771kWh poupados com a
i

A opção Dark Mode permite-lhe poupar até 30% de bateria.

Reduza a sua pegada ecológica.
Saiba mais

O bar do Lexington, que acolheu uma festa para acompanhar os resultados eleitorais, no centro de Londres
i

O bar do Lexington, que acolheu uma festa para acompanhar os resultados eleitorais, no centro de Londres

Cátia Bruno/Observador

O bar do Lexington, que acolheu uma festa para acompanhar os resultados eleitorais, no centro de Londres

Cátia Bruno/Observador

Negação, raiva e lágrimas. A noite eleitoral num reduto do Labour em Londres

No Lexington Bar, vários jovens trabalhistas tiveram uma noite para esquecer. Alguns saíram cedo, outros choraram, poucos mantiveram a esperança num engano. "Amanhã é dia de ressaca gigante."

“Corbyyyyyyyyn, Jeremy Corbyyyyyyyyn!” A jovem Charlie, de 24 anos, reage assim logo que percebe que os amigos estão a ser entrevistados, gritando como se fizesse parte de uma claque a torcer pela sua equipa. De seguida, compõe-se: “Desculpa. É que simplesmente acredito em Jeremy Corbyn e nas políticas que ele tem. Por exemplo: a minha mãe teve cancro, há dez anos, e teve de recorrer ao sistema de saúde privado. Eu não tenho dinheiro para ir ao privado. Portanto, se me acontecesse o mesmo que lhe aconteceu há dez anos, eu morria. Simples.”

Apesar do tema sombrio, Charlie e os amigos estão muito animados. Todos na casa dos 20, votaram em Corbyn nesta eleição e decidiram vir ao Lexington Bar, algures entre King’s Cross e a estação de Angel no norte de Londres, para acompanhar a noite eleitoral. Charlie é a mais politizada, a par de Amber, que destaca, igualmente, o papel do Serviço Nacional de Saúde. E acrescenta: “O meu noivo é da República Checa e estou com medo que ele não tenha autorização para ficar cá.”

Falta pouco mais de meia hora para se conhecerem os resultados das sondagens à boca das urnas e as duas amigas estão a tentar manter-se positivas. À menção do nome de Nigel Farage, Charlie classifica-o logo como “aquele racista”. “Aquele-cujo-nome-não-deve-ser-pronunciado?”, perguntamos. A referência à saga Harry Potter agrada a esta millennial: “Tendo visto todos os filmes e lido todos os livros desde que tenho cinco anos, quero aqui decretar que Farage tem muitas características semelhantes a Voldemort. E que não gosto dele. Pronto, disse”, confessa com humor, antes de se desmanchar a rir com os amigos.

Assin (à esquerda) votou pela primeira vez nesta eleição. As amigas Amber (ao centro) e Charlie (à direita) ajudaram a convencê-lo

D.R.

“Daqui a pouco, estaremos lavadas em lágrimas. Ou de tristeza ou de felicidade”, antecipa Amber. Charlie interrompe: “Não queres falar com alguém que votou pela primeira vez?”, pergunta, em ritmo acelerado, enquanto puxa o amigo Assin para o centro da conversa. Ele acede a juntar-se: “Tenho 26 anos e votei pela primeira vez nesta eleição”, confirma, com ar solene. “Ainda não acredito totalmente em Corbyn, mas quero mudança. E há qualquer coisa nele em que acredito, qualquer coisa de natural. Votei pelo menor dos dois males, mas, pelo menos, sinto que ele é honesto”. As amigas sorriem. Interpretam esta conversão repentina ao Corbynismo como um sinal: talvez outros, como Assin, tenham pensado da mesma forma nesta eleição.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

À beira de serem conhecidas as projeções: “Será que quero mesmo saber?”

Charlie e Amber são exemplos clássicos dos chamados Corbynistas, os jovens mobilizados em torno de Jeremy Corbyn de zonas urbanas, como Londres, que compõem grande parte do seu eleitorado. A grande questão, à medida que a hora da divulgação da sondagem à boca das urnas se aproximava, era se o líder trabalhista teria conseguido convencer outros para além desta demografia. E, apesar de, oficialmente, todos os jovens ouvidos pelo Observador se dizerem confiantes, nas conversas cruzadas ouvem-se outras coisas. “Será que quero mesmo saber?”, questiona-se a certa altura uma jovem, cinco segundos antes da divulgação da sondagem.

Quando batem as 22h em ponto, os números que aparecem no ecrã deixam os presentes no Lexington Bar chocados. Há silêncio e olhos presos no ecrã gigante, em rostos incrédulos. Há quem esteja simplesmente a beber a sua bebida calado, de olhos colados à televisão. 368 lugares é a previsão feita pela BBC e pela Sky News para os conservadores, uma maioria que fica apenas atrás de duas de Margaret Thatcher, na história do Partido Conservador. Ninguém na sala esperava uma derrota tão esmagadora. Razão, talvez, pela qual alguém decidiu expressar esse choque em raiva perante a imagem de Boris Johnson quando esta aparece no ecrã: “Escumalha tory!”, grita um dos jovens. O padrão repetir-se-á ao longo da noite, com líderes conservadores a serem vaiados e insultados quando aparecem na televisão. Nigel Farage terá mesmo direito a um dedo do meio levantado.

Apoiante do Labour mostra o dedo do meio ao ecrã onde aparece a imagem de Boris Johnson

Cátia Bruno/Observador

Por volta das 23h, uma hora depois da divulgação das sondagens, o Lexington Bar já está mais vazio — grande parte dos presentes partiu assim que viu a projeção. Foi o caso de Amber, Charlie e Asif, que desapareceram porta fora. Os que ficam dividem-se entre a raiva e a negação. “Vamos fingir que isto não aconteceu”, comenta um rapaz com a namorada, que suspira. Quando é anunciado o primeiro resultado oficial, de Newcastle Central, o facto de o lugar ter permanecido trabalhista faz com que outro apoiante de Corbyn lance um irónico “se continuarmos assim, vamos ganhar os 650 lugares”.

Mas não são apenas os mais jovens que estão desiludidos. Shane, de 50 anos, fez campanha porta-a-porta pelo Labour e, esta noite, achava que ia celebrar no Lexington. Não é o que está a acontecer. “Não vou perder ainda a esperança”, diz ao Observador. “Em todos os sítios onde eles foram, via-se bem o sentimento do país: Boris era vaiado e Corbyn era aplaudido. Por isso, ainda tenho esperança”, garante.

Pouco depois, contudo, começa a reconhecer que uma maioria tão grande como a apontada pelas projeções não lhe deixa espaço para esperar muito. E Shane começa a tentar racionalizar o que está a acontecer: “As pessoas não percebem de política. Estão cansadas, vivem num país com poucas oportunidades, muito trabalho, salários baixos… Ninguém quer chegar a casa, cansado, e ir aprender coisas sobre política.”

Shane, eleitora do Labour de 50 anos

Cátia Bruno/Observador

Daí a responsabilizar a imprensa por “manipular” esses eleitores é um passo: “A imprensa neste país tem sido horrível, precisamos de regulação. Porque eles não traduzem a realidade que vemos nas ruas”, acrescenta. Uma acusação que a apoiante de Corbyn não é a única a levantar — basta ver a reação de vários jovens cada vez que Laura Kuenssberg, a editora de Política da BBC, aparece na televisão, insultando-a repetidamente.

Remainers dentro do Lexington Bar, Leavers do lado de fora. A “guerra civil de ideias” continua

A noite eleitoral vai avançando, mas não é preciso chegar muito longe para começar a consolidar-se entre os trabalhistas presentes a sensação de que, afinal, pode mesmo estar tudo terminado. Quando o conservador Ian Levy conquista o mandato por Blyth Valley, uma zona da “muralha vermelha” do nordeste de Inglaterra que sempre foi representada pelo Labour, é mais um murro no estômago da audiência. “Espero que morras”, atira alguém da multidão.

Mas nem todos optam pelo insulto e pela raiva. A um canto do bar, o casaco vermelho de uma jovem dá nas vistas. É preciso olhar com mais atenção, contudo, para perceber que está, metodicamente, a limpar as lágrimas que teimam em ir escorrendo pelo rosto abaixo. Ao lado, o namorado consola-a com o braço por cima do seu ombro.

"Escumalha tory!", grita um dos jovens. O padrão repetir-se-á ao longo da noite, com líderes conservadores a serem vaiados e insultados quando aparecem na televisão. Nigel Farage terá mesmo direito a um dedo do meio levantado.

Horas mais tarde, quando os números oficiais vão caindo a conta gotas e começa a tornar-se evidente que Corbyn se prepara para ter o pior resultado dos trabalhadores desde os anos 30, John, professor de 28 anos, assume que está “perturbado”: “Isto é horrível, é uma catástrofe. Ainda estou meio em choque, para dizer a verdade”, confessa ao Observador. “Parece que o voto pelo Brexit é mesmo, mesmo popular”, reconhece, encolhendo os ombros, incrédulo. “Ainda bem que já comecei as férias de Natal, porque amanhã… Amanhã vai ser só um dia para ter uma ressaca gigante, nada mais.”

Enquanto os trabalhistas vão lidando com as emoções, Peter Spencer, que foi jornalista político da Sky News durante 20 anos, faz um breve exercício de antropologia social para descrever o que ali se passa, em contraste com o resultado estonteante dos conservadores que vai passando no rodapé da BBC. “São os mais velhos e com menos estudos que querem votar pela saída da UE e os jovens, com mais estudos, que querem permanecer. E é assim em todo o lado, até aqui em Londres nalgumas áreas”, assegura o veterano do jornalismo britânico, de fraque e monóculo, tão deslocado neste bar como um peixe fora do aquário.

Peter Spencer, ex-jornalista da Sky News

Cátia Bruno/Observador

“Tornou-se tudo muito polarizado. Do lado pró-Brexit, as pessoas olham para os Remainers como snobes e elitistas; e deste lado — não gosto de dizer isto, mas é verdade —, muitos olham para os Leavers como sendo gente estúpida. Isto tornou-se uma guerra civil de ideias”, declara.

Aqui não é possível ver essa guerra civil em todo o seu esplendor, já que não foi possível encontrar nenhum eleitor que tenha assumido votar em Boris Johnson — apenas um que não escolheu Corbyn, assumindo o voto nos Liberais-Democratas. À medida que o Lexington Bar se vai esvaziando e os que ficam se embrenham em conversas sobre as suas vidas pessoais, prestando cada vez menos atenção às televisões, é tempo de ir saindo.

Foi já lá fora que apareceu um exemplo da maioria, mais silenciosa. No táxi, bastou fazer duas perguntas ao condutor para encontrar um eleitor de Boris Johnson, que votou Leave e que deseja que o Brexit seja cumprido — mesmo que não confie a 100% no líder dos conservadores. “Eu sei, eu sei, eu sei. Sou o tipo velho que está a estragar tudo para os mais novos”, comenta Steve. “Mas é o que eu sinto. Fazer o quê?” O Natal agora, garante, será mais relaxado. “Estávamos todos a precisar desta pausa, não é? Agora vamos lá ver se depois, em janeiro, vem o Brexit. Eu cá, tendo em conta o que aconteceu nos últimos anos, só acredito quando vir.”

Assine o Observador a partir de 0,18€/ dia

Não é só para chegar ao fim deste artigo:

  • Leitura sem limites, em qualquer dispositivo
  • Menos publicidade
  • Desconto na Academia Observador
  • Desconto na revista best-of
  • Newsletter exclusiva
  • Conversas com jornalistas exclusivas
  • Oferta de artigos
  • Participação nos comentários

Apoie agora o jornalismo independente

Ver oferta

Oferta limitada

Apoio ao cliente | Já é assinante? Faça logout e inicie sessão na conta com a qual tem uma assinatura

Ofereça este artigo a um amigo

Enquanto assinante, tem para partilhar este mês.

A enviar artigo...

Artigo oferecido com sucesso

Ainda tem para partilhar este mês.

O seu amigo vai receber, nos próximos minutos, um e-mail com uma ligação para ler este artigo gratuitamente.

Ofereça artigos por mês ao ser assinante do Observador

Partilhe os seus artigos preferidos com os seus amigos.
Quem recebe só precisa de iniciar a sessão na conta Observador e poderá ler o artigo, mesmo que não seja assinante.

Este artigo foi-lhe oferecido pelo nosso assinante . Assine o Observador hoje, e tenha acesso ilimitado a todo o nosso conteúdo. Veja aqui as suas opções.

Atingiu o limite de artigos que pode oferecer

Já ofereceu artigos este mês.
A partir de 1 de poderá oferecer mais artigos aos seus amigos.

Aconteceu um erro

Por favor tente mais tarde.

Atenção

Para ler este artigo grátis, registe-se gratuitamente no Observador com o mesmo email com o qual recebeu esta oferta.

Caso já tenha uma conta, faça login aqui.

Vivemos tempos interessantes e importantes

Se 1% dos nossos leitores assinasse o Observador, conseguiríamos aumentar ainda mais nosso investimento no escrutínio dos poderes públicos e na capacidade de explicarmos todas as crises – as nacionais e as internacionais. Hoje como nunca é essencial apoiar o jornalismo independente para estar bem informado. Torne-se assinante a partir de 0,18€/ dia.
Torne-se assinante a partir de 0,18€/ dia.

Ver planos