É o primeiro congresso como líder comunista e o discurso está encontrado: responsabilizar Pedro Nuno Santos e o PS pelo ciclo político atual e, afirmando-se como verdadeiro defensor das causas da esquerda, inverter a trajetória descendente e crescer eleitoralmente. Paulo Raimundo considera que, depois de viabilizar o Orçamento do Estado, os socialistas se tornaram “cúmplices” de Luís Montenegro e, pior ainda, permitiu que Chega e Iniciativa Liberal ficassem com caminho aberto. “O PS vai ser responsável pelas consequências inevitáveis que estas opções políticas vão ter.”
Em entrevista ao Observador, a partir do XXII Congresso do PCP, em Almada, o secretário-geral do PCP reconheceu que o momento não é o mais fácil e que os últimos resultados não “satisfizeram” o partido. “Não transformamos derrotas em vitórias”, garantiu Raimundo, dizendo que o partido está apostado em “fazer-se à vida” e “aumentar a sua influência social e política”.
Paulo Raimundo falou também sobre a posição do partido sobre a guerra na Ucrânia, reconhecendo que o partido talvez devesse ter comunicado de outra forma, mas mantendo, no essencial, a leitura do PCP: o escalar da guerra era evitável e o futuro provará que o partido tinha razão desde o início. “Até gostava que não tivéssemos tido razão, mas a realidade está-nos a mostrar isso.”
Veja aqui a entrevista a Paulo Raimundo
“O PS demonstrou aquilo a que vem”
Já se sente confortável no fato de secretário-geral?
Sinto-me mais confortável, naturalmente. O tempo vai passando, vamo-nos habituando e ficamos aqui, empenhados em dar um contributo, como estão a fazer estes delegados todos aqui no Congresso.
Já reconheceu que o partido tirou ilações dos resultados eleitorais. Pode dar exemplos concretos de coisas que o PCP precisa de mudar para encarar os próximos desafios?
Os resultados que tivemos, do ponto de vista eleitoral, não nos satisfizeram. Ninguém ficou contente, nem transformámos derrotas em vitórias, ao contrário daquilo que se vai dizendo. Temos que intervir sobre eles, é nessa base que estamos. E aquilo que temos que fazer é aquilo que estamos a fazer hoje com mais profundidade ainda. [Um partido] mais ligado às pessoas, mais ligados à realidade da vida, a perder menos tempo com a bolha mediática. Os ventos não estão favoráveis, mas perante esses ventos não favoráveis não está à espera que os ventos passem. É um partido que está empenhado a enfrentar esses ventos.
No seu primeiro discurso neste Congresso, acusou o PS de ser cúmplice da direita. Acabou aquela fama que Pedro Nuno Santos vinha cultivando de ser uma espécie de líder dos socialistas mais à esquerda?
Não acusei nada, apenas referi factos.
Constatou?
Constatei. É um facto: o PS viabilizou o Orçamento do Estado do PSD e CDS. Ou seja, ao viabilizar, torna-se cúmplice das opções que foram tomadas. E fez uma coisa pior: não só passou a ser cúmplice das opções políticas, como possibilitou ao Chega e à Iniciativa Liberal que se libertassem de ter que votar a favor de um Orçamento com o qual estão de acordo. E constatei uma outra coisa: que o PS votou favoravelmente à descida do IRC, que é uma medida com a qual estamos profundamente contra e achamos que não tem efeito nenhum na vida das pessoas, a não ser nos lucros das empresas.
Pedro Nuno Santos, que se afirmava como rosto da ala esquerda do partido, desiludiu-o?
Não tenho por hábito de falar da pessoa A, B ou C, e penso que o PS demonstrou aquilo a que vem.
É um protagonista que tinha cultivado a ideia de colocar o PS à esquerda.
Terá cultivado essa ideia. O PCP nunca acreditou propriamente. Com toda a sinceridade e franqueza, o que interessa são as opções políticas e aquilo que determinam. E o que determina não é a vontade do A, B ou C; é a opção política de fundo. O PS o que fez foi viabilizar o Orçamento do PSD e CDS, um orçamento de desastre, e associar-se à política que está em curso. Vai ser responsável. E não é só um problema de ser associado agora: vai ser responsável pelas consequências inevitáveis que estas opções de fundo político vão ter.
Permitiu que outros partidos da direita, como Chega e IL, tomassem o espaço de oposição.
Já viu o favor que o PS lhes fez, libertando-os de ter que votar a favor de um Orçamento com o qual estão de acordo?
“Ucrânia? Fomos profundamente injustiçados”
Admitiu que o PCP não fez tudo para evitar perceções erradas no caso da Ucrânia. O que é que faria diferente ao dia de hoje?
Para o bem e para o mal — e eu acho que é para o bem —, procuramos ser o mais rigorosos possível na análise que fazemos. As vírgulas contam e penso que fomos profundamente injustiçados a partir das opiniões que lançámos. É claro que hoje, quando já passaram dois anos, é mais difícil pôr em causa a posição que tomámos naquela altura. A realidade veio dar-nos razão, infelizmente. Mas podemos sempre encontrar outras formas de passar a mensagem.
Houve algum erro de mensagem que consiga detetar agora?
Não me parece. Passado este tempo, havia sempre eventualmente outras formas de dizer o mesmo. Mas, na questão central, a mensagem está atualíssima e infelizmente está a demonstrar que, mais uma vez, o PCP tinha razão. Até gostava que não tivéssemos tido razão, mas a realidade está a demonstrar o contrário.
Mas também foi muito criticado por omissões sobre o papel da Rússia.
Não, acho que isso foi empolado. Dissemos na altura três coisas: a guerra não tinha começado naquele dia, ainda que tivesse ganhado uma escalada muito grande no dia 22 de fevereiro de 2022, inclusive com a entrada das tropas russas em território ucraniano; que os intervenientes na guerra não eram apenas a Rússia e a Ucrânia, havia outros intervenientes; e que era preciso que todos se movimentassem para que, não tendo sido possível evitá-la, a travassem o mais depressa possível. Ora, a opção foi toda ao contrário e chegámos a uma situação em que, 16 anos depois ou, de forma mais viva, dois anos depois, com milhares de mortos de um lado e do outro, com um país destruído, só se espera que se resolva isto rapidamente, para que não cheguemos a uma situação em que depois destes mortos todos, depois desta destruição toda, tudo acabe da mesma forma como começou.
“Não vamos fazer um frete ao Chega. Não lhe daremos palanque”
Sobre as eleições autárquicas disse que quem não está preocupado anda distraído. Não está a colocar a fasquia demasiado alta quando diz que para além de manter as 19 autarquias da CDU quer reconquistar outras?
Temos essa justa ambição. Temos 19 autarquias, provas dadas, trabalho desenvolvido, um projeto que é incomparável com outros e isso dá-nos muita confiança. É um facto que temos 11 das 19 autarquias que vão ter de trocar de cabeça de lista mas, em tom de brincadeira, se isso fosse condição para perdermos, diria que podemos estar perante um grande resultado histórico, porque o PS vai ter que mudar 50 autarcas. Estamos muito confiantes.
Mas o objetivo mínimo é manter as que têm, estancar a perda eleitoral?
Percebo a pergunta, só que as eleições autárquicas têm várias particularidades. São 308 batalhas eleitorais. Muitas delas definem-se a partir de aspetos locais muito concretos e não há nenhuma eleição autárquica onde todos os partidos não tenham perdido ou não tenham ganhado. Quando perdemos, também ganhámos; na altura em que ganhámos, também perdemos. Vamos para essas batalhas.
João Ferreira dizia no palco do Congresso de um descontentamento da população que pode ser aproveitado por “forças reacionárias”. Nestas autárquicas teme que esse descontentamento se traduza em votos, por exemplo, em forças como o Chega?
Não, não temo nada. Cabe-me a mim, ao meu partido, afirmar as nossas propostas, os nossos candidatos, os nossos projetos, as soluções que temos para o poder local. Cada um vai ter que fazer o mesmo e as pessoas vão optar.
Não acredita que existe um risco acrescido de perder para o Chega por causa do descontentamento que vai existindo contra os “partidos do sistema”, contra a falta de soluções?
Não é acrescido, nem deixa de ser acrescido. Acho que não podemos partir para as eleições autárquicas voltando a fazer um frete ao Chega, colocando o Chega como se fosse o alfa e o ómega das eleições autárquicas. Farei um esforço muito grande para não dar mais esse palanque ao Chega.
“Presidenciais? Acho que são nomes a mais para um apenas lugar”
Sobre as presidenciais, o PCP já disse que vai decidir a forma de intervir a seu tempo nestas eleições. O que lhe parecem os nomes que têm vindo a ser ventilados à esquerda: Mário Centeno, António Vitorino, Augusto Santos Silva, António José Seguro, algum deles seria uma boa hipótese para corporizar essa intervenção do PCP?
Acho que são nomes a mais para um apenas lugar. Sinceramente, até me custa a perceber o alcance de tanta insistência na questão das presidenciais. Há tantos problemas para resolver, os salários, as pensões, o acesso ao SNS, as questões do acesso à habitação, as dificuldades das pessoas, as pessoas estão muito longe desta preocupação das presidenciais.
Mas há candidatos que estão já com vontade pessoal de falar sobre isso.
Quanto mais se falar nisso mais eles põem bicos dos pés. Não é desvalorizar nenhum dos nomes, mas resolvam o problema dos salários das pessoas, o problema das pensões, o problema de sete milhões de trabalhadores e pensionistas… As presidenciais serão as últimas das preocupações que existem no dia a dia.
Podemos depreender que o PCP apresentará o seu próprio candidato.
O PCP irá decidir a forma de participar, sendo que o PCP não vai prescindir de intervir no quadro das presidenciais. A forma como vai fazer, veremos.
Já vários secretários-gerais do PCP acabaram por ser candidatos presidenciais, admite também essa possibilidade?
Não dizemos “nunca” a nenhuma tarefa do partido, mas penso que, a seu tempo, sem precipitação, encontraremos as soluções para esta batalha.
As presidenciais não eram um bom teste para a sua liderança?
Julgo que há testes mais exigentes e mais necessários.