Quando os colegas chegaram a casa na quinta-feira ao fim da tarde, ainda A. estava vivo. Mas o cenário em que o encontraram indiciava já que o estado do estudante era crítico. Deitado no chão da marquise que dá acesso à cozinha do apartamento partilhado entre os três estudantes, o jovem de 18 anos tinha vidros no abdómen, junto à zona da axila, que provocavam uma grave hemorragia. Os vidros eram da janela que se encontrava partida, segundo contou ao Observador fonte do Departamento de Investigação Criminal da Polícia Judiciária (PJ) de Leiria.
Terá sido um “lamentável acidente”, descreve a mesma fonte. Foi, aliás, isso mesmo que reportaram os colegas de casa da vítima — todos estudantes do Instituto Politécnico de Leiria — quando, na quinta-feira às 19h11, ligaram para o 112. “Foi recebida uma chamada no número nacional de emergência 112, ontem, pelas 19h11, comunicando a necessidade de acionamento de assistência médica para um jovem, que alegadamente tinha sofrido um acidente doméstico, tendo sido acionada uma ambulância para o local”, lê-se num comunicado da PSP — que tomou conta do caso num momento inicial — e que foi enviado às redações na manhã desta sexta-feira.
Já no Hospital de Santo André, o estudante entrou no Serviço de Urgência Geral num “quadro de choque hemorrágico”, apresentando “duas feridas na axila”, relatou fonte oficial desta unidade hospitalar de Leiria. Quando A. chegou, por volta das 19h30, encontrava-se já em paragem cardiorrespiratória e estava a “ser submetido a manobra de reanimação”. O jovem do primeiro ano do curso de Solicitadoria, natural de Celorico da Beira, não resistiu às “lesões torácicas” que sofrera e que a PSP admitiu logo estarem “relacionadas com a causa da morte”. O óbito foi declarado pelas 20h00, indica a mesma fonte hospitalar.
Ministério Público informado quando certidão de óbito foi passada. Mas, três horas depois, PSP recebeu chamada de “pessoa externa ao caso” a avisar da morte
Só três horas depois de ter sido declarado o óbito de A. é que a PSP foi informada do caso. “No dia de ontem [quinta-feira], pelas 23h00, foi recebido no Centro de Comando e Controlo Operacional do Comando Distrital de Leiria, um telefonema de um particular, comunicando que tinha falecido um jovem, no Hospital de Santo André, em Leiria”, informa a PSP no comunicado.
Não foi um telefonema anónimo, mas a informação também não chegou de nenhum familiar ou profissional de saúde envolvido na prestação de cuidados à vítima. “O telefonema particular foi efetuado por pessoa externa ao caso”, esclareceu o Comandante Distrital da PSP de Leiria, superintendente José Figueira, numa resposta por escrito enviada ao Observador. Foi, aliás, esta chamada que fez com que o caso chegasse à polícia. “A PSP não tinha conhecimento do caso antes da chamada telefónica“, explicou o Comandante Distrital na mesma resposta.
Não é conhecida a razão pela qual só cerca de três horas depois da morte de A. é que a PSP foi chamada e, especialmente, por que é que esta força de segurança tomou conhecimento do acidente através de uma “pessoa externa ao caso”. No entanto, às 23h, já o Ministério Público (MP) tinha sido notificado da morte. “Sempre que é passada a certidão de óbito por causas não naturais, o MP fica automaticamente notificado”, esclareceu fonte hospitalar ao Observador. E foi o que aconteceu neste caso: o MP foi notificado automaticamente por volta das 20h — hora a que foi declarado o óbito por causas não naturais.
Polícia Judiciária investiga morte de jovem de 18 anos do Politécnico de Leiria
Certo é que, depois da chamada, “os polícias de serviço deslocaram-se ao local e contactaram o pessoal médico que assistiu o jovem, infelizmente falecido”. A própria PSP realizou algumas “diligências urgentes”, nomeadamente para “identificar outros cidadãos relacionados com a ocorrência“. Esta força de segurança acabou por concluir que “as causas da morte” de A. não estavam “claras” e “contactou o órgão de polícia criminal que detém a competência para investigar os factos em questão”, neste caso, a Polícia Judiciária, lê-se ainda no comunicado da PSP.
Jovem terá batido contra a janela da marquise. PJ afasta suspeitas de homicídio e de envolvimento em praxes académicas
Nada indica que tenha havido uma intervenção de terceiros, nem existem para já suspeitas de homicídio, garante fonte da PJ ao Observador. No final de tarde de quinta-feira, o jovem estava sozinho no apartamento que dividia com os dois colegas que o viriam a encontrar, um apartamento em Parceiros, uma localidade em Leiria nos arredores da Escola Politécnica de Leiria, onde estudava.
Estudante encontrado morto em Leiria. PJ afasta suspeitas de homicídio
O acidente aconteceu na marquise do apartamento que dá acesso à cozinha. “Terá tropeçado, partido o vidro [da janela exterior da marquise] e cortou-se. Não terá havido intervenção de ninguém”, garantiu fonte do Departamento de Investigação Criminal da PJ de Leiria ao Observador. Quando os inspetores entraram na casa, encontraram a janela partida — que não tinha vidros duplos — onde o estudante se terá cortado.
Outro dado afastado pela PJ foi a tese, que chegou a ser referida como estando em cima da mesa na investigação deste caso, de que a morte de A. ocorrera num contexto de praxe. No entanto, várias fontes académicas confirmaram ao Observador que o jovem não estava sequer envolvido neste tipo de atividades. Mais: a própria PJ confirmou que o jovem não terá estado envolvido em praxes, nem no momento em que morreu nem nas horas anteriores.
O próprio Politécnico de Leiria afastou esta hipótese. Reconhecendo que “tem ainda informação muito escassa” sobre o caso, a instituição garantiu “que se encontra a acompanhar de perto esta situação”, afirmando num comunicado enviado às redações: “O sucedido no apartamento particular onde o estudante residia está a ser investigado pelas autoridades competentes, não existindo informação que aponte para uma relação com atividades de praxe académica“. Na nota, o Politécnico adianta que, quando existirem “informações concretas e fidedignas sobre este lamentável acontecimento”, irá comunicar “pelos canais habituais”.
Sendo certo que a PJ afasta a hipótese de homicídio ou de intervenção de terceiros, o caso continuará a ser investigado por este órgão de polícia criminal. Aliás, o corpo de A. vai agora ser autopsiado e as conclusões da autópsia poderão tornar mais claras as circunstâncias em que a morte aconteceu — tenha ela sido um acidente ou não.