A Direção-Geral da Saúde (DGS) avisou na reunião no Infarmed esta quinta-feira que, no pior dos cenários, e com o Natal a menos de 100 dias de distância, pode ser necessário implementar medidas de “mitigação” para controlar a epidemia de Covid-19. Nas fases mais críticas da epidemia, as medidas de mitigação incluíram o regresso ao teletrabalho obrigatório, regras que restringiram a mobilidade da população (como o recolhimento obrigatório, sob pena de sofrer contraordenações) ou a proibição de circulação entre concelhos.
Pedro Pinto Leite, chefe da Divisão de Epidemiologia e Estatística, explicou que esta pode ser uma realidade se a durabilidade da efetividade da vacina não ultrapassar um ano e se uma nova variante de preocupação for identificada em Portugal. O maior problema será mesmo o Natal e o Ano Novo, épocas que conduzirão a uma maior mobilidade da população.
Aliás, por essa altura, mesmo que a delta continue a ser dominante e nenhuma nova variante lhe faça frente, será sempre necessário adotar medidas de “contenção” e de “controlo” se a efetividade da vacina se ficar pelo ano de duração. No passado, isso já se traduziu um dever de recolhimento obrigatório, a limitação no horário de estabelecimentos e entraves aos convívios.
Já no melhor dos cenários, em que a efetividade da vacina dure mais tempo e nenhuma nova variante surja, nada disto será necessário.
O objetivo destas medidas será evitar que se ultrapassem as linhas vermelhas delineadas para dois fatores em particular: a ocupação das camas em unidades de cuidados intensivos e o número de óbitos a 14 dias por milhão de habitantes. No pior dos cenários, essas linhas podem ser excedidas entre o fim de dezembro e o início de janeiro. Por outro lado, basta que a efetividade da vacina seja menos longa para, mesmo sem novas variantes, para que os limites propostos pelos especialistas serem ultrapassados ao longo do mês de janeiro.
As outras 12 mensagens da reunião no Infarmed
“Estamos, claramente, no fim de uma fase pandémica”, garantiu o chefe da Divisão de Epidemiologia e Estatística da Direção-Geral da Saúde (DGS), Pedro Pinto Leite, na intervenção que protagonizou na abertura da reunião no Infarmed. A tendência decrescente na incidência é transversal a todas as regiões do país e em quase todas as faixas etárias — só mesmo naquela onde a vacinação contra a Covid-19 não foi aprovada, entre as crianças até aos nove anos, é que ela se mantém estável.
Henrique Gouveia e Melo, coordenador da task force para a vacinação contra a Covid-19, também defendeu que “a guerra não terminou, mas [que] pelo menos a primeira batalha está ganha”. O militar avançou que Portugal atingiu os 86% da população vacinada com pelo menos uma dose e 81,5% com a vacinação completa — os 85% devem ser atingidos no fim de setembro. E até sobraram doses: há vacinas até para uma terceira dose para toda a gente acima dos 65 anos.
Os especialistas querem aliviar as medidas obrigatórias impostas pelo Governo e dar mais autonomia às pessoas para fazerem uma avaliação de risco. Com a cobertura vacinal atual, a epidemiologista Raquel Duarte considera que a apresentação de certificados digitais pode ser limitada aos lares para idosos (e pouco mais) e que as máscaras podem ser dispensadas, a não ser que cada pessoa considere que isso reduz o risco de ser infetado na situação em que se encontra.
Na eventualidade de ser necessário administrar a terceira dose da vacinação contra a Covid-19 à generalidade da população, os idosos devem ser a prioridade, considerou também a especialista. É um cenário para o qual as autoridades de saúde se devem preparar já e que não pode ser totalmente colocado nas mãos dos centros de saúde.
A vacinação está mesmo a impedir que mais portugueses cheguem às enfermarias dos hospitais por complicações associadas à Covid-19. Segundo o especialista da DGS, em cada cinco pessoas internadas com Covid-19 nas enfermarias, quatro não tinham sido vacinadas. Nas unidades de cuidados intensivos (UCI), só uma pessoa em 15 internadas é que tinha sido inoculada contra a Covid-19. Os internamentos sofreram uma descida de 15% em relação à vaga anterior, mas a redução verificada entre os mais idosos “não tem acompanhado a dos mais novos”, provavelmente porque os mais velhos passam mais tempo hospitalizados.
Nunca o R(t) — o indicador que refere quantas pessoas alguém infetado com o SARS-CoV-2 pode contagiar — foi tão baixo numa fase sem medidas de restrição muito acentuadas em vigor. Baltazar Nunes, epidemiologista do Instituto Nacional Doutor Ricardo Jorge (INSA), estima que o valor esteja entre 0,80 e 0,84 em todas as regiões de Portugal Continental.
Gouveia e Melo: “A guerra não terminou, mas pelo menos a primeira batalha está ganha”
Se os estudos internacionais se comprovarem e a efetividade da vacina diminuir em 40% ao fim de quatro a cinco meses após a inoculação, as consequências para a imunidade de grupo podem coincidir com uma fase que motiva uma maior mobilidade da população: o Natal e o Ano Novo. A boa notícia é que, até às 14 semanas após a segunda dose, não se observou uma redução da efetividade contra hospitalizações na população com 80 anos ou mais.
O Infarmed prevê que será necessário administrar uma dose de reforço da vacina da Pfizer às pessoas acima dos 16 anos ao fim de seis meses da última inoculação. A estimativa foi apresentada por Fátima Ventura, assessora de qualidade daquela entidade. Como anunciado a 6 de setembro, a Agência Europeia do Medicamento (EMA) está precisamente a avaliar essa necessidade neste momento. Entretanto, Portugal já contratualizou a entrega de vacinas de seis marcas e está em fase de discussão com outras duas farmacêuticas.
A variante delta continua a dominar a epidemia de Covid-19 em Portugal e representa 98% de todos os novos casos no país. Desde a semana de 10 a 25 de julho, não foi detetado qualquer caso da variante Beta, associada à África do Sul. Quanto à variante Gama, após três semanas sem deteção, foi detetado um caso na região de Lisboa e Vale do Tejo na semana de 30 de agosto a 5 de setembro. Houve dois casos da variante Lambda, um em abril e outro em junho. Quanto à variante Mu, mantêm-se os 24 casos registados em Portugal, entre 31 de maio e 31 de julho, em 17 distritos e 16 concelhos. “Não temos dúvidas que houve transmissão comunitária”, diz o especialista.
Portugal é um dos países com menor probabilidade de se transformar num berço para uma nova variante capaz de derrubar a delta, assegurou João Paulo Gomes, microbiologista do INSA. É que, para que isso aconteça, o vírus precisa de ter mais oportunidade de se replicar. Ora, em países com elevada taxa de vacinação, como Portugal, há “muito menos vírus em circulação e menos probabilidade de ocorrerem mutações”. E mesmo que surja uma nova variante, “muito dificilmente apresentará mutações diferentes”, prossegue João Paulo Gomes: “Apresentará uma combinação das mutações [já detetadas em Portugal]”.
A testagem em Portugal aumentou de tal ordem para enfrentar a pandemia que, em cada caso e meio de infeção pelo SARS-CoV-2, um sabe que esteve com o vírus. Henrique Barros, epidemiologista do Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto, disse mesmo ser “uma das primeiras conquistas na nossa capacidade de enfrentar a infeção quando ela apareceu”. Os testes serológicos são para aumentar, aconselha o especialista, para saber que fração da população não foi diagnosticada e que fração esteve assintomática.
A população mais jovem é a que está a demonstrar uma saúde mental mais deteriorada à conta da pandemia de Covid-19. Carla Nunes, da Escola Nacional de Saúde Pública da Universidade Nova de Lisboa, explicou que a população de jovens entre os 16 e os 25 anos diz sentir-se mais “agitada, ansiosa, em baixo ou triste devido à medidas de distanciamento físico todos os dias”. “Os mais novos, desde maio, que se destacam das outras classes etárias” com uma “tendência crescente e desfasada das outras faixas etárias”. “Há um desequilíbrio entre os mais novos e os mais velhos que mudou desde setembro de 2020”, remata.