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NUNO FOX/LUSA

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O dia em que o RSI e os apoios sociais apareceram sem avisar na campanha de Mayan

Notas de campanha. O candidato da Iniciativa Liberal foi correr a Belém e foi abordado por um sem-abrigo, acabando a defender apoios para a inserção como o RSI. E visou Governo, Marcelo e Ventura.

Não foi um tema que tivesse entrado na campanha por estratégia, por iniciativa própria, por vontade de colocar o assunto na agenda mediática e política. Mas mesmo numa campanha limitada pela Covid-19 nas ações de rua — e pelo “sentido de responsabilidade” na circulação pelo país de que Mayan Gonçalves diz não abdicar —, há temas que entram na agenda sem que um candidato os procure mas porque os encontra na rua, porque tropeça neles ao ouvir as preocupações das pessoas.

Depois de uma corrida de perto de um quarto de hora, boa parte desse tempo na companhia do líder da Iniciativa Liberal — João Cotrim de Figueiredo —, o candidato à Presidência da República foi dirigir-se a um homem que o tinha abordado, dizendo que gostaria de falar com ele e que aquela era a sua casa. A “casa” era uma carrinha branca, estacionada a uns metros do Padrão dos Descobrimentos, em Belém.

O homem que se dizia sem-abrigo e que pedia para não ser filmado chamava-se Daniel. E abordou o candidato presidencial porque esteve “a ver a sua página”. Mayan perguntou-lhe se tinha gostado, Daniel respondeu que “sim, claro”, daí o pedido para conversarem.

Daniel contava que também era “do Norte”, como Tiago Mayan, e que estivera “muito tempo no Porto” — mas também em outras cidades. Explicava que antigamente fazia “venda ao comércio e venda ambulante” e “tinha mais carrinhas”, o candidato perguntava-lhe o que acontecera e se tinha ficado sem-abrigo “após março” mas o problema era mais antigo: “Não, não. A minha falência foi em 2007, 2008. Mas cada vez tenho-me afundado mais, esta altura foi muito complicada. Faço aqui um dinheirito para comer, ao menos”.

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O candidato presidencial apoiado pela Iniciativa Liberal ouvia Daniel dizer que não tinha “nenhum apoio”, nada. E que não recebia qualquer ajuda, nem sequer o Rendimento Social de Inserção, por não ter morada fixa. “Vou a Braga, dizem que não sou de Braga. Vou ao Porto, dizem que não sou do Porto. Sou de todo o lado e não sou de lado nenhum”, queixava-se Daniel, que dizia não ter “nenhuns vícios”, fossem eles o tabaco, o álcool ou drogas.

Tiago Mayan Gonçalves deixava vários apontamentos durante a conversa: dizia ser “estranho que não exista nenhuma resposta social”, defendia que “tem de haver uma solução, tem de ser resolvido de alguma forma” e que “há muita burocracia associada a qualquer coisa que se faça perante o Estado”. Perguntava se notava muita gente na mesma situação e ouvia a resposta— “vê-se muita gente a passar grandes dificuldades” e “não sou só eu, doutor, há bem piores”. Dizia que “esta situação abateu-se sobre muita gente” e apontava o dedo ao Estado, que “se não está disponível para dar este tipo de apoio a estas pessoas não serve para nada”, que “se existe é para estas coisas”.

A conversa do candidato com Daniel, que dorme numa carrinha em Belém, aconteceu depois de uma corrida com o líder do seu partido (Iniciativa Liberal), Cotrim de Figueiredo

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O candidato da Iniciativa Liberal reiterava repetidamente que “tem de ser encontrada uma solução” e prometia tentar ajudar, “quero ajudá-lo”, guardando o número de Daniel. Lamentava “critérios burocráticos” como exigir uma morada para se conceder um apoio que fosse, dizia que não “faziam sentido”. E quando ouvia que “os políticos dizem que ajudam, que vão terminar com os sem-abrigo mas…”, notava que “o nosso Presidente [Marcelo Rebelo de Sousa] fez disso uma bandeira mas infelizmente estamos assistir é a um crescimento”, que “há quem proclame que quer acabar com os sem-abrigo mas não se vê os resultados disso”, que “essas coisas não se determinam por decreto, só é possível com crescimento e capacidade de resposta às situações de carência social”.

Sobre o RSI, o diálogo de Daniel e Tiago Mayan Gonçalves começou depois do primeiro ter mencionado o apoio que não recebe. E decorreu assim:

TMG — O papel do RSI está logo no nome: Rendimento Social de Inserção. É entregar diretamente à pessoa para permitir um enquadramento o mais rápido possível para recuperar a vida.
D – O valor é irrisório, como o doutor sabe…
TMG – Claro, claro, claro. Há quem proclame aí que… Os problemas do país não estão no RSI, como é evidente
D – Em princípio deveria era dar-se trabalho, haver trabalho.
TMG – Essa é que devia ser a grande questão. Estamos num período de grande dificuldade para isso. Mas é o que você quer, não é? Acima de tudo, poder trabalhar.
D – Era o que queria.
TMG — A resposta social tem de ser dada a pessoas que estão na sua situação, que querem é poder recuperar a vida. O Daniel quer é começar a trabalhar outra vez, ter o seu rendimento.

Tiago Mayan Gonçalves iria mais longe: diria que lhe parece “chocante” uma pessoa “não poder ser ajudada por faltar uma morada”, vincava que “a resposta social não pode depender de critérios de morada, não pode ser assim”. Repetia que “é aqui que o Estado tem de estar e não dá resposta”, ouvia que “com o trabalho ia-se lá porque o trabalho dignifica a classe humana”.

Depois da conversa, o candidato à Presidência dizia ao Observador que uma forma de combater “papões” associados ao liberalismo era negar que este modelo ideológico deixa para trás quem não acompanhe o ritmo do progresso — e que pelo contrário “é este modelo que está a levar a isto, um modelo altamente estatizante, burocratizado e centralizado que depois não consegue dar resposta a quem está nesta situação só porque a pessoa não tem uma morada”. Ser liberal, reiterava o candidato, “não é determinar o fim do Estado”, é defender um “Estado forte, capaz e eficaz onde o Estado tem de estar: aqui, na resposta social, a garantir o chamado limiar mínimo”.

Sobre o que dissera acerca do Rendimento Social de Inserção e a batalha que o candidato André Ventura assumiu contra o RSI, respondia que era “uma falácia total”, que “quem produz esse tipo de argumentação está de forma deliberada a criar divisões entre os portugueses” e defendia novamente que “o problema do país não está nas despesas do RSI, que é um valor irrisório no Orçamento do Estado”. O problema, dizia, está “na TAP, no Estado gordo, nas grandes obras públicas”, nos investimentos milionários.

Tiago Mayan ao ataque: críticas a Marcelo e um cartaz novo com uma provocação a André Ventura

A posição de defesa do RSI e dos apoios sociais do Estado é um equilibrismo difícil para um liberal. É verdade que a Iniciativa Liberal defende “dotar os beneficiários do rendimento social de inserção de ferramentas que os motivem e os cativem para a vida ativa do trabalho” — e o sem-abrigo que Mayan encontrou, Daniel, só queria uma ajuda para se reerguer e poder voltar a trabalhar, só queria trabalho. Mas também é verdade que no acordo que o seu partido assinou com o PSD para um governo à direita nos Açores está estipulado reduzir “o número de beneficiários do Rendimento Social de Inserção (RSI)”.

É certo que a redução do número de beneficiários do RSI preconizada pela Iniciativa Liberal está associada à crença de que é possível quebrar “o ciclo de pobreza”, de que é possível “criar condições de desenvolvimento económico” com um outro modelo que torne o país menos pobre e diminua o número de pobres em necessidade. Mas está lá, nesse mesmo acordo, uma expressão de que o próprio candidato já assumiu não ser fã: a “subsidiodependência”. E está lá a exigência que a atribuição do RSI seja “fiscalizada, no cumprimento da lei”.

Há temas mais confortáveis para a agenda de um liberal como Mayan, que ainda deu ferroadas em quem sugere que há muito beneficiário do RSI mandrião (leia-se, André Ventura) e em quem falou em acabar com os sem-abrigo como se o pudesse decretar (leia-se, Marcelo). Defender apoios sociais a quem não os tem não estava na agenda — até porque o apoio que “Daniel” precisa não se deve apenas à excecionalidade da pandemia, que Mayan associa a uma necessidade de maior intervenção e apoio estatal. Mas a procura de equilíbrio e de desmistificação dos “papões” liberais anti-apoios e anti-Estado foi notória.

A uns metros da corrida de Mayan, a corrida de Moedas

“Espera lá. Aquele não é o Carlos Moedas?” O candidato à Presidência da República Tiago Mayan Gonçalves e o antigo secretário de Estado adjunto do PSD — também antigo comissário europeu — tiveram a mesma ideia: ir correr para Belém à mesma hora. Mas desengane-se já quem achar que o social-democrata apoia o candidato liberal: foi um mero acaso e os dois aliás não se viram. Viram-nos os jornalistas, correndo a alguns metros de distância.

Não foi por aqui que Mayan angariou apoios públicos e de notoriedade, mas a corrida foi produtiva para o concorrente à Presidência da República apoiado pela Iniciativa Liberal. “Já tenho três votos”, diria no regresso, referindo-se a eleitores que o reconheceram na corrida e lhe manifestaram apoio.

Tiago Mayan a cumprimentar um eleitor que o reconheceu e lhe disse que tinha o seu voto

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Mira a Marcelo e um cartaz a Ventura, para captar voto à direita

Se nos dias anteriores o grosso das críticas foi para o Governo, mais do que para os candidatos à esquerda (Ana Gomes, Marisa Matias e João Ferreira, que têm sido quase ignorados olimpicamente), hoje mantiveram-se as críticas mas houve mais ataques políticos a dois candidatos a quem Mayan quer roubar votos à direita: Marcelo Rebelo de Sousa, que o candidato cola aliás à esquerda e ao PS, e André Ventura, que trata como extremista e populista.

Ao Governo, Mayan reforçou a crítica de “preconceito ideológico” e incapacidade na resposta à pandemia, nomeadamente por não ter recorrido aos privados da saúde. Já é quase “cassete”, mas até pelas imagens de caos hospitalar que se viram nos últimos dias o candidato liberal insiste. “É quase desesperante ver que não se está a usar toda a capacidade instalada de saúde que temos em Portugal. Chegámos a um cenário quase de guerra e é incompreensível como é que existe capacidade — por mínima que seja — que não está a ser utilizada”.

Reconhecendo que tem feito insistentemente o apelo para se recorrer aos privados e setor social da saúde, dizendo sentir-se “impotente” por não poder fazer mais do que “alertar todos os dias para esta situação”, exortou: “É necessário que a ministra da Saúde resolva este problema de uma vez por todas e use a capacidade instalada total do país”. Já à tarde, voltou a criticar a preparação das eleições pelo Governo, imputando responsabilidades a Eduardo Cabrita pela demora para votar antecipadamente: “Num ato eleitoral em que todos os dados eram conhecidos com antecedência, as longas filas de hoje revelam mais uma vez a incompetência do ministro Cabrita. Mas também é verdade que a responsabilidade maior é de quem o mantém em funções depois de tudo o que aconteceu.”

A Marcelo da Rebelo de Sousa deixou uma crítica forte nas redes sociais. Escreveu: “Em menos de uma semana, Marcelo descredibilizou as orientações da DGS, pôs em causa a fiabilidade dos testes e fez campanha num lar de idosos enquanto esperava resultado do teste à Covid. É cada vez mais difícil ajudá-lo a terminar o mandato com dignidade”. Quanto a André Ventura, a nota principal passa pelo cartaz recentemente afixado em Alcântara, Lisboa, onde ao lado de um outdoor de André Ventura que o promove como “Presidente dos portugueses de bem” vê-se um cartaz com uma fotografia de Mayan e a legenda: “Presidente de todos os portugueses (até dele)”.

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