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TIAGO ALBUQUERQUE/OBSERVADOR

TIAGO ALBUQUERQUE/OBSERVADOR

O Livro Branco da Pandemia. Onde é que falhámos no plano de vacinação?

Na UE, o que correu mal a uns correu mal a todos: os atrasos na entrega de vacinas afetaram todos os planos de vacinação. Em Portugal, houve dúvidas sobre os prioritários e casos de vacinação indevida

    Índice

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[O Livro Branco da Pandemia é um trabalho dividido em seis partes. Um ano depois da chegada do vírus a Portugal, o Observador olha para aquele que foi o percurso do país ao longo destes 12 meses e para seis problemas — confinamento, erros de comunicação, lares, rutura do SNS, falta de dados e vacinas — e oferece as recomendações de um painel de especialistas.

Neste volume, analisamos o plano de vacinação contra a Covid-19. O plano foi bem pensado? As prioridades são as corretas? As ultrapassagens eram evitáveis? Os especialistas ouvidos pelo Observador, o pneumologista António Diniz e o investigador do Instituto de Higiene e Medicina Tropical da Universidade Nova de Lisboa Tiago Correia, respondem a estas questões e fazem recomendações sobre o que deveria ser feito para evitar os mesmos erros.]

Problema

Durante meses, era a esperança do mundo inteiro: uma vacina contra o vírus que provoca a Covid-19 poderia devolver a normalidade a 7 mil milhões de pessoas. Numa corrida contra o tempo, farmacêuticas de todo o mundo deram o tiro de partida para a investigação. Foram percorridos atalhos, as primeiras duas fases dos ensaios clínicos aconteceram em tempo recorde e os testes em humanos, a fase três, começaram muito mais cedo do que seria normal.

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Em dezembro de 2020, um ano depois do primeiro caso diagnosticado em Wuhan, China, o Reino Unido torna-se o primeiro país do mundo a aprovar o uso de emergência de uma vacina para conter a pandemia. É o medicamento da Pfizer e da BioNTech. A 21 de dezembro, a Agência Europeia do Medicamento segue-lhe as pisadas e a vacinação arranca nos países da União Europeia, Portugal incluído, seis dias depois.

Tudo resolvido? Longe disso. Foram precisos 45 dias, mas Ursula von der Leyen acabou por admitir o evidente: “A ciência ultrapassou a indústria.” Foi no Parlamento Europeu que a presidente da Comissão Europeia assumiu aquilo que era visível desde janeiro. A produção e a distribuição da vacina traziam problemas que nenhum Governo tinha previsto.

“Estivemos muito concentrados na criação da vacina e subestimámos a dificuldade de produção em massa destas vacinas”, afirmou, lembrando que este é um processo complexo, já que alguns dos fármacos têm 400 componentes e envolvem mais de 100 empresas. “A indústria tem de responder a este ritmo acelerado da ciência”, pediu.

A escassez de vacinas, e a impossibilidade de vacinar toda a população de uma só vez, levou a que cada país definisse os seus grupos prioritários. Por cá, a maior polémica foi sobre a não inclusão dos idosos com mais de 80 anos, sem comorbilidades, na lista de prioritários. Mais tarde, a vacinação de políticos também seria alvo de críticas. Com a administração das primeiras vacinas, começaram a ser detetados também as primeiras ultrapassagens indevidas, que, em Portugal, levaram a várias demissões.

Tiago Correia dá aulas na Unidade de Saúde Pública Internacional e Bioestatística do Instituto de Higiene e Medicina Tropical

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Capítulo 1

Compra e distribuição de vacinas

  • A 22 de janeiro, já depois de iniciada a vacinação com o medicamento da Pfizer na UE, a AstraZeneca informou a Comissão Europeia de que não seria capaz de entregar todas as doses da sua vacina dentro do prazo, pondo em causa os planos de vacinação. Dias antes tinha sido a Pfizer a alertar para atrasos. 

Vacinar um país inteiro contra a Covid é uma situação complicada e, no nosso caso, há dois ou três problemas, afirma o pneumologista António Diniz. “Há um que nos transcende”, diz o médico do Hospital Pulido Valente, em Lisboa. “É a distribuição das vacinas, um problema comum a todos os países, nomeadamente daqueles que dependem dos produtores que menos vacinas estão a enviar.”

Não atribui responsabilidades sobre esta falha a nenhuma autoridade portuguesa, nem tão pouco a quem define o plano de vacinação nacional. “Digamos assim: fomos enganados. Estávamos a contar com uma coisa e saiu-nos outra. O problema é que pode ser uma grande condicionante e atrasar a vacinação — que é apenas a arma mais importante que temos para combater a pandemia e para voltarmos a qualquer coisa que se aproxime da realidade que conhecíamos”, sublinha António Diniz.

  • A 21 de dezembro de 2020, a EMA aprovou a vacina da Pfizer-BioNTech. Seguiu-se luz verde, a 6 de janeiro de 2021, para o medicamento da Moderna. Finalmente, a 29 de janeiro, foi dado o OK à vacina da AstraZeneca.

Foi esta última farmacêutica a dar a pior notícia: as entregas do 1.º trimestre iam ficar consideravelmente abaixo do combinado. A União Europeia reclamou — “financiou antecipadamente o desenvolvimento da vacina e a sua produção” e espera “ver o seu retorno”, disse a comissária europeia da Saúde, Stella Kyriakides, a 25 de janeiro, três dias depois de a AstraZeneca ter largado a bomba. Antes dela, já a Pfizer tinha alertado para o incumprimento devido a atrasos na fábrica da Bélgica. Em fevereiro, foi a vez da Moderna fazer o mesmo alerta.

“Há coisas que nos escapam ao controle”, diz o investigador Tiago Correia. “Era uma questão óbvia, não assumida publicamente, até a presidente da Comissão Europeia vir fazê-lo: a UE foi otimista em relação à entrega das vacinas. Quem conhece minimamente a sua produção sabia que era impossível — sem partilha da patente — que as farmacêuticas conseguissem responder àquele volume de entregas por motivos de logística e de matéria prima.”

O problema central, argumenta o investigador do Instituto de Higiene e Medicina Tropical, é que o ritmo de chegada de vacinas é menor do que a necessidade de vacinação da população. Na semana passada, a 24 de fevereiro, o Governo português — pelo voz do ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva — avisava que os atrasos da AstraZeneca iam obrigar a recalendarizar o plano nacional de vacinação, não comprometendo o objetivo de ter 70% da população imunizada até ao fim do verão.

No início do mês, tinha sido a diretora-geral da Saúde da Comissão Europeia, Sandra Gallina, a afirmar que a AstraZeneca só garantia 25% das mais de 100 milhões de doses prometidas, “um problema real” para os 27 países da UE, já que “ia ser a vacina administrada em massa no primeiro trimestre”. A opção será olhar para as vacinas da Johnson & Johnson (em fase de avaliação na EMA) e renegociar um novo contrato com a BioNTech/Pfizer.

Todos estes atrasos — comparados com outros países como Reino Unido, EUA ou Israel — deixaram Ursula von der Leyen na berlinda, enfrentando acusações sobre a forma como tem gerido o processo, quer ao nível da negociação com as farmacêuticas, quer ao nível das aprovações da EMA, que têm chegado mais tarde do que as das suas congéneres naqueles três países.

Até à data, a Comissão Europeia celebrou contratos com seis produtores de vacinas, num total de mais de 2,6 mil milhões de doses, estando em curso conversações exploratórias com a Novavax (200 milhões de doses no máximo) e com a Valneva (60 milhões).

As doses acordadas

  • BioNTech e Pfizer: 600 milhões
  • Moderna: 460 milhões
  • CureVac: 405 milhões
  • AstraZeneca: 400 milhões
  • Johnson & Johnson: 400 milhões
  • Sanofi-GSK: 300 milhões

Capítulo 2

As prioridades do plano de vacinação

  • Apresentado a 3 de dezembro, o plano de vacinação contra a Covid-19 tem sido, desde o início, alvo de sucessivas críticas, principalmente em relação às prioridades definidas.

Foi no dia em que o plano de vacinação completava um mês no terreno que se confirmava a sua “mais importante” alteração. A ministra Marta Temido já tinha avisado e Francisco Ramos, então responsável pelo plano, repetia-o: idosos com mais de 80 anos iam entrar para a lista de prioridades da primeira fase de vacinação. A alteração era há muito pedida pelos partidos políticos e pela Ordem dos Médicos que exigia uma outra alteração — todos os médicos, setor privado incluído, deveriam ser prioritários e não apenas os do Serviço Nacional de Saúde. A 15 janeiro, também estes começaram a ser inoculados.

Sobre os mais velhos, a União Europeia apontava o mesmo caminho: 80% dos idosos com mais de 80 anos deveriam estar vacinados até ao fim de março.

Antes da mudança, a hierarquia da primeira fase era:

  • Profissionais de saúde diretamente envolvidos na prestação de cuidados a doentes
  • Profissionais e residentes em lares e instituições similares
  • Pessoas com 50 ou mais anos, com pelo menos uma das seguintes patologias:
    − Insuficiência cardíaca
    − Doença coronária
    − Insuficiência renal (TFG < 60ml/min)
    − DPOC ou doença respiratória crónica sob suporte ventilatório e/ou oxigenoterapia de longa duração

Com a inclusão dos mais velhos, Portugal seguia o trilho de países como a Alemanha, a Itália e o Reino Unido, algo que as palavras de António Costa, em novembro, já deixavam antever. Ainda antes de o plano de vacinação ser público, ao saber-se que os mais velhos não seriam prioritários, o primeiro-ministro afirmou haver “critérios técnicos que nunca poderão ser aceites pelos responsáveis políticos”.

Tiago Correia e António Diniz têm opiniões divergentes sobre este assunto.

“Subscrevo o que disse o gabinete da crise da Ordem dos Médicos, de que faço parte. Achámos que foi um erro não se ter feito logo a estratificação por grupos etários, como no modelo inglês”, diz o pneumologista. Para António Diniz, “seguindo a lógica de que as vacinas são para prevenir a mortalidade, os grupos com maior mortalidade são os grupos etários mais elevados, mais do que os de 50 anos com comorbilidades”, logo devem estar no topo das prioridades. Mas a mudança, aponta o médico, só surgiu quando a Ursula von der Leyen disse querer que a maioria dos idosos fosse rapidamente vacinada. “Santos de casa não fazem milagres”, ironiza o pneumologista.

Essa pressão política é vista pelo investigador Tiago Correia com maus olhos, defendendo que os critérios clínicos — as quatro comorbilidades — fazem mais sentido do que olhar apenas para a idade das pessoas. “Essas são as pessoas internadas em cuidados intensivos e quando olhamos para as pessoas que morrem com Covid percebemos que há uma fortíssima incidência daquelas quatro patologias mais graves (doenças coronárias, cardíacas, renais e respiratórias). Faz sentido priorizar essas pessoas: são quem está a ocupar os cuidados intensivos e mesmo as pessoas que morrem, morrem com estas doenças.”

A letalidade da Covid-19 — ou seja, o número de pessoas que morrem a dividir pelos casos confirmados em cada faixa etária — mostra-nos que a partir dos 80 anos é de 13 ou 14%, aos 70 anos é 5%, aos 60 3%, sublinha Tiago Correia. “Ao olhar para esses números, começou a haver a pressão de olhar para a idade em vez de olhar para os casos clínicos.” O problema, aponta o investigador, é que esse indicador não leva em conta que morrem mais pessoas aos 80 anos do que aos 70 e acabámos a comparar grandezas de morte diferentes.

“A morte aos 80 é mais provável do que a morte aos 50, não podemos comparar. O cálculo que devia ser feito, e que eu fiz, é calcular a percentagem de mortos Covid face ao total de mortes em cada faixa etária”, argumenta Tiago Correia. Nesse cenário, a tendência é diferente: “Aos 80 anos, a percentagem de morte Covid face ao total é 13%. Aos 70 anos, 11%. As taxas aproximam-se porque com estas idades, 70, 80 anos, a incidência daquelas quatro doenças que nos entopem os cuidados intensivos são muito significativas.”

Assim, Tiago Correia defende que a nossa população vulnerável não está nos 80 anos como noutros países, mas nos 70, e não temos vacinas suficientes para, até 31 de março, vacinarmos quem mais morre de Covid. “Isto não foi dito. E agora acrescentámos os 80 anos. Em vez de se assumir prioridades e escolhas, alargou-se ainda mais o leque de prioridades, quando sabemos que o número de vacinas não vai aumentar.” Politicamente, havia uma pressão enorme para vacinar por critérios de idade e, acredita, era difícil ter-lhe resistido.

“Os 80 anos foram uma mistura de pressão política e científica. Estou convencido que o Governo e a comissão de vacinação definiram o critério clínico olhando para os dados de cuidados intensivos e dos óbitos, mas depois muitos países foram para as idades”, acrescenta Tiago Correia. “O ECDC apontou para os 80 anos, a própria Comissão Europeia quer vacinar 80% das pessoas com mais de 80 anos até 31 de março e tínhamos pessoas da comunidade científica em Portugal a dizer que a idade era fundamental. O erro foi olhar só para o indicador da letalidade.”

António Diniz, pneumologista, é coordenador da Estrutura Hospitalar de Contingência de Lisboa

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Capítulo 3

Ultrapassagens nas prioridades

  • A 18 de fevereiro, depois de vários casos de vacinação indevida terem vindo a público, a Inspeção-Geral das Atividades em Saúde (IGAS) abre 11 processos por vacinação indevida. 

O autarca de Reguengos de Monsaraz, José Calixto (PS), foi vacinado sem ter direito a qualquer prioridade. Na Segurança Social de Setúbal, 126 funcionários, incluindo dirigentes, foram vacinados sem serem prioritários. No INEM deu-se situação semelhante. Estes são alguns dos casos de vacinação indevida, denunciados logo no arranque da campanha.

Para corrigir o tiro, no dia em que apresentava o balanço de um mês, Francisco Ramos, responsável pela execução do plano de vacinação, anunciava que a IGAS ia fiscalizar o processo para evitar abusos. Não foi suficiente para travar a sua própria demissão. Cinco dias depois, a 2 de fevereiro, irregularidades na vacinação no Hospital da Cruz Vermelha Portuguesa, que dirige, levaram Francisco Ramos a resignar ao cargo de coordenador do plano de vacinação.

O balanço da IGAS chegou a 18 de fevereiro:

  • 3 processos de fiscalização para aprofundar irregularidades, com relatórios remetidos ao Ministério Público, se existirem indícios de responsabilidade criminal (um hospital gerido pela Santa Casa da Misericórdia e a duas entidades privadas que no total gerem 25 unidades hospitalares)
  • Instaurados 5 processos de natureza disciplinar (uma Administração Regional de Saúde, um hospital do setor público empresarial, um centro hospitalar, uma unidade local de saúde e um hospital do sector público administrativo)
  • Abertos 11 processos (1 processo de inspeção transversal a todo o sistema de saúde, 3 processos de fiscalização nos setores privado e social, 6 processos de inquérito no SNS e 1 processo de esclarecimento no SNS)
  • Foram recolhidas provas que envolvem 84 entidades, ouvidas 205 pessoas e estão em análise cerca de 400 documentos

“É mau quando há alguma institucionalização desse tipo de atuação. Seria mau se fosse uma coisa sistemática ou que acontecesse sistemicamente. Quero crer que são situações pontuais, que haverá sempre em todas as sociedade”, defende o pneumologista António Diniz, assumindo que é um problema que acontece em todo o mundo.

“Não gosto, e acho que deve ser exemplarmente avaliado e julgado quem o fez”, defende. No entanto, nota que pode haver situações diferentes, não devendo a sociedade assumir que todos os casos tiveram o mesmo grau de dolo. “Os casos devem ser avaliados, julgados por quem de direito e se houver lugar a serem punidos, devem sê-lo. Por cada pessoa dessas houve uma que não foi vacinada que tinha direito a sê-lo. Não é o mesmo que passar na fila de espera do refeitório.”

Conclusão

Há um problema comum a todos os países da União Europeia, originado pelo facto de os 27 terem negociado com as farmacêuticas em bloco: o que correu mal a uns, correu mal a todos. Neste caso, os atrasos na entrega de vacinas afetam os planos de vacinação de todos os Estados-membros.

Apesar disso, a presidente da Comissão Europeia não considera que a estratégia seguida esteja errada.  “As decisões que tomámos, coletivamente, foram as mais corretas”, defendeu. “O que teria acontecido se apenas um número reduzido de países ricos tivesse arrebatado as vacinas, deixando os restantes de mãos a abanar? O que teria isso significado para o nosso mercado interno? Em termos económicos, não faria o menor sentido. Teria sido o fim da nossa União”, considerou Ursula Von der Leyen.

Em Portugal — que tem 38 milhões de doses encomendadas no circuito europeu — as falhas das farmacêuticas já tiveram custos no plano de vacinação, que tem vindo a ajustar o seu calendário às vacinas disponíveis. Para fazer face à escassez, e por ser impossível vacinar toda a população de uma só vez, foram definidas três fases de vacinação, cada uma delas com as suas prioridades. Começando pelos profissionais de saúde, a hierarquia definida tem sido, desde o primeiro momento, alvo de muitas críticas. A mais polémica, e que levou à alteração do que estava previsto, foi a vacinação dos idosos com mais de 80 anos sem comorbilidades, que passaram a ser prioritários.

Sob atento escrutínio da opinião pública, estiveram também as vacinações indevidas, à medida que foram sendo conhecidos casos de ultrapassagens nas listas de prioridades. Para detetar e punir com abusos, a IGAS passou a fiscalizar o processo de vacinação.

Até 28 de fevereiro, Portugal administrou 868.826 doses da vacina, o que corresponde a 265.281 pessoas já totalmente imunizadas (com duas doses tomadas). No primeiro trimestre, o país contava receber 4,4 milhões de doses, mas não deverá passar dos 2,5 milhões. No segundo trimestre, segundo a ministra da Saúde, Marta Temido, deverão chegar 11 milhões de vacinas e 10 milhões no terceiro.

Recomendações

Para evitar que os mesmos problemas se repitam, há várias recomendações que podem ser seguidas.

1) Diversidade disciplinar na definição dos critérios de vacinação

Sobre as prioridades do atual plano de vacinação, o investigador Tiago Correia defende que, agora, o melhor é deixar tudo ficar como está, mas diz haver lições a aprender para o futuro. “Não se deve criar mais ruído sobre isso. Para o futuro fica muito claro que faltou diversidade disciplinar na definição dos critérios de vacinação. Faltou ouvir outras vozes, outras disciplinas, que permitissem pensar o problema por outros ângulos e que permitissem fazer outras contas.”

Na sua opinião, divergente da de António Diniz, ficou claro que a taxa de letalidade era um mau indicador. “Perante a pressão, era impossível não tomar esta decisão”, conclui.

2) Equacionar uma única toma da vacina

Numa altura em que se aponta para alcançar a imunidade de grupo no verão, altura em que 70% da população deverá estar vacinada, António Diniz defende que se deve acelerar ao máximo o processo, tentando ter o maior número de pessoas vacinadas tão cedo quanto possível.

O pneumologista recomenda mesmo que se considere espaçar as duas tomas da vacina ou optar pela toma única. “Mesmo com o constrangimento das vacinas chegarem ou não, e admitindo que chegam, devemos acelerar ao máximo. Deve ser equacionada apenas uma toma, há fundamentação científica para vacinar um maior número de pessoas com uma dose do que menos pessoas com duas. A opção deve ser considerada e ser objeto da comissão técnica de vacinação”, aconselha.

A 25 de fevereiro o coordenador do Plano de Vacinação contra a Covid, o vice-almirante Henrique Gouveia e Melo, avançou com a hipótese de adiar a toma da segunda dose da vacina — cenário que a ministra da Saúde, numa entrevista a 1 de março, disse estar a ser estudado.

3) Grandes centros de vacinação para a terceira fase

Seguindo o exemplo de outros países, quando o objetivo é vacinar milhões de pessoas num curto espaço de tempo, há um caminho óbvio a seguir, segundo sugestão de António Diniz. Criar grandes centros de vacinação, se não em todo o país, pelo menos nos grandes centros urbanos, que permitam vacinar centenas de pessoas rapidamente — sempre através de marcação.

“Os problemas vão começar agora”, profetiza António Diniz. O motivo é evidente: “Vacinar profissionais de saúde no seu local de trabalho? Vacinar pessoas nos lares onde vivem? Não é aí que se vão levantar grandes problemas. O desafio é quando passarmos para a população em geral.”

A melhor forma de minimizar problemas é, no seu entender, criar centros de vacinação  para imunizar rapidamente centenas de pessoas. “Se tivermos capacidade, devemos ter um espaço como a Estrutura Hospitalar de Contingência de Lisboa para se poder fazer esse tipo de coisa, de tal forma é importante. Assim haja vacinas.” E sugere mesmo que parte da nova estrutura, no Estádio Universitário de Lisboa, e que é por si coordenada, venha a ser aproveitada para essa missão.

“Acho que se deve considerar a criação destes espaços, onde se possa vacinar a população na maior escala possível, até para prevenção de uma quarta vaga”, sublinha o médico.

4) Evitar, corrigir e punir vacinação antes da vez

A vacinação indevida deve ser evitada a todo o custo e, quando detetada, deve ser corrigida rapidamente. Para isso, António Diniz sugere que existam relatórios públicos que mostrem como está a vacinação a correr por todo o país.

“Mais do que saber que foram vacinadas tantas pessoas e que numa semana se vacinou em tantos lares — e isso deve fazer parte de relatórios emitidos regularmente — devem existir documentos que tornem transparente o procedimento das autoridades no seu relacionamento com os cidadãos”, defende o pneumologista.

Participaram neste volume:

António Diniz
Médico pneumologista
Coordenador da Unidade de Imunodeficiência do Hospital Pulido Valente e da Estrutura Hospitalar de Contingência de Lisboa. Foi diretor do Programa Nacional para a Infeção HIV/sida. Membro do gabinete de crise para a Covid-19 da Ordem dos Médicos. É consultor da  Direção Geral da Saúde.

Tiago Correia
Professor e investigador
Dá aulas na Unidade de Saúde Pública Internacional e Bioestatística do Instituto de Higiene e Medicina Tropical e é investigador sénior do Global Health and Tropical Medicine, do mesmo organismo, e investigador associado do Centro de Investigação e Estudos de Sociologia do Instituto Universitário de Lisboa. É membro do Centro Colaborador da Organização Mundial de Saúde para as Políticas e Planeamento da Força de Trabalho em Saúde e da comissão executiva da Sociedade Europeia para a Saúde e Sociologia Médica.

Os restantes especialistas convidados para o painel do Livro Branco da Pandemia:

Roberto Roncon
Médico internista e intensivista
Especialista em Medicina Interna e Medicina Intensiva, trabalha no Centro Hospitalar Universitário de São João, no Porto, onde é coordenador do Centro de Referência de ECMO (Oxigenação por Membrana Extracorporal). Dá ainda aulas de Fisiologia na Faculdade de Medicina da Universidade do Porto.

Ricardo Mexia
Médico de Saúde Pública e epidemiologista
Membro do Departamento de Epidemiologia do Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge, trabalha essencialmente no âmbito das doenças transmissíveis, com foco na investigação e controlo de surtos. Dá aulas como assistente convidado na Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa e na Universidade do Algarve. É presidente da Associação Nacional dos Médicos de Saúde Pública e vice-presidente da Secção de Controlo de Doença Transmissível da Federação Europeia de Saúde Pública.

Filipe Froes
Médico pneumologista
Coordenador da Unidade de Cuidados Intensivos Médico-Cirúrgicos do Hospital Pulido Valente, em Lisboa, é também investigador da Universidade Nova de Lisboa e coordenador do gabinete de crise para a Covid-19 da Ordem dos Médicos. É consultor da Liga Portuguesa de Futebol, da Direção Geral da Saúde e membro do Conselho Nacional de Saúde Pública.

Os outros volumes do Livro Branco da Pandemia:

 A estratégia de confinamento/desconfinamento:

O Livro Branco da Pandemia. Como é que Portugal passou de bom a mau aluno no confinamento?

 Os erros de comunicação:

O Livro Branco da Pandemia. Onde é que a comunicação com os portugueses falhou?

 Os lares de idosos:

O Livro Branco da Pandemia. Porque é que morreram tantos utentes de lares de idosos?

A resposta do SNS

O Livro Branco da Pandemia. Porque é que o Serviço Nacional de Saúde quase colapsou?

A falta de dados

Livro Branco da Pandemia. Faltaram dados para gerir a Covid-19 em Portugal?

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