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Ao longo dos anos, a China foi estreitanto a proximidade aos vários líderes afegãos — e também dos talibãs
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Ao longo dos anos, a China foi estreitanto a proximidade aos vários líderes afegãos — e também dos talibãs

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Ao longo dos anos, a China foi estreitanto a proximidade aos vários líderes afegãos — e também dos talibãs

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O que pretende a China do Afeganistão?

Benefício económico da exploração dos recursos naturais afegãos só é viável num ambiente de estabilidade política. Um Afeganistão fragmentado e anárquico não interessa à China. Ensaio de Carlos Branco

Nos anos que se seguiram à queda do regime Talibã, em dezembro de 2001, as relações políticas e diplomáticas entre a República Popular da China (RPC) e o Afeganistão mantiveram um perfil discreto. Apesar de Cabul ser considerada de baixa prioridade diplomática para Beijing, a RPC foi um dos primeiros estados a estabelecer relações oficiais com a Autoridade Transitória afegã. Após sete anos de relações cortadas, em fevereiro de 2002 a RPC reabriu a sua embaixada em Cabul. A importância do Afeganistão para Beijing tem vindo a aumentar progressivamente nas duas últimas décadas.

Os motivos que tornaram o Afeganistão importante para a RPC resultam da conjugação de aspetos económicos e securitários. A segurança e a economia encontram-se extremamente interligadas no pensamento estratégico de Beijing. Essa relação explica o empenho de Beijing a partir de 2015 nas negociações de paz, e nos esforços para trazer os talibãs para a mesa das negociações, de modo a enfrentar a nova realidade causada pelo desinvestimento securitário norte-americano no Afeganistão.

O tremendo investimento da China em segurança na Ásia Central prende-se fundamentalmente com dois motivos: por um lado, para criar condições benignas para o desenvolvimento económico, por outro prevenir as ameaças causadas pelo separatismo uigure e pela presença militar norte-americana na região. Do ponto de vista económico, o interesse de Beijing reside no acesso aos recursos naturais do Afeganistão e no trânsito de hidrocarbonetos provenientes do Irão, do Turquemenistão e do Mar Cáspio pelo seu território. Mas o benefício económico resultante da exploração dos recursos naturais só é viável num ambiente de estabilidade política. Um Afeganistão fragmentado e anárquico não interessa a Beijing.

O desinteresse de Beijing foi sendo progressivamente substituído por envolvimento. A evolução das relações políticas e diplomáticas entre os dois países esteve sempre ligada aos interesses económicos e às preocupações de segurança de Beijing. Eram um prolongamento dessas políticas.

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Em março de 2010, Hamid Karzai e Hu Jintao assinaram a “Parceria de Cooperação Abrangente China-Afeganistão”

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A “diplomacia de vizinhança” tornou-se a principal prioridade da política externa chinesa. Em junho de 2006, os presidentes Hamid Karzai e Hu Jintao assinaram em Beijing, entre vários acordos e memorandos, um “Tratado de Amizade, Cooperação e Relações de Boa Vizinhança e um “Acordo de Cooperação Comercial e Económica”. A Cimeira constituiu uma oportunidade para Beijing afirmar que, assim como o Afeganistão, também era vítima do terrorismo e, como tal, estava pronta a trabalhar com os afegãos na luta contra o terrorismo, o separatismo e o extremismo. As relações entre os dois países amadureceram e os intercâmbios de alto nível tornaram-se rotina. Em março de 2010, o presidente Hamid Karzai fez uma visita à China e assinou com o presidente Hu Jintao a “Parceria de Cooperação Abrangente China-Afeganistão”. Em 2012, a cooperação política sino-afegã deu um passo em frente e foi elevada ao nível de “parceria estratégica e cooperativa”.

Os anos de 2013 e 2014 foram cruciais para a região e para o Afeganistão. A significativa redução das tropas internacionais e a mudança de uma operação de combate para uma operação não combatente indicava claramente o início de um gradual desinvestimento estratégico dos EUA no Afeganistão. Em 2014, quase um mês após a sua tomada de posse e alguns meses antes do fim da ISAF, Ashraf Ghani, numa das suas primeiras viagens ao exterior, visitou Beijing, onde reiterou as promessas sobre as relações sino-afegãs feitas quatro anos antes pelo seu antecessor.

Em 2015, as agendas dos principais atores envolvidos de uma ou outra forma no conflito afegão começaram a mudar de prioridades. A necessidade de encontrar uma solução política para o conflito afegão passou a estar no topo da agenda. Beijing efetuou várias diligências na frente política: tentou mitigar as relações “azedas” entre o Afeganistão e o Paquistão, aproximando-os politicamente; pressionou, em conjunto com outras potências, os principais litigantes para iniciarem negociações; e envolveu-se diretamente com os talibãs para os persuadir a juntarem-se ao processo político e negociarem com o Governo afegão e os EUA. No início de 2015, a China funcionou como facilitador das conversações entre o governo liderado por Ghani e os talibãs. No entanto, essas iniciativas não produziram resultados tangíveis, devido, em parte, à deterioração das relações entre o Afeganistão e o Paquistão.

Beijing não foi tímida a promover iniciativas políticas e diplomáticas relacionadas com o Afeganistão. Essas atividades serviram para preparar investimentos de empresas chinesas e, simultaneamente, ajudaram a China a salvaguardar os seus interesses em matéria de segurança.

Reconhecendo que os esforços para trazer os talibãs para a mesa das negociações não trariam progressos enquanto o Paquistão e o Afeganistão permanecessem em desacordo, Beijing decidiu incluir o Paquistão nas iniciativas de paz. Assim, a China patrocinou a criação de um diálogo trilateral com o Afeganistão e o Paquistão procurando desenvolver uma relação empática entre os dois países. Além desta plataforma de diálogo trilateral ad hoc, a China aderiu ao “Grupo de Coordenação Quadrilateral” (QCG) com os Estados Unidos, o Paquistão e o Afeganistão, com o objetivo de retomar as negociações de paz com a participação dos talibãs, que foram convidados oficialmente para participar nas reuniões, mas declinaram. Para além disso, a China também participava noutra iniciativa de consulta tripartida ad hoc sobre o Afeganistão com a Rússia e os EUA. Foi neste âmbito que, em abril de 2019, as grandes potências chegaram a um amplo consenso sobre uma possível solução política para o conflito, tornando-o um processo de paz inclusivo liderado pelos afegãos.

A RPC tomou também algumas iniciativas diplomáticas unilaterais relativamente ao envolvimento dos talibãs nas negociações de paz. Entre outras, Beijing acolheu em junho de 2019 uma delegação talibã chefiada por Abdul Ghani Baradar, como parte dos esforços para promover a paz e a reconciliação no Afeganistão. Além da participação em iniciativas ad hoc, a China apoiou ativamente Cabul na Organização de Cooperação de Xangai (SCO).

Beijing não foi tímida a promover iniciativas políticas e diplomáticas relacionadas com o Afeganistão. Essas atividades serviram para preparar investimentos de empresas chinesas e, simultaneamente, ajudaram a China a salvaguardar os seus interesses em matéria de segurança. Um Afeganistão estável contribui para neutralizar o separatismo uigure muçulmano e deslegitimar a presença militar norte americana no Afeganistão e na Ásia Central.

Em março, uma delegação dos talibãs, liderada por Abdul Ghani Baradar e Sher Mohammad Abbas Stanikzai, participou numa reunião com delegações de outros países, como a China, a Rússia e os EUA

Anadolu Agency via Getty Images

Por isso, no final da segunda década do século XXI, a China dedicou uma energia considerável ao processo de paz afegão, pressionando os talibãs a sentarem-se à mesa das negociações. Beijing tinha interesse em estabelecer boas relações com os talibãs e obter a sua colaboração para ajudar a desmantelar os campos dos rebeldes uigures baseados no Afeganistão, supostamente usado como um refúgio seguro para preparar ataques em território chinês. Mesmo sem contribuir com forças militares ou financiar de um modo substantivo a reconstrução do Afeganistão, e recusar qualquer envolvimento militar direto, a RPC tornou-se o maior investidor no país, levando alguns a acusá-la de “parasitismo”.

Os recursos naturais

O Afeganistão possui depósitos de minerais e hidrocarbonetos, que se estima valerem mais de um bilião de dólares. O interesse da China pelos recursos naturais do Afeganistão foi materializado através de significativos investimentos, nomeadamente dois realizados por empresas estatais chinesas: em maio de 2008, o arrendamento por 30 anos do depósito de cobre Mes Aynak, na província de Logar por 3,4 mil milhões de dólares; e no final de dezembro de 2011, os direitos de perfuração de três campos de petróleo por 400 milhões de dólares na bacia do rio Amu Darya, no norte do Afeganistão, por um período de 25 anos.

Se executados, estes dois projetos contribuiriam de forma decisiva para o desenvolvimento da economia afegã, mas não foi o caso por se encontrarem localizados em áreas não controladas pelo Governo, onde a segurança era muito precária. O depósito de cobre de Mes Aynak é considerado o segundo maior do mundo e contém cerca de 450 milhões de toneladas métricas de minério, valendo pelo menos 50 mil milhões de dólares. É um ativo importante para alimentar de matérias-primas a faminta indústria chinesa.

A segurança

A insegurança no Afeganistão afeta a segurança da China de dois modos diferentes: fornecia aos EUA um motivo para manter as suas tropas perto da fronteira chinesa; e facilita a vida aos movimentos separatistas islâmicos que operam no interior da China. A guerra contra o terrorismo, primeiro contra a Al-Qaeda e depois contra o Estado Islâmico, no Afeganistão e nos países vizinhos, deu aos EUA um pretexto para prolongar a sua presença militar no país, e uma oportunidade para desenvolver programas de cooperação militar com países da Ásia Central.

Beijing pretende criar uma buffer zone em torno das suas fronteiras composta por estados estáveis e eliminar os santuários e refúgios do Partido Islâmico do Turquestão. A China não quer que o Afeganistão se transforme num “santuário” para esses grupos, como foi no passado durante o regime talibã.

As promessas feitas por Washington de que retiraria as suas tropas do Afeganistão após a estabilização do país, sem definir uma data, foram recebidas com desconfiança pela China e pela Rússia, sempre muito desconfortáveis com a presença americana na Ásia Central. Uma parte significativa dos esforços desenvolvidos pela China no Afeganistão visava restringir a influência dos EUA. Sendo o Afeganistão a principal porta de acesso à Ásia Central, os interesses de segurança da China no Afeganistão estão intimamente ligados aos interesses de segurança da China na Ásia Central.

Perceções comuns sobre as políticas dos EUA relativamente à Ásia Central ajudaram, de algum modo, a cimentar alguma solidariedade estratégica entre a Rússia e a China. Ambos estavam apreensivos com a possibilidade de os EUA poderem vir a dominar a Ásia Central. As tentativas norte-americanas para levar por diante programas de cooperação com as antigas repúblicas soviéticas da região sofreram alguns reveses. O que mais danos provocou nas aspirações de os EUA estabelecerem uma posição militar na Ásia Central terá sido o fecho das bases aéreas de Manas (Quirguistão) e Khanabad (Uzbequistão), necessárias ao apoio das operações militares americanas no Afeganistão, e a tentativa malsucedida de alugar a base de Ayni, da Força Aérea Tajique. Para este desfecho contribuiu a diplomacia discreta de Moscovo e de Beijing puxando os cordelinhos nos bastidores.

Outra fonte de preocupação para Beijing em matéria de segurança são os movimentos islâmicos que operam na Ásia Central, e que podem apoiar e influenciar a comunidade muçulmana uigure chinesa, incentivando os seus membros a assumirem uma postura mais assertiva contra o Governo central. Beijing pretende criar uma buffer zone em torno das suas fronteiras composta por estados estáveis e eliminar os santuários e refúgios do Partido Islâmico do Turquestão. A China não quer que o Afeganistão se transforme num “santuário” para esses grupos, como foi no passado durante o regime talibã, onde os uigures receberam treino militar nos campos administrados pela Al-Qaeda. Beijing quer evitar a todo o custo que isso volte a acontecer.

A instabilidade política no Afeganistão facilita o uso do seu território por grupos terroristas para planearem e levaram a cabo ataques em território chinês. Também no campo da segurança, a cooperação entre a China e o Afeganistão aumentou nos últimos anos. Dois eventos contribuíram para isso: a redução da presença da NATO no Afeganistão quando, em dezembro de 2014, a ISAF foi substituída pela missão “Resolute Support”; e o anúncio feito pelo Estado Islâmico em 2015 de que ia expandir a sua atuação para a região do Khorasan, que no Afeganistão engloba a província de Nangarhar, no leste do país. Esses eventos desencadearam o incremento da cooperação entre os dois países, o que, no entanto, não significava que Beijing estivesse ansiosa para substituir ou assumir o papel dos EUA ou da NATO no Afeganistão.

Enquanto contribuía para combater a insegurança na Ásia Central, a Organização de Cooperação de Xangai ajudava simultaneamente a melhorar a segurança da própria China, reduzindo e/ou eliminando a pegada das potências concorrentes perto das suas fronteiras e as aspirações autónomas dos uigures.

Beijing reagiu e tomou uma série de medidas para fazer face a esta situação. De acordo com vários meios de comunicação social, negociou com o Governo afegão a construção de uma base militar na província de Badakhshan, perto da fronteira sino-afegã, no remoto Corredor Wakhan, onde deveria ficar sedeada uma brigada de montanha no Exército afegão, financiada pela China. Esta base serviria supostamente para treinar soldados afegãos na luta contra o terrorismo e, assim, minimizar os efeitos da reduzida presença de Cabul em certas regiões do território, nomeadamente nas mais longínquas ou de difícil acesso.

No que respeita à proteção de fronteiras, a cooperação entre os dois países foi orientada para a fronteira norte, em particular para seus segmentos mais a leste, com o objetivo de desencorajar a presença de grupos militantes islâmicos e o uso do território afegão para lançar ataques contra o território chinês. No início de 2017, a fronteira sino-afegã no Corredor de Wakhan passou a ser sistematicamente patrulhada por forças conjuntas da RPC e do Afeganistão para evitar que grupos terroristas penetrassem em território chinês. Em dezembro de 2017, a China e o Afeganistão concordaram em aprofundar e ampliar a sua cooperação de segurança contra o terrorismo, o que incluía o controlo de fronteiras. Beijing tenta a todo o custo evitar que a instabilidade no Afeganistão se dissemine pelas regiões adjacentes e coloque em causa os seus planos económicos para toda a região.

Por outro lado, a SCO tem funcionado como um instrumento utilizado pela China para chamar à atenção para a segurança na Ásia Central e no Afeganistão. Enquanto contribuía para combater a insegurança na Ásia Central, a SCO ajudava simultaneamente a melhorar a segurança da própria China, reduzindo e/ou eliminando a pegada das potências concorrentes perto das suas fronteiras e as aspirações autónomas dos uigures.

Por tudo isto, não faz qualquer sentido o frenesim tardio causado pela reunião ocorrida em Beijing, no dia 28 de junho de 2021, entre o ministro dos negócios estrangeiros chinês Wang Yi e a delegação talibã chefiada por Abdul Ghani Baradar. Não foi a primeira, e provavelmente não será a última.

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