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O GPS, o Google Translate, a segurança e a cara conhecida: um retrato de Kratovo, a sede de Portugal

Qualquer viagem é feita com GPS, qualquer conversa é escrita no Google Translate, qualquer telefone junto da sede é revistado pela segurança: assim é Kratovo, a pacata localidade onde está Portugal.

Enviado especial do Observador à Rússia (em Kratovo)

Há um ditado russo que diz que “É mais fácil trabalhar quando ninguém está no caminho”. Faz sentido. Mas também há alguns obstáculos, tão grandes ou maiores do que aqueles que poderiam ser os mais esperados, e que não facilitam em nada o trabalho português na Rússia. No caso concreto, um em específico: a língua. E por aqui entronca a realidade de Kratovo, local que servirá de quartel general de Portugal durante este Campeonato do Mundo numa Rússia onde os choques sociais são enormes, mas existe o ponto comum da “aversão” ao inglês. Tão comum que quase consegue fazer com que o truculento dilema do trânsito sem fim se torne secundário.

A chegada ao Aeroporto Internacional Domodedovo engana. Mas engana mesmo. Porque aquelas filas enormes para passar pela zona dos passaportes acabam por resumir-se a dez ou 15 minutos normais como em qualquer cidade da Europa. Porque aquilo que vemos à nossa frente é um cenário monocromático com o azul do Mundial exposto em qualquer parede ou cartaz. Porque a bagagem, além de intacta, já estava até na passadeira quando a barreira burocrática é ultrapassada. Tudo normal, tão normal como os habituais clientes que fazem de qualquer carro com duas ou três mossas o táxi mais importante do mundo. Também aqui, quem arranha inglês é rei. Não no negócio em si, porque uma viagem que começou nos 21 mil rublos passou para quase quatro vezes menos, pela capacidade de arrebatar estrangeiros. Depois de uma viagem de cinco horas, parece tudo bem.

Portugal aterrou sábado no aeroporto de Zhukovski, muito perto do quartel general (YURI KADOBNOV/AFP/Getty Images)

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Quase mais duas horas de viagem até Kratovo, onde se encontra a Seleção, fazem pensar um pouco em tudo. No final o tudo resume-se a nada. Nem para dizer o nome o condutor consegue perceber uma linguagem que já mistura inglês, mímica e demais gestos desesperados. Não é motivo de orgulho e o próprio motorista, que quer receber da melhor forma alguém que está no seu país, coloca as mãos na cabeça antes de juntá-las num pedido de desculpas que não tinha de dar. Assim, lá vamos nós (ou cada um na sua), tendo o GPS como ponto comum e o trânsito como caos a evitar. Em alguns momentos consegue-se, noutros não. E começa o para arranca que destrói o restinho de costas que sobrou após uma longa viagem de avião. Sempre a ouvir a Rádio Monte Carlo. Que tem Beyoncé. Que tem Whitney Houston. Que tem Prince. Que tem Dire Straits. Que tem Cyndi Lauper. É o único inglês até Kratovo. Umas horas depois, percebemos que é mesmo o único inglês que vamos ouvir enquanto estivermos em Kratovo. E nem o nome de Yuriy Borzakovskiy, antigo campeão olímpico dos 800 metros nascido na localidade, consegue mudar o cenário.

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Quando nos aproximamos do local de chegada, a imagem dos prédios grandes que alojam centenas de famílias de um lado e lojas grandes do outro transforma-se em zonas de cultivo e pequenos cemitérios apenas percetíveis pelas coroas de flores por cima das lápides em locais escondidos à beira da estrada. Kratovo é isto: uma espécie de grande bosque onde as ruas se vão cruzando. Nomes, indicações e moradas, quase zero. Para os locais, parece ser tudo intuitivo. Até porque, em caso de dúvida, há sempre o cirílico e o GPS para safar a situação. Para quem chega, o GPS é outro. Tem de ser outro. Chama-se Google Translate. Mas com o cuidado de funcionar com frases curtas que consigam depois ser misturadas com gestos. É assim que se “fala”.

Kratovo é isto: uma espécie de grande bosque onde as ruas se vão cruzando. Nomes, indicações e moradas, quase zero. Para os locais, parece ser tudo intuitivo. Até porque, em caso de dúvida, há sempre o cirílico e o GPS para safar a situação. Para quem chega, o GPS é outro. Tem de ser outro. Chama-se Google Translate.

Comparando com os últimos Mundiais, falta o inglês que havia na África do Sul e falta o constante “desenrascado” que havia no Brasil. Com isso, faltam as histórias que surgiam debaixo de cada pedra como em Marcoussis, no último Europeu. Ou melhor, houve uma na nossa primeira noite em solo russo, que meteu quebras de luz (e Internet) a meio da noite e cães à solta para quem tentasse ir apanhar ar e fumar um cigarro, mas esta versão de Blair Witch Project fica para outro dia. De resto, quando tentamos perceber, por exemplo, se o preço da gasolina sempre foi tão baixo como agora (60 cêntimos por litro, mais barato se calhar do que a água) ou como reagiu esta localidade ao fatídico dia, mais ou menos há um ano, em que um homem, antigo combatente na guerra da Tchetchénia que sofria de perturbações mentais, começou a disparar uma arma à janela fazendo quatro mortos e ferindo alguns polícias durante uma mega e longa operação de captura que demorou algumas horas, nem com a ajuda do fiel amigo Translate. Ainda assim, e fazendo algumas buscas, essa é a única alusão que encontramos a Kratovo antes da chegada da comitiva nacional à localidade, como foi descrito pela RT.

"O passado é glória, o presente é história", destaca o autocarro oficial da equipa na Rússia (FRANCISCO LEONG/AFP/Getty Images)

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Sveta, a responsável pela casa de campo a cerca de 15 minutos do centro de treinos de Portugal, está orgulhosa por receber alguém de fora, quer que tudo corra da melhor forma, mas chega a ficar impaciente consigo própria por não conseguir exprimir-se noutra língua que não seja o russo. Igor, o taxista que nos safa o dia de manhã até à base da Seleção, idem. Mais uma vez, Google Translate, uns gestos e muita paciência acabam por chegar para cumprir os mínimos básicos numa zona onde o Campeonato do Mundo parece passar ao lado, onde são raríssimos (contam-se pelos dedos das mãos) os adeptos portugueses que tentam assistir a um bocado do treino. Se o objetivo passava por ter uma tranquilidade absoluta, o mesmo foi cumprido na íntegra. E não foi por acaso que, pouco depois da vitória no Europeu, os responsáveis federativos já tinham na mira este centro de treinos do FC Saturn, a cerca de 50 quilómetros a sudeste de Moscovo, com uma espécie de pré-reserva confirmada também pelo rápido acesso ao aeroporto de Zhukovski, que permite em dez minutos e sem trânsito viajar para Sochi ou Saransk, por exemplo.

Portugal foi recebido no sábado com danças e o típico korovai, um pão tradicional da região (FRANCISCO LEONG/AFP/Getty Images)

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Como a Federação mostrou através do seu canal, os jogadores portugueses tentaram aprender algumas palavras em russo. E o próprio João Mário, na conferência desta terça-feira, não deixou de criar um certo espírito de proximidade ao dizer que sabia tratar-se de um dia especial no país (feriado pelo Dia Nacional da Rússia), dando os parabéns e agradecendo toda o carinho e atenção que lhes têm sido dispensados desde a chegada. No entanto, percebemos que esse “esforço” dos comitiva nacional fez com que soubessem tantas palavras em russo como as que os naturais de Kratovo “arranham” em inglês.

Em paralelo, consegue confirmar-se aqui (se dúvidas ainda existissem) a garantia dos organizadores em termos de segurança. Algumas pessoas conhecedoras da realidade russa, como José Milhazes, falavam de forma aberta na grande aposta em acabar com qualquer possibilidade de atentados durante o Campeonato do Mundo. Aqui, onde o Mundial até passa ao lado, as medidas superam em tudo qualquer grande competição, dos Mundiais aos Jogos Olímpicos. Exemplos práticos: a certa altura, só podem mesmo aceder à rua da entrada do espaço onde está Portugal determinados carros (Igor, quando viu o primeiro sinal de um polícia, deu logo meia volta, estacionou e mandou-nos simpaticamente fazer o resto do caminho a pé); à entrada, além da acreditação, todos os carros são revistados com espelhos por baixo da carroçaria e cães que despistam qualquer explosivo. Os jornalistas têm de passar por um detetor de metais, abrir as mochilas e mostrar o computador e os telemóveis ligados. Em resumo, é mais apertado entrar no centro de estágios da Seleção Nacional do que nas barreiras de controlo do aeroporto. E por aqui, está tudo dito.

No dia do primeiro treino de Portugal na Rússia, estiveram em Kratovo Paulo Vizeu Pinheiro, o embaixador português no país; familiares e outros membros da embaixada; e Luís Amaro, um investidor financeiro de 26 anos natural da Guarda que passou a viver na Rússia após acabar a faculdade.

No dia do primeiro treino de Portugal na Rússia, estiveram em Kratovo Paulo Vizeu Pinheiro, o embaixador português no país; familiares e outros membros da embaixada; e Luís Amaro, um investidor financeiro de 26 anos natural da Guarda que passou a viver na Rússia após acabar a faculdade; esta terça-feira, Miguel Silva e André Pestana, dois madeirenses emigrados em Inglaterra (Portsmouth) surgiram no centro de estágio já com o seu Fan ID e os responsáveis federativos, como que reconhecendo o gesto, deixaram que vissem os 15 minutos abertos do treino. E um gesto que é muito mais do que isso: fizeram todo o trajeto até aqui de bicicleta, num total de 2.400 quilómetros com passagens por França, Bélgica, Holanda, Alemanha, Polónia, Lituânia e Letónia. Mas a proporção é mais ou menos a mesma: cada adepto que não falasse português em França, no Europeu, corresponde agora aos do que falam português na Rússia, neste Mundial. De resto, entre todo o staff, polícias e seguranças que tem acompanhado a Seleção, há uma senhora que arranha o espanhol e um elemento russo ligado à organização que fala português. Ah, e Inés Sainz.

A jornalista não-portuguesa-mais-portuguesa-e-quase-portuguesa que existe voltou a aparecer no centro de treinos de Portugal, uma prática que já vem desde 2006, quando a Seleção estagiou em Évora antes de seguir para a Alemanha, onde terminou o Mundial no quarto lugar. Claro está, como em todas as outras ocasiões, que não passou ao lado, mas o “efeito surpresa” que tinha noutra altura aguenta agora menos tempo. Afinal, é quase como se fosse uma repórter da casa. E acaba por tornar-se notícia também porque não há muito mais para dizer neste ambiente onde a equipa de Fernando Santos está integrada.

Jornalista mexicana Inés Sainz é uma cara conhecida que acompanha Portugal desde o Mundial de 2006 (Andrew Redington/Getty Images)

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De resto, nada a falta ninguém. Nem aos jornalistas, que têm uma espécie de mini pavilhão improvisado junto ao campo de treinos onde são feitas as conferências de imprensa onde estão também televisões com os canais nacionais, nem aos jogadores, que têm os quartos personalizados com imagens da adolescência e atuais, espaços de lazer, ginásio, salas de refeições e conferências ou piscina interior, entre outras necessidades normais como em qualquer estágio mais longo como este.

Os jogadores têm os quartos personalizados com imagens da adolescência e atuais, espaços de lazer, ginásio, salas de refeições e conferências ou piscina interior, entre outras necessidades normais como em qualquer estágio mais longo como este.

Mas, olhando apenas para este centro de estágio, numa localidade onde tão depressa está sol e algum calor como começa a chover (como aconteceu esta terça-feira), Portugal está sozinho contra o mundo. Mas, como tem escrito no autocarro oficial, “o passado é glória, o presente é história”. E no futebol, com a bola nos pés, não é preciso saber inglês nem se tem de recorrer a GPS e Google Translate. Ainda para mais quando se tem Ronaldo, o foco que traz a Kratovo a imprensa internacional.

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