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"O Sr. Putin gostaria de conhecer o Sr. Trump". Os detalhes da ida de Trump a Moscovo em 2013

"Roleta Russa", de Michael Isikoff, descreve as ligações entre a Rússia de Putin e os Estados Unidos de Trump. O Observador pré-publica um dos capítulos, sobre a ida de Trump a Moscovo em 2013.

Numa altura em que as relações entre Estados Unidos e Rússia não eram as melhores, Vladimir Putin tentava reposicionar o país na geopolítica internacional. Em 2016, Donald Trump, o candidato presidencial com vários negócios na Rússia e uma obsessão aparentemente inexplicável por Putin, venceu as eleições e chegou à Casa Branca. A ingerência russa nas eleições de novembro de 2016 continua por explicar, por confirmar e por perceber.

“Roleta Russa – Os bastidores da guerra de Putin à América e a eleição de Donald Trump”, de Michael Isikoff e David Corn, conta os pormenores da relação entre Trump e Putin, desvenda histórias de espionagem com alta tecnologia e debruça-se sobre as ligações de Paul Manafort e Michael Flynn, dois peões importantes no círculo no atual presidente dos Estados Unidos, à Rússia. O Observador pré-publica o primeiro capítulo, “O Sr. Putin gostaria de conhecer o Sr. Trump”, que conta os bastidores da ida de Donald Trump a Moscovo em novembro de 2013.

“Roleta Russa – Os bastidores da guerra de Putin à América e a eleição de Donald Trump”, de Michael Isikoff e David Corn, é editado pela Casa das Letras

“O Sr. Putin gostaria de conhecer o Sr. Trump”

Final da tarde do dia 9 de novembro de 2013. Em Moscovo, Donald Trump começava a ficar ansioso. Era o seu segundo dia na capital russa e o desabrido homem de negócios e estrela de reality show andava num corrupio para promover a superprodução dessa noite no Crocus City Hall: o concurso Miss Universo, em que mulheres de oitenta e seis países seriam avaliadas perante uma audiência televisiva mundial estimada em mil milhões de espectadores.

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Trump comprara o concurso dezassete anos antes, em parceria com a NBC. Era um dos seus bens mais preciosos, rendendo-lhe milhões de dólares por ano em receitas e, talvez mais importante, propagando a sua imagem de icónico playboy internacional. Enquanto estava na capital russa, Trump também procurava novas e grandiosas oportunidades de negócio, após ter passado décadas a tentar – sem conseguir – desenvolver projetos sofisticados em Moscovo. As equipas do Miss Universo consideravam um segredo mal guardado o facto de a verdadeira intenção de Trump em Moscovo não ser o espetáculo, mas o seu desejo de ali fazer negócios.

Contudo, para quem o rodeava naquela tarde, Trump parecia agarrado a uma pergunta: onde estava Vladimir Putin?

Desde o momento, cinco meses antes, em que anunciara que o concurso Miss Universo teria como palco Moscovo que Trump parecia obcecado com a ideia de conhecer o Presidente russo. «Acham que Putin irá ao Miss Universo em novembro em Moscovo, e, se for, ficará a ser o meu melhor novo amigo?», escrevera no Tweet em junho.

Uma vez em Moscovo, Trump recebeu uma mensagem privada do Kremlin, entregue por Aras Agalarov, um oligarca próximo de Putin e parceiro de Trump na organização do Miss Universo na cidade: «O Sr. Putin gostaria de conhecer o Sr. Trump.» Trump ficou excitado. O construtor civil norte-americano convenceu-se de que havia uma forte probabilidade de o líder russo assistir ao concurso. Mas o seu tempo na Rússia ia-se esgotando e Trump não voltou a ter notícias. Ficou inquieto.

«Putin vem?», não parava ele de perguntar.

Sem notícias do Kremlin, começou a ficar apreensivo. Então, Agalarov enviou uma nova mensagem. Dmitry Peskov, o braço-direito de Putin e seu porta-voz para a imprensa, telefonaria a qualquer momento. Trump ficou aliviado, sobretudo depois de lhe explicarem que poucas pessoas eram mais próximas de Putin do que Peskov. Se havia alguém capaz de proporcionar um encontro com Putin, era Peskov. «Se receber uma chamada de Peskov, é como se fosse de Putin», disse-lhe Rob Goldstone, publicitário nascido na Grã-Bretanha que ajudara a levar o concurso de beleza para Moscovo. Mas o tempo estava a esgotar-se. Em breve começaria o espetáculo e depois Trump abandonaria a cidade.

Finalmente, tocou o telemóvel de Agalarov. Era Peskov, e Agalarov passou o telefone a um impaciente Trump.

Donald Trump com Emin e Aras Agalarov, na passadeira vermelha da cerimónia da Miss Universo, em Moscovo de 2013

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A viagem de Trump a Moscovo para o concurso Miss Universo foi um momento crucial. Durante anos, ansiara por construir uma reluzente Trump Tower na cidade. Com esta visita, ficaria perto – tão perto – de fechar esse negócio. Ficaria perto de imprimir no céu de Moscovo o seu mundialmente famoso nome e de aumentar o seu próprio estatuto como uma espécie de oligarca global.

Durante a sua estadia na Rússia, Trump demonstraria a sua afinidade pelo líder autoritário do país com tweets e observações lisonjeiros e aduladores, que faziam parte de uma longa vaga de comentários denotando uma admiração por Putin. As curiosas afirmações de Trump sobre Putin – antes, durante e após esta sua viagem a Moscovo – deixariam mais tarde confusos os oficiais dos serviços secretos, membros do Congresso e norte-americanos de várias tendências políticas, até pessoas fiéis ao Partido Republicano.

O que poderia explicar a resoluta simpatia de Trump pelo homem forte da Rússia? A sua recusa em reconhecer as táticas repressoras de Putin, o seu camuflar dos abusos de Putin na Ucrânia e na Síria, a sua desvalorização dos assassínios dos críticos de Putin, a sua cegueira perante os ciberataques e as campanhas de desinformação de Putin para subverter as democracias ocidentais?

A curta viagem de Trump a Moscovo forneceu pistas para este mistério. Os seus dois dias na cidade seriam posteriormente muito debatidos devido a alegações de um envolvimento seu em estranhos atos sexuais na Rússia – alegações que não foram confirmadas. Mas esta visita foi importante, porque revelou a maior motivação de Trump: a oportunidade de construir mais monumentos a si próprio e de ganhar mais dinheiro. Trump percebeu que não realizaria nenhum dos seus sonhos em Moscovo sem criar uma ligação com o ex-tenente-coronel do KGB que era agora Presidente da Rússia.

A sua ida à Rússia foi o início de um bromance, uma amizade muito próxima entre dois homens, ou de algo mais obscuro, que pouco depois viraria a política norte-americana do avesso e causaria um escândalo na presidência de Trump. E começou da forma mais improvável: num brainstorming de um promotor musical fanfarrão a tentar impulsionar a carreira de um cantor pop de segunda categoria.

O concurso Miss Universo de Trump foi parar a Moscovo por causa de uma estranha dupla: Rob Goldstone e Emin Agalarov.

Os seus dois dias na cidade seriam posteriormente muito debatidos devido a alegações de um envolvimento seu em estranhos atos sexuais na Rússia – alegações que não foram confirmadas. Mas esta visita foi importante, porque revelou a maior motivação de Trump: a oportunidade de construir mais monumentos a si próprio e de ganhar mais dinheiro.

Goldstone era um corpulento e sociável bon vivant que gostava de publicar fotografias no Facebook a gozar consigo próprio por ser desalinhado e gordo. Em tempos, escrevera um artigo para o New York Times intitulado «Os Truques e Desafios de Viajar Quando Se É Gordo». Fora jornalista de um jornal tabloide australiano e promotor da digressão Bad, de Michael Jackson, em 1987. Agora era um dos gestores de uma empresa de relações públicas, e a sua prioridade consistia em satisfazer as necessidades de um cantor pop de talento moderado do Azerbaijão chamado Emin Agalarov.

Emin – usava o seu nome próprio – era jovem, bonito e rico. Ansiava ser uma estrela internacional. O pai, Aras Agalarov, era um construtor civil multimilionário, que tivera sucesso na Rússia ao construir complexos comerciais e residenciais, e que também tinha propriedades nos Estados Unidos. Depois de passar os primeiros anos de vida na Rússia, Emin cresceu em Tenafly, Nova Jérsia, obcecado por Elvis Presley. Imitava o Rei do Rock and Roll nas roupas, no estilo e na voz. Mais tarde, estudou Gestão no Marymount Manhattan College e procurou seguir uma carreira dupla, trabalhando na empresa do pai e tentando singrar como cantor. Casou com Leyla Aliyeva, filha do Presidente do Azerbaijão, cujo regime enfrentava repetidas acusações de corrupção. Depois de se mudar para Baku, capital do país, rapidamente ganhou uma alcunha: «O Elvis do Azerbaijão.»

Emin cultivava a imagem de pop star libertina, exibindo um estilo de vida hedonista no Instagram ao publicar fotos em praias, discotecas e vários locais da moda. Deu o seu nome a bonés e T-shirts com frases despudoradas como «Se Tiveste Um Dia Mau, Vamos Despir-nos». Mas a sua carreia musical estava parada. Foi então que pediu ajuda a Goldstone.

No início de 2013, Goldstone andava a tentar que Emin tivesse mais exposição nos média, sobretudo nos Estados Unidos. Um amigo deu-lhe uma sugestão: talvez Emin pudesse atuar no concurso Miss Universo. O evento tinha fama de mostrar novos talentos. A edição de 2008 apresentara a promissora Lady Gaga. (Trump gabar-se-ia mais tarde – com o seu habitual estilo empolado – de que esta aparição fora a grande oportunidade de Lady Gaga.) Entretanto, Goldstone e Emin precisavam de uma mulher atraente para um videoclipe da mais recente canção de Emin, e queriam a mulher mais bonita que conseguissem encontrar. Parecia-lhes óbvio que deveriam contactar o Miss Universo.

Seguiram-se reuniões com Paula Shugart, presidente da Miss Universe Organization, que reportava diretamente a Trump. Shugart concordou em disponibilizar a Miss Universo em título, Olivia Culpo, para o videoclipe. (Dentro do círculo do Miss Universo, Culpo, que fora antes Miss EUA, era amplamente considerada uma preferida de Trump.) E, ao longo das conversações com Shugart, Goldstone e Emin discutiram o local onde se realizaria o concurso Miss Universo seguinte. A certa altura, Emin propôs que a edição de 2013 fosse no Azerbaijão. Shugart não aceitou.

Paula Shugart, a presidente da Miss Universe Organization

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Numa reunião posterior, Emin fez uma nova sugestão: «Porque não o fazem em Moscovo?» Shugart ficou interessada, mas hesitante. A organização do concurso já antes colocara a hipótese de Moscovo, mas não encontrara uma sala adequada e tivera receio de se deparar com demasiada burocracia. «E se tivessem um parceiro que fosse dono da maior sala de Moscovo?», replicou Emin. «Eu e o meu pai podemos contornar a burocracia.»

O local a que Emin se referia era o Crocus City Hall, um gigantesco complexo com sete mil lugares construído pelo pai. Além disso, o influente Aras Agalarov poderia ajudar a aplanar o caminho e a contornar o infame pântano burocrático, que era uma característica normal dos negócios na Rússia.

Também ele natural do Azerbaijão, Aras Agalarov era conhecido como «o construtor de Putin». Arrecadara uma fortuna de milhares de milhões de dólares em bens imobiliários, em parte servindo os interesses dos super-ricos. Um dos seus projetos era uma comunidade residencial em Moscovo para oligarcas, onde havia uma praia artificial e uma cascata. Agalarov fora escolhido por Putin para construir aquela gigantesca infraestrutura – salas de conferência, estradas e casas – para a cimeira da Cooperação Económica Ásia-Pacífico em Vladivostok. Concluíra o projeto em tempo recorde. Com esse e outros empreendimentos – a construção de estádios para o Mundial de Futebol da Rússia e de uma super autoestrada à volta de Moscovo –, ganhara a gratidão de Putin, que, no final de 2013, lhe colocaria uma medalha na lapela: Ordem de Honra da Federação Russa.

Quando Shugart sugeriu a Trump a ideia de se associarem a um multimilionário russo próximo de Putin, para realizarem o concurso Miss Universo em Moscovo, o construtor-celebridade ficou interessado. Ali estava, finalmente, uma via de penetração no mercado russo. E Agalarov concordou em adiantar uma boa fatia dos estimados vinte milhões de dólares de orçamento do concurso. Trump concordou com entusiasmo. Um oligarca relacionado com Putin garantiria a sua incursão.

Mas o acordo teria de incluir algo para Emin. A empresa de Trump, que geria o concurso Miss Universo, garantia que Emin cantaria duas canções durante o espetáculo. O cantor apareceria perante uma audiência televisiva mundial. Ele e Goldstone acreditavam que aquilo poderia ajudá-lo a realizar o seu sonho: entrar no mercado pop norte-americano.

Ainda antes disso, Emin receberia uma recompensa. Em maio, Culpo chegou a Los Angeles para um dia de gravações. Emin foi filmado a passear de noite por uma cidade deserta em busca do seu amor – a condizer com a sua canção Amor – e uma mulher apaixonada, que era Culpo, aparecia e desaparecia do foco de luz da lanterna que ele tinha na mão. Poucas semanas depois, o videoclipe ficou pronto. Emin deu uma festa de lançamento numa discoteca de Moscovo que era propriedade da sua família. Foi uma coisa extravagante. Apareceram celebridades russas. Shugart e Culpo também.

Também ele natural do Azerbaijão, Aras Agalarov era conhecido como «o construtor de Putin». Arrecadara uma fortuna de milhares de milhões de dólares em bens imobiliários, em parte servindo os interesses dos super-ricos. 

Em junho de 2013, Trump chegou a Las Vegas para presidir ao concurso de Miss EUA, propriedade da empresa Miss Universo. Goldstone, Aras Agalarov e Emin estavam na cidade para assistirem ao evento. Emin publicou uma fotografia sua em frente ao hotel de Trump na Strip com uma T-shirt de Trump e um boné que dizia «Estás Despedido» – a exclamação do famoso programa televisivo de Trump, The Apprentice. Trump ainda não conhecera os Agalarov. Mas, quando finalmente se encontraram no átrio do seu hotel, apontou para Aras Agalarov e exclamou: «Vejam só quem veio até mim! Este é o homem mais rico da Rússia!» (Agalarov não era o homem mais rico da Rússia.)

Na noite de 15 de junho, os dois russos e o seu publicitário britânico planeavam um grande jantar no CUT, um restaurante do hotel e casino Palazzo. Para sua grande surpresa, receberam uma chamada de Keith Schiller, chefe de segurança e confidente de longa data de Trump, a informar que o seu patrão queria juntar-se a eles. «Como certeza», responderam eles, «ele que venha.»

No jantar para cerca de vinte pessoas numa sala privada, Emin sentou-se entre Trump e Goldstone. Aras Agalarov ficou em frente a Trump. Michael Cohen, advogado pessoal de Trump e seu conselheiro para os negócios, ficou ao lado de Goldstone.

À mesa estava ainda um associado invulgar para Trump: Ike Kaveladze, vice-presidente da Crocus International nos Estados Unidos, uma empresa de Agalarov. Em 2000, um relatório do Government Accountability Office identificou uma empresa gerida por Kaveladze como responsável pela abertura de mais de duas mil contas bancárias em dois bancos norte-americanos em nome de corretores sediados na Rússia. As contas foram usadas para movimentar por todo o mundo mais de um milhão e quatrocentos mil dólares pertencentes a indivíduos da Rússia e da Europa de Leste, numa operação que o relatório sugeria ter «como objetivo a lavagem de dinheiro». O seu principal cliente era a Crocus International. (Kaveladze alegou que a investigação do GAO era «mais uma caça às bruxas russas nos Estados Unidos».)

Trump mostrou-se encantador e solícito para com os seus novos parceiros. Perguntou a Aras qual era o seu jato. Um Gulfstream 550, respondeu Aras. Mas o multimilionário russo apressou-se a referir que encomendara já um Gulfstream 650. «No seu lugar», replicou Trump, «eu teria dito que era uma das cem pessoas em todo o mundo a ter encomendado um Gulfstream 650». Foi uma pequena lição trumpiana de autopromoção. E Trump, orgulhoso de si mesmo, voltou-se para Goldstone para reforçar a sua ideia: «Não há ninguém no mundo que melhor se promova a si próprio do que Donald Trump.»

Após o jantar, parte do grupo foi para uma festa numa discoteca sensual do Palazzo chamada The Act.

Michael Cohen, ex-advogado de Donald Trump, foi a Moscovo com o atual presidente dos Estados Unidos

Getty Images

Pouco depois da meia-noite, chegaram Trump, Emin, Goldstone, Culpo e Nana Meriwether, Miss EUA cessante. Trump e Culpo foram fotografados no átrio por um paparazzo local. A gerência da discoteca soubera que talvez Trump fosse lá naquela noite e tratou de ter um bom stock de Coca-Cola Diet para ele, que é abstémio. (Os donos também discutiram se haveriam de preparar uma atuação especial para ele, talvez uma dominatrix que o amarrasse no palco, ou um travesti anão imitador de Trump, mas desistiram da ideia.)

O grupo foi levado para a zona reservada do dono, onde Emin teve um encontro invulgar. Alex Soros, filho de George Soros, filantropo multimilionário que financiava a oposição a Putin, estava lá como acompanhante de Meriwether. Emin começou a conversar com ele e convidou-o para se encontrarem em Moscovo. «Devo dizer-lhe», respondeu Soros, «que não sou fã do Sr. Putin.» E acrescentou que era um grande admirador de Mikhail Khodorkovsky, oligarca que se tornara crítico de Putin e que depois estivera preso na Sibéria. Emin riu-se.

The Act não era uma discoteca qualquer. Desde março que estava a ser vigiada em segredo pelo Nevada Gaming Control Board e por investigadores do proprietário – o Palazzo, de Sheldon Adelson, megadoador do Partido Republicano – na sequência de queixas sobre as suas atuações obscenas. O clube tinha mulheres seminuas, que simulavam atos sexuais de bestialidade e sadomasoquismo grotesco – atuações que, meses mais tarde, levariam um juiz do Nevada a emitir uma ordem formal a proibir as suas performances «lascivas» e «ofensivas». Entre os habituais números citados pelo juiz incluía-se um chamado «A Arder Pelo Professor», em que raparigas colegiais nuas simulavam urinar sobre um professor. Noutra performance, duas mulheres despiam-se e depois «uma mulher coloca-se sobre a outra e finge urinar, enquanto a segunda apanha a urina em dois copos de vinho». (The Act fechou após a ordem do juiz. Não existem registos públicos das atuações na noite em que Trump esteve lá.)

Enquanto as bailarinas parcamente vestidas do The Act rodopiavam à sua frente, Emin, Goldstone, Culpo e os restantes brindavam ao aniversário de Trump. (Fizera sessenta e sete anos no dia anterior.) Este manteve-se concentrado em Emin e na sua futura parceria. «Quando se pretende fazer negócios na Rússia, é muito difícil encontrar lá pessoas em quem se possa confiar», disse ele ao jovem cantor pop, segundo Goldstone. «Vamos ter uma excelente relação.»

Na noite seguinte, já perto do fim da transmissão do concurso Miss EUA, Trump subiu ao palco para anunciar que a edição daquele ano do Miss Universo seria realizada em novembro seguinte, na Rússia. À frente do público, os Agalarov e Trump assinaram o contrato do evento. Trump declarou: «Este vai ser um dos maiores e mais bonitos Miss Universo de sempre.» No início da noite, na passadeira vermelha, Trump aclamara Emin e Aras Agalarov: «Estas são as pessoas mais poderosas em toda a Rússia, os homens mais ricos da Rússia.»

The Act não era uma discoteca qualquer. Desde março que estava a ser vigiada em segredo pelo Nevada Gaming Control Board e por investigadores do proprietário – o Palazzo, de Sheldon Adelson, megadoador do Partido Republicano – na sequência de queixas sobre as suas atuações obscenas. 

Dois dias depois, Trump manifestou no Twitter o desejo de ser o «novo melhor amigo» de Putin. Emin reagiu rapidamente com um tweet: «Sr. @realDonaldTrump, qualquer pessoa que conheça se torna sua melhor amiga, por isso, tenho a certeza de que o Sr. Putin não será exceção em Moscovo.»

O evento de Moscovo representava para Trump um grande potencial de marcar pontos na Rússia. Agora associara-se a um multimilionário russo relacionado com outros oligarcas e favorecido por Putin. (Trump já tinha um empreendimento polémico em curso em Baku, onde estava a construir um hotel com o filho do ministro dos Transportes do regime corrupto. Pouco depois, o projeto afundar-se-ia.) «Para Trump, aquele Miss Universo era uma oportunidade para expandir a marca Trump Organization e para dar o seu nome a edifícios», comentou um associado do concurso. E qualquer pessoa que pretendesse fazer grandes negócios na Rússia – sobretudo um americano –, só o conseguiria se Putin aprovasse. «Todos sabíamos que Putin aprovava o evento», afirmou mais tarde um membro do staff do concurso. «Só é possível montar um espetáculo destes na Rússia se Putin concordar.» Trump ganharia dinheiro na Rússia, porque Putin assim o permitia.

O concurso esteve desde logo envolto em polémica. Poucos dias antes do anúncio em Las Vegas, a Duma russa aprovara uma lei que proibia a exposição das crianças a informação sobre a homossexualidade. A nova medida antigay era a mais recente jogada de Putin para agradar à Igreja Ortodoxa conservadora e às forças ultranacionalistas. Surgiu por entre um preocupante aumento da violência antigay por toda a Rússia. Na cidade de Volgogrado, no Sul, poucas semanas antes, fora encontrado o corpo nu de um homem gay num pátio, com a cabeça esmagada e os genitais dilacerados por garrafas de cerveja. O ambiente era «feio e brutal», comentou mais tarde um diplomata norte-americano então destacado em Moscovo. «Havia grupos de hooligans que perseguiam pessoas gays nos bares e depois as espancavam. Havia uma campanha bastante feroz contra a comunidade LGBT.»

Os defensores dos direitos humanos e das pessoas homossexuais na Rússia e em todo o mundo denunciaram a nova lei. Foram lançados boicotes à vodca. Fez-se pressão para mudar os Jogos Olímpicos de Inverno, marcados para o ano seguinte em Sochi, na Rússia. Nos Estados Unidos, a Human Rights Campaign apelou a Trump e à Miss Universe Organization para não realizarem o evento na Rússia, fazendo notar que, segundo a nova lei, uma concorrente poderia ser processada se manifestasse o seu apoio aos direitos homossexuais.

O clamor em torno da lei antigay russa colocou Trump perante um dilema: como distanciar-se da lei sem colocar em risco a sua grande jogada na Rússia? A Miss Universe Organization emitiu um comunicado, declarando que «acredita na igualdade para todos os indivíduos». Não conseguiu calar os protestos. Andy Cohen, apresentador do talk show Bravo, e Giuliana Rancic, jornalista de entretenimento, que haviam apresentado o espetáculo no passado, abandonaram o concurso. A organização batalhou e encontrou substitutos: Thomas Roberts, apresentador da MSNBC assumidamente gay, e a ex-Spice Girl Mel B.

"Poucos dias antes do anúncio em Las Vegas, a Duma russa aprovara uma lei que proibia a exposição das crianças a informação sobre a homossexualidade"

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Roberts explicou a sua decisão num texto no site MSNBC. «Boicotar e denegrir do lado de fora é muito fácil. Eu prefiro dar o meu apoio à comunidade LGBT na Rússia, por isso, vou a Moscovo, vou apresentar este espetáculo como jornalista, como pivô e como homem que, por acaso, é gay. As pessoas que vejam que eu não sou diferente de ninguém.»

Foi uma dádiva dos céus para Trump, que garantiu a Roberts uma entrevista na MSNBC. «Acho que vais ser fantástico», disse ele ao apresentador, «e adoro que tenhas a mesma opinião que eu sobre esta situação.» Como seria de esperar, a conversa foi parar a Putin: deveria ele aparecer no concurso? «Eu sei que ele quer muito ir», afirmou Trump, «mas teremos de ver. Ainda não tivemos notícias, mas convidámo-lo.»

Embora, por esta altura, as relações entre os Estados Unidos e a Rússia estivessem a deteriorar-se, Trump elogiava Putin como um líder astucioso e forte. Em setembro, escreveu um texto no New York Times onde se opunha a um possível ataque militar norte-americano contra o governo de Bashar al-Assad na Síria (em retaliação por ter utilizado armas químicas) e onde criticava o Presidente Barack Obama por se referir ao caráter excecional da América. No dia seguinte, Trump elogiava a atitude de Putin na Fox News: «Dá-lhe realmente a imagem de um grande líder», afirmou.

No mês seguinte, Trump foi ao programa de David Letterman. O apresentador perguntou-lhe se alguma vez fizera negócios com russos. «Fiz imensos negócios com russos», respondeu Trump. E acrescentou: «São espertos e duros.» Letterman perguntou se já estivera com Putin. «É um tipo duro», respondeu Trump. «Estive com ele uma vez.» Na verdade, não existia qualquer registo desse encontro.

Trump aterrou em Moscovo a 8 de novembro, tendo voado com Phil Ruffin, proprietário de casinos, no jato privado deste. (Ruffin, amigo de longa data de Trump, foi casado com uma antiga Miss Ucrânia que participara no concurso Miss Universo 2004.) Trump foi para o Ritz-Carlton, onde se instalou na suite presidencial que Obama ocupara quando se deslocara a Moscovo, quatro anos antes.

Houve uma curta reunião com executivos do concurso Miss Universo e com os Agalarov. Schiller diria mais tarde aos investigadores do Congresso que um russo abordara o grupo de Trump com uma oferta: queria enviar cinco mulheres ao quarto de hotel de Trump nessa noite. Seria a tradicional cortesia russa, ou uma aproximação dos serviços secretos russos, para recolher kompromat (material comprometedor) sobre o proeminente visitante? Schiller afirmou não ter levado a oferta a sério e respondera ao russo que não faziam aquele tipo de coisas.

No mês seguinte, Trump foi ao programa de David Letterman. O apresentador perguntou-lhe se alguma vez fizera negócios com russos. «Fiz imensos negócios com russos», respondeu Trump. E acrescentou: «São espertos e duros.» 

Trump foi rapidamente levado para um almoço de gala num dos dois famosos restaurantes de sushi Nobu de Moscovo. (Nobu Matsuhisa, o seu fundador, era um dos jurados famosos da transmissão televisiva do concurso Miss Universo. Agalarov era um dos donos do restaurante, sendo outro investidor o ator Robert De Niro.) Estavam lá diversos homens de negócios russos, entre os quais Herman Gref, diretor executivo do Sberbank, um banco público russo, e um dos patrocinadores do concurso Miss Universo.

Trump foi tratado com muita reverência e fez um curto discurso de boas-vindas. «Façam-me uma pergunta», pediu ele ao grupo. A primeira questão foi sobre a crise da dívida europeia e o impacto que os problemas financeiros da Grécia poderiam exercer sobre ela. «Interessante», respondeu Trump. «Algum de vocês já viu The Apprentice?» E falou demoradamente sobre o seu programa de televisão, referindo repetidas vezes que era um sucesso tremendo. Não disse uma palavra sobre a Grécia nem sobre a dívida. Quando concluiu os seus comentários, agradeceu a todos por terem vindo e foi aplaudido de pé. (Mais tarde, Aras Agalarov, ao recordar este almoço, diria: «Se [Trump] não conhece o assunto, fala sobre outro que conheça.») Gref, conselheiro próximo de Putin, ficou agradado com o seu encontro com Trump. «Houve um bom ambiente na reunião», afirmaria mais tarde. «Ele é uma pessoa sensível… [com] uma boa atitude para com a Rússia.»

Trump dirigiu-se depois para a sala de espetáculos do Crocus City Hall. Era o dia anterior ao concurso e a sua oportunidade de rever as concorrentes e exercer um direito que lhe davam as regras dos seus concursos: anular a escolha dos jurados e escolher as concorrentes que ele queria ver como finalistas. Resumindo, nenhuma mulher era finalista até Trump assim o decidir.

Em cada concurso, era preparado um camarim especial para Trump, que tinha de satisfazer as suas exigências bem precisas, como os seus aperitivos preferidos: Nutter Butters e Tic Tacs brancos. E Coca-Cola Diet. Não poderia haver imagens na parede que o distraíssem. O camarim tinha de ser imaculado. Exigia sabonete sem cheiro e toalhas de mão enroladas, não dobradas.

No seu camarim eram colocados vídeos das finalistas selecionadas dias antes numa competição preliminar e das restantes concorrentes, em particular imagens de mulheres em vestidos de noite e fatos de banho. Ali, um ou dois dias antes da final, Trump revia as decisões dos jurados.

Era frequente rejeitar finalistas e substituí-las por outras da sua preferência. «Se houvesse muitas mulheres de cor, ele fazia alterações», referiu mais tarde um membro da equipa. Um outro relembrou: «Muitas vezes, ele achava uma mulher demasiado étnica ou com a pele demasiado escura. Para ele, havia um tipo particular de mulher que considerava vencedor. Outros tipos eram demasiado étnicos. Gostava de um tipo, como Olivia Culpo, Dayanara Torres [vencedora em 1993], e, claro, mulheres da Europa de Leste.» Por vezes, segundo o mesmo responsável, Trump excluía uma mulher «que rejeitasse os seus avanços».

Trump falou demoradamente sobre o seu programa de televisão, referindo repetidas vezes que era um sucesso tremendo

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Ocasionalmente, Shugart desafiava educadamente as escolhas de Trump. Às vezes ganhava, outras não. «Se ele não gostava de uma mulher por ser demasiado étnica, por vezes era possível convencê-lo, argumentando que era princesa e que casara com um jogador de futebol», explicou mais tarde um membro do staff.

Nessa mesma noite, Aras Agalarov deu uma festa no Crocus City Hall para comemorar os seus cinquenta e oito anos. Foram convidados vários VIP. Trump já estava exausto. Passou a maior parte do tempo sentado com Shugart e Schiller. A dada altura, Goldstone abordou-o com um pedido para Emin. A pop star estava a gravar um novo videoclipe. Poderia ele gravar uma cena no dia seguinte inspirada no The Apprentice? Trump concordou, mas teria de ser cedo, entre as 7h45 e as 8h10 da manhã. Claro, respondeu Goldstone. Teriam de se contentar com vinte e cinco minutos de Trump.

Por volta da 1h30 da madrugada, Trump saiu da festa e voltou ao Hotel Ritz-Carlton, que ficava a poucos quarteirões do Kremlin. Esta seria a sua única noite em Moscovo. Segundo Schiller, a caminho do hotel, falou a Trump da tal oferta de mulheres, e ambos desataram a rir. Ainda nas palavras de Schiller, após Trump entrar para o quarto, ele ficou de guarda à porta durante algum tempo e depois foi embora.

Na manhã de 9 de novembro, Trump apareceu nas gravações de Emin. Era necessário para a cena final. O vídeo  abriria com uma reunião em que Emin e outras pessoas avaliavam as concorrentes a Miss Universo. Emin adormecia e sonhava estar com as várias concorrentes. Aqui entrava Trump para o clímax: Emin acordava com Trump a gritar-lhe: «O que se passa contigo, Emin? Emin, vamos lá embora. Estás sempre atrasado. Não passas de mais uma cara bonita. Estou farto de ti. Estás despedido!» A parte de Trump só durava quinze segundos, mas, em breve, Emin lançaria um videoclipe que poderia promover como tendo a participação especial do mundialmente famoso Trump.

O resto do dia foi tão frenético como o primeiro: uma conferência de imprensa com trezentos jornalistas russos e mais entrevistas, entre as quais uma com Roberts, na qual Trump foi mais uma vez pressionado a falar de Putin.

Roberts perguntou-lhe se tinha alguma relação com Putin e alguma influência sobre o líder russo. Trump foi categórico: «Sim, tenho uma relação.» Fez uma pausa. «Posso dizer-lhe que ele está muito interessado naquilo que estamos a fazer aqui hoje. Provavelmente, está muito interessado naquilo que eu e você dizemos hoje. E tenho a certeza de que irá ver.»

Trump mal conseguia conter os seus elogios ao Presidente russo: «Repare, ele tem feito um trabalho brilhante em termos daquilo que representa e de quem representa. Se olharmos para o que fez na Síria, se olharmos para tantas coisas diferentes, de facto, levou a melhor sobre o nosso Presidente. Não tenhamos ilusões. Ele tem feito um excelente trabalho… Colocou-se na linha da frente do mundo como líder num curto espaço de tempo.»

Mas os comentários de Trump sobre uma «relação» com Putin eram, neste momento, esperanças vãs. Entre a equipa do concurso Miss Universo espalhara-se a ideia de que Trump ansiava ardentemente que Putin assistisse ao espetáculo. A pensar nesta possível aparição, Thomas Roberts e Mel B aprenderam várias palavras em russo para acolher o Presidente, como «olá» e «obrigado». Com o seu sotaque cockney, Mel B sentiu dificuldade em pronunciar as palavras em russo. Disseram-lhe então para praticar até ficar perfeito porque Putin poderia aparecer.

Trump mal conseguia conter os seus elogios ao Presidente russo: «Repare, ele tem feito um trabalho brilhante em termos daquilo que representa e de quem representa. Se olharmos para o que fez na Síria, se olharmos para tantas coisas diferentes, de facto, levou a melhor sobre o nosso Presidente.»

Ao final da tarde, a ansiedade de Trump era palpável. Não havia novidades. Ele não parava de perguntar se alguém tivera notícias de Putin. Então, tocou o telefone de Agalarov. «O Sr. Peskov quer falar com o Sr. Trump», disse ele.

Trump e Peskov falaram alguns minutos. Depois, o americano relatou a conversa a Goldstone. «Peskov», disse ele, «pediu desculpa.» Putin queria muito conhecer Trump, mas havia um problema que ninguém previra: um engarrafamento de trânsito em Moscovo. O rei Willem-Alexander e a rainha Máxima da Holanda estavam na cidade e Putin fora obrigado a encontrar-se com eles no Kremlin. Mas o casal real ficara preso no trânsito e estava atrasado, o que deixou o Presidente russo sem tempo para Trump. E também não poderia estar presente no concurso Miss Universo naquela noite.

Putin, contudo, queria compensar Trump. Peskov convidou-o para estar presente nos Jogos Olímpicos, onde talvez se pudesse encontrar com o Presidente russo. Afirmou ainda que Putin enviaria um alto emissário ao evento dessa noite: Vladimir Kozhin, um seu assessor sénior. E, referiu Peskov a Trump, Putin tinha um presente para ele.

Foi uma esmagadora desilusão para Trump. Mas rapidamente pensou em como dar a volta, sugerindo a um assistente que, depois da transmissão televisiva, espalhassem a palavra de que Putin estivera presente. «Ninguém saberá ao certo se ele veio ou não», afirmou.

Uma das razões pelas quais o seu esperado encontro com o Presidente russo nunca se materializou foi a sua atenção a outro projeto. Inicialmente, Trump deveria passar duas noites em Moscovo, o que lhe daria mais tempo para um encontro com Putin. Mas Trump decidira ir à festa dos noventa e cinco anos do evangelista Billy Graham a 7 de novembro, na Carolina do Norte. Na Rússia, Trump disse a Goldstone que era necessária a sua presença no evento de Graham: «Estou a planear uma coisa lá mais para a frente, e é muito importante.»

Goldstone sabia exatamente a que se referia: uma corrida à Casa Branca. Franklin Graham, filho do evangelista, era uma figura influente entre os conservadores religiosos. Quando Trump, dois anos antes, defendera o birtherism – a infundada teoria da conspiração segundo a qual Barack Obama nascera no Quénia e, por isso, não poderia ser eleito Presidente –, Graham juntara-se a esse comboio, levantando questões sobre a certidão de nascimento do Presidente. A sua presença nesta festa, bem como cair nas boas graças de Franklin Graham, era uma jogada obrigatória para Trump, se quisesse levar a sério a corrida à nomeação presidencial republicana.

Antes da transmissão televisiva do Miss Universo, decorreu a obrigatória cerimónia da passadeira vermelha. Televisões de todo o mundo captaram as celebridades produzidas. Trump, com ar triunfante, posou com Aras e Emin Agalarov para os paparazzi. Evitou uma pergunta sobre se Emin fora escolhido para atuar com base no mérito.

«A Rússia tem sido um lugar incrível», exclamou Trump. «Basta ver o que está a acontecer aqui. É incrível.» Atrás dele estava uma faixa com os logótipos da Trump Organization, Miss Universe, Sberbank, Mercedes e NBC. O pavão da NBC estava a preto e branco, sem o seu habitual arco-íris de cores. Representantes da empresa de Agalarov haviam ordenado à equipa do concurso para remover o arco-íris, receando que fosse encarado como uma mensagem do orgulho gay.

Donald Trump foi a Moscovo com o grande propósito de encontrar Vladimir Putin: mas deixou a Rússia desiludido

ALEXEY NIKOLSKY/SPUTNIK/KREMLIN / POOL/EPA

Thomas Roberts percorreu a passadeira vermelha com o marido. Usou um smoking cor de rosa choque, algo que nunca faria em Nova Iorque. Fazia passar a sua mensagem. Em entrevistas, criticou explicitamente as leis antigay de Putin.

Outras celebridades e notáveis da cidade passaram pelos jornalistas de entretenimento informativo. Entre eles estava Kozhin e um convidado curioso: Alimzhan Tokhtakhounov, aka «o Pequeno Taiwanês», um dos alegados mafiosos mais proeminentes da Rússia e fugitivo à Justiça norte-americana. Tokhtakhounov tinha uma ligação bizarra ao ex-líbris de Trump: sete meses antes fora indiciado nos Estados Unidos por proteger uma operação de jogo ilegal de apostas elevadas gerida a partir da Trump Tower. Outros dois convidados de Trump eram Chuck LaBella, um executivo da NBC que trabalhava no programa Celebrity Apprentice, e Bob Van Ronkel, um expatriado americano, que tinha um negócio especializado em levar celebridades de Hollywood a eventos na Rússia. (Van Ronkel tentara produzir uma vez um programa de televisão em que se enaltecia a KGB e as suas façanhas heróicas.)

O espetáculo correu bem. Trump ficou na primeira fila ao lado de Agalarov. Emin cantou duas das suas canções euro-pop. Steven Tyler, dos Aerosmith, que era um dos jurados, tocou o seu clássico «Dream On». No fim, Culpo coroou Miss Venezuela como a nova Miss Universo. Não houve qualquer referência à polémica da lei antigay.

Após o evento, houve uma festa de arromba com imenso vodca e música alta. Uma aspirante a atriz de vinte e seis anos, Edita Shaumyan, entrou na zona VIP vedada com cordas ao mesmo tempo que o famoso rapper russo Timati. Shaumyan chamou a atenção de Trump. Este abordou-a, gesticulou na direção de Timati e perguntou: «Espera, é o teu namorado? Não és livre?» Ela disse que não. «És linda», disse-lhe Trump. «Uau, os teus olhos, os teus olhos.» Segundo Shaumyan, «ele disse “vamos para a América. Vem comigo para a América.” Eu disse que não, não, não, sou arménia. Somos muito rigorosos. Primeiro é conhecer a minha mãe.» Quando outras mulheres se aproximaram para tentar tirar fotografias com Trump, este agarrou o braço de Shaumyan e disse: «Não vás embora. Fica. Fica.» E ela tirou selfies com ele. (Mais tarde, publicaria cinco fotos e um vídeo com Trump nessa noite.) Mas nada mais aconteceu. Trump pediu a alguém que desse o seu cartão a Shaumyan com o número de telefone. Ela nunca lhe ligou.

Trump seguiu diretamente da festa para o aeroporto, para regressar a casa noutro jato de Ruffin. No dia seguinte, ligou a Roberts. Disse-lhe que ficara satisfeito com o espetáculo e que fora um sucesso, com grandes audiências. Não era bem verdade, pelo menos nos Estados Unidos. A transmissão tivera três milhões e oitocentos mil espectadores, muito abaixo dos seis milhões e cem mil do ano anterior.

Nos dias que se seguiram, vários órgãos de comunicação social da Rússia e dos Estados Unidos disseram que Trump usara a sua visita a Moscovo para lançar um grande projeto na capital russa. «Bilionário Americano do Miss Universo Planeia Trump Tower Russa», era o cabeçalho do RT, canal de TV e site estatal russo. O Moscow Times proclamava: «Donald Trump Planeia Arranha-Céus em Moscovo.» Os parceiros de Trump no projeto Trump SoHo que ele desenvolvera em Nova Iorque – Alex Sapir e Rotem Rosen – foram a Moscovo para o evento e encontraram-se com Agalarov e Trump para discutir as possibilidades.

As coisas pareciam estar a avançar com rapidez. O banco público Sberbank anunciou que celebrara um «acordo estratégico de cooperação» com o Crocus Group para financiar cerca de setenta por cento de um projeto, que incluiria uma torre com o nome de Trump. Se o projeto fosse para a frente, Trump faria negócios oficialmente em Moscovo com o Governo russo.

«O mercado russo sente-se atraído por mim», afirmou Trump à Real Estate Weekly. «Tenho uma excelente relação com muitos russos.» E acrescentou, no seu habitual tom exagerado, que «quase todos os oligarcas» haviam estado presentes no evento Miss Universo.

De regresso aos Estados Unidos, Trump deu as boas notícias no Twitter: «Acabei de voltar da Rússia, aprendi muito. Moscovo é um sítio muito interessante e incrível!» No dia seguinte, enviou um tweet a Aras Agalarov: «Passei um excelente fim de semana contigo e com a tua família. Fizeste um trabalho FANTÁSTICO. A seguir, é a TRUMP TOWER MOSCOVO. EMIN foi UAU!»

O projeto avançou mais do que era conhecido publicamente. A Trump Organization e a empresa de Agalarov assinaram uma declaração de intenções para construir a nova Trump Tower. Donald Trump Jr. ficou à frente do projeto. Meses mais tarde, Ivanka Trump voou para a Rússia e procurou locais com Emin para o novo empreendimento. «Pensámos que construir uma Trump Tower ao lado de uma torre Agalarov – com os dois grandes nomes – poderia ser um projeto muito interessante», afirmou mais tarde Emin.

Trump estava finalmente a desbravar caminho na Rússia. E pouco depois do evento Miss Universo, a filha de Agalarov apareceu nos escritórios do concurso em Nova Iorque, com um presente para Trump, de Putin. Era uma caixa preta lacada. Lá dentro estava uma carta selada do autocrata russo. O que dizia nunca foi revelado.

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