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Quando projetou "Speculative Intimacy", a artista de 38 anos estava longe de imaginar que o mundo seria abalado por uma pandemia, embora as suas reflexões já estivessem profundamente alinhadas com as novas possibilidades de amor geradas pela tecnologia e pela inteligência artificial
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Quando projetou "Speculative Intimacy", a artista de 38 anos estava longe de imaginar que o mundo seria abalado por uma pandemia, embora as suas reflexões já estivessem profundamente alinhadas com as novas possibilidades de amor geradas pela tecnologia e pela inteligência artificial

Renato Cruz Santos

Quando projetou "Speculative Intimacy", a artista de 38 anos estava longe de imaginar que o mundo seria abalado por uma pandemia, embora as suas reflexões já estivessem profundamente alinhadas com as novas possibilidades de amor geradas pela tecnologia e pela inteligência artificial

Renato Cruz Santos

O amor e a intimidade são arte em construção, diz-nos Alicia Kopf

Depois de Lisboa, "Speculative Intimacy" chega ao Porto com dois filmes, um deles inédito e realizado para o espaço da Culturgest. Falámos com a artista sobre a exposição, sobre emoções e tecnologia.

O que é o amor? O que é a intimidade? As questões reverberam na obra singular de Alicia Kopf (pseudónimo de Imma Ávalos Marquès), que flutua e se emaranha livremente entre a escrita, a investigação científica, o vídeo e outras formas especulativas de conceber arte e gerar questionamento. Este seu curioso modus operandi ganhou enorme visibilidade em 2016, aquando do lançamento de Irmão de Gelo, livro premiado e aclamado pela crítica, traduzido para dez idiomas e publicado em Portugal em 2018, pela Alfaguara.

Nele, Alicia embrenha-se numa expedição polar épica, que é também uma expedição íntima, ao refletir como é possível chegar ao âmago e estabelecer pontes de comunicação com alguém que está congelado no seu próprio mundo, neste caso o irmão, diagnosticado com um transtorno autista. Não por acaso, a narrativa parte de uma teoria de John Cleve Symmes, do século XIX, que defendia que a Terra tinha dois buracos nos extremos que comunicavam entre si e, consequentemente, “se fosse possível chegar ao polo, ter-se-ia ao alcance todo um universo interior.” Ao expandir as possibilidades de comunicação, a artista natural de Girona, tal como um explorador que apalpa o desconhecido, vai abrindo janelas de compreensão sobre a natureza humana.

A capa de “Irmão de Gelo”, livro de Alicia Kopf com edição portuguesa pela Alfaguara

Seguindo esta linha conceptual – quer na forma, quer na estrutura do pensamento – Alicia Kopf traz-nos, desta feita, Speculative Intimacy. A exposição, que já passou pelo espaço Fidelidade Arte, em Lisboa, chega agora à Culturgest, no Porto, enquadrada no ciclo Reação em Cadeia. Como explica Bruno Marchand, curador deste ciclo que teve três mostras em 2019, ainda que as exposições sejam encaradas como um uno identitário, elas devem ter a plasticidade de se adaptar aos locais de exibição e ao quadro temporal de produção de cada artista. Assim, o que vemos agora no Porto difere do que foi apresentado em Lisboa que, por sua vez, também difere da primeira apresentação de Speculative Intimacy feita por Alicia Kopf em Barcelona, em 2019.

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Nessa altura, a artista de 38 anos, estava longe de imaginar que o mundo seria abalado por uma pandemia, embora as suas reflexões já estivessem profundamente alinhadas com as novas possibilidades de amor geradas pela tecnologia e pela inteligência artificial. Obras como An Understading of Control (2019), que pode ser vista na Culturgest, têm um caráter premonitório, em que a relação entre uma mulher e um drone levanta o véu sobre o conceito autoproposto de “extemidade” (uma intimidade amplamente exposta) que está muito em foco na obra desta artista licenciada em Belas Artes e Teoria da Literatura Comparada. Por sua vez, Historia de mis Ojos (2020), filme inédito e especificamente realizado para esta mostra, aponta para dois espetros opostos: o do cosmos, que abarca tudo aquilo que nos é inalcançável; e o do nosso interior, do nosso corpo, matéria geradora de vida e também de abismos. Uma dualidade que vai ao encontro da crença de Alicia Kopf de que “a intimidade, tal como o espaço, é um lugar a descobrir e a explorar” – tema para desenvolver numa breve conversa com a artista, no Porto.

"Ao estarmos fechados em casa, trabalhando às vezes num chat, acabamos por criar uma ideia de “extimidade”. Acredito que a intimidade é um lugar a descobrir e a explorar" (Foto: Renato Cruz Santos)

Renato Cruz Santos

Speculative Intimacy é um trabalho que começou a ser desenvolvido em 2019 e do qual é possível ver na Culturgest dois filmes que abordam o tema do amor e da intimidade na era da tecnologia digital. Como surgiu este projeto?
O nome e o marco conceptual deste trabalho vêm das estéticas especulativas da ficção científica e da interrogação das novas formas de intimidade. O que fiz durante uns anos foi, sobretudo, investigar o lado feminino da ficção científica seguindo as teorias de Rosi Braidotti e do pós-humanismo. Normalmente, a ciência de ficção aborda o encontro e o vínculo com um outro que é radicalmente distinto de nós. É uma viagem que nos leva a outros mundos. Então, peguei nesse imaginário enquadrando-o nos novos modos de intimidade. Durante a pandemia creio que todos pensámos nisso, nas novas formas de intimidade que a tecnologia nos abriu. Ao estarmos fechados em casa, trabalhando às vezes num chat do Zoom, acabamos por criar uma ideia de “extimidade”. Acredito que a intimidade, tal como o espaço, é um lugar a descobrir e a explorar.

No vídeo An Understanding of Control, que aborda a relação íntima entre uma mulher e um elemento tecnológico, existe uma passagem que expõe a dificuldade da máquina em compreender o amor, embora haja uma relação explícita entre as duas personagens. Qual o significado desta ideia contraditória?
Na génese desta história há claramente uma pergunta sobre o que é ser humano e o que é o amor. A história foi realizada em conversação com um bot da internet. Tal como as crianças, os bots incorporam na sua base de dados tudo o que lhes é dito por milhares e milhares de pessoas. Depois recombinam esses elementos, introduzindo as frases. O bot parece que não é humano, mas na realidade é bastante humano, porque é a combinação do que milhares de pessoas lhe disseram. O que me interessava, neste caso, era ter uma personagem que perguntasse “o que é a intimidade?”, “o que é o amor?”, mas em vez de perguntar a um humano, se dirigisse a um elemento tecnológico que encerrasse em si mesmo conhecimento. Todas estas estéticas especulativas de ficção científica, que às vezes são relegadas para o mundo marginal do género literário e cinematográfico, são muito válidas para mim, para pensar em novos vínculos com a tecnologia. Este é o marco de pensamento de toda a exposição.

A pandemia veio reforçar a pertinência dessa reflexão?
Este vídeo foi realizado imediatamente antes da pandemia, em 2019. De algum modo, tem uma carga premonitória. Durante a pandemia, com as pessoas a viverem confinadas, a tecnologia foi o meio para se relacionarem com o exterior. Muita gente comentava “estamos dentro de um filme de ficção científica”.

"As pessoas que têm mais ou menos a minha idade vivem esta pergunta de um modo novo, porque existe tecnologia que permite que adiemos um pouco a maternidade. Ao mesmo tempo, esta também sempre foi uma pergunta muito íntima. Ninguém tem que justificar perante ninguém o que decide fazer, por isso é que não quero apresentar nenhuma resposta no filme."

O seu outro filme, Historia de mis Ojos, é uma obra inédita pensada para este espaço da Culturgest. Que abordagens lhe interessaram explorar aqui?
O ponto de partida para este filme foi o Johannes Kepler, a pessoa que no século XVII descobriu a órbita dos planetas e que inventou a tecnologia para medir a visão, que é a mesma dos conhecimentos para construir telescópios. A partir daqui, criei uma história real dos meus olhos que derivou em ficção científica. Todos os imaginários da ficção científica são-me muito atrativos, embora imaginários antigos que eu adoro – refiro-me aos anos 70 de Kubrick e Tarkovsky, que são as minhas referências cinematográficas – não me servissem para interpretar nada da minha vida. Então recorri ao mistério do espaço, do expansivo, trasladando-o para uma história que eu creio que muita gente projeta na sua intimidade mais profunda. Isso é o jogo deste filme novo.

A partir dessa reflexão, aborda a questão da maternidade, não só sobre o dilema de trazer uma nova vida ao mundo, mas também sobre o momento de a gerar.
Quando trago uma questão para uma obra de arte tento que essa questão seja aplicável a muitas pessoas. Acredito que, hoje em dia, qualquer mulher trabalhadora com um certo grau de exigência questiona isso. Acredito que é uma questão que está sempre na base de tudo o que fazemos a partir de uma idade específica – ainda para mais quando não tens os meios necessários para ser mãe, ora porque és uma profissional ativa, ora porque vem aí uma nova crise económica, depois de termos vindo de uma outra que agravou a precariedade. O que eu fiz no filme foi mostrar a pergunta sem o objetivo de buscar nenhuma resposta.

Sente que esta é uma questão geracional?
Totalmente. As pessoas que têm mais ou menos a minha idade vivem esta pergunta de um modo novo, porque existe tecnologia que permite que adiemos um pouco a maternidade. Ao mesmo tempo, esta também sempre foi uma pergunta muito íntima. Ninguém tem que justificar perante ninguém o que decide fazer, por isso é que não quero apresentar nenhuma resposta no filme. A mim interessa-me representar no cinema a pergunta da mulher, que é uma coisa que, a meu ver, nunca se faz. Ou seja, a mulher aparece no cinema já com o bebé nas mãos e a mim parece-me interessante que se viva cinematograficamente esta pergunta, não de uma perspetiva sentimental, mas de um ponto de vista visual.

"Criei uma história real dos meus olhos que derivou em ficção científica. Todos os imaginários da ficção científica são-me muito atrativos" (Fotos: Renato Cruz Santos)

Renato Cruz Santos

Neste filme a Alicia diz que ficar cega é algo insuportável porque ficaria fechada em si mesma para sempre. Ainda assim, há um lado de expansão nesta abordagem…
Claro, também abre outros sentidos. Neste filme há uma reflexão muito particular e literária sobre a visão. O guião parte de um capítulo de um livro meu que escrevi em 2011, Modos de (no) entrar en casa, sobre a impossibilidade de aceder a coisas.

Isso leva-me à questão da obra da Alicia não se encerrar num único formato. Para o filme Historia de mis Ojos usou um capítulo do livro Modos de (no) entrar en casa. Já para o seu livro Irmão de Gelo partiu do projeto e do ciclo de exposições Articantàrtic (2011 – 2015) para conceber uma narrativa que quebra com as estruturas convencionais, combinando desenhos, notícias, apontamentos científicos, mensagens de WhatsApp, mapas, entre outros elementos. De onde vem esta sua linguagem criativa?
É um processo muito expansivo que não separa técnicas. Normalmente, um escritor diz, “eu estou a escrever um romance” e centra-se no texto. Já eu faço toda a investigação de um modo bastante amplo e teórico e começo por questões muito básicas que me suscitam uma grande curiosidade e que toda a gente compreende, menos eu, creio [risos]. Como por exemplo, “o que é o amor e o que é a intimidade?”. Mas sei que não posso fazer essas perguntas de uma perspetiva clássica, porque ia encontrá-las explanadas, desde há milhares de anos para cá, em muitas obras de arte e literárias. Assim, pergunto-me como é que posso iluminar isto de um novo modo. Para a Speculative Intimacy comecei a ler interpretações feministas da ciência de ficção, tais como Ursula K. Le Guin ou Rosi Braidotti, e as posições pós-humanistas de interpretação da realidade. A partir daqui, abriu-se um mundo de possibilidades de como é que posso revisitar as zonas cegas da intimidade. Tudo o que se está a passar atualmente faz-nos reconsiderar o que é a intimidade, o que é o amor numa altura em que estamos constantemente expostos tecnologicamente, ou o que é a reprodução da vida quando somos capazes de congelar as nossas células reprodutivas, quando a reprodução já não se circunscreve ao nosso tempo biológico. Tudo o que se está a passar, de algum modo, reformula estas perguntas.

"Tudo o que se está a passar atualmente faz-nos reconsiderar o que é a intimidade, o que é o amor numa altura em que estamos constantemente expostos tecnologicamente, ou o que é a reprodução da vida. Tudo o que se está a passar, de algum modo, reformula estas perguntas."

Surpreendeu-a que a crítica tivesse reagido tão bem a Irmão de Gelo?
Foi um privilégio porque havia um grande risco no livro. A surpresa não foi por falta de ambição no projeto, mais propriamente de ambição literária, mas porque eu estava a tentar inovar na montagem do enredo. Não é um texto tradicional, feito com os marcos de representação clássicos. É um ponto de vista novo, que é aquilo que me interessa fazer sempre, ao reformular uma história a partir de um outro marco interpretativo que não vejo representado no mundo. Daí o privilégio da crítica ter aceitado bem estas inovações na forma e no conteúdo. Fiquei muito contente por ter tido, até agora, dez traduções e boa crítica.

Com estas reflexões sobre a intimidade, já chegou a alguma conclusão sobre o que é o amor?
[risos] Ainda não, ainda estou em processo.

O que se segue a Speculative Intimacy?
Para já ainda tenho bastante trabalho com o filme Historia de mis Ojos, porque esta é uma primeira versão que foi desenvolvida para a instalação no edifício da Culturgest. A seguir quero preparar uma versão para as salas de cinema em género curta cinematográfica. Também tenho que acabar o novo livro, que provavelmente terá elementos expositivos que estiveram em Lisboa e que se irá chamar Speculative Intimacy. As exposições obrigam-me a formalizar o mundo visual e, ao mesmo tempo, a escrever partes da narrativa. Isso reter-me-á nos próximos meses.

Irmão de Gelo conquistou os prémios Documenta 2015, Llibreter 2016, Ojo Crítico 2016 e Cálamo “Otra Mirada 2016”

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