Olhando para as equipas apuradas para as meias-finais das conferências dos playoffs da NBA damos com os Suns, Dallas, Golden State, os Grizzlies, os Bucks, os Celtics, os Heat e os 76ers. Tudo belas equipas, bem organizadas defensiva e ofensivamente, com uma ou duas estrelas cada – mas as ausências são ainda mais gritantes que as presenças, à luz do que aconteceu em 2019. Não encontramos os Lakers, nem os Clippers nem os Brooklyn Nets, as três equipas que deviam, desde esse ano de 2019, ter arrematado todos os anéis da NBA, aberto o champanhe, largado os confettis.
Mas o que aconteceu desde então? Os Lakers ganharam uma vez, na primeira época da pandemia, quando uma altíssima percentagem de jogadores se viram afastados devido à Covid-19 e a época foi encurtada e jogada numa bolha, à porta fechada, para evitar mais infeções. Um título desde o dia em que a NBA enlouqueceu e viu nascer três super equipas – e este ano estão todas de fora após a primeira ronda dos playoffs. Quem planeou estas equipas sobrevalorizou o poder das super estrelas, diminuiu a possibilidade de não haver química entre elas e nem sequer ponderou que entretanto novas estrelas nascessem e tornassem as super estrelas em buracos negros.
A pré-época de 2019 viu nascer três equipas que mereceram o apelido de super equipas: nos Lakers Anthony Davis juntou-se a LeBron, que havia feito a viagem para Los Angeles um ano antes; os Clippers tornaram-se imediatos candidatos ao título com a chegada de Paul George e Kawhi Leonard (acabado de ser campeão por Toronto); Kevin Durant (que perdera e tinha sofrido uma lesão na final) deixou Golden State para rumar aos Brooklyn Nets, onde teve a companhia de Kyrie Irving.
Em nenhum destes casos houve uma construção tradicional de equipa: um treinador e um diretor desportivo que querem jogar de certa maneira, adquirem jogadores no draft, fazem-nos crescer ao longo de quatro ou cinco anos, fazem uma ou outra troca com precisão clínica e, com muita organização e treino, são campeões. Esta era a forma antiga de fazer coisas, no tempo de Bird e Magic, ou de Jordan, ou de Kobe, ou nos últimos muitos anos dos San Antonio Spurs.
Lakers, Nets e Clippers passaram todo esse processo à frente à procura do que os americanos chamam “win now”: o sucesso instantâneo. Se os Lakers se podem gabar de ter conseguido assim o título (o do primeiro ano da pandemia), também é verdade que para adquirirem Davis acabaram por trocar quase todos os seus jogadores com futuro; não satisfeitos, e depois do desastre do ano passado, limparam efetivamente todo o plantel, de modo a arranjar espaço para uma nova super estrela, Russel Westbrook. Russ nunca encaixou nos Lakers – que nem sequer aos playoffs foram.
Se toda a gente pensou que de 2019 em diante Lakers, Nets e Clippers iriam dominar a NBA, toda a gente se enganou – e se as causas dos falhanços são diferentes, há uma constante: a ganância e a procura de recompensa imediata.
Os Clippers, por exemplo, passaram toda esta época sem Kawhi Leonard, lesionado desde o final da anterior; Anthony Davis passa quase mais tempo na enfermaria dos Lakers do que no campo; os Nets estiveram um ano sem Durant, que se mudou para lá lesionado, e ninguém naquela organização previu que, apesar do seu historial disruptivo, Kyrie Irving poderia de alguma forma ser uma presença mais negativa que positiva – até que chegou a pandemia, com ela as vacinas e novas regras: ninguém entra num pavilhão sem estar vacinado. Em nome da sua liberdade individual, Irving recusou-se a ser vacinado, deixando a equipa entregue a Durant e James Harden, que entretanto se havia juntado a eles. Harden ficou tão contente com a decisão de Irving que a meio da época se mudou para os 76ers – e quando chegou o playoff e Irving pôde jogar (porque o perigo da pandemia diminuiu e as regras tornaram-se menos estritas para não-vacinados) nem ele nem Durant (nem o que restava do plantel) pareciam entender-se acerca de que basquetebol deviam jogar.
Nenhuma das trocas de 2019 foi propriamente planeada pelas organizações – foram os jogadores que decidiram como queriam emparelhar-se e onde. Kawhi Leonard, por exemplo, decidiu que o seu parceiro numa super equipa seria Paul George, que forçou a troca, e os Clippers limitaram-se a dizer que sim. LeBron acreditou que o eternamente lesionado Anthony Davis era o homem ideal para o fazer chegar aos seis títulos de Jordan – e os Lakers anuíram e voltaram a anuir mais tarde quando os dois quiseram Westbrook a seu lado, sem pensarem que os melhores dias de Russ já haviam passado e que para Russ chegar tinham de mandar embora toda a gente e contratar veteranos pelo salário mínimo.
A decisão de Lakers, Nets e Clippers de se submeterem à vontade das suas super estrelas é, até certo ponto, compreensível. Estes eram, em 2019, os melhores jogadores da NBA. Mas o tempo muda tudo, e depressa, em particular quando se tem mais de 30 anos – poucos destes jogadores estiveram saudáveis durante, em média, três quartos de uma época; nenhum deles tem propriamente um ego pequeno e mais voltado para o consenso do que a imposição da sua vontade. E ao mesmo tempo uma nova geração – mais alta, mais forte, mais saudável, tomou de assalto a NBA.
Olhe-se para as equipas que são favoritas à vitória final (os Heat, os Bucks, os Celtics, os Suns e os Golden State) e todas elas têm duas características comuns: organização (no campo) e construção cuidada do plantel. Se Golden State pode ser hoje considerada uma super equipa é porque fez crescer Steph Curry, Klay Thompson e Draymond Green, da mesma forma que está a fazer crescer Jordan Poole – sempre sob o auspícios de bons treinadores, que privilegiam a partilha da bola e muitos bloqueios e movimentação, em detrimento da jogada individual.
Os Suns fizeram crescer Ayton e Booker, adicionando apenas Chris Paul e completando o plantel com jogadores de equipa, treinados por um acérrimo defensor do jogo coletivo; os Celtics só ganharam ao deixar sair Irving, o que permitiu que Tatum crescesse e que a equipa progredisse defensivamente; os Heat são o exemplo de uma meticulosa gestão de plantel, com Erik Spoelstra (o treinador) a potenciar as qualidades ao seu dispor e a procurar diminuir as deficiências através da organização coletiva; e, por fim, os Bucks – campeões em título – têm a verdadeira super estrela da NBA em Giannis Antetokounmpo, ladeado por dois outros grandes jogadores (Jrue Holiday e Middleton), mas o seu sucesso reside na fúria defensiva e na crescente capacidade de Giannis de arrastar defesas para depois, quando fazem o 2×1 nele, encontrar o homem livre.
Todas estas equipas jogam bonito ofensivamente, com múltiplos bloqueios, trocas de passes constantes, muita movimentação, e todas tratam da sua defesa como um jardineiro obcecado em não deixar folhas secas no quintal. O que as distingue de outras equipas com super estrelas jovens (como os Atlanta, de Trae Young) ou os Mavericks (de Luka Dončić) é o jogo coletivo, a não-submissão às vontades e ao ego de uma ou mais estrelas. (Pese embora os Mavericks tenham melhorado com a chegada do treinador Jason Kidd e seja um mistério até onde podem ir, se engatarem).
A organização e o treino paciente ao longo de anos fazem milagres – mas também de reconhecer que estamos em pleno processo de troca geracional. Quando o ano passado Bucks e Suns foram à final muita gente disse que era uma final que se devia à pandemia – a verdade é que Giannis é hoje a super estrela da NBA, e os Suns venceram a regular season, muito à conta da capacidade de Booker de produzir cestos em massa, e de Ayton de dominar o pintado (isto sem diminuir Chris Paul).
Giannis, Holiday, Middleton, Booker, Ayton, Tatum, Jaylen Brown, Trae Young, Luka Dončić, Ja Morant (a fazer uma época espantosa pelos Grizzlies), Poole, Jokic, Embiid, Zach LaVine, Jarrett Allen – estas são as novas super ou só estrelas da NBA, sem vergonha de abafarem a velha guarda, de afundarem nas suas provectas barbas.
Há três anos achou-se que o futuro próximo da NBA passava pelas super equipas e pelo poder absoluto dos jogadores – mas as super equipas e o poder absoluto dos jogadores nem o presente chegaram a ser. Em seu lugar emergiram as equipas que souberam escolher bem no draft, criar plantéis meticulosamente e desenvolver jogadores. A NBA tem muito mais graça assim.