflito entre a liderança presidencial e a então configuração partidária da Assembleia, os argumentos para essa solução ter-se-iam esgotado. Residiria aqui, pois, a explicação para o atraso verificado na escolha definitiva do novo chefe do Governo.

Atraso esse que alimentou numerosas especulações, como esta: Eanes teria feito novo convite a Nobre da Costa para formar um IV Governo, e o adiamento durante alguns dias do anúncio da indigitação ficara a dever-se ao facto de aquele estar a estudar as condições para a aceitação desse convite. Segundo o Expresso, porém, «apesar da explicação posta a correr por meios considerados normalmente bem informados, segundo a qual teria havido um convite formal a Nobre da Costa, anterior àquele que foi dirigido pelo Presidente Eanes a Mota Pinto», nenhum dos elementos que aquele semanário conseguiu colher confirmavam a existência desse convite formal. Mais a mais: «Desde há mais de uma semana que Mota Pinto se desdobrava em diligências conducentes à eventual formação do Governo, utilizando para o efeito, inclusive, um automóvel da Presidência da República. Assim, o professor de Coimbra ouviu vários políticos, em Lisboa, sobre a eventualidade da sua indigitação para o cargo de primeiro-ministro, e consultou também juristas, seus colegas, sobre certas formalidades constitucionais, como, designadamente, prazos, que deveriam ser preenchidos no processo agora iniciado.» À exceção do Expresso, portanto, que defendia que tinha sido o próprio Nobre da Costa a alimentar a sua segunda indigitação, todos os outros jornais defendiam que partira de Eanes a ideia de voltar a nomear o chefe do III Governo, demitido em 14 de setembro, para primeiro-ministro do IV Executivo, e que só quando foi confrontado com a posição de Nobre da Costa é que se decidiu por Mota Pinto, um dos nomes que a partir de certa altura passaram a circular nos meios políticos e na própria equipa da Presidência da República (todos sabiam muito bem que no seio do Grupo Parlamentar do PSD havia deputados contrários à estratégia política de Sá Carneiro e, simultaneamente, muito próximos do ex-ministro do Comércio e Turismo, de modo que a opção por Mota Pinto colocava o PSD numa posição desconfortável — o que, no íntimo, agradava a Eanes).

Além disso, os conselheiros da revolução não tinham rejeitado o nome de Mota Pinto, pois consideravam-no, apesar de tudo, um político da área socialista (embora, verdade seja dita, também não se tivessem pronunciado incondicionalmente a seu favor, tendo mesmo havido alguns conselheiros, em particular os da ala melo-antunista e os conotados com o Grupo de Intervenção Socialista, no interior do PS, que defenderam outras soluções, em especial Maria de Lourdes Pintassilgo). Contas feitas, Eanes ter-se-ia apercebido de que Mota Pinto lhe permitia manter a sua predominância institucional, ao mesmo tempo que propiciaria um certo ponto de equilíbrio com os partidos, algo de que ele andava tão laboriosamente à procura depois da exoneração do II Governo Constitucional. Antes de a hipótese Nobre da Costa ter sido posta de lado, Eanes já tinha sondado Mota Pinto, que se teria posto à disposição do Presidente da República — entre os dois havia alguma proximidade e os contactos que ambos mantiveram até então tinham sido frutuosos: Mota Pinto apoiara Eanes na primeira candidatura presidencial e Eanes designara Mota Pinto para a Comissão Constitucional — e teria começado a estabelecer algumas prioridades no caso de uma eventual nomeação. A formalização do convite, todavia, só se consubstanciou depois da escusa irremediável de Nobre da Costa, na tarde de 23 de outubro.

Foto Mota Pinto_Extra Livro

Foto do arquivo familiar de Carlos Mota Pinto

Segundo testemunho do próprio Ramalho Eanes: «Nobre da Costa mostrou sempre disponibilidade para continuar, mas isso implicaria um confronto aberto com o PS e nós, naquela altura, não estávamos em tempo de confronto com os partidos, estávamos numa fase de consolidação, de estabelecimento de uma relação política com a sociedade. Essa solução implicaria que Nobre da Costa se apresentasse segunda vez, arriscando uma recusa da Assembleia da República, o que era provável. Depois disso, o Presidente ficava com duas hipóteses de ação: nomeava esse Governo uma terceira vez e, se a Assembleia da República o recusasse pela terceira vez, o Parlamento era automaticamente dissolvido, o que potenciaria muito a conflitualidade política, ou convocava eleições, o que era altamente indesejável, porque não havia lei eleitoral vigente e o recenseamento eleitoral não estava feito. Entendi assim que seria prudente não adotar essa solução e resolvi, numa intervenção pública, apresentar aquelas quatro alternativas: a primeira era os partidos dialogarem entre si e constituírem uma coligação que propiciasse um Governo com uma maioria estável e coerente; se os partidos entendessem que isso não era possível, nomearia um membro do PS ou do PSD. Na altura sugeri os nomes de Salgado Zenha e de Barbosa de Melo, que se desvinculariam do partido para constituírem um governo com elementos partidários e elementos independentes, uma solução que seria temporária, que subsistiria enquanto os partidos não encontrassem uma coligação natural, ou se entendessem não participar nesse governo deixá-lo funcionar até ao fim da legislatura; a terceira hipótese era apresentar uma personalidade independente que teria por missão constituir um governo em diálogo com os partidos políticos, mas essa solução seria sempre, na minha opinião, uma solução temporária, porque logo que houvesse uma solução partidária esse governo seria substituído; quanto à quarta alternativa: se não houvesse acordo porque se tinha revelado impossível implementar as soluções anteriores, nomearia um governo para preparar a Lei Eleitoral e fazer o recenseamento, e a seguir convocaria eleições antecipadas. Os partidos, depois de longas conversas, com avanços e recuos, acabaram por dizer que, dada a situação existente, a terceira opção seria a mais viável: o PCP aceitou com relutância, acrescentando que dependia da pessoa escolhida, do programa que apresentasse e do diálogo que mantivesse com o PCP; a UDP manteve-se sempre à margem deste processo, foi consultada mas nunca aceitou nenhuma das soluções (para eles, um governo que tivesse por base a burguesia acabaria sempre por tornar a governação indesejável). Nessa altura foram apresentados aos partidos vários nomes: Ferrer Correia, Nobre da Costa, José Magalhães Colaço, Vitorino Magalhães Godinho e Mota Pinto. Ouvidos os partidos, entendi que o homem que tinha experiência política, experiência partidária, experiência de governo, que melhor se ajustava àquilo que me parecia ser a necessidade de um governo naquela situação seria o professor Mota Pinto. O trabalho de Mota Pinto enquanto vogal da Comissão Constitucional e como ministro do Comércio e Turismo do I Governo Constitucional, e ainda o discurso quando se desvinculou do PPD, um discurso muito social-democrata, de alguma maneira ajudaram a obter o beneplácito do Conselho da Revolução para o nomear primeiro-ministro em 1978. Devo confessar também que, quando resolvi escolher o professor Mota Pinto e o apresentei aos partidos políticos, o nome não gerou uma concordância completa por parte de nenhum dos partidos, todos colocaram reticências. O PSD entendia que era um dissidente, o PS não mostrou grande entusiasmo, o CDS, apesar de tudo concordou, as discordâncias foram menores, e o PCP manifestou grandes reservas. O PCP, como sempre de uma maneira muito clara, explicou que dependia das pessoas, do programa, de um conjunto de ações políticas que iria observar. O PS e o PSD comprometeram-se a não impedir a sua passagem no Parlamento. Mota Pinto foi convidado, aceitou e começou a contactar pessoas para o Governo. Mota Pinto estabeleceu as condições e eu concedi-lhe liberdade absoluta, não indiquei nenhuma pessoa, disse apenas que como tinha dito aos partidos e à sociedade civil que aquela era uma solução para responder à situação, ou evoluiria para um entendimento com os partidos e funcionaria até ao fim da legislatura, ou ajudaria as formações partidárias a encontrarem um entendimento que propiciasse um governo de maioria parlamentar. Se isso acontecesse à margem de Mota Pinto, o seu Executivo teria de dar lugar a esse novo Governo. Mota Pinto aceitou estas condições e entendo que houve aqui da parte dele uma posição patriótica, porque dizer-lhe que era primeiro-ministro a prazo era complicado».

Quem também participou diretamente no processo que levou à escolha de Mota Pinto foi António Macedo de Almeida:«O Presidente da República começou a fazer consultas para substituir Nobre da Costa, consultas muito complexas que se basearam em várias alternativas: falava-se num acordo interpartidário sem eleições, que incluísse quase todos os partidos e que assegurasse a governação até 1980, a altura das eleições legislativas. Acabou por não resultar. Havia uma segunda alternativa: nomeação de um primeiro-ministro que não fosse representante de nenhum partido, embora pudesse estar filiado num partido, falou-se em dois ligados a partidos, Salgado Zenha e Barbosa de Melo, e como independentes falou-se de Vitorino Magalhães Godinho, manteve-se o nome de Nobre da Costa e acrescentou-se o nome de Mota Pinto. Nessa altura, quando o Presidente estava em diligências para a substituição de Nobre da Costa, o professor Mota Pinto telefonou-me e convidou-me para almoçar no La Trattoria, o restaurante italiano da Rua da Artilharia 1. Isto em 1978. Mota Pinto começou a falar. Primeiro procurava a ideia e depois é que se preocupava com a palavra. Era muito rigoroso a expressar uma ideia, não tinha um discurso clássico, era muito cuidadoso no uso da palavra porque esta tinha de corresponder exatamente à ideia que queria transmitir, como aliás é típico dos professores de Coimbra. Começou por fazer uma caracterização da situação política e social do nosso país, era uma caracterização tão bem sistematizada que decidi anotar as suas ideias, à medida que ia falando. Quase não almocei com a preocupação de escrever tudo. Descreveu o peso do PCP na sociedade portuguesa e nas instituições, passou depois para aquilo que ele entendia ser um programa essencial para se sair da crise, com medidas de governação muito concretas e rigorosas. Fez um enquadramento político geral e depois passou para um programa de Governo independentemente da solução de Governo. Falou das reformas estruturais, da reforma constitucional, dos bloqueios constitucionais, dos sectores produtivos, tanto empresarial como da administração pública, da educação, da justiça, etc. Tomei notas de tudo e levei-as para Belém. Chamei uma secretária e ditei como uma espécie de memorando as ideias que Mota Pinto me tinha transmitido. Guardei o documento para depois o entregar ao Presidente da República. Por acaso, nesse dia à tarde, o Presidente estava em Catalazete, no forte, e chamou-me, ao fim da tarde chamou-me. Ramalho Eanes sabia muito bem que eu tinha ido almoçar com Mota Pinto. “Então correu bem o almoço?”, perguntou-me. “Sim, tenho aqui um memorando do encontro”, respondi-lhe, enquanto lhe passava as folhas A4. Como o Presidente estava quase a sair, para fazer uma gravação na RTP, na Alameda das Linhas de Torres, disse-me para ir com ele. Fomos então de carro em direção à RTP, enquanto Ramalho Eanes lia o memorando. Antes de entrarmos nos estúdios da televisão pediu-me para deixar ficar o documento. Entretanto, os partidos iam anunciando as suas posições em relação aos nomes indicados para substituir Nobre da Costa: PS aceitava Mota Pinto mas recusava a indicação de militantes partidários, nem Salgado Zenha, nem Barbosa de Melo, nem Nobre da Costa (que seria um ato pouco amistoso para com o Parlamento). E Magalhães Godinho também não… Sá Carneiro pôs reservas a Mota Pinto no plano político, disse que era um grande jurista mas queria eleições antecipadas. Na verdade, Mota Pinto era, inicialmente, o mais improvável, era o menos expectável nos nomes que estavam na lista. Daí a dias, o Presidente mandou chamar-me e disse-me que tinha escolhido Mota Pinto. A minha opinião é que o Presidente Eanes tinha ficado impressionado com a exposição que Mota Pinto me fizera naquele almoço.»

Na opinião de alguns comentadores da época, com Mota Pinto ficava afastado o perigo de um «presidencialismo», algo que parecia mais ou menos evidente no Governo Nobre da Costa. Com o Governo Mota Pinto, o Presidente da República mostrou que não se pretendia sobrepor à Assembleia da República, permitiu até que o Parlamento se reforçasse obrigando-o a assumir as suas responsabilidades e deveres. 

Com a escolha de Mota Pinto, Eanes afastava a realização de eleições antecipadas, como pretendia Sá Carneiro (mas que não convinha ao Chefe do Estado), e refreava a afirmação e ambições políticas do líder do PSD nos últimos dois meses da vida política. Para evitar a substituição da hegemonia socialista por uma hegemonia social-democrata, Eanes teria apostado num primeiro-ministro que não estava afastado da vida partidária e que não afrontasse os adversários do PSD. As palavras de Mota Pinto à saída da sua longa conversa com o Presidente da República, em Belém, pareciam apontar para o facto de o professor querer reforçar a presença e a influência presidenciais, daí o apelo à autoridade do Estado e ao valor simbólico do patriotismo, dois valores que eram caros a Ramalho Eanes.

Na opinião de alguns comentadores da época, com Mota Pinto ficava afastado o perigo de um «presidencialismo», algo que parecia mais ou menos evidente no Governo Nobre da Costa. Com o Governo Mota Pinto, o Presidente da República mostrou que não se pretendia sobrepor à Assembleia da República, permitiu até que o Parlamento se reforçasse obrigando-o a assumir as suas responsabilidades e deveres. Nesse sentido, pode mesmo dizer-se que Eanes agiu com o intuito de manter bem vivo o pendor parlamentar do sistema político. Um dos grandes objetivos do Presidente da República quando decidiu nomear Mota Pinto era que ele formasse um executivo dialogante, que não se virasse contra os partidos, que não os hostilizasse, e que integrasse equipas sobretudo técnicas, que seriam certamente aplaudidas pela generalidade dos países da Europa ocidental, de cujos empréstimos Portugal tanto dependia. Ao escolher Mota Pinto, personalidade com um estilo marcadamente político, Eanes abdicava de alguma da sua influência presidencial. Embora dispusesse de poderes vastos, consagrados pela Constituição, Eanes relativizou a conceção presidencialista defendida por vários intelectuais e políticos, não fez uma leitura presidencialista da Constituição, preferiu explorar a Constituição até ao limite e levar os partidos a procurarem soluções nesse quadro constitucional extremo.

A decisão de Eanes, contudo, desencadeara um efeito perverso. Era essa, pelo menos, a opinião de alguns jornalistas da revista do Expresso, que a 28 de outubro de 1978 escreveram: «Os chamados presidencialistas, dos quais um núcleo significativo é composto por dissidentes do Partido Socialista, compreenderam que um dos riscos da indigitação de Mota Pinto pode ser o da paralisia, durante um prazo largo, da iniciativa presidencial. E, assim sendo (…), os esquemas de que se falava de lançamento de um novo partido político, englobando estes elementos apenas no início de 1979 ou até, para muitos, apenas desde a Primavera de 1979, sofre uma aceleração repentina, podendo tal vir a concretizar-se nas próximas semanas, isto é, durante o período de formação e de debate do programa do Governo e de passagem na Assembleia da República do Executivo, a formar por Carlos Mota Pinto.» Para o mesmo semanário, duas consequências podiam retirar-se assim da escolha de Eanes: «Uma era que o primeiro-ministro cessante Nobre da Costa iria imprimir à última fase da sua permanência no Governo um carácter ainda mais marcadamente executivo e de um certo show-off, para deixar vincado o contraste com o estilo político do primeiro-ministro que lhe sucede. A segunda é a da aceleração do esquema da criação do novo partido político em Portugal».

Entendimento semelhante perfilhou mais tarde Pedro Santana Lopes: «Sem convocar eleições legislativas, Ramalho Eanes desloca o centro de gravidade política, em termos governativos, da área do PS para a área do PSD. Preferia um Governo de orientação social-democrata? Penso que não. Tudo correspondia a uma estratégia deliberada para a futura criação de um novo partido. Mota Pinto tinha vindo de um Governo PS, estaria mais perto do PS que do PSD; além disso, Eanes, ao não convocar eleições antecipadas, gorava as expectativas do PSD, que as exigia. Só porque Proença de Carvalho e Jacinto Nunes eram da área do PSD?» Mas no PSD também havia pessoas, em 1978, que viam com bons olhos um partido presidencial. Segundo António Macedo de Almeida: «O grupo de Vasco Pulido Valente e de Carlos Macedo achava que era preciso desbloquear o sistema e que era necessário um partido presidencial. No PSD havia quem alinhasse nesse partido, porque o sistema estava bloqueado, só depois, com a primeira AD, é que ele desbloqueou.»

Fosse como fosse, naquelas circunstâncias o Presidente tinha sempre de assumir um maior protagonismo na vida política nacional, deixando bem claro aos partidos quais eram as suas responsabilidades e ao Governo qual devia ser a sua relação com o Chefe do Estado. Para outros analistas, com a indigitação de Mota Pinto começava uma nova fase no «ciclo de crescente intervenção presidencial». Segundo esses, Mota Pinto representava a formação de um Governo com intervenção mais direta de Belém e a tentativa de marginalização dos partidos (um Governo com partidos enfraqueceria a posição de Eanes). Tal como no caso de Nobre da Costa, dizia-se que com o Governo Mota Pinto o centro de gravidade permaneceria em Belém, que Mota Pinto era, tal como Nobre da Costa, um intermediário das posições políticas da Presidência da República.

No dia 24 de outubro, pouco antes da dez horas da manhã, Mota Pinto deixou a sua casa em Coimbra e rumou à capital num automóvel expressamente enviado pela Presidência da República. Chegado a Lisboa, dirigiu-se imediatamente a Belém, onde esteve reunido com o general Eanes durante cerca de três horas. Mota Pinto informou então o Presidente da República de que a sua aceitação estava condicionada à obtenção de garantias relativamente a alguns pontos que considerava essenciais, tendo em conta a conjuntura política, para a eficácia da atuação do Governo: a disponibilização dos meios necessários para o legítimo e democrático exercício da autoridade, de modo a restabelecer a confiança dos portugueses na segurança e na existência de um Estado de direito; que no domínio da economia fosse adotada uma política realista que restituísse ao sector privado a credibilidade perdida e estabelecesse uma eficácia do trabalho, sem a qual não seria possível aumentar a produtividade do país; finalmente, sem o que as duas condições anteriores seriam de muito difícil concretização, um maior empenhamento político do próprio Ramalho Eanes (Mota Pinto não se opunha, inclusivamente, a que o Chefe do Estado participasse em alguns Conselhos de Ministros). Só depois de Eanes ter aceitado estas condições é que Mota Pinto acedeu ao encargo de constituir o IV Governo Constitucional (e que seria também o décimo executivo depois do golpe militar do 25 de Abril) e a tentar pôr cobro, depois de conseguir passar na Assembleia da República, à crise que fez fracassar três governos constitucionais desde 1976. A propósito desse momento, lembra Fernanda Mota Pinto: «O meu marido veio a Lisboa falar com o Eanes e quando chegou a Coimbra disse-me: “Já está, já lá estou”. O Carlos não conhecia bem o Eanes pessoalmente. Eu estava sentada na sala e ele colocou a cabeça na porta e disse “Já está”. Vinha satisfeito mas preocupado.»

De todos esses governos, Mota Pinto foi o que herdou a situação mais complexa e aquele que teve de enfrentar os maiores protestos sociais. Ainda assim, as medidas mais impopulares já tinham sido decretadas pelo gabinete de Nobre da Costa: a questão da Reforma Agrária, as desintervenções em diversas empresas e o aumento dos combustíveis (o que significava que os preços de muitos outros produtos e serviços também seriam agravados), decretado no dia 20 de outubro de 1978 com o argumento de que as receitas daí provenientes se destinavam a possibilitar a contenção dos preços do «cabaz de compras» e a reforçar o orçamento do Fundo de Abastecimentos (que se encontrava numa situação financeira difícil).

Lembra Fernanda Mota Pinto: «O meu marido veio a Lisboa falar com o Eanes e quando chegou a Coimbra disse-me: “Já está, já lá estou”. O Carlos não conhecia bem o Eanes pessoalmente. Eu estava sentada na sala e ele colocou a cabeça na porta e disse “Já está”. Vinha satisfeito mas preocupado.»

A escolha presidencial — que encerrava assim o período de conversações com os partidos, iniciadas cerca de seis semanas antes, após o Governo Nobre da Costa ter sido derrotado no Parlamento, no dia 14 de setembro — foi anunciada num comunicado de 25 linhas e 200 palavras. No final daquela manhã de 25 de outubro de 1978, no Palácio de Belém, o chefe da Casa Civil da Presidência da República, Henrique Granadeiro, compareceu perante um grupo compacto de jornalistas portugueses e estrangeiros, convocados para o efeito, e leu a seguinte nota oficial: «O Presidente da República, depois de ouvidos o Conselho da Revolução e os partidos com representação na Assembleia da República nos termos constitucionais, convidou o senhor prof. doutor Carlos Alberto da Mota Pinto a encetar diligências para a formação do novo Governo. O senhor prof. Mota Pinto aceitou o encargo. De acordo com o quadro de soluções apresentado ao País e aos partidos pelo Presidente da República, na sua comunicação de 22 de Setembro, o primeiro-ministro indigitado promoverá a formação de um Governo com apoio parlamentar maioritário.» De seguida, acrescentava-se que aquela fórmula, «de harmonia com os mecanismos constitucionais», poderia «não revestir o carácter de apoio expresso em votação positiva», deveria evoluir, no entanto, «em prazo útil, para uma forma de acordo interpartidário». Sublinhava-se ainda que «a maioria dos partidos não exprimiu», quanto à solução agora adotada, «nenhuma reserva de princípio», entendendo assim a Presidência da República que estavam «asseguradas as condições mínimas necessárias ao empenhamento dos partidos nas negociações que o primeiro-ministro indigitado» faria iniciar. Na parte final, justificando a decisão tomada, o pequeno texto esclarecia que a solução fora adotada «depois de se ter concluído ser inviável a realização de um acordo entre partidos que conduzisse à formação de um Governo que dispusesse da base parlamentar maioritária, estável e coerente». A esse propósito, lembrava: «Os partidos expuseram já ao povo português as razões que consideram legitimarem as suas posições».

Em síntese, o documento informava que Mota Pinto aceitara o cargo, que a maioria dos partidos não manifestara quaisquer reservas de princípio quanto ao sucessor de Nobre da Costa (que continuaria entretanto a assegurar a gestão do País até à formação do novo Governo), que o Governo deveria contar com o apoio parlamentar maioritário (que se poderia manifestar de forma implícita, através da abstenção), que a decisão decorria da impossibilidade de celebração de acordos interpartidários e que o novo primeiro-ministro indigitado iria encetar diligências para a formação do novo Governo, o IV na vigência da Constituição de 1976. O qual não seria um governo de gestão, destinado a preparar os instrumentos necessários à realização de eleições, nem um governo de coligação. Ficava, digamos assim, a meio caminho entre um e outro (cujo equilíbrio dependia da atuação de Mota Pinto). Das quatro alternativas que apresentou, definiu e defendeu, Eanes acabou por ter de optar por uma solução entre a segunda e a terceira hipóteses formuladas na comunicação de setembro.”

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