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"Não há acordo por causa da teimosia da Sra. May." Entrevista à mulher que deixou os tories para se opor ao Brexit

Deputada destacada e ex-membro do Governo de Cameron, Anna Soubry deixou os tories e juntou-se a ex-membros do Labour. Ao Observador, diz que ainda acredita no fim do Brexit e não poupa Theresa May.

Entrevista da enviada especial ao Reino Unido

“Os amotinados do Brexit”. A frase estava na manchete do Daily Telegraph de 15 de novembro de 2017, numa capa criticada por muitos deputados pelo uso de linguagem tão bélica. Anna Soubry ali estava, um de 15 rostos de deputados conservadores, alinhados na primeira página em grande destaque. Em causa estava a decisão de se oporem à primeira-ministra, Theresa May, que queria colocar na lei uma data específica para a saída do Reino Unido da União Europeia (UE), votando ao lado dos deputados do Partido Trabalhista.

Dois anos depois, 29 de março está ao virar da esquina, mas o Brexit não irá ocorrer nesse dia. Em vez disso, o país caminha a passos largos para uma possível saída sem acordo a 12 de abril, depois de ter pedido um adiamento ao Conselho Europeu. A não ser que o Parlamento consiga encontrar um consenso que previna esse cenário. Dois anos depois, Soubry também já não é sequer uma “amotinada” do Partido Conservador, porque saiu dele, em fevereiro de 2019, juntando-se a outras deputadas conservadoras e a vários ex-membros do Labour para formar o Grupo Independente. Aquela capa do Telegraph de 15 de novembro de 2017, contudo, ali está, emoldurada no seu gabinete e autografada pelo que se supõe serem os próprios fotografados.

Conhecida por ser uma deputada sem papas na língua e por sempre ter defendido com unhas e dentes a permanência do Reino Unido na UE, Anna Soubry — que fez parte do Governo de David Cameron, como secretária de Estado com as pastas dos Veteranos (Defesa) e depois com as Pequenas e Médias Empresas (Economia) — diz que a decisão de abandonar os tories foi “completamente natural”. “Acho que, na minha mente e no meu coração, abandonei o Partido Conservador, a nível nacional, em 2016, quando a primeira-ministra fez aquele discurso terrível sobre os cidadãos do mundo serem ‘os cidadãos de lugar nenhum'”, afirma. Quase três anos depois, com o país a caminhar para o Brexit num estado de confusão, deu o passo e saiu.

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A deputada do Grupo Independente recebe o Observador no seu gabinete em Westminster, um dia depois de o Parlamento britânico ter realizado os votos indicativos que não reuniram uma maioria em torno de nenhuma solução para o Brexit. São dias de loucura na Câmara dos Comuns, mas também nos corredores do Parlamento, razão pela qual Soubry chega atrasada e a pedir desculpas. “Estava numa reunião muito importante e daqui a pouco tenho de ir para outra”, confessa à chegada. Não tarda muito para se perceber com quem esteve reunida durante tempo da parte da manha: “Não quero nada, obrigada, comi ainda agora um bocadinho do queque do Chuka”, diz à sua assistente, que lhe oferece comida. Chuka só pode ser um: Chuka Umunna, o ex-deputado do Labour que formou o Grupo Independente juntamente com outros colegas trabalhistas, ao qual se juntou Anna Soubry e outras duas tories dois dias mais tarde. Nos corredores de Westminster, alinham-se estratégias para os próximos dias — e o Grupo Independente não é exceção.

Os membros fundadores do Grupo Independente, com Soubry (de casaco azul) na fila da frente (NIKLAS HALLE'N/AFP/Getty Images)

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Perante a sessão do dia anterior no Parlamento, que muitos classificaram de “caótica” pela falta de uma solução aparente, Soubry está longe de se mostrar desanimada. “Na verdade foi um bom dia”, começa de imediato por dizer, com um tom animado. “Nunca esperámos que uma das propostas conseguisse ter a maioria dos votos. Sempre foi um processo com duas fases, ontem serviu para percebermos onde estamos.” Daqui para a frente, a estratégia para Soubry é só uma: unir esforços entre aqueles que votaram a favor de uma união aduaneira e os que apoiaram um segundo referendo para conseguir uma solução que trave o Brexit como está. Algo que, acredita, podia ter acontecido mais cedo se não fosse o “falhanço monumental” da primeira-ministra, a quem deixa duras críticas.

Sempre com um tom assertivo, Soubry deixa claro o que defende na entrevista e não tem papas na língua ao criticar a “ambição desmedida” de alguns ex-colegas do Partido Conservador: “Agora dizem que votam a favor do acordo dela não porque o acham um bom acordo, mas simplesmente para se livrar da primeira-ministra”, afirma, classificando como “obscena” a posição de deputados eurocéticos como Jacob Rees-Mogg, que aceitaram apoiar o acordo de May em troca da sua futura demissão.

A postura combativa tem feito de Soubry um dos principais alvos de ataques pessoais no Reino Unido pós-Brexit. Ainda esta quarta-feira, um dia antes da entrevista com o Observador, duas pessoas foram detidas por causa de um tweet enviado a Soubry onde se avisava: “Lembra-te do que aconteceu à Jo Cox, por isso tem cuidado”. Cox, deputada trabalhista, foi assassinada na rua por um ativista de extrema-direita, dias antes do referendo do Brexit. Soubry, contudo, recusa deixar-se afetar pelas ameaças, que diz serem promovidos por radicais “de extrema-direita”, e continua focada em defender a sua solução para o Brexit: um novo referendo, mesmo sem certezas de que o Remain possa ganhar desta vez. “A ironia profunda é que estes deputados todos estão a mudar de opinião e a mudar o seu sentido de voto e isso é totalmente aceite — mas o mesmo não é permitido aos seus eleitores.”

Começava por lhe perguntar sobre o que se passou ontem no Parlamento…
Sabe que, na verdade, foi um bom dia!

Foi?
Sim, porque as pessoas acham que isto foi só o caos, mas não foi. Nunca esperámos que uma das propostas conseguisse ter a maioria dos votos. Sempre foi um processo com duas fases, ontem serviu para percebermos onde estamos. E os números mais significativos estão com uma união aduaneira e com aqueles que acham que esta é uma questão que tem de ser decidida pelo povo britânico. A dificuldade é que todos conhecemos os benefícios de uma união aduaneira, mas também somos obrigados a cumprir o alinhamento regulatório. Por isso, para muitos de nós, a solução é voltar a perguntar às pessoas e deixar o povo decidir.

Ontem sublinhou aqui no Parlamento que essa foi a proposta que reuniu mais votos, mais do que o acordo da primeira-ministra…
As duas propostas tiveram mais votos do que o acordo da primeira-ministra, sem dúvida!

Mas também teve quase 300 votos contra. Como é que é possível avançar com um segundo referendo quando há tantos deputados contra ele?
Veja, eu votei contra a união aduaneira, não porque não ache que é um destino final preferível ao do acordo da primeira-ministra, mas porque era importante deixar claro qual era a minha preferência. Da mesma forma, se olhar para as pessoas que votaram na união aduaneira, também se recusaram a votar num segundo referendo, porque não é a opção favorita deles. Agora é preciso perceber quantos deles estão disponíveis a ligar a opção favorita deles a um segundo referendo. Eu, por exemplo, sou a favor de um segundo referendo e não me incomoda ligar isso a uma união aduaneira; os deputados que preferem a união podem também estar disponíveis a que essa seja uma proposta feita ao povo. E se a senhora May tivesse algum juízo, já teria percebido que a única forma de aprovar o seu acordo de saída na Câmara dos Comuns é se o ligar a um segundo referendo, num voto de confirmação do seu acordo.

"Se a senhora May tivesse algum juízo, já teria percebido que a única forma de aprovar o seu acordo de saída na Câmara dos Comuns é se o ligar a um segundo referendo, num voto de confirmação do seu acordo."

Portanto acha que ainda há uma possibilidade de o Parlamento chegar a um entendimento, mesmo estando nós a 15 dias da nova data da saída?
Sim, acho.

Então por que razão não foi possível chegar a esse entendimento há mais tempo?
Por causa das linhas vermelhas da senhora May e da sua teimosia. Bem como o seu falhanço ao não entender que não tinha uma maioria na Câmara dos Comuns, depois de ter perdido aquelas terríveis eleições antecipadas. Ao perder a maioria, tornou-se óbvio que não iria ser salva pelo DUP. Ela só conseguiria ajuda se tivesse tentado aproximar-se do outro lado da Câmara e alcançado um consenso. E esse é o seu falhanço monumental, que vai levar à sua queda.

Ontem ela terá prometido que se demitia…
E veja como isso lhe correu mal! Que situação terrível em que se colocaram os meus antigos colegas do Partido Conservador, que posição obscena e vergonhosa… Agora dizem que votam a favor do acordo dela não porque o acham um bom acordo, ou porque é um acordo que garante o Brexit, ou porque acham que é a coisa certa a fazer pelo país — votam simplesmente para se livrar da primeira-ministra. Acho que isto diz tudo sobre estas pessoas e sobre como a única coisa que lhes interessa é a sua ambição desmedida.

Está desiludida com o Partido Conservador a que pertenceu?
Esta foi uma das várias razões pelas quais saí dele. O Partido Conservador está num estado lastimável e vê-lo colocado nesta posição, depois de ter conseguido tantas coisas antes da eleição da senhora May, naquele período entre 2010 e 2016, é extremamente triste.

Soubry sempre se opôs ao Brexit. À medida que o processo se foi complicando, passou a defender a realização de um segundo referendo (Leon Neal/Getty Images)

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Mesmo que um segundo referendo avance — aliado ou não a uma pergunta sobre uma união aduaneira ou o acordo da primeira-ministra —, acredita mesmo que os britânicos irão votar para travar o Brexit?
Acho que a atmosfera está a mudar. As sondagens mostram-nos que está a mudar. É por isso que é tão importante. Nós não devíamos sair da União Europeia. Se a maioria tiver mudado de opinião e não quiser a saída, seria uma total incúria em relação à democracia. Passaram quase três anos, as pessoas têm direito a mudar de opinião. A ironia profunda é que estes deputados todos estão a mudar de opinião e a mudar o seu sentido de voto e isso é totalmente aceite — mas o mesmo não é permitido aos seus eleitores. Isto não está certo.

É tão irónico como a primeira-ministra dizer que um segundo referendo seria pouco democrático ao mesmo tempo que apresenta o mesmo acordo a votação depois de ter sido chumbado?
Exato. É tão irónico e está tão errado sugerir que, perante uma possibilidade de as pessoas terem mudado de opinião e de os deputados terem mudado de opinião, nós acabemos por sair com base numa votação que ocorreu há quase três anos. As pessoas têm direito a mudar de opinião à medida que as provas e as circunstâncias mudam.

"Que situação terrível em que se colocaram os meus antigos colegas do Partido Conservador, que posição obscena e vergonhosa... Agora dizem que votam a favor do acordo dela não porque o acham um bom acordo. Votam simplesmente para se livrar da primeira-ministra."

Mas isso não quer dizer que haja uma maioria muito significativa a favor de permanecer na UE agora…
Não estou a dizer isso…

É que o Leave venceu por uma curta maioria. Poderíamos estar perante uma situação semelhante, mas inversa.
Não estou a subestimar a dimensão da tarefa que temos pela frente. E também não estou a subestimar as consequências disto. Mas também não subestimo os danos que sair da UE provocaria à economia deste país. E os danos tremendos que infligiria à nossa democracia uma saída perante uma situação em que a maioria das pessoas não quer sair.

Falámos ainda agora de como abandonou o Partido Conservador mais de 40 anos depois de se ter juntado…
Não fui membro durante 40 anos, juntei-me ao partido quando era jovem, depois saí e regressei em 2002.

Mas mesmo assim, foram muitos anos ligada ao Partido e a defender os valores dos tories….
Sem dúvida.

"Passaram quase três anos, as pessoas têm direito a mudar de opinião. A ironia profunda é que estes deputados todos estão a mudar de opinião e a mudar o seu sentido de voto e isso é totalmente aceite — mas o mesmo não é permitido aos seus eleitores. Isto não está certo."

Como é que uma pessoa que está tão ligada a uma estrutura política tão antiga e tão grande como o Partido Conservador decide sair e juntar-se a um Grupo Independente que tem ex-membros do Partido Trabalhista?
Foi completamente natural.

Não foi difícil?
Não, de todo. Acho que, na minha mente e no meu coração, abandonei o Partido Conservador, a nível nacional, em 2016, quando a primeira-ministra fez aquele discurso terrível sobre os cidadãos do mundo serem “os cidadãos de lugar nenhum” e chamou aos eleitores anti-Brexit membros de uma elite metropolitana. A coisa que ainda me prendia eram os meus ativistas locais que trabalharam muito para conseguir a minha reeleição como membro do Parlamento. Mas quanto mais tempo passa, desde que me sento do lado oposto do Partido Conservador, mais segura estou da decisão que tomei. Não foi uma decisão difícil e nunca hesitei na minha determinação sobre ela. Acho que, com o tempo, outros farão o mesmo, porque é cada vez mais óbvio que vai acabar por ser nada mais do que um ajuntamento pequeno da direita.

Como é possível que um referendo apenas esteja a reconfigurar por completo os partidos britânicos?
Não há dúvidas de que está. Ontem à noite, 27 membros do Partido Trabalhista furaram a disciplina de voto e não votaram a favor de um segundo referendo. O Partido Conservador está em queda livre, com membros do Governo nos votos indicativos a apoiar a revogação do Artigo 50 para evitar um no deal. Está tudo a desfazer-se. Isto ilustra bem o falhanço dos dois principais partidos e do estado atual da política britânica. E mostra sem sombra de dúvidas porque é tão necessário uma mudança e como ela só pode ser conseguida por um terceiro partido que surja e faça política de uma maneira diferente. E que traga também um conjunto diferente de políticas e valores, que una muito mais pessoas do que os outros dois partidos conseguem unir neste momento.

E o Grupo Independente pode ser essa força política forte que consegue liderar em áreas para lá do Brexit? O Brexit uniu-vos, mas é possível ter, por exemplo, uma política económica nova?
Sem dúvida. Temos muita coisa em comum, como a nossa declaração de princípios mostra.

Soubry (à direita) à porta do número 10 de Downing Street, quando era membro do Governo de David Cameron. Continua a defender os cortes que foram feitos nessa altura (LEON NEAL/AFP)

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Mas temos um grupo que a inclui, uma deputada e ex-membro do Governo que defendeu a austeridade, e…
Desculpe, mas não aceito essa linguagem. Aquilo que aconteceu em 2010 foi que formámos uma coligação entre os Conservadores e os Liberais-Democratas, que enfrentou uma crise económica gigantesca neste país. E tivemos de tomar decisões difíceis. Eu oponho-me ao uso da palavra “austeridade”.

Mas alguns dos seus colegas no Grupo Independente usam-na.
Claro que usam e têm o direito de o fazer. Eu é que não descrevo a situação nesses termos. Descrevo-a como uma situação, entre 2010 e 2015, em que tivemos de tomar decisões difíceis para reconquistar o equilíbrio da nossa economia. O problema é que, desde 2015 — e sobretudo por causa do Brexit —, não temos tido a oportunidade de colher os benefícios disso. E portanto os cortes permanecem e estão a ir ao osso. Essa é a minha queixa e falei sobre isso antes de deixar o Partido Conservador.

É uma deputada que votou Remain, mas representa um círculo eleitoral que votou Leave. Tem enfrentado situações difíceis, com ameaças graves…
Sim, mas não no meu círculo eleitoral. Estas são pessoas de extrema-direita, muito desagradáveis.

Porque acha que o Brexit é um tema tão polémico que trouxe esta raiva ao de cima?
Abriu a tampa da caixa. Mas também, especialmente graças às redes sociais, deu uma plataforma às pessoas. E agora há quem se sinta validado para poder expressar opiniões detestáveis e ofensivas que, no passado, teria expressado apenas na privacidade do seu lar.

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