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Nuno Vitorino foi campeão da Europa, do Campeonato britânico e medalha de cobre num Mundial
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Nuno Vitorino foi campeão da Europa, do Campeonato britânico e medalha de cobre num Mundial

Nuno Vitorino foi campeão da Europa, do Campeonato britânico e medalha de cobre num Mundial

Nuno deixa competições de surf aos 44 anos após vida de luta: "Com 18 anos pensamos que somos eternos, eu fiquei numa cadeira de rodas"

Nuno Vitorino foi alvejado acidentalmente em 1995 por um amigo. Em 2004 foi aos Jogos Paralímpicos e em 2012 criou a Surf Addict. Agora, com títulos no bolso, vai surfar apenas pelo "gostinho".

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A 10 de maio de 1995 a vida de Nuno Vitorino mudou. E apesar de esta ser uma história de superação, tem obrigatoriamente de começar pelo obstáculo, o cume a escalar. Há quase 17 anos, naquele fim de primavera, Nuno, que tinha então com 18 anos, estava com um amigo a ver uma arma. Correu mal. O agora presidente da Surf Addict – Associação Portuguesa de Surf Adaptado, ou seja, para pessoas com deficiências e limitações físicas – acabou por ser alvejado, de forma não propositada. “Estava com um amigo a ver uma arma e ele acertou-me no pescoço”, contou Nuno, que ficou tetraplégico nesse incidente, ao Observador. Foi assim, em 1995, que, e talvez seja esta a analogia mais correta, apareceu a maior onda que o homem, agora com 44 anos, teve de conquistar. E surfou-a como poucos.

Se no recente mundial de surf adaptado, na Califórnia, Marta Paço, de apenas 16 anos, conquistou o ouro na sua categoria, e Camilo Abdula o cobre, o ISA World Parasurfing Championship ficou marcado como a última competição de Nuno Vitorino, que não fechou com uma vitória desportiva, como tantas vezes conseguiu, mas, talvez mais importante neste contexto, com a “sensação de dever cumprido” e de que foi um “bom embaixador do desporto”. Despediu-se em lágrimas, mas “não triste”, o português que foi campeão europeu em 2019, finalista de um Mundial em 2018 (ganhou o cobre) e vencedor do Campeonato britânico em 2020.

Pode dizer-se que para trás fica o legado desportivo, mas isso seria extremamente redutor, até porque além de pioneiro, as ondas continuam. Para ele e muitos outros.

Aquilo que é impossível, nós não conseguimos resolver, nem está na nossa mão ter a solução e só estamos a perder tempo com isso.

“Com 18 anos pensamos mesmo que somos eternos. Eu aos 18 anos fico de cadeira de rodas”

“Não queremos saber se é difícil, apenas se é possível”. Este é o “lema de vida” de Nuno Vitorino, um mote que está até “estampado na parede da sala de casa”. Uma frase que nasceu de um “momento de introspeção”. “Temos tendência para nos focarmos nos problemas, mas qual é a solução para resolver esse problema? Essa frase nasce para nos ajudar a focar exatamente no que é possível, não no impossível. Aquilo que é impossível, nós não conseguimos resolver, nem está na nossa mão ter a solução e só estamos a perder tempo com isso. Ao não querermos saber se é difícil, apenas se é impossível, vamos focar-nos então só na possibilidade, de transformar a vida dos outros, na de sermos melhores pessoas”, disse ao Observador, apontando ainda a efemeridade da vida versus o que esta pode ser, com um exemplo muito simples e duro: “Com 18 anos pensamos mesmo que somos eternos e temos uma pressa muito acentuada de viver muito rapidamente. Eu aos 18 anos fico de cadeira de rodas”.

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Aos 18 anos, Nuno Vitorino ficou tetraplégico, mas ainda conseguiu melhorar e ficar a mexer os braços

Com essa “noção”, Nuno quis “arranjar um modo de ser mais feliz” e fundou a Surf Addict, para “partilhar todo o amor pelo mar e pelas ondas com toda a gente”. Fazendo questão de explicar que não se considera “superior, nem inferior a ninguém” pelo facto de o surf adaptado ter crescido pela sua mão, admite que agora até é mais um “rosto” do que um “obreiro que anda nas praias a colocar pessoas na água”. Mas voltando ao seu mote, ao lema de vida, foi precisamente este o ambiente da “inspiração que passou pela cabeça” quando foi fundada a associação. “Temos de ter algo a que nos agarrar quando as coisas ficam mais difíceis”, garantiu.

“Quando há dúvidas do que se está a fazer, não fazer”

Nuno Vitorino é assim, sem muitas dúvidas, um pioneiro. Mas, mais uma vez, “não se sente superior pela questão do surf adaptado ter começado” por si: “As coisas são o que são. Quando começámos esta caminhada começámos com aquilo que nos traz a esta questão de ser pioneiro. Havia três associações no mundo que trabalhavam surf adaptado mas de uma forma, diria eu, muito amadora, porque ainda estava tudo muito no início. Então começámos a partilhar, estabelecemos um fórum na Internet, para trocar boas práticas e modus operandi de como é que nós podemos de forma segura colocar pessoas com deficiência dentro de água. E [o projeto] nasce desta forma que eu diria que é inspiradora”.

Assim, desde 2012, quando criou a Surf Addict, Nuno Vitorino percebeu que “trabalhar no desconhecido” exigia cuidados, para que tudo fosse sendo feito “da forma mais segura”. E os “zero acidentes” devem-se muito, seguramente, à lógica de “quando há dúvidas do que se está a fazer, não fazer”. Até para “não se agravarem as patologias das pessoas”. Mas não se pode descurar que são as mesmas limitações ou patologias a tornarem esta(s) história(s) mais, além de inspiradoras, cheias de “alegria”. “Aquilo que me dá mais alegria, muito honestamente, é tudo o que está à volta. A inspiração que damos à sociedade, mas não só, também tirar a carga a famílias que veem os seus entes queridos a surfar e a divertir-se, a estar num desporto que estava inacessível até há uns anos e que agora é possível, honestamente, porque nós existimos”, disse sem quaisquer problemas o responsável por um conjunto “empreendedores sociais”.

Conseguimos inspirar outras associações e outros clubes que também já têm surf adaptado de forma independente, a olharem para nós como exemplo e a pensar ‘estes tipos fazem, então vamos perceber com eles como é que se faz, para fazermos também autonomamente’.”

Mas neste tipo de empreendedorismo, incluindo a associação sediada em Carcavelos, o objetivo que existe é o de “‘um dia não vão precisar de mim’”. “Conseguimos inspirar outras associações e outros clubes que também já têm surf adaptado de forma independente, a olharem para nós como exemplo e a pensar ‘estes tipos fazem, então vamos perceber com eles como é que se faz, para fazermos também autonomamente’. E isso deixa-me muito feliz. No dia em que não precisarem de mim é no dia em que eu vou ficar mais feliz”, contou Nuno Vitorino, numa ideia que vai ao encontro de declarações de outras alturas, quando referiu a dada altura na sua vida que, após o acidente, “foi preciso reaprender a viver e não só a respirar”.

E, aqui, o surf é esse reaprender, essa vida.

“Eu ainda visto as calças, há pessoas que nem as calças conseguem vestir”

“Dou-te um exemplo: quando vestes umas calças, levantas-te e vestes as calças. Eu visto as calças na cama, demoro um bocadinho mais de tempo. Mas eu ainda visto as calças, agora há pessoas que nem as calças conseguem vestir e precisam de ajuda. Por isso acabamos por ficar um bocadinho mais dependentes e eu acho que a liberdade que o mar nos dá e aquilo que o mar nos proporciona vai-nos ensinando a ser mais resilientes e mais pacientes. Isso vai refletir-se tudo na nossa vida diária. Eu quando coloco as pessoas dentro de água dá-me uma felicidade enorme, porque para mim viver, não é viver como posso, é fazer aquilo que eu quero. Porque a deficiência não me deixa fazer aquilo que eu quero então eu tento sempre cada vez mais ir ao encontro dessa frase. As minhas duas punch lines são essas. A primeira é ‘não queremos saber se é difícil, apenas se é possível’, e a segunda ‘viver é viver da forma como eu quero e não apenas fazer aquilo que eu posso’”, afirmou de forma perentória.

Nuno aqui com a ajuda de Bernardo Abreu

Todos estes constrangimentos advêm claro de 1995, onde a conversa haveria de chegar novamente, de uma maneira ou de outra. Nuno fala num processo, sem muitas surpresas, “muito difícil” e até “dramático”, no qual se focou “essencialmente” na recuperação para que a “deficiência afetasse a vida o menos possível”. Às tantas, Nuno Vitorino chegou mesmo como que a uma aceitação cerca de dois anos depois do acidente. Explica que uma médica disse-lhe algo como: “Estás há dois anos a trabalhar os braços, a trabalhar as pernas, a tentar voltar a andar. Esquece, não vais voltar a andar na vida. Otimiza aquilo que mexes – que é tão bom num tetraplégico –, os braços, e vai fazer vida com isso”. Um processo que foi “rápido”, mas que veio mesmo desse momento, que o surfista e antigo campeão europeu da sua categoria se lembra como se fosse hoje. O momento em que a “médica bateu na mesa irritada”.

O choque de não andar e a ida aos Jogos Paralímpicos

“Foi um grande choque. Quando alguém te diz que já não voltas a andar… Obviamente que tu sabes e sempre soubeste, mas quando se materializa, é mesmo um choque”, acrescentou sobre esses fatídicos anos na década de 90. Mas se a ligação à água não era nova, principalmente ao mar, visto ser praticante de bodyboard desde criança, foi já nas piscinas que se começou a destacar a nível competitivo. Começou tudo em 1998, quando estava na piscina como “forma de reabilitação”. Depois de um professor do espaço onde se encontrava Nuno dizer que este devia ir “para uma equipa de competição”, este competiu em primeiro lugar na GesLoures. O destino dessas braçadas apenas terminou em Atenas nos Jogos Paralímpicos de 2004.

Nuno em Atenas 2004

“Em 2000 já estava no campeonato da Europa, na Suécia, e a partir daí foi um crescendo. Comecei a treinar todos os dias, muito arduamente, fui atleta de alta competição e mal entro no campeonato da Europa e nunca falhei grandes palcos da natação paralímpica, em 2004 estive Jogos Paralímpicos, mas posso dizer que não era sequer para ir lá ganhar medalhas, era um objetivo, o de ser apurado. Porque nós falamos da nata, da elite, quando dizemos elite é mesmo elite, em Portugal tinhas na altura cerca de 200 nadadores com deficiência e foram 7, e a nível mundial tens mais de 8.000 nadadores e desses 8.000 vão 400. Foi fantástico, posso dizer-te que foi um game changer, uma mudança, porque peguei numa frase daquelas que já é uma batida mas que eu assimilei muito bem, que é ‘se eu consigo fazer isto, se eu consigo estar aqui, eu consigo qualquer coisa’”, explicou sobre o momento em que garantiu esse qualquer coisa a si mesmo.

O “chamamento” do mar

E cinco anos depois dos Jogos Paralímpicos, em 2009, estava Nuno Vitorino em Carcavelos quando olhou para o mar e sentiu um “chamamento, talvez como aquele que os padres sentem”. Tal como sabe aquela data de maio, sabe também esta: 2 de dezembro. Então, há 12 anos, começou a sentir um “grande constrangimento” ao estar na praia, mas sem estar na água. Seguiu-se um telefonema para um amigo: “Disse-lhe ‘vamos voltar a surfar, já não o faço há muito tempo e não sei o que vai acontecer, mas vamos lá para dentro’”. Dia 3 de dezembro lá estava Nuno, num dia “frio”, a surfar com mais dois amigos. “Nesse dia não correu bem, mas a minha cadeira de rodas ficou na areia e de repente já havia 50 pessoas na areia a ver-nos”, recorda. Já não havia volta a dar.

Ajustados e limados alguns pormenores técnicos e logísticos, nomeadamente ao nível da prancha, quando foi encontrado o (primeiro) ponto certo, os amigos empurraram Nuno na onda e ele começou logo a “cortá-la”, numa “das sensações mais libertadoras” da sua vida. Afirmou que foi “vítima” das circunstâncias, de “ter amigos que conheciam quem fazia pranchas, que tinham lojas de surf”, mas também de como é diferente não saber e saber o caminho, que deu então para tomar conclusões pela “tentativa-erro e adaptar material, porque gasta-se muito”. Hoje em dia, se existem muitas pranchas adaptadas, muito material específico para cada patologia, muito o deve o surf adaptado a Nuno Vitorino e à sua equipa. Equipamento para cada “perfil funcional, porque nunca falamos em deficiência, mas sim no que o corpo pode dar ao desporto”.

O "chamamento" do mar tornou-o num medalhado atleta de surf adaptado
Nuno já competiu contra uma prancha desenhada por si
Aos 44 anos, vai passar a surfar só pelo "gostinho"
Chris Grant

“A deficiência está lá, nós sabemos, mas isso pouco interessa. É ver ativamente o que é que podes mexer e podes aproveitar para estar a dar ao desporto. E toda a adaptação de material vai nesse sentido. No sentido do perfil ativo. Nós agora já começámos a trabalhar com marcas de surf, especificamente para adaptar esse material, e posso dizer que já temos pranchas que foram idealizadas por nós, em Israel, nos Estados Unidos, em Inglaterra. Tem sido uma viagem muito boa. Posso dizer que estava no Mundial [recentemente, na Califórnia] e competi contra uma prancha que eu próprio idealizei.  Foi fantástico, um israelita a usar uma prancha que está assinada por mim”, exclamou.

E tendo acontecido na última competição de Nuno por Portugal, sente o mesmo que foi um momento de full circle, em que tantos anos depois de começar, ver um adversário com uma prancha desenhada para si era o fechar de um capítulo? “Sim, sim, foi, é daqueles momentos em que obviamente te tentas abstrair, mas não consegues, estás a olhar para a tua prancha e queres que aquilo também funcione. É fantástico, mas ao mesmo tempo estás a competir contra a outra pessoa”.

Nuno foi operado à cervical a 30 de agosto deste ano, o que “tirou alguma energia, força e disponibilidade física”. Como sempre, copo meio cheio e as decisões (as possíveis) do seu lado: “Mas cá estamos e, quando fomos ao Mundial, eu assumi logo que era o meu último Mundial e a minha última competição, a nível internacional, pela seleção nacional. Porque eu vou continuar a competir, mas não vou continuar por Portugal, vou pelo gostinho, só. Não me sinto em condições físicas a 100% para representar Portugal. E eu sempre disse que não quero que o desporto me empurre para fora da competição, quero ser eu a decidir quando é que saio. Foi o que aconteceu“.

“A alta competição tem de doer”

Em suma, no surf o objetivo de Vitorino sempre foi o mesmo, claro e ambicioso: “vou para ganhar, não acredito no desporto por participação”. “Para mim alta competição é para ganhar. No dia em que venha um atleta que diga que vai para participar, não está lá a fazer nada. A alta competição tem de doer. Um atleta que diga que não sofre num treino, não está mesmo lá a fazer nada. Se tem de doer, tem de valer a pena. Por isso é que quando me perguntam qual é meu objetivo, quando faço aqueles preenchimentos dos papéis do alto rendimento, eu digo logo que o meu objetivo é ser o primeiro. E eu nunca dou desculpas, eu não deixei de ganhar por causa do mar, ou porque as condições não foram as ideais, porque fui roubado pelos juízes nada disso, a responsabilidade é sempre minha e só minha, não de fatores externos, porque aceito competir consoante aquelas regras. Estando lá tenho de assumir as consequências. E é isso que digo à minha equipa também”, disse, ressalvando que “não se pode olhar para o desporto olímpico e paralímpico só de quatro em quatro anos”. “Tem de ser mais transversal, para a sociedade ser mais ativa, menos sedentária, com menos problemas de saúde. Tem de haver um desporto escolar sério”, defendeu.

E depois vamos dizer aos atletas que são obrigados a ganhar medalhas? Ainda bem que nós conseguimos medalhas, porque não temos de provar nada a ninguém, tanto que trabalhamos com pouco, e com esse pouco conseguimos muito. Porque é que não se levam mais atletas, que até se calhar nem vão lá para ganhar, vão para ganhar experiência, o que também é necessário para estes palcos? Não levamos porque não há apoios financeiros suficientes para fazer essas escolhas e depois isto não se transforma numa cultura desportiva. Depois quando a sociedade exige que haja cultura desportiva temos de pensar um bocadinho todos e começar logo na base. Tentei com o meu exemplo inspirar outras pessoas, dizer-lhes que é possível fazermos certas e determinadas coisas apesar da nossa patologia, e eu acho que isso é a maior moral, transformar estas vidas, não olhar só para dentro e ter uma visão mais periférica daquilo que é o mundo, daquilo que é a felicidade, o que é os sorrisos e ver que sim é possível, seja no surf, no basquetebol, seja noutra coisa qualquer”, acrescentou, dizendo ainda que é preciso “agarrar no desporto e estabelecer objetivos, concretizá-los, para que isso seja impactante e transforme a vida”.

Muito se falou de surf com Nuno Vitorino, do desporto, da competição, de chegar e sair da mesma, de jogar para ganhar ou não. Mas, no fim da conversa, o homem de 44 anos finaliza com ideias simples e bem estruturadas de como tornar tudo, tendo o surf e o desporto como forma, num melhor conteúdo: “Basicamente é isto. É poder viver como todas as pessoas vivem, é ter as decisões e fazer aquilo que nós queremos. Eu também escrevi uma frase há algum tempo que é ‘mesmo quando as duas pernas se transformam em duas rodas, ou quando existem olhos que não veem, existe um coração que sente’. Há muita gente abandonada em casa porque não consegue sair da sua casa porque tem degraus e isso é a maior tristeza que nós podemos ter enquanto sociedade porque somos muito egoístas e olhamos muito para nós, não olhamos para os outros e isso depois reflete-se diariamente naquilo que nós somos. Nós somos um povo tão fantástico com um país tão maravilhoso, só precisamos daquele ‘Q’, aquele ‘Q’ de Qualidade. Essa qualidade é só isto, vamos partilhar mais, vamos cuidar mais uns dos outros”.

Quem conhece bem Nuno Vitorino é Teresa Abraços, de 54 anos, alguém que “integrou a associação logo de início”, como voluntária e vice-presidente. “Uma das primeiras surfistas em Portugal, campeã nacional e da Europa, começou logo a ajudar-me com a sua motivação e know how ao nível do surf. Ela achou que era a cara dela e quis estar ao lado do projeto”, refere o surfista.

Teresa, a ‘vasculhadora’ de redes sociais… porque queria ajudar

E Teresa, o que diz? Ao Observador, fez questão de contar como Nuno “tem um sentido de humor fantástico e inclusivamente brinca com a sua própria limitação”. “O [humor] é ótimo para ele e para nós que lidamos com ele. Os voluntários que estão há pouco tempo e que se calhar ao princípio se sentem pouco à vontade em lidar com uma pessoa diferente, chamemos-lhe assim… Uma pessoa ao pé dele está sempre bem-disposta, há sempre uma piada… É incrível”, explica.

Andei a vasculhar onde o podia encontrar, pelas redes sociais e assim, consegui chegar ao telefone dele, e disse-lhe que estava no meio do surf já há muitos anos e gostava de ver no que é que podia ser útil e que o gostava de conhecer.”

A surfista conta ainda como conheceu Nuno, após competir durante muitos anos, enquanto acumulava os estudos e um trabalho de “toda a vida” na TAP, que a dada altura “já não fazia sentido e já era difícil conciliar a vida profissional com a competição”. “Continuo a surfar muito”, disse entre risos, mas explicou também ter percebido “ao deixar de competir que poderia utilizar o surf de outra forma”. “Ou seja, se calhar partilhar esta minha paixão com pessoas que à partida têm mais dificuldade em praticar esta modalidade e foi assim que começou, na altura, em 2012. Lembro-me de ver uma notícia na Internet, uma coisa muito informal, uma experiência de surf com pessoas com algumas limitações, e na altura, por motivos pessoais estava um bocado ocupada, mas fiquei com aquilo debaixo de olho, aquilo que li e as fotos que vi. E assim que tive oportunidade, passados uns 15 dias, fui conhecer o Nuno Vitorino. Andei a vasculhar onde o podia encontrar, pelas redes sociais e assim, consegui chegar ao telefone dele, e disse-lhe que estava no meio do surf já há muitos anos e gostava de ver no que é que podia ser útil e que o gostava de conhecer. Fomo-nos encontrar numa pastelaria em Telheiras e nunca mais nos largámos desde julho de 2012″, explicou.

Teresa Abraços diz que diz que o "papel da Surf Addict é super importante"
O mar deixou de ser impossível
"Normalmente são miúdos que, dadas as suas limitações têm mais complexos"
Os sorrisos dados pela associação e pelo surf adaptado
Surf terapêutico é muito importante, refere Teresa Abraços

Em quase dez anos muito muda, para Nuno e Teresa, estes esperam que tudo melhore na sua área de ação, e a mulher que começou a ir à praia no Estoril referiu, na mesma linha de Nuno, que a Surf Addict “muda vidas, acima de tudo”. “Também mudou a minha vida, para melhor, mesmo muito, ao ponto de eu mudar de vida e deixar a TAP e pensar que realmente esta é a minha paixão e na minha vida faz mais sentido dedicar-me a isto, e realmente são dez anos que eu não trocava por nada”, frisou. Sendo surf uma “modalidade praticada em espaço público, nas praias, o papel da associação é super importante, apesar de haver quem não repare ou se esqueça, nomeadamente o poder político e por vezes a população em geral”. Reclama ainda por mais “acessibilidade nas praias”, ainda que haja cada vez mais “lugares de estacionamento para pessoas com dificuldades motoras ou cadeiras anfíbias para uma pessoa que, por exemplo, esteja numa cadeira de rodas, possa facilmente ir ao mar”.

Ainda na lógica de forma conteúdo já referida, Teresa explica como o desporto e a missão social “caminham lado a lado”: “À primeira vista pode parecer que estamos lá pelo surf, e estamos sem dúvida, mas lado a lado também temos essa missão. Desmistificar os preconceitos em relação a estas pessoas. Estou muito no terreno, todas as semanas, a nossa base é em Carcavelos, e como estou na praia, muitas vezes vêm ter comigo pessoas que dizem ‘ah que engraçado, eu não sabia, é que eu tenho um vizinho que está numa cadeira de rodas e eu não sabia que eles podiam fazer isto’; ‘o meu sobrinho tem uma paralisia cerebral, um grau de autismo’, e começam a perceber que tal como nós gostamos de ir para a rua fazer isto, eles também gostam e não faz sentido manter as pessoas em casa”.

A grande importância do surf “terapêutico”

Teresa Abraços, sem retirar a vertente competitiva e lúdica (de quem vai ter uma “experiência de surf”, para quem quer simplesmente “aparecer” na praia), acha que é para o terapêutico que o surf adaptado caminha, uma vertente que “existe na associação” e pode ser um “complemento” a terapias “tradicionais”. “Ao longo dos nossos anos destas experiências de lazer, verificámos os benefícios que um dia de surf tinha para eles, e falando com os pais ou os próprios, chegámos à conclusão de que se calhar seria muito interessante e útil tentar criar uma base mais regular. E foi em Carcavelos que criámos esta vertente que são sessões de surf mais consistentes, mais regulares, mais orientadas e mais personalizadas. Temos 5 pessoas fixas, participantes, e para cada um deles temos objetivos do que é que eles pretendem melhorar ou que as famílias pretendem que eles melhorem. Chegamos a falar com os fisioterapeutas deles para ver em que é que podemos complementar o trabalho…”.

Passa então de uma experiência a um processo?  “É mais do que isso, fazemos quase um estudo, durante um ano acompanhar uma pessoa com paralisia cerebral, como fizemos com uma menina com nove anos. Em cada sessão fazemos um relatório para irmos acompanhando e sistematizando o trabalho, e depois vê-se o resultado e as diferenças. Envolvemos a família, para nos relatarem como é que está a ser o dia a dia em casa, envolvemos também a escola no caso dessa menina, a professora e a diretora da escola, que nos relatavam em que é que notavam diferenças, para melhor ou para pior, neste caso para melhor”, principalmente na “autoconfiança”, porque “normalmente são miúdos que, dadas as suas limitações têm mais complexos, mais dificuldade em integrarem-se e brincar com os outros”.

“Até neste sentido de pertença a um grupo, que somos nós, os voluntários e aquele peito cheio ao dizerem que são surfistas, ficam todos orgulhosos. É das coisas mais engraçadas o orgulho em ser surfista. Portanto tudo isso mais na parte motora, ganhar equilíbrio, a postura… era uma menina que tinha muito mais desequilíbrios e tombava muitas vezes, ganhou um bocadinho mais de força, tinha receio de por a cabeça debaixo de agua, hoje em dia ela já dá mergulhos e quando cai da prancha está perfeitamente à vontade, coisa que no início era completamente impensável”, explicou.

“Temos outro exemplo, que até estou a escrever um trabalho como estudo de caso. Um rapaz… um homem, com trissomia 21 e uma lesão cerebral, que nestes anos que o acompanhámos já perdeu 19kg, era um rapaz com 1,47 metros e quase 80 quilos. A nível de peso, da socialização, normalmente estas pessoas têm muita dificuldade em ter amigos, ou porque é algo de nascença ou se não é foi algum infortúnio ou um acidente e os amigos geralmente, como na vida, acabam por não ter disponibilidade para os acompanhar tão assiduamente como eles o desejariam. Então passamos um bocado a ser o grupo de amigos”, finalizou.

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