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Os dois idosos foram apanhados pelo fumo na estrada, percorreram 1,5 quilómetros e morreram no interior do carro. Foram encontrados carbonizados
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Os dois idosos foram apanhados pelo fumo na estrada, percorreram 1,5 quilómetros e morreram no interior do carro. Foram encontrados carbonizados

Os dois idosos foram apanhados pelo fumo na estrada, percorreram 1,5 quilómetros e morreram no interior do carro. Foram encontrados carbonizados

"O pânico falou mais alto." Reportagem em Murça onde o casal da terra morreu a tentar fugir das chamas

Iracema e Amadeu morreram quando fugiam de carro de um incêndio em Murça. Na aldeia de Penabeice paira o choque, a família quer atrasar o funeral e não há dúvidas de que "o pânico falou mais alto".

Passavam poucos minutos das 8 horas da manhã desta terça-feira e na única estrada de acesso à aldeia de Penabeice, concelho de Murça, distrito de Vila Real, o cheiro a queimado é intenso. Numa paisagem completamente negra, ouvem-se galos a cantar, avistam-se ovelhas a vaguear lentamente e pequenos focos de fumo na terra batida. No alcatrão queimado pelo fogo, a marca dos pneus assinala o percurso do carro, um Nissan Qashqai, que esta segunda-feira se despistou e capotou, provocando a morte de um casal de idosos que fugia de um incêndio, ativo desde de domingo na região.

Casal emigrante morre em incêndio em Murça. “É uma situação completamente dramática, metade do concelho ardeu”

Iracema de Jesus, 72 anos, e Amadeu Fernandes, 70 anos, viviam no número 17, a única casa pintada de azul da pequena aldeia, a cerca de 1,5 quilómetros do local do acidente, onde ainda permanece a viatura completamente carbonizada. Na habitação ao lado está Maria José a chorar compulsivamente. É prima de Iracema e ao seu lado está Andreia, a sua neta. “Fomos o último carro a sair daqui com vida, acho que eram umas três da tarde”, recordam avó e neta ao Observador. “Eles devem ter saído minutos depois de nós, mas já não conseguiram passar, o fumo já era muito.”

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A casa do casal está imaculada, as duas mangueiras no quintal provam que bombeiros e vizinhos tentaram proteger a habitação, que agora se encontra vazia. Entre choque, revolta e tristeza, avó e neta contam que o fogo se aproximou da localidade depois da hora do almoço e “nem deu tempo para dormir a sesta, foi tudo muito rápido.”

“Quando vimos que o fogo tinha chegado à aldeia de Mascanho, disse aos meus avós para pegarem nos comprimidos e irem para o carro. Fizemos a estrada toda ainda com alguma visibilidade, em direção contrária vinham os bombeiros. Deixei os meus avós em casa de uns primos aqui perto e quando quis regressar o caminho já estava cortado”, revela Andreia, de 23 anos, acrescentando que a família era próxima. “Fazíamos praticamente todas as refeições juntos, cuidávamos dos animais uns dos outros. Isto é uma tragédia. Ela tinha problemas respiratórios, era asmática e dormia com uma bomba, este fumo deixou-a em pânico.”

Ao todo, foram quatro as viaturas que partiram de Penabeice em direção à freguesia de Jou para fugir do fogo, mas a maioria dos habitantes da aldeia permaneceu nas casas por opção. “Regressei a casa perto das oito da noite e só por volta das duas da manhã voltámos a ter água e eletricidade”, conta Andreia, uma das mais jovens habitantes daquela zona, abraçando mais uma vizinha enquanto chora e diz em voz alta: “Como é que isto lhes foi acontecer?”

Horas antes, à meia-noite, esta mesma estrada de acesso à aldeia de Penabeice tinha sido cortada por precaução pela GNR. “Estão vários incêndios florestais ativos aqui à volta, não vamos deixar passar ninguém. Talvez só amanhã de manhã”, diz um militar a quem se aproxima. À espera de que a estrada reabrisse ao trânsito estava Fernando Vaz, cunhado de Iracema de Jesus e Amadeu Fernandes. “Ainda não acredito no que aconteceu, isto é uma tragédia, ainda não me caiu a ficha”, diz ao Observador, entre vários telefonemas para os três filhos que estão em França. “Ela era irmã da minha mulher, que faleceu há quatro anos, hoje os meus filhos perderam uma segunda mãe”, acrescenta o homem natural de Viseu e emigrado em França.

Ana Moreira /Observador

Fernando e a família souberam do acidente pela televisão e ficaram chocados com o que viram e ouviram. “Mal soube que a aldeia deles estava a arder, por volta das 16h, liguei logo para os telemóveis e para o telefone fixo da casa, mas ninguém atendeu, pensei logo que tinha acontecido alguma coisa”, recorda, afirmando que horas mais tarde confirmou as suas suspeitas.

“Ela tinha excesso de peso e alguns problemas respiratórios, quis fugir por causa do fumo, queria respirar. Aqui, o pânico falou mais alto. Devem ter levado tudo, documentos e recordações, agora está tudo queimado”, diz do outro lado da rua Maria Monteiro, irmã de Fernando, amiga próxima do casal. “Espero que não tenham sofrido muito, é o que espero.”

A noite ia-se adensando, o cheiro a fumo intensificava-se e os dois irmãos tentavam perceber junto da GNR se podiam passar a estrada e chegar até casa de Iracema e Amadeu, ainda sem água nem eletricidade. “Será que vamos poder atrasar o funeral? Os meus filhos querem vir de França e há mais sobrinhos que estão em Lisboa, estão todos chocados”, desabafa Fernando, enquanto procura um carregador para alimentar a bateria do telemóvel. “A noite vai ser longa, mas acho que só passaremos daqui amanhã de manhã”, diz, enquanto vê passar uma carrinha branca. “Os cadáveres estão ali”, informa rapidamente um agente da GNR.

O casal de idosos que faleceu esta segunda-feira era natural de Penabeice, esteve emigrado em França durante vários, ela trabalhava como porteira e ele na construção civil, estavam reformados e viviam “na casa azul” na aldeia onde eram conhecidos. “Não tinham filhos, só sobrinhos, mas aqui as pessoas são muito próximas, tinham alguns primos como vizinhos. A casa deles era grande, tinham umas galinhas e um jardim grande. Amanhã vamos ver como tudo ficou. Se eles tivessem fugido mais cedo, talvez nada disto tivesse acontecido, não sei”, atira Maria Monteiro, encolhendo os ombros e já com as lágrimas nos olhos.

Aldeia confinada quando o casal fugiu sem que ninguém se apercebesse

Mário Artur Lopes, presidente da Câmara Municipal de Murça, conta ao Observador que foi quem chamou a GNR ao local do acidente. “Eram 16h30 e estava a passar aquela estrada, já depois de o fogo passar por ali. Junto à encosta de Ribeiro de Corgos, vi um carro carbonizado e dei logo conta da ocorrência. Pelo que sei, o casal, para fugir do fumo, andou de carro uns três quilómetros numa estrada em que não se via um palmo à frente dos olhos [a distância, na verdade, é relativamente mais curta]. Despistou-se e capotou, caindo de uma ravina. Não sabemos ainda exatamente as causas das mortes, mas é sempre complicado quando isto acontece.”

Artur Lopes, segundo-comandante de operações de socorro de Vila Real, descreveu ao Observador o trabalho que foi feito pelos bombeiros na aldeia de Penabeice durante a tarde desta segunda-feira, onde o incêndio ativo desde domingo mereceu mais preocupações. “O fogo estava a progredir muito rapidamente devido ao vento e aos difíceis acessos, uma vez que há uma única estrada para entrar e sair desta aldeia, e estamos a falar de uma estrada com várias curvas”, começa por explicar.

“Quando chegámos ao local sugerimos aos cerca de 50 habitantes que abandonassem a aldeia, a câmara tinha ativado o plano de emergência, tínhamos uma carrinha para o efeito, mas muitos não quiseram deixar as suas casas e os seus pertences. Ficaram então confinados durante a tarde com 30 bombeiros e três viaturas a fazer um perímetro de segurança para que o fogo não atingisse as casas, algo que, felizmente, não chegou a acontecer. Apenas arderam uns anexos com lenha.”

No ar, o fumo era intenso e talvez por isso este casal tenha decidido abandonar o local pelos seus próprios meios. “Não havia propriamente chamas perto, mas o fumo era muito. Estamos a falar de pessoas de mais idade que, com a inalação de fumo, entram em pânico e só querem fugir. Este casal vivia numa das primeiras casas desta aldeia, era muito fácil saírem sem que nos apercebêssemos disso e foi exatamente o que aconteceu”, revela Artur Lopes.

Só mais tarde as marcas dos pneus no alcatrão derretido na estrada que liga Penabeice à freguesia de Jou fizeram crer que alguém se tinha mesmo despistado por ali. “A estrada estava cortada, nunca diríamos a ninguém para sair da aldeia sem o nosso consentimento, até porque isso iria prejudicar o nosso trabalho no terreno.”

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