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O dia em que as Tartarugas Ninja e outros tesourinhos dos anos 90 invadiram o Rock in Rio

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Este artigo contém linguagem e descrições que podem ferir a sensibilidade dos leitores

"Marilú", "Ao Limite Eu Vou", Crazy Town e Haddaway: a festa-experiência Revenge of the 90's teve isto e muito mais. Marcou o 3º dia do Rock in Rio e o Observador acompanhou o trabalho de bastidores.

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A sexta-feira de trabalho de Paulo Silver e André Henriques, criadores da festa-conceito-experiência Revenge of the 90’s, começou cedo. “Acordei às 8h e não parei até agora”, contou Paulo Silver ao Observador, nos bastidores do palco secundário do festival, o Music Valley. Era já hora de jantar e, terminados os primeiros concertos desse palco (de Manel Cruz e Capitão Fausto), estava a começar a curadoria da noite Revenge of the 90’s, que incluiu DJ sets, atuações, karaokes, brindes como jelly-shots (já lá iremos) e recriações de filmes e séries marcantes dessa década. Não é fácil de explicar, mas Paulo Silva descreveu-o assim ao público do Rock in Rio: “É uma viagem às memórias dos anos 90”.

Como qualquer festa (os criadores preferem a expressão “experiência”) Revenge of the 90’s, que começou em Lisboa e já foi “exportada” para vários pontos do país, esta curadoria demorou dois meses a preparar. Mas há sempre detalhes de última hora que obrigam a que o dia seja mais longo. “Ir comprar coisas de última hora, ir buscar pens para fazer backups [cópias de segurança], arranjar cabos USB, ir buscar coisas ao escritório, ir buscar o computador, gravar uma voz para um vídeo de introdução que vamos passar, fazer soundcheck, ultimar os vídeos, dar entrevistas”, enumerou Paulo Silver. Enfim, “correr para aqui e para ali”, até porque há sempre alterações de última hora, como explicou André Henriques: “Já acrescentámos e tirámos coisas do show durante o dia de hoje e é provável que a dez minutos de entrarmos haja uma coisa ou outra que mude”.

O início de noite foi passado assim, com Paulo Silver, André Henriques, Miguel Galão, Hugo Castanheira e a restante equipa (cerca de 30 a 40 pessoas) que trabalhou para que a curadoria Revenge of the 90’s no Rock in Rio fosse possível num autêntico corropio entre chamadas telefónicas, conversas com assistentes de produção e viagens constantes entre o palco Music Valley e os camarins. Isto apesar de também ter havido tempo para comemorar e beber um copo em equipa. Afinal, como dizia André Henriques ao Observador no início da noite: “O mais provável é termos hoje o nosso momento mais alto”. E depois? “Depois queremos o mundo.”

O início da noite Revenge of the 90s, no palco Music Valley, do Rock in Rio

Vasco Silva

Os criadores de Revenge of the 90s — que tem como base duas empresas de produção de eventos, a H Collective e a New Sheet, com experiência na organização de outras festas de grande dimensão, como as festa Rebel Bingo — estão a preparar-se para levar a “experiência” de norte a sul e ilhas: a partir de outubro, arrancam numa digressão que incluirá mais de dez cidades portuguesas. Mas a ambição é grande, e André Henriques e Paulo Silver não vêem motivos para que a Revenge of the 90s não possa chegar a outros países. “É uma ambição nossa pegar neste conceito e levá-lo um bocadinho mais longe. Porque percebemos que o formato pode agradar a todo o mundo. Basta que se alterem algumas coisas para que a viagem [aos anos 90] não seja portuguesa e seja francesa, inglesa, espanhola ou brasileira”, apontou o primeiro.

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“Existem várias festas relativas aos anos 90. Já estivemos com vários produtores que as fazem, mas com este formato não. Há concertos, há DJ sets, mas ter uma experiência destas de anos 90… Sentimos que criámos aqui uma coisa que é muito especial”, referiu André Henriques. Uma Revenge of the 90s nacional será sempre muito diferente de uma Revenge of the 90s alemã ou francesa, por exemplo. Há memórias comuns a revisitar: Quem é que não se lembra do Titanic ou da série Marés Vivas?  Mas há memórias específicas que só as pessoas que cresceram nessa década em determinado país têm.

“Há coisas muito específicas que bateram aqui e não bateram em mais lado nenhum”, referiu Paulo Silver. “Vais à Alemanha e o David Hasselhoff é número um de vendas. Aqui ninguém conhece um single dele. Lá metes uma música dele e toda a gente chora. Porquê? Porque foi o primeiro artista a cantar depois da queda do Muro de Berlim. Cada país tem esses detalhes.” Cada vez mais conhecedora dessas especificidades, a equipa Revenge of the 90s olha para lá das fronteiras nacionais. Mas que “experiência” é esta?

Galão com Coca, um dos números musicais da Revenge of the 90s

Vasco Silva

Manuel João Vieira não estava à espera de ser convidado. Mas também nunca está à espera de “coisíssima nenhuma”

Tudo começou com a banda residente do Revenge of the 90’s, os Santamanuel (um trocadilho com a banda Santamaria), que entraram em palcos vestidos de tartarugas ninja para tocar e cantar alguns dos êxitos nacionais da década. Por exemplo, “Começar no A”, de Ana Malhoa (“Sabes que começou no A, A-A-A, e a seguir vem o E, E-E-E, inteligente é com o I, I-I-I, o U depois do O faz o A-E-I-O-U) ou “Saber Amar”, dos Delfins. A missão era espinhosa, já que as tartarugas ninja tinham a concorrência dos The Killers no palco principal, no lado oposto do recinto. Enquanto o concerto decorria, nos bastidores, Manuel João Vieira ia descontraindo. Preparava-se para atuar com os  Ena Pá 2000.

De chapéu na cabeça, palito na boca, vestindo um fato com um casaco amarelo às riscas e umas calças cinzentas, Manuel João Vieira, fundador dos emblemáticos Ena Pá 2000 (banda burlesco-satírica que viveu o seu auge nos anos 1990), saiu do seu camarim por volta das 22h para tirar um café, que antecedeu um whisky, que motivou uma busca por um copo de papel. Porque “com copo de papel é melhor do que com copo de plástico, já que não há de vidro”, explicou ao Observador o músico, pintor, ator e humorista português de 55 anos.

Os Ena Pá 2000 eram um dos destaques da noite no palco Music Valley. O concerto do grupo antecedia o ponto mais alto do espetáculo, a festa habitual que teve um novo cenário com imagens de animais e de selva, já que o tema era “Welcome to the Jungle”, e três convidados especiais: o cantor Haddaway (autor do hit “What Is Love”), a banda Crazy Town (esses mesmo, os de “Come come my lady / You’re my butterfly, sugar baby”) e as portuguesas Nonstop, numa atuação surpresa.

Os camarins dos Ena Pá 2000, nos bastidores do palco Music Valley

Vasco Silva

Nos bastidores, Manuel João Vieira ia-se preparando: “Já fiz muitos abdominais e elevações na barra”, afirmou ao Observador, sempre com ironia. “Não estava à espera de ser convidado para isto mas também nunca estou à espera de coisíssima nenhuma, portanto… Quando não tenho concertos tenho que os inventar”, disse.

Apesar de os anos 90 terem sido os anos de “Menage à trois”, “Bonita Troglodita”, “Marilú”, “Bacamarte”, “Fim-de-semana em Vizela”, “Florbela Espanca-me”, “Portugal Radical”, “Colhão Colhão” e “Vão para o caralho”, tudo canções dos Ena Pá 2000, Manuel João Vieira diz que não tem saudades da década. Até porque não se lembra dela: “Não me lembro de todo dos anos 90. Foi uma cena que passou. Aqui há uns anos ainda pensava que estávamos nos anos 90. Agora como o Revenge está na moda, é a prova que já não estamos, não é?”.

Nos bastidores, o cantor parecia uma espécie de estrela alternativa: havia quem viesse falar com ele, pedir-lhe fotos, rir-se com ele. Até apareceu um indivíduo em tronco nu e de fita na cabeça, mascarado de rambo, com uma espingarda falsa ao pescoço, a querer ser fotografado com o autor de “Marilú” (mais tarde, viemos a perceber que era Miguel Galão, um dos criadores da Revenge of the 90’s). Discreto, Manuel João Vieira ia bebendo o seu whisky, outro café, mais uma cerveja ou outra para animar o espírito. E concluiu a conversa assim: “Lembro-me melhor da música dos anos 60, antes de nascer. Há muita música boa nos anos 90, só que não me lembro. Olha, curto Ana Malhoa. Mas para este concerto tivemos algum cuidado em escolher temas relativos aos anos 90. Isto é, não vamos tocar um único tema dos anos 90 e dos anos 2000. A não ser que beba demais.”

Manuel João Vieira e os Ena Pá 2000 à subida para o palco secundário do Rock in Rio

Vasco Silva

Tocaram, é claro, e deram um concerto à Ena Pá 2000, cheio de impropérios, provocações e uma entrada em palco cambaleante — Manuel João Vieira requereu do coro da banda, duas mulheres vestidas de galinha que levantavam a saia para mostrar a roupa interiorcom um “cherry” estampado atrás, ajuda para se levantar, depois de uma queda que pode ter sido encenada. Ou não. No que concerne a novidades, toda a gente ficou saber que o cantor gosta “da filha do Donald Trump”.

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Haddaway, Crazy Town e o “show” surpresa das Nonstop: “A melhor noite das vossas vidas”

DJ Van Brallen subiu ao palco e aí começou a dança a sério, ao som de um DJ set recheado de pérolas (ou memórias sonoras embaraçosas, consoante o grau de nostalgia de cada um) dos anos 90 e inícios dos anos 2000. “Summer Jam”, por exemplo. Ou “Freed From Desire”, de Gala Rizzatto. Também “The Rhythm of the Night”, dos Corona. E ainda “Pump it Up”, de Danzel, ”Crazy Frog” e por aí adiante. Enfim, um petit pourri de kitsch.

“Vamos partir isto tudo ao som dos anos 90”, disse Paulo Silver, animador de serviço e cabecilha dos concorridos macro-karaokes do Revenge of the 90’s, que nesta terceira noite de Rock in Rio puseram uma multidão a cantar que “quando alguém nasce, nasce selvagem” e o jingle “A tua televisão independente Sic-sic-sic-sic”. Silver colocou um cronómetro no ecrã. A contagem foi decrescente e veio com uma promessa: “Daqui a 15 minutos, vão ter a melhor noite das vossas vidas.”

O que veio depois foi uma dose concentrada de todos os hábitos de diversão adolescente da década em questão, a começar nos  jelly shots (vodka e gomas, uma combinação de ingredientes que saiu de moda sem que nunca tenhamos percebido muito bem porquê), atirados para a plateia, entre outros brindes. O abraço de Leonardo DiCaprio e Kate Winslet na proa do Titanic foi recriado, como não podia deixar de ser, ao som de “My Heart Will Go On”, de Celine Dion — mas com um matulão de peruca a fazer de Rose e um Jack mais atrevido que lhe tentava pôr as mãos no vestido. Resumindo, já vimos rábulas melhores. “Everybody”, tema dos Backstreet Boys absolutamente crucial na história da pop ligeira, levou mais de uma dezena de bailarinos para o palco. Mas houve mais êxitos interpretados por este corpo de baile. Recriaram a abertura da série “Marés Vivas”, ao som de “I’ll Be There”, de David Hasselhoff. Dançaram “Wannabe”, das Spice Girls, “I’ll Be There For You”, da série “Friends”, “It’s Not Unusual”, de Tom Jones, “Pump It”, dos Black Eyes Peas e o genérico do filme “Trainspotting”. O público vibrou, como se só se tivesse deslocado até à Bela Vista para isto.

As Nonstop nos camarins, antes de subirem ao palco Music Valley para cantarem "Ao Limite Eu Vou"

Vasco Silva

Curiosamente, os convidados Haddaway, Crazy Town e Nonstop não foram as estrelas maiores, foram apenas parte da máquina do tempo planeada ao pormenor pelos criadores da Revenge of the 90’s, para sexta-feira à noite. Apesar de acumular êxitos, Haddaway, por exemplo, foi uma espécie de balde de água morna despejado sobre uma plateia em chamas. Já com as Nonstop, o cenário foi diferente. O intergeracional “Ao Limite Eu Vou” ouviu-se em uníssono.

Ao Observador, antes de entrar em palco, a girls band disse que não teve “muito tempo para preparar a atuação”. Ao que parece, tiveram uma semana “atarefada”, depois de terem atuado no Terreiro do Paço, no último sábado, dia 23 de junho. Mas, como de costume, um único tema foi suficiente para fazer a festa no Music Valley, dando mesmo a impressão de que, se a Nonstop cantassem “Ao Limite Eu Vou” em loop, durante meia hora (vá), o furor do público estaria mais do que garantido. “É um hino que já ultrapassou as Nonstop”, confirmou a banda. “Continua a ser a abertura de muitas discotecas de Lisboa e arredores”. Depois do “hino”, Paulo Silver acendeu em todos nós a chama da esperança. Segundo ele, vamos voltar a ouvir mais Nonstop no futuro.

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Irá a banda portuguesa voltar aos palcos? E ao estúdio? “Isso fica para depois”, responderam. Ali, o intuito foi celebrar o passado, não antecipar o futuro. A “família noventeira” reuniu-se, como gritou Silver ao microfone. E ela foi mesmo ao limite para se vingar dos anos 90.

Até onde é que esta festa-experiência pode chegar? É difícil prever. Começou há um ano e meio numa cave lisboeta para 500 pessoas (numa discoteca chamada Lontra) e esta sexta-feira dominou o alinhamento de um palco do Rock in Rio durante uma noite inteira. “Queremos o mundo”, já dizia André Henriques ao final da tarde. O filão está descoberto e o poder da nostalgia mudou o rumo de uma noite do festival.

Fotografias de Vasco Silva (exceto quando indicado)

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