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Adalberto da Costa Júnior e João Lourenço são os principais candidatos à presidência de Angola
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Adalberto da Costa Júnior e João Lourenço são os principais candidatos à presidência de Angola

Ana Moreira

Adalberto da Costa Júnior e João Lourenço são os principais candidatos à presidência de Angola

Ana Moreira

"O diplomata" contra "o militar". O que une e separa Adalberto da Costa Júnior e João Lourenço na luta pela liderança de Angola

Os dois principais candidatos "não podiam ser mais diferentes": JLO é discreto, Adalberto destaca-se pelos discursos que faz. Ambos passaram períodos na sombra — mas são agora o centro das atenções.

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23 de julho de 2022, primeiro dia oficial de campanha para as eleições presidenciais de Angola. O Presidente e cabeça-de-lista do MPLA, João Lourenço, dá o pontapé de saída pelas 10h da manhã no distrito de Camama, na capital Luanda. Quando sobe ao palco, tem à sua frente uma multidão de milhares de pessoas, um mar de gente vestindo camisolas vermelhas e de lenço amarelo na cabeça. Lourenço, ou JLO (como é conhecido entre os angolanos), também traz uma t-shirt vermelha igual à usada pelos participantes no comício, com MPLA escrito em letras garrafais. E traz ao pescoço uma écharpe com o vermelho, negro e amarelo da bandeira nacional.

Arranca o discurso — que durará por duas horas — num tom baixo e calmo. Elenca uma série de projetos concluídos em Luanda ao longo dos últimos cinco anos do seu mandato e deixa promessas: novo passe social, mais autocarros públicos, habitação para os jovens. Neste último ponto, não consegue evitar deixar uma crítica para justificar o atraso na entrega das chaves: ​​”Infelizmente, temos cidadãos sem civismo, que não pensam no coletivo”, lamentou-se. “Porque esses edifícios foram vandalizados, ficaram sem portas, sem janelas, sem loiça sanitária e o Estado teve de investir duas vezes”.

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A multidão vai aplaudindo a espaços e João Lourenço tenta deixar uma mensagem mais inspiradora para a eleição do próximo dia 24 de agosto. “O número oito veio para marcar golos”, garantiu, referindo-se ao número da posição do MPLA no boletim de voto e prometendo “xeque-mate” à oposição — uma menção que não cai do céu, ou não fosse JLO um conhecido jogador de xadrez.

Na abertura da campanha eleitoral, JLO discursou duas horas perante uma multidão em Luanda

MANUEL DE ALMEIDA/LUSA

Duas horas depois do final do seu discurso em Luanda, o seu principal adversário entra em ação em Benguela. Adalberto da Costa Júnior, o líder da UNITA e cabeça-de-lista da Frente Patriótica (que reúne vários partidos da oposição nesta eleição), entra com mais energia e vestido não com as cores nacionais, mas com o vermelho e verde da bandeira da UNITA. Fala alto e gesticula, diz que Angola não pode ser “uma república das bananas” e deixa a promessa de “criar um governo de competentes e não de partidários”, caso seja eleito Presidente — declarações que tem repetido desde então, como na entrevista que deu ao Observador.

A multidão — muito mais pequena do que a reunida no Camama — aplaude entusiasticamente. No mesmo palco tocaria ainda nesse dia o famoso cantor Bonga, apoiante de Adalberto e intérprete do hino da campanha: “A hora é agora”. O ambiente é de festa e ilustra como estas eleições em Angola são as mais renhidas em décadas.

Ouça aqui o episódio do podcast “A História do Dia” sobre as eleições em Angola.

Há pedidos de mudança e medo em Angola

Os dois discursos ilustram também outro ponto: os dois principais candidatos à presidência de Angola “não podiam ser mais diferentes”, diz ao Observador Paula Cristina Roque, especialista em política angolana doutorada pela Universidade de Oxford. “Adalberto tem imenso carisma, João Lourenço é mais apagado”, acrescenta a académica. E deixa dois exemplos: o recente comício no Malanje onde JLO “estava a falar de pautas aduaneiras para uma população quase iletrada” e a tática de Adalberto de replicar estratégias dos discursos de Jonas Savimbi, como “lançar a pergunta ‘É ou não é?’ para a multidão responder ‘É!’”.

O presidente da UNITA, Adalberto da  Costa Junior, discursa durante a abertura do ano politico do partido, Luanda, Angola, 15 de janeiro de 2021. AMPE ROGÉRIO/LUSA

Da Costa conheceu Jonas Savimbi, fundador da UNITA, ainda durante a adolescência

AMPE ROGÉRIO/LUSA

Sizaltina Cutaia, ativista angolana e representante da Fundação Open Society em Angola, reforça a ideia: “O Presidente João Lourenço não tem necessariamente o dom da oratória. Quando comunica dá respostas muito simples, muito básicas”, aponta, a partir de Luanda. “Adalberto consegue transitar entre vários ambientes. Quando está com os jovens, usa uma linguagem adequada para aquele público; quando está com pessoas de outras sensibilidades, também.”

Adalberto Costa Júnior, presidente da UNITA: “O problema com a família de José Eduardo dos Santos é de vingança, não de combate à corrupção”

Sinal de dois percursos de vida muito diferentes. “Um é militar, o outro um diplomata”, resume Paula Roque. Os vários analistas da política angolana ouvidos pelo Observador são unânimes: João Lourenço é “macambúzio”, enquanto Adalberto tem “o dom da oratória”; o primeiro é mais “reservado”, enquanto o segundo “tem carisma”. Mas nem só de discursos se faz uma campanha e não é garantido que o perfil mais destacado do líder da UNITA lhe dê a vitória. Aquilo que é certo é que, pelo menos no estilo, os dois principais candidatos não podiam diferir mais.

A infância em Benguela do “Mimoso” e do “menino do mimo”

João Lourenço e Adalberto da Costa Júnior estão ambos na casa dos 60 anos (JLO nasceu em 1954, Adalberto em 1962), nasceram os dois em locais que pertenciam à antiga província de Benguela e cresceram no Lobito. Também sempre foram homens fiéis aos seus respetivos partidos. As semelhanças, contudo, ficam-se por aqui.

Em criança, JLO tinha a alcunha de “Mimoso”. Filho de um enfermeiro e de uma modista, foi, contudo, a afilhada da mãe que o apelidou assim, como explicou à agência Lusa em tempos: “Era muito calmo, não queria confusão”, disse Flora Mukete. “Não saía do quintal”. Já Adalberto, filho mais novo de oito irmãos, dava mais nas vistas. “Sou filho da minha família, o menino do mimo”, contou numa entrevista à Deutsche Welle há menos de uma semana. “Sendo o último, penso que beneficiei de ter a atenção dos pais e a atenção dos meus irmãos”.

Adalberto da Costa Júnior aponta o 27 de Maio como um dos fatores que o aproximou da UNITA

ANDRÉ DIAS NOBRE / OBSERVADOR

As experiências da infância de ambos ajudam também a explicar o percurso político de cada um. Em 1958, quando João Lourenço tinha apenas quatro anos, o seu pai foi detido pela PIDE, acusado de atividade política clandestina no seu trabalho como enfermeiro no porto do Lobito, e ficaria preso durante dois anos. O filho, porém, só entraria na vida política já depois do 25 de Abril, quando em agosto de 1974 ingressa no MPLA.

Adalberto, por seu turno, também assistiu de perto aos efeitos da política desde cedo. O seu pai esteve preso por transportar consigo o cartão de militante da UNITA e o seu cunhado acabaria mesmo fuzilado. Com o 27 de maio de 1977 — a alegada tentativa de golpe de Estado dos “nitistas” que levou a uma purga dentro do MPLA —, Adalberto teve um choque ao ser levado com os colegas do liceu para um campo no Lobito, onde assistiram ao fuzilamento de centenas de pessoas. “Este episódio ficou-me gravado fortemente até aos dias de hoje e reforçou-me as opções políticas”, confessou o próprio à agência Lusa em 2019.

João Lourenço foi confrontado com a “ferida aberta” do 27 de Maio. Estará disposto a tentar sará-la?

Dos tempos do seminário guarda ainda um encontro precoce com o fundador da UNITA, Jonas Savimbi: “Quando o Dr. Savimbi visitou pela primeira vez o Huambo, ele visitou também algumas localidades e uma delas foi o seminário do Quipeio, onde eu estudava. Eu tive a oportunidade de conhecê-lo de perto, de conhecer [N’Zau] Puna, e de conhecer a direção da UNITA toda”, recordou à Deutsche Welle. O seu destino político estava traçado a partir desse momento.

João Lourenço. Da experiência militar q.b. à “travessia política no deserto”

Daí para a frente, ambos se tornam homens dedicados às respetivas forças políticas, mas de formas diferentes. Lourenço recebe instrução militar no antigo Congo-Brazaville (República do Congo) e tem logo destaque nessa área: “João Lourenço é formatado na componente militar”, aponta ao Observador Vítor Ramalho, presidente da União das Cidades Capitais de Língua Portuguesa que acompanha a política angolana há décadas. “Nessa formação, teve intervenções logo a seguir ao 25 de Abril em Cabinda, uma zona com forças separatistas que ainda hoje se manifestam.”

“O que ele foi, de facto, nas FAPLA [Forças Armadas Populares de Libertação de Angola] foi comissário político. Ele não teve praticamente vida militar nenhuma, nunca teve.”
Xavier Figueiredo, diretor do Africa Monitor, sobre a experiência militar de João Lourenço

Quatro anos mais tarde, parte para a União Soviética — à semelhança do que acontecera com muitos outros quadros do partido antes dele, como o próprio ex-Presidente José Eduardo dos Santos — para aprofundar essa formação militar. Especializa-se em artilharia, ao mesmo tempo que se licencia em História pela Academia Político-Militar Vladimir Ilitch Lenine.

De regresso a Angola em 1982, ganha uma posição de relevo militar dentro de um MPLA que combatia uma guerra civil contra a UNITA, participando em várias operações em regiões como Cuanza Sul, Huambo e Bié. “Mas não foi dos generais de maior renome”, aponta Paula Roque. “Até porque não era general de exército, não comandava homens.” Ideia que, já em 2017, o jornalista e diretor do África Monitor, Xavier de Figueiredo, tinha transmitido ao Observador: “O que ele foi, de facto, nas FAPLA [Forças Armadas Populares de Libertação de Angola] foi comissário político”, afirmou à altura. “Ele não teve praticamente vida militar nenhuma, nunca teve.”

O “Mimoso” que não saía do quintal agora é o “exonerador implacável”

A cultura política que herdou, porém, foi a de submissão à hierarquia e ao partido. Discreto, sem dar nas vistas, ia fazendo o seu papel como deputado e até como presidente do grupo parlamentar do MPLA. E, em 1998, é nomeado secretário-geral do partido — algo que, para Vítor Ramalho, revela que teria alguma simpatia por parte de José Eduardo dos Santos: “Na altura, esse cargo tinha mesmo muita força, não era possível estar ali sem o apoio do Presidente”.

As condições em que saiu desse mesmo cargo ganharam contornos de lenda em Angola. Em 2001, José Eduardo dos Santos deixou no ar a possibilidade de se afastar da liderança do partido e da presidência do país. “JES, um homem politicamente hábil, fez constar isso entre os seus no Bureau Político. Não o fez por acaso, foi um pouco à pesca”, aponta Ramalho. Um peixe chamado João Lourenço mordeu o isco e mostrou-se disponível.

No congresso do MPLA de 2003, Lourenço receberia a paga pela ousadia. Vítor Ramalho, à altura enviado como representante do PS ao congresso, cruzou-se com ele à entrada. Perguntou-lhe se achava que ia continuar no cargo de secretário-geral e JLO mostrou-se confiante. Pouco depois, dentro da sala, era anunciado que seria substituído pelo histórico Dino Matross.

João Lourenço foi afastado do cargo de secretário-geral por José Eduardo dos Santos em 2003. Só voltaria a ocupar um lugar relevante mais de 10 anos depois

EPA

“Todos os outros sabiam da matreirice de José Eduardo dos Santos nestas situações e não se aventuravam”, comenta agora Vítor Ramalho, 20 anos depois. “Não conheço João Lourenço a fundo. Não sei se foi por ingenuidade, se foi um misto de ingenuidade e desejo de poder… Certo é que toda a gente achou estranho. E Lourenço só voltaria a recuperar um cargo de relevo em 2014.” Nesse ano, seria nomeado ministro da Defesa. E, três anos depois, era surpreendentemente anunciado como o homem que iria substituir JES na candidatura do MPLA à presidência.

Contra todas as previsões, a “travessia no deserto” de JLO deu resultados. Mas isso significa que, quando chegou à presidência de Angola, em 2017, era uma incógnita para a população. “Não tivemos oportunidade de o conhecer antes de ele se tornar Presidente”, diz Sizaltina Cutaia. “É claro que ele fez toda uma trajetória política dentro do partido, foi militar, foi comissário, mas enquanto pessoa pública não o conhecíamos. Na altura em que podia dar-se a conhecer melhor, foi quando foi afastado.” Lourenço e os angolanos só passariam a tratar-se por tu com a chegada deste ao poder efetivo.

Adalberto da Costa. Da diplomacia discreta a candidato “fora da caixa”

Durante estes tempos, Adalberto da Costa Júnior ia fazendo o seu caminho dentro da UNITA. No final da década de 1970, conseguiu partir para Portugal, onde acabaria por estudar Engenharia Eletrotécnica. Aí, vai fazendo trabalho para a sua força política junto da juventude e organiza inclusivamente uma visita de Savimbi ao Porto, cidade onde vivia. Em 1991, Savimbi chama-o à Jamba: decide dar-lhe oficialmente a tarefa de representar o partido em Portugal.

João Soares conheceu-o nessa qualidade, em Portugal, e desde cedo lhe notou qualidades: “É inteligente e organizado. É um belíssimo orador. Tem uma grande tenacidade, mas, ao mesmo tempo, uma abordagem muito tranquila das coisas, não é nada agressivo”, resume ao Observador o militante socialista. “Há uma componente de simpatia pessoal muito grande. E não sou só eu que o digo, está aí o depoimento do Marcolino Moco”, acrescenta, referindo-se à antiga figura do MPLA que anunciou esta semana o seu apoio a Adalberto.

Angola. Ex-primeiro-ministro Marcolino Moco declara apoio ao líder da UNITA

Depois de Lisboa, Costa Júnior continuaria o seu papel como “diplomata” em Itália e no Vaticano — “uma grande escola”, acrescenta Soares. Mas todo esse trabalho foi sendo feito quase na sombra. “Adalberto era quase desconhecido, só quem conhecia bem a UNITA é que o conhecia”, explica Paula Roque. Em plena guerra civil, o trabalho de diplomacia discreta não dava tanto nas vistas como combater na Jamba ao lado de Savimbi.

Mas o facto de Adalberto da Costa Júnior não ter sido militar nem figura de proa desses tempos é, atualmente, um fator que o beneficia mais do que prejudica. “Muitas pessoas têm dificuldade em ligar-se à UNITA por causa do histórico da guerra”, explica Sizaltina Cutaia. “Então, quando aparece um líder que não participou diretamente no conflito, isso dá algum alívio.”

A maioria dos angolanos conhece-o já pelos seus tempos como deputado, nos quais — mais uma vez — os seus dotes de oratória dão nas vistas. “Adalberto começou a ganhar muita projeção nessa altura, porque era muito eloquente e desconstruía os argumentos dos outros deputados”, resume Paula Roque. Sizaltina, por seu lado, recorda um Adalberto deputado que “estava sempre nos eventos da sociedade civil, a pedir relatórios, a querer acompanhar”.

“Durante muitos anos, o MPLA era o partido contra os tribalismos, que defendia a ideia de ‘Um só povo, uma só nação’, enquanto a UNITA tinha o discurso de que os mestiços, ‘os brancos’, não deviam mandar na nossa terra. Agora temos esta pessoa que é mestiça e quebra com esta ideia de que a UNITA seria um partido racista." 
Sizaltina Cutaia, representante da Open Society em Angola

O facto de a liderança da UNITA ser agora detida por um homem que não se destacou pelas armas, mas pelo poder da fala, dá nas vistas. E estes não são os únicos aspetos em que Adalberto é “fora da caixa”. Não nasceu no Bié, como os ex-líderes Savimbi e Isaías Samakuva, e é mestiço. “A questão racial também tem um peso”, aponta a representante da Open Society. “Durante muitos anos, o MPLA era o partido contra os tribalismos, que defendia a ideia de ‘Um só povo, uma só nação’, enquanto a UNITA tinha o discurso de que os mestiços, ‘os brancos’, não deviam mandar na nossa terra. Agora temos esta pessoa que é mestiça e quebra com esta ideia de que a UNITA seria um partido racista. Isto muda muita coisa.”

A figura “superstar” que ensombra um Presidente “inábil”

Ideia reforçada por João Soares: “Até pensei que o facto de ele ser mulato pudesse ser negativo do ponto de vista eleitoral, mas já vi que não”, diz o histórico socialista. Nas suas últimas duas viagens a Angola, garante, viu de perto a popularidade do novo líder da UNITA: “Quando ele ainda era líder parlamentar, fui lá ao funeral do Savimbi. Fomos de jipe do Bailundo até Luanda e… O tipo tem uma popularidade que você não pode imaginar”, assegura. Mais recentemente, no último congresso em que Da Costa foi eleito líder da UNITA, João Soares voltou a cruzar-se com apoiantes do candidato nos lugares mais inusitados, como um polícia fardado no aeroporto que lhe disse “Obrigado por ter vindo, vamos todos votar no AJC!”

A popularidade do novo líder da UNITA, em particular junto da população mais jovem — que compõe a maioria do eleitorado neste momento —, preocupa o MPLA de João Lourenço. Disso deu nota o próprio partido logo em 2020, um ano depois da eleição de Adalberto, num documento interno divulgado pelo Novo Jornal. Ali podia ler-se que o MPLA considera o líder da UNITA “uma figura superstar” e um “alvo a ser vigiado e combatido”.  No mesmo documento lia-se que a filha mais velha de José Eduardo dos Santos, Isabel dos Santos, “vê em Adalberto Costa um parceiro estratégico para derrubar o MPLA”.

Adalberto da Costa Júnior é particularmente popular entre os mais jovens

EPA

As alegadas ligações de Adalberto da Costa Júnior à família Dos Santos têm sido invocadas repetidamente pelo partido que está no poder desde a independência. Esta campanha eleitoral não tem sido exceção: “O que é irónico é que esses que defendem esse ponto de vista fizeram um pacto com os corruptos, estão a comer no prato dos corruptos, estão a ser financiados pelos dinheiros saídos de Angola pela porta da corrupção”, acusou João Lourenço num comício no Dundo, este mês.

Adalberto nega essas ligações — “Estes que chamam os outros de ‘marimbondos’, quando passam em frente ao espelho veem um ‘marimbondo’ refletido”, respondeu o líder da UNITA, roubando a expressão usada por JLO em 2018 para se referir aos angolanos corruptos —, mas não enjeita o apoio que já lhe foi publicamente declarado por outra das filhas de JES, Tchizé dos Santos. “Ela entende que deve dar esse apoio, é bem-vindo, não é nada de extraordinário”, afirmou.

São várias as polémicas em torno de Adalberto da Costa Júnior que têm sido levantadas, muitas vezes pelos órgãos de comunicação social afetos ao regime angolano: foi o caso da recente contratação de uma empresa de marketing israelita, a Adi Timor (o que levou a acusações de que a UNITA estaria a trazer antigos agentes da Mossad para o país) ou a dúvida lançada sobre a legitimidade do diploma de licenciatura do líder da UNITA.

Mas mais notório foi o caso sobre a nacionalidade de Adalberto. Até há pouco tempo portador de dupla nacionalidade (portuguesa e angolana), viu a sua eleição como líder da UNITA impugnada pelo próprio Tribunal Constitucional angolano, que considerou que este não teria renunciado à nacionalidade portuguesa, como exigem os estatutos do partido, com tempo suficiente antes da eleição. Acabaria por ser reconduzido no cargo mais tarde, contando da segunda vez com a aprovação do Tribunal. Pelo meio, o tema foi amplamente discutido na televisão pública e no Jornal de Angola.

"A imagem de João Lourenço foi-se desgastando. A população acreditava que ele vinha como um reformador e depois viu que afinal era alguém que estava a dar continuidade à governação de Dos Santos.”
Paula Cristina Roque, investigadora

Para Paula Roque, a acusação faz parte de uma estratégia de descredibilização que o MPLA tenta levar a cabo contra o adversário político: “O MPLA está com muitas dificuldades, o objetivo agora é defletir as críticas e tentar manter-se no poder”, destaca. “Ao mesmo tempo, já não se via uma UNITA tão empenhada desde 1992 e acho que o MPLA está com medo.”

É que o percurso de João Lourenço como Presidente foi muito menos discreto do que até aí. Assim que foi eleito, desdobrou-se numa série de exonerações e aberturas de processos por suspeitas de corrupção que lhe granjearam o título de “Exonerador Implacável”. E atirou para os lugares mais altos, abrindo processos contra os filhos do antigo Presidente, como Isabel dos Santos e Filomeno dos Santos.

Angola. As exonerações e os recados do novo Presidente

O entusiasmo inicial entre os angolanos era palpável: “Ele começou bem, com um projeto de reforma económica importante, combate à corrupção, reestruturação da Sonangol”, enumera a académica de Oxford. “E gestos conciliadores em relação à oposição e à sociedade civil, como a entrega dos restos mortais de dirigentes da UNITA e o enterro digno de Savimbi. Houve uma abertura muito importante.

A conjuntura económica, porém, acabaria por relevar-se extremamente desagradável. A baixa do preço do petróleo, agravada pela pandemia de Covid-19, leva a uma situação explosiva. O desemprego dispara — contrariamente às promessas de redução que Lourenço tinha deixado na campanha eleitoral de 2017 —, a fome aumenta, a crise social agudiza-se. “Em vez de dar resposta a essas situações, João Lourenço disse num discurso que a fome em Angola era relativa”, aponta Roque. “Foi aí que a imagem dele se foi desgastando. A população acreditava que ele vinha como um reformador e depois viu que afinal era alguém que estava a dar continuidade à governação de Dos Santos.”

A governação de João Lourenço tem estado debaixo de críticas pelas dificuldades económicas e combate à corrupção limitado

Ampe Rogério/LUSA

E nem o combate à corrupção, a bandeira popular empunhada por JLO, enche as medidas a muitos angolanos. Porque, com o tempo, revelou ser um combate “seletivo”, aponta Vítor Ramalho: “Nada aconteceu a homens como Manuel Vicente ou os generais Dino e Kopelipa. Foi tudo muito focalizado na família de José Eduardo dos Santos”.

Desmontar todo o sistema de nepotismo e corrupção de um país é tarefa hercúlea, reconhecem todos os analistas. Mas João Lourenço foi “inexperiente ou inábil”, considera este antigo representante socialista: “Uma luta consequente contra a corrupção num país onde esta é transversal não é compatível com um período de recessão. Não havia como responder aos anseios da população. Esta inabilidade, José Eduardo dos Santos não a teria.”

Irá este descontentamento face a João Lourenço ser tanto que resulte numa derrota histórica para o MPLA? Os analistas ouvidos pelo Observador são cautelosos, até porque, embora a oposição seja mais ruidosa nos últimos tempos, há ainda uma bolsa de fiéis do MPLA que veem o partido como o garante da paz e desconfiam da UNITA. E todos levantam a possibilidade de fraude eleitoral como real.

“Uma luta consequente contra a corrupção num país onde esta é transversal não é compatível com um período de recessão. Não havia como responder aos anseios da população. Esta inabilidade, José Eduardo dos Santos não a teria.”
Vítor Ramalho, presidente da União das Cidades Capitais de Língua Portuguesa

Certo é que para a impopularidade atual de João Lourenço contribui o seu caráter. Como resume Sizaltina Cutaia, a partir de Luanda, quando o militar discreto e calado se deu a conhecer em 2017 gozava da empatia de um povo “que sabia que ele tinha sido ostracizado”. “Achava-se que, por ele ter sido também ‘vítima do sistema’, podia fazer diferente”, analisa a representante da Open Society em Angola. Mas o exercício do poder revelou características diferentes: “Quando fala, fala a partir de um lugar de autoridade”.

Os discursos em tom sério e monocórdico, as críticas que não consegue evitar fazer a partir do púlpito, tudo isso contribuiu para que a sua imagem saia desgastada. “Acho até que ele se esforça muito para estar mais próximo, mas o facto de ter sido militar muito tempo e ter sempre ocupado posições subalternas e de executivo talvez contribuam para o tipo de candidato e de Presidente que ele é”, reflete a ativista. No dia 24 saberemos se a maioria dos angolanos concordam ou se consideram o estilo sóbrio de João Lourenço uma solução melhor do que o carisma de Adalberto da Costa Júnior.

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