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DIOGO VENTURA/OBSERVADOR

DIOGO VENTURA/OBSERVADOR

O novo ciclo político de Montenegro em três atos e outros tantos riscos

O fantasma da especialidade (que pode assombrar o orçamento), o risco das autárquicas e uma candidatura presidencial deixada para segundo plano marcaram o início do novo ciclo de Luís Montenegro.

O momento político virou o 42.º Congresso do PSD de pernas para o ar. Se tivesse sido realizado há um mês, como era suposto, teria servido para aumentar a dramatização em torno do Orçamento do Estado para 2025. Se Pedro Nuno Santos tivesse mantido o tabu sobre a decisão em relação ao documento, os sociais-democratas passariam dois dias a ameaçar o PS com uma eventual crise política. A inexistência destes dois fatores de interesse, acabou por expor um partido ainda à procura do seu discurso neste novo ciclo.

Para já, houve uma tentativa evidente por parte de Montenegro e do esquadrão de destacados dirigentes e ministros que desfilaram pelo palco para tentar provar a ideia de que de o PSD está agora no centro do regime — onde antes estavam António Costa e o PS. Importa agora provar por A+B que o partido é o único capaz de reformar o país (porque o PS é naturalmente situacionista) e porque à direita dos sociais-democratas só existe irresponsabilidade e falta de fiabilidade.

Aliás, uma das preocupações da equipa de Montenegro foi provar que o que o Governo está a fazer na função pública, nos pensionistas, nas corporações mais vocais, entre os mais jovens não é uma “benesse” para quem sai beneficiado; mas antes uma reforma estrutural de “transformar” Portugal “sem fazer ruturas, revoluções, sem rasgar o país de alto a baixo”.

Foi, aliás, Paulo Rangel, ministro dos Negócios Estrangeiros e até este sábado primeiro vice-presidente do PSD, quem melhor sintetizou o novo ciclo que o PSD quer iniciar. “Temos de exigir às forças políticas da oposição sentido de responsabilidade. É preciso dizer a uns que Portugal não é o país das tricas e a outros que Portugal não é o país das trocas. Portugal merece que os partidos no Parlamento saibam estar à altura da sua responsabilidade e percebam que este Governo não está apenas a resolver a paralisia de oito anos do PS e da geringonça.” Hugo Soares, mesmo no final da noite de sábado, deixava uma garantia em forma desafio: “Deixem-nos governar em normalidade e verão do que somos capazes.”

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Curiosamente — ou não — o nome de Pedro Nuno Santos foi praticamente omitido nas intervenções mais relevantes do dia. O alvo preferencial passou a ser António Costa e os “oito anos de estagnação socialista”. “A nossa política é refletir e depois decidir com responsabilidade. Não acertamos sempre, mas também não andamos aos ziguezagues. Somos diferentes e estamos a fazer a diferença.”

Ao mesmo tempo, houve uma deliberada preocupação em personalizar os méritos do Governo na figura de Luís Montenegro. Não sendo exatamente uma originalidade, também responde às tendências que se vão verificando nos estudos de opinião: o primeiro-ministro a crescer nos índices de popularidade, acima de todos os adversários e até de Marcelo Rebelo de Sousa, ao mesmo tempo que o PSD continua com dificuldades em explodir nas sondagens.

"Não acredito que o PS possa na especialidade desvirtuar o Orçamento depois de anunciar que o viabiliza e que gere problemas", assumiu Hugo Soares, líder parlamentar do PSD, em entrevista ao Observador. Ainda assim, o secretário-geral do partido admitiu que qualquer medida aprovada pelo Parlamento que signifique aumento de impostos será "inaceitável" para o Governo. É um aviso para levar a sério

O fantasma da especialidade

Porém, por muitos planos e intenções que Luís Montenegro possa ter para o futuro do país terá sempre de ultrapassar o desafio mais imediato que se lhe coloca: a aprovação do Orçamento do Estado na especialidade. Como explicava aqui o Observador, o Governo está exposto às alterações que possam existir agora ao Orçamento, sendo que a conjugação de forças entre Pedro Nuno Santos e André Ventura pode desvirtuar por completo o documento ao ponto de Montenegro ser confrontado com a possibilidade de não se rever no próprio Orçamento do Estado — o que poderia provocar uma crise política.

Ora, apesar do fantasma que existe — existe e já levou Joaquim Miranda Sarmento a ameaçar com o cenário de eleições antecipadas ainda em agosto –, a orientação geral foi para não alimentar mais hostilidades. Houve vários apelos à responsabilidade do PS, sobretudo quando provocados pelas perguntas dos jornalistas, mas a mensagem oficial praticamente ignorou o processo na especialidade que agora se inicia.

“Não acredito que o PS possa na especialidade desvirtuar o Orçamento depois de anunciar que o viabiliza e que gere problemas”, assumiu Hugo Soares, líder parlamentar do PSD, em entrevista ao Observador. Ainda assim, o secretário-geral do partido admitiu que qualquer medida aprovada pelo Parlamento que signifique aumento de impostos será “inaceitável” para o Governo. É um aviso para levar a sério.

Da mesma forma, Pedro Duarte, ministro dos Assuntos Parlamentares, relativizou a questão. “Chegámos a este momento e acho que podemos todos respirar de alívio, porque não vamos ter uma crise política. Aparentemente”, salvaguardou. “Ninguém vai pedir à oposição que não marque as suas diferenças, que não aponte divergências e que tenha o seu próprio programa e o seu caminho. Mas é muito importante que ponha a tónica no caráter construtivo daquilo que quer apresentar.”

Se a ameaça surgir de dentro de casa tudo se torna ainda mais absurdo. Miguel Albuquerque, presidente do Governo Regional da Madeira, já ameaçou dar orientações aos seus deputados para que votem contra o Orçamento do Estado, junto forças aos Açores. O madeirense entrou no Congresso a dizer que estava pronto para sair, porque não dependia do cargo de presidente da Mesa do Congresso para “nada“. Um eventual afastamento atiraria os sociais-democratas para um psicodrama de proporções bizarras. Montenegro decidiu, apesar de tudo, reconduzir Albuquerque e ganhar mais algumas semanas para impedir o PSD-Madeira de se rebelar contra o Governo.

“Na análise política cabem todos os cenários, até os mais inverosímeis”, admitiu Miguel Pinto Luz ao Observador, acreditando, ainda, que vai continuar a prevalecer “o sentido de responsabilidade”, que identifica no PS, PSD e CDS. “Já assistiram a este dançar próprio do Orçamento”. “Não vou aqui entrar em cenários, vou dizer aquilo que é expectável e razoável neste cenário. É preciso muito sentido de responsabilidade. Mas esta postura precisa de ser consequente. É muito importante que o país tenha um Orçamento”, rematou Paulo Rangel, também em entrevista ao Observador. O próximo mês dirá se os elementos do núcleo mais próximo de Montenegro têm ou não razão para estarem tão confiantes.

Pedro Duarte é o nome apontado com maior insistência para o lugar, ainda que o próprio tenha fugido à questão em entrevista ao Observador. Hugo Soares foi bem mais generoso nas palavras: seria um "excelente candidato", assumiu o secretário-geral do PSD, que, pelas funções que ocupa, terá responsabilidades acrescidas na escolha dos candidatos autárquicos

O risco das autárquicas

Ultrapassado, aparentemente, o impasse orçamental e afastado um cenário de crise política, as atenções do partido centraram-se no próximo desafio eleitoral — as autárquicas agendadas para setembro ou outubro de 2025. Para lá da vontade anunciada de conquistar a liderança da Associação Nacional de Munícipios (ANMP) e a Associação Nacional de Freguesias (Anafre) e de uma aposta declarada num ato eleitoral que é “crucial”, pouco ou nada foi dito de concreto sobre esse processo — prova de que os sociais-democratas estavam quase exclusivamente centrados na frente parlamentar.

Ainda assim, as eleições autárquicas do PSD revestem-se de especial importância pelo momento em que vão acontecer, imediatamente antes da discussão do Orçamento do Estado para 2026. Uma eventual escorregadela do PSD nas autárquicas dará (ainda mais) argumentos a Pedro Nuno Santos para chumbar o Orçamento e provocar uma crise política — a partir do momento em que o sucessor de Marcelo Rebelo de Sousa estiver encontrado, já poderão ser convocadas novas eleições. Ora, um possível resultado menos positivo para os socais-democratas atirarão o PS para um ciclo de duas vitórias consecutivas (europeias já entram nas contas), o que pode atrapalhar as aspirações do PSD nas legislativas.

Houve, apesar de tudo, alguns sinais a registar. Carlos Moedas, que continua a manter um tabu artificial sobre a sua recandidatura à Câmara Municipal de Lisboa (a hipótese de não ir a jogo não é levada a sério nem pelos seus mais próximos), voltou a ser um dos mais aplaudidos do congresso — numa discurso altamente crítico para o PS e rompendo com a “morna de São Tomé” (palavras do histórico social-democrata Mendes Botas). É possível que em breve anuncie uma coligação pré-eleitoral que junte os liberais para tentar ganhar de vez a maioria na Câmara.

A outra grande dúvida é perceber que aposta fará Montenegro para a autarquia do Porto. Pedro Duarte é o nome apontado com maior insistência para o lugar, ainda que o próprio tenha fugido à questão em entrevista ao Observador. Hugo Soares foi bem mais generoso nas palavras: seria um “excelente candidato“, assumiu o secretário-geral do PSD, que, pelas funções que ocupa, terá responsabilidades acrescidas na escolha dos candidatos autárquicos.

Quanto ao mais, não faltaram vozes (minoritárias, é certo) a contestar a falta de ligação de Montenegro, agora no fato de primeiro-ministro, ao partido. Existia, também por isso, alguma expectativa para perceber que mudanças introduziria o líder social-democrata na sua direção mais próxima no sentido de voltar o PSD mais para o combate autárquico.

As mudanças acabaram por não refletir isso: além das promoções de Rui Rocha (antigo líder distrital de Leiria) e de Lucinda Dâmaso, presidente da UGT, o que lhe dá naturais relações privilegiadas com trabalhadores e empresas, a nova direção de Montenegro não parece ter sido escolhida para preparar o ciclo autárquico. Mais relevante é a recondução de Hugo Soares e Pedro Alves, como secretário-geral e coordenador das eleições autárquicas. Eles, sim, são os homens do aparelho.

Mendes abaixo das expectativas (e com concorrência mediática)

Montenegro fez declaração tão inesperadas e tão pró-Mendes em Belém que aumentou as expectativas para o Congresso de Braga, onde seria aprovado o perfil do candidato presidencial. Marques Mendes fez saber que ia à reunião magna, o que ajudou a aumentar ainda mais essa expectativa. Na primeira intervenção do Congresso, o presidente da autarquia de Braga, Ricardo Rio, continuava a onda e atirou: “Vejo estrelas a alinharem-se para que em Belém Braga continue a ter muita influência.”

Mas não só não houve um momento galvanizador, como o dia pouco acrescentou a uma futura candidatura a Belém. Mendes começou, ainda antes de entrar na sala, a pôr água na fervura. Estrategicamente, não interessa ao ex-líder do PSD avançar agora e por isso quis, propositadamente, esfriar a ideia de que a decisão está mais que tomada e que o apoio do partido está mais do que garantido. “Queria dizer-vos o seguinte: eu registei o gesto de simpatia do presidente do PSD e primeiro-ministro ao falar de mim, há dias. Mas quero sublinhar que a candidatura presidencial é uma decisão individual, às vezes quase solitária, e sobre essa matéria eu falarei, sem dúvida, quando tomar uma decisão em 2025”, disse Mendes.

Sobrava então uma receção apoteótica da sala, que desse força para uma futura e difícil batalha. Marques Mendes demorou a responder aos jornalistas e Hugo Soares desesperava: “Temos de ir embora”. Com o tempo perdido à entrada, Pedro Duarte já estava a falar quando o ex-líder entrou na sala, com aparato de câmaras, mas sem qualquer anúncio. Só quando terminou a intervenção do ministro dos Assuntos Parlamentares é que Miguel Albuquerque anunciou no palco o antigo líder Marques Mendes. Foi aplaudido, mas não com estrondo — ficando mesmo aquém do aplauso de 2022. Mesmo descontando a comparação, esteve longe de ser uma entrada galvanizadora.

DIOGO VENTURA/OBSERVADOR

Outras surpresas, em particular a ida de Santana Lopes ao Congresso, também ajudaram a tirar o impacto a Marques Mendes. O antigo primeiro-ministro começou por dizer que é muito difícil protagonizar uma candidatura presidencial e que o “mais natural” é recandidatar-se à câmara municipal da Figueira da Foz. Após insistência acabou, no entanto, por não afastar a 100% essa possibilidade: “Não quero falar disso agora”. Questionado sobre quando seria, atirou: “Em 2025”. Um potencial concorrência é sempre uma potencial concorrência.

Os membros da direção e do Governo, embora tivessem feito elogios a Mendes, também foram contidos. Até Castro Almeida o mais mendista dos ministros, nunca disse o nome do amigo: “Temos de apoiar e fazer ganhar um candidato do PSD que tenha grande experiência política, grande maturidade política e grande capacidade de unir o país e grande capacidade de isenção e que seja capaz de mobilizar Portugal”. Luís Montenegro falou duas vezes ao Congresso (na abertura e para apresentar a lista) e nem uma palavra disse sobre presidenciais.

O ministro Paulo Rangel limitou-se a dizer, em entrevista ao Observador, que a ida de Mendes ao Congresso era “um percurso perfeitamente natural, de contacto com os militantes, de alguém que está a pensar — como já o disse — nessa hipótese. Agora, a candidatura presidencial parte sempre do próprio, não são os partidos que convidam as pessoas a candidatar-se”. Miguel Pinto Luz, também em entrevista ao Observador, advertiu que os militantes só podem apoiar Mendes quando ele “der esse passo”. Hugo Soares, também em declarações ao Observador, disse que tem “a certeza que há outros nomes que podem encaixar” no perfil definido pelo partido, mas que “Marques Mendes tem um fortíssimo perfil para encaixar naquilo que é a nossa moção de estratégia global.”

Apesar disso, não se pode dizer que a candidatura de Mendes tenha ganho muita força em Braga. Além disso, ainda teve um deputado, Carlos Eduardo Reis, a dizer que Marques Mendes “alarga menos a base eleitoral do PSD” do que Rio e Passos. Também o antigo deputado André Pardal criticou do púlpito a forma como está a ser afunilada a escolha de Mendes como candidato presidencial.

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