Às 21 horas, os apoiantes do Groenlinks enchem a sala do Melkweg, no centro de Amesterdão, para ouvirem o anúncio das sondagens à boca das urnas. As expectativas são altas: o partido realizou uma das campanhas mais elogiadas e as previsões auguram um resultado histórico. Os primeiros gritos de euforia surgem quando o gráfico do PVV, o partido populista de direita encabeçado por Geert Wilders, sobe apenas até aos 19 deputados, longe de um número que lhe possibilite a vitória. Segundos depois, completa-se o êxtase quando a apresentadora revela que os ecologistas atingem os 16 parlamentares, quadriplicando o pecúlio de 2012.

O Groenlinks passa a ser, juntamente com a extrema-esquerda do SP, o partido mais poderoso da esquerda. Ambos ultrapassaram o histórico PvdA, que regista a queda mais violenta da história da democracia holandesa com a perda de 29 representantes. Não chega, porém, para almejar um dos sonhos do líder do Groenlinks, Jesse Klaver, de apenas 30 anos: uma coligação maioritária de esquerda. De Haia, chegam as imagens das hostes vencedoras, as do VVD, o partido liberal do primeiro-ministro Mark Rutte, que assim vence pela terceira vez umas eleições gerais. De Wilders, nem sinal. Os jornalistas procuram o seu vestígio no Twitter, uma vez que o partido não organizou qualquer evento pata a noite das decisões.

Atirados os foguetes, os presentes deitam contas à vida. A matemática das coligações é complexa: 13 partidos alcançaram resultados que lhes garantem representação parlamentar e, na melhor das hipóteses, é preciso juntar quatro para formar o executivo. No ecrã, as figuras dos principais partidos começam a discursar. No bar, na sala de fumadores e na plateia, o sufrágio começa a ser analisado. Dessas conversas, surgem cinco frases que podem representar muito bem a história das eleições mais participadas dos últimos 30 anos na Holanda, com uma afluência de 81%.

Mark Rutte entre os seus apoiantes, já em festa, no quartel-general da sua campanha.

“13 partidos? Espero que não dê azar”

Quem o diz é Leida Grooten, uma voluntária dos ecologistas, que começa a traçar cenários mas desiste quando não vê solução à vista. As margens são muito curtas. Os votos nos grandes partidos estilhaçaram-se e dividiram-se por várias formações mais pequenas. O VVD, que venceu as eleições apesar de ter perdido dez deputados, , com os seus 31 ou 32 lugares, a grande distância dos 76 necessários para a maioria.

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A média para um entendimento na Holanda é de três meses e o recorde são mais de 200 dias. “Talvez lá para o Verão tenhamos governo”, diz Grooten

Mark Rutte vai ter que começar a negociar já este mês com os partidos minoritários, sendo bastante verosímel que comece pelos outros partidos de centro-direita – os democratas-cristãos do CDA e os liberais do D66, com 19 lugares cada. Mas não vai chegar. Rutte precisa de mais um membro para o seu governo e talvez necessite de recorrer a um dos partidos de esquerda – o Groenlinks ou os fragilizados socialistas do PvdA. Seja qual for o desfecho, não será para breve: a média para um entendimento na Holanda é de três meses e o recorde são mais de 200 dias. “Talvez lá para o Verão tenhamos governo”, diz Grooten.

“Foi a última oportunidade de Wilders”

Os holandeses nunca ligaram tanto a Wilders como os jornalistas estrangeiros. Na última semana, muitos desvalorizaram as perguntas sobre os receios de uma Holanda islamofóbica e fora do euro, talvez porque soubessem que, mesmo se fosse o partido mais votado, o PVV não conseguiria arranjar parceiros de coligação. “Já tivemos medo dele, mas agora já não ligamos aos seus gritos”, diz Thijs Bonten, de 28 anos, partidário dos verdes. “Acho que ele perdeu hoje a sua última oportunidade de ganhar umas eleições”. Contudo, os apoiantes de Wilders têm outros planos. À tarde, Bas Gulati, um eleitor judeu do PVV, profetizava os resultados: “Destas eleições vai surgir uma coligação insustentável no governo que, dentro de um ano, ruirá, provocando eleições antecipadas. E aí Wilders vai obter a sua maioria”.

O líder do PVV, Geert Wilders, falou com os jornalistas na noite de ontem. Não ganhou, mas pode ter um papel decisivo nos próximos tempos.

Destas eleições vai surgir uma coligação insustentável no governo que, dentro de um ano, ruirá, provocando eleições antecipadas. E aí Wilders vai obter a sua maioria.”

Vários políticos europeus publicaram nas redes sociais mensagens de contentamento pela derrota de Wilders. Mais tarde, chegou a vez de Rutte se referir ao seu adversário: “Esta é uma noite em que a Holanda, depois do Brexit, depois de Trump, disse não ao populismo”. Wilders vai ter mais quatro homens na assembleia e não parece querer desistir das suas aspirações: “Qualquer que seja o resultado hoje, o génio já não regressa à lâmpada. As pessoas não se sentem representadas”, disse, à tarde. Depois de anunciados os resultados, deixou uma ameaça: “E Rutte não se vai livrar de mim”.

“O partido trabalhista morreu”

Mais um dos partidos socialistas europeus a sair temporariamente de cena, na antecâmara do expectável colapso do PS francês. O PvdA holandês é um dos pesos-pesados da política nacional, mas perdeu hoje 29 deputados, ficando apenas com 9 cadeiras e atrás do Groenlinks e do socialismo duro do SP na ala esquerda. “A coligação com Mark Rutte foi a pior decisão da história do PvdA”, diz Thijs Bonten. “O partido trabalhista morreu”. Os votos foram perdidos para o Groenlinks mas, segundo afirma a estação televisiva NOS, também para o VVD e para o PVV. É mais uma manifestação do dilema que apoquenta os partidos socialistas europeus. Se se desviarem para a esquerda, perdem o eleitorado mais moderado, se forem para a direita, perdem os socialistas tradicionais. Lodewijk Asscher, líder dos trabalhistas, tentou tranquilizar os seus seguidores: “A social-democracia vai regressar e essa reconstrução começa hoje”, afirmou.

“Temos de escolher entre o governo e o partido”

Jesse Klaver aparece no palco perto das 23h. A sala está cheia e, visto de longe e atrás de uma robusta barreira de holandeses, parece-se ainda mais com o primeiro-ministro canadiano Justin Trudeau. “Ergue-te pelas tuas causas. Sê firme. Sê pró-refugiados. Sê pró-europeu (…) E esta é a mensagem que damos à Europa: podemos parar o populismo”. No final, chama a mulher e dá-lhe um beijo.

Líder Jesse Klaver beija a mulher Jolein Klaver, após saber os primeiros números da noite eleitoral.

“Jeddiah”, como os seus apoiantes o chamam, levou o partido a um resultado espantoso mas, depois da festa, vai ter de optar por um rumo. “Temos de escolher entre o partido e o governo” diz Gigs Doelimam, um dos presentes. “Se aceitarmos ir para o governo, pode acontecer-nos o mesmo que aconteceu ao PvdA e desaparecemos como partido. Se ficarmos de fora, mantemos a nossa identidade mas estaremos a contribuir para o caos político”. Aos 30 anos, Klaver, descendente de pai marroquino e mãe indonésia, vai ser o líder da esquerda holandesa. A empatia é uma das suas bandeiras.

“Erdogan veio mesmo a calhar”

O incidente diplomático que envolveu a Holanda e a Turquia a menos de uma semana das eleições poderá ter catapultado Mark Rutte para uma vitória mais expressiva. O chefe de governo contava com de 24 a 28 lugares. Os restantes, pode agradece-los a Erdogan. O presidente turco tentou enviar o seu Ministro dos Negócios Estrangeiros a Roterdão para fazer campanha por si no referendo constitucional do próximo mês, que lhe pode conferir poderes quase absolutos. No entanto, Rutte não deixou o ministro pisar solo holandês e, na noite do passado sábado, correu com a ministra da Família que tinha chegado a Roterdão através da fronteira com a Alemanha. Ao fazer isto, Rutte conferiu uma imagem de um líder forte e patriótico, ganhando pontos no terreno de Wilders. “Ele expulsou uma mulher de véu. Isso é um sonho molhado eleitoral. Não dava para prever”, disse André Kronwel ao Politico, cientista político da Universidade Livre de Amesterdão.

Rutte “expulsou uma mulher de véu. Isso é um sonho molhado eleitoral. Não dava para prever”, disse André Kronwel ao Politico.

Em troca de tudo isto, o primeiro-ministro holandês só teve de ouvir o presidente turco dizer que a Holanda é um país nazi, ameaçar sanções e culpar o país europeu pelo massacre de Srebrenica, o que ainda galvanizou mais a população holandesa na defesa do seu governante. “Foi tão bom para ele que até parece de propósito. Não gosto de conspirações, mas isto do Erdogan veio mesmo a calhar”, diz Gigs Doelimam.