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Na sua campanha eleitoral de 2016, Trump prometeu repetidamente que a sua Administração contaria com “as melhores pessoas no mundo”. A promessa não era surpreendente, uma vez que Trump faz uso liberal dos superlativos absolutos e porque já no livro Midas touch: Why some entrepreneurs get rich and why most don’t (2011, com Robert Kiyosaki) explicara que um dos segredos para o seu sucesso era “só trabalhar com os melhores”. No primeiro artigo desta série, Donald Trump pelas suas próprias palavras, apresentou-se um florilégio da oratória e da produção escrita de Donald Trump, que é, agora, complementada por uma compilação de considerações tecidas sobre Trump pelas mentes mais brilhantes que ele próprio escolheu, após a trepidante experiência de trabalharem com ele durante algum tempo – não muito, pois, a maioria deles demitiram-se por livre e espontânea vontade, ou foram pressionados a demitir-se ou foram demitidos.

A perspectiva dos apóstatas

Esta selecção de apreciações sobre Trump segue a ordem alfabética dos apelidos de quem as proferiu.

Alex Azar, secretário da Saúde, 29.01.2018 a 20.01.2021

● Carta formal de demissão endereçada a Trump, 12.01.2021:

“Desgraçadamente, as acções e a retórica [do destinatário] que se seguiram às eleições, especialmente durante a última semana, ameaçam macular estes e outros legados históricos desta administração. Os ataques ao Capitólio [a 6 de Janeiro de 2021] foram um assalto à nossa democracia e à tradição da transição pacífica de poder em que os EUA foram pioneiros. […] Imploro-lhe que continue a condenar inequivocamente qualquer forma de violência, a exigir que ninguém perturbe as cerimónias de tomada de posse em Washington e a apoiar sem reservas uma transição de poder pacífica e ordeira a 20 de Janeiro”.

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Nota: No Governo dos EUA, o termo “secretary” corresponde, genericamente, a cargo com funções análogas à de “ministro” nos Governos europeus; “secretary of State” equivale a ministro dos Negócios Estrangeiros.

William Barr, procurador-geral, 14.02.2019 a 23.12.2020

● “É um narcisista consumado. Está constantemente a envolver-se em comportamentos irresponsáveis, que colocam em risco os seus seguidores políticos e que colocam em risco a agenda dos conservadores e do Partido Republicano. […] Ele irá sempre colocar os seus interesses e a gratificação do seu ego acima de qualquer outra coisa, incluindo os interesses do seu país. […] É como uma criança de nove anos, que está sempre a empurrar o copo para a borda da mesa, desafiando os pais a impedi-lo de continuar a fazê-lo”.

● “Alguém que se envolveu na tentativa de interferir num processo que é fundamental para o nosso sistema e para a nossa autogovernação [i.e., as tentativas para impugnar os resultados das eleições de 2020] não deveria sequer poder aproximar-se da Sala Oval”.

Nota: “Attorney general” costuma ser traduzido por “procurador-geral”, embora, no sistema de governação americano, inclua funções que, no sistema português, competem ao ministro da Justiça e ao ministro da Administração Interna.

William Barr, Retrato oficial, 2019

John Bolton, conselheiro de segurança nacional, 09.04.2018 a 10.09.2019

● “Os líderes estrangeiros vêem-no como um tolo risível”.

● “Na altura em que deixei a Casa Branca, estava convencido de que ele era inapto para o cargo presidencial […]. Creio que será um perigo para os EUA se conseguir um segundo mandato”.

● Entrevista com Jen Psaki, na MSNBC, 2023:

“Richard Nixon parece um rapazinho de coro ao lado de Donald Trump”

● Entrevista com Jordan Klepper para The Daily Show, transmitida a 21.05.2024:

Klepper: De onde vem o fascínio de Trump por Putin?

Bolton: Creio que ele tem, genericamente, um fascínio por líderes autoritários. Creio que Trump gostaria de ser um homem forte, mas não acredito que ele seja suficientemente esperto para ser um ditador.

Klepper: Será, então, que Trump é… qual é o termo… um idiota?

Bolton: Bem, creio que Rex Tillerson fez uma descrição icónica de Trump em duas palavras, a primeira não a repetirei, nem sequer no seu programa, a segunda era “moron” [imbecil].

Klepper: OK, eu digo [a primeira palavra]: “fucking”.

Bolton: Exactamente.

Klepper: “Fucking moron”. Poderá um “fucking moron” ser um idiota útil?

Bolton: Creio que a resposta é “sim” e Vladimir Putin sabe-o.

[…]

Klepper: Trump sabe o que faz a NATO?

Bolton: Ele é incapaz de compreender [o conceito de] aliança. […] Para mim, a NATO é a aliança político-militar de maior sucesso na história da humanidade, portanto, antes de prescindirmos dela, deve reflectir-se mais seriamente sobre o assunto do que Trump faz.

John Bolton, 2018

Tom Bossert, conselheiro de segurança interna, 20.01.2017 a 10.04.2018

● “O presidente minou a democracia americana durante meses. Como tal, é responsável por este cerco [ao Capitólio] e é uma absoluta desgraça.”

Dan Coats, Director of National Intelligence, 16.03.2017 a 15.08.2019

● Sobre os elogios de Trump a Putin:

“Fiquei chocado. Quero dizer, é o presidente dos EUA, não um congressista qualquer, ou um comentador numa televisão por cabo ou algo assim”.

● Sobre as tentativas para desvalorizar o facto de Trump ter levado consigo documentos classificados após terminar o mandato como presidente:

“Há pessoas na prisão por terem levado para casa documentos que sabiam que não podiam ser levados para casa […] Não pode dizer-se que é apenas um monte de papéis e que não é nada de importante e assim por diante. Podem estar vidas em jogo”.

Nota: O “Director of National Intelligence” é a quem todas as agências de informação dos EUA têm o dever de reportar, e desempenha, por inerência, o cargo de conselheiro do presidente, do National Security Council e do Homeland Security Council em assuntos relacionados com informação.

Ty Cobb, membro da equipa jurídica da Casa Branca, 31.07.2017 a 02.05.2018

● “Trump faz, incessantemente, afirmações que não são verdadeiras.”

Gary Cohn, director do National Economic Council (NEC), 20.01.2017 a 02.04.2018:

● “Dumb as shit”

Nota: Esta apreciação sobre Trump é citada no livro Fire and fury: Inside the Trump White House (2018), de Michael Wolff.

Michael Cohen, advogado e fixer de Donald Trump, 2006 a 2018

Disloyal, a memoir: The true story of the former personal attorney to President Donald J. Trump (2020):

“Um intrujão, um mafioso, um mentiroso, uma fraude, um bully, um racista, um predador, um vigarista.”

● Entrevista à televisão Al Arabiya English, 23.08.2024:

“Donald Trump não é nada, ele não é Republicano, nem é Democrata, nem é independente. Ele é Donald Trump. Ele só se preocupa com Donald Trump, não com filiações partidárias ou valores partidários. […] [Em 2015] pensei que um outsider como Donald Trump poderia ser mesmo bom para a economia e para o país. Mas o que, de facto, acabámos por descobrir foi que ele não se preocupa com o país, não se preocupa com coisa alguma. […] Sempre pensei – e muitas pessoas no nosso círculo pensavam o mesmo – que se ele ganhasse mesmo (o que era improvável), elevaria o seu carácter, elevaria a sua identidade, de forma a cumprir as expectativas que rodeiam um presidente dos EUA; em vez disso, degradou-as, tomou a presidência dos EUA e tornou-a numa imitação reles do Celebrity Apprentice”.

Nota: The Celebrity Apprentice foi um reality show apresentado por Donald Trump no período 2008-2015 e que era, ele mesmo, um derivado do reality show The Apprentice, que foi apresentado por Donald Trump no período 2004-2015.

Michael Cohen, 2019

Betsy DeVos: secretária da Educação, 07.02.2017 a 08.01.2021

● Carta formal de demissão endereçada a Trump, 08.01.2021:

“Não há qualquer dúvida sobre o impacto que a sua retórica teve [no ataque ao Capitólio, dois dias antes] e este é o ponto de inflexão para mim. […] Deveríamos estar a enaltecer e celebrar as muitas conquistas da sua administração em prol do povo americano. Em vez disso, vemo-nos forçados a limpar a porcaria causada pelos manifestantes violentos que invadiram o Capitólio. […] A transferência pacífica do poder é o que separa a democracia representativa americana de uma república das bananas”.

Mark Esper, secretário da Defesa, 23.07.2019 a 09.11.2020

● “Penso que ele é inapto para o cargo [de presidente]. […] Ele coloca-se a si mesmo à frente do país. As suas acções giram todas em torno dele mesmo, não do país. E depois, claro, ele tem problemas de integridade e carácter”.

● “Há muita coisa que me preocupa em Donald Trump. Tenho dito que ele é um perigo para a democracia”.

Mark Esper, retrato oficial, 2019

Alyssa Farah Griffin, directora de Comunicação Estratégica da Casa Branca, 07.04.2020 a 04.12.2020; secretária de imprensa do Departamento de Defesa, 09.2019 a 07.04.2020; secretária de imprensa do vice-presidente, 10.2017 a 09.2019

● “Podemos apoiar as políticas, mas, neste ponto, não podemos apoiar o homem”.

● “Um dia [Trump] queria que Kanye West viesse a uma missa no jardim da Casa Branca como forma de unir o país. Não consigo pensar em nada menos unificador do que isso”.

Nota: O rapper-empresário-estilista Kanye West tem sido um apoiante de Trump e é conhecido pelas suas proclamações polémicas e descabeladas, algumas delas abertamente anti-semitas.

Stephanie Grisham, secretária de imprensa da Casa Branca, 01.07.2019 a 07.04.2020; chefe de gabinete da Primeira Dama, 07.04.2020 a 06.01.2021; assessora de imprensa da campanha de Trump em 2016

● “Fico aterrada só de pensar que ele vai concorrer às eleições de 2024”.

Nikki Haley, embaixadora dos EUA na ONU, 27.02.2017 a 31.12.2018

● Discurso à porta fechada para membros do Republican National Committee, Amelia Island, Florida, 07.01.2021:

“O presidente Trump nem sempre escolheu as palavras certas. Errou na escolha de palavras em Charlottesville e eu disse-lhe isso na altura. E errou francamente na escolha de palavras de ontem [dia do ataque ao Capitólio]. E não foi apenas nas palavras. As suas acções desde o dia das eleições [05.11.2020] serão severamente julgadas pela História”.

● Declarações à revista Politico, Janeiro 2021:

“Temos de reconhecer que ele nos desiludiu. Ele tomou um caminho que não deveria ter tomado e nós não deveríamos tê-lo seguido e não deveríamos ter-lhe dado ouvidos. E não podemos permitir que isso volte a acontecer”.

Nota: As opiniões de Haley sobre Trump após se ter tornado sua adversária nas eleições primárias do Partido Republicano serão tratadas num próximo artigo.

Nikki Haley, retrato oficial, 2019

Cassidy Hutchinson, assistente do chefe de gabinete Mark Meadows, 31.03.2020 a 20.01.2021; assessora especial do presidente e coordenadora de assuntos legislativos

● “Donald Trump é a mais séria ameaça à nossa democracia no nosso tempo e, potencialmente, em toda a história dos EUA”.

John F. Kelly, general; chefe de gabinete da Casa Branca, 31.07.2017 a 02.01.2019

● Declarações à CNN, 03.20.2023:

“Uma pessoa que pensa que aqueles que defendem o nosso país em uniforme e são abatidos ou gravemente feridos, ou passam anos a serem torturados como prisioneiros de guerra, são todos ‘papalvos’ [suckers] porque ‘não tinham ali nada a ganhar’. Uma pessoa que não queria ser vista na presença de deficientes das forças armadas porque ‘não daria de mim uma boa imagem’. Uma pessoa que manifestou abertamente desprezo por uma família de um militar que recebeu a Gold Star [Medal] – por todas as famílias de militares que receberam a Gold Star –, na televisão, durante a campanha [eleitoral] de 2016 e que desqualificou os mais bravos dos nossos heróis, que deram a sua vida pela defesa da América, como ‘falhados’ [losers] e se recusou a visitar as suas sepulturas em França. Uma pessoa que não é honesta na sua posição relativamente à protecção das crianças por nascer, das mulheres, das minorias, dos cristãos evangélicos, dos judeus, dos trabalhadores e das trabalhadoras. Uma pessoa que não faz ideia daquilo que a América representa e não faz ideia do que é realmente a América. […] Uma pessoa que admira autocratas e ditadores assassinos. Uma pessoa que não tem senão desprezo pelas nossas instituições democráticas, pela nossa Constituição e pelo Estado de direito. Não há mais nada a dizer. Que Deus nos ajude”.

John F. Kelly, retrato oficial, 2017

James Mattis, general; secretário da Defesa, 20.01.2017 a 01.01.2019

● Citado em Fear: Trump in the White House (2018), de Bob Woodward

“A actuação e o entendimento do presidente eram os de uma criança do 5.º ou 6.º ano de escolaridade”.

● Declaração pública, 03.06.2020:

“Trump é o primeiro presidente no meu tempo de vida que não tenta unir o povo americano – e nem sequer finge que se esforça por isso. Em vez disso, tenta dividir-nos. Estamos a assistir às consequências de três anos deste esforço deliberado. Estamos a assistir às consequências de três anos sem uma liderança madura. Podemos unir-nos sem ele, recorrendo às forças que são inerentes à nossa sociedade civil.”

Nota: Trump respondeu a esta declaração de Mattis (a sua primeira intervenção pública desde que se demitira da Administração Trump) com vários tweets: “A única coisa que eu e Barack Obama temos em comum é que ambos tivemos a honra de demitir Jim Mattis, o general mais sobrevalorizado do mundo. Pedi-lhe para entregar a carta de demissão e fiquei feliz por isso. O seu apelido era ‘Caos’, mas eu não gostei e mudei-o para ‘Cão Raivoso’. […] Nunca apreciei o seu estilo de ‘liderança’ nem qualquer outra coisa nele e muitos estão de acordo comigo. Ainda bem que se foi”.

● “Ele é mais perigoso do que alguém é capaz de imaginar”.

James Mattis, retrato oficial, 2017

H.R. McMaster, conselheiro de segurança nacional, 20.02.2017 a 09.04.2018

● “Um idiota”, “um calhau” e possuidor da inteligência de “uma criança da pré-primária”.

Nota: Comentários que terá proferido sobre Trump num jantar no restaurante Tosca, Washington DC, Julho 2018; o primeiro comentário foi reiterado no livro Fire and fury: Inside the Trump White House (2018), de Michael Wolff.

● “Estamos a assistir à ausência de liderança – na verdade, à anti-liderança – e ao que ela pode fazer ao nosso país”.

● “O presidente Trump e outros altos funcionários têm vindo, repetidamente, a atraiçoar os nossos princípios, em prol da obtenção de vantagens partidárias e pessoais”.

Mark Milley, general, chefe do Estado Maior Conjunto dos EUA, 01.10.2019 a 30.09.2023; chefe do Estado Maior do Exército, 14.08.2015 a 09.08.2019

● Discurso de despedida do cargo de chefe do Estado Maior Conjunto, Arlington, Virginia, 29.09.2023

“Não prestamos juramento a um país. Não prestamos juramento a uma tribo. Não prestamos juramento a uma religião. Não prestamos juramento a um rei ou a uma rainha, a um tirano ou a um ditador. Não prestamos juramento a um candidato a ditador. Prestamos juramento à Constituição e prestamos juramento à ideia de América – e estamos dispostos a morrer para a proteger.”

Nota: Em Setembro-Outubro de 2020 terão chegado ao conhecimento do Governo chinês informações relativas à iminência de um ataque-surpresa dos EUA contra a China. Sabendo da inquietação do Governo Chinês com as tensões internas nos EUA, Mark Milley tomou a iniciativa de, à revelia de Trump, contactar o seu homólogo chinês, em dois momentos críticos, a 30 de Outubro de 2020 (poucos dias antes da eleição presidencial americana) e a 8 de Janeiro de 2021 (após o ataque ao Capitólio), a fim de lhe assegurar, que apesar da instabilidade e desnorte que pareciam estar a tomar conta dos EUA, o Governo americano, este não fazia tenção de empreender qualquer acção contra a China (ou seja, dando a entender que, apesar da natureza temperamental e imprevisível do presidente dos EUA, havia “adultos na sala” que tinham a situação sob controlo). Nos media correram alguns rumores sobre esta (alegada) iniciativa de Milley, que seria narrada de forma mais detalhada e circunstanciada (possivelmente com o contributo do próprio Milley) na revista Atlantic, em 21.09.2023, no artigo “The patriot: How General Mark Milley protected the Constitution from Donald Trump”. Trump ficou furioso com o artigo e atacou Milley na rede Truth Social: “Este fulano revelou-se um desastre woke [a woke train wreck], que, se as fake news não mentem, estava em negociatas com a China e a dar-lhes dicas sobre as intenções do presidente dos EUA. Isto é um acto tão infame que, noutros tempos, seria punido com a pena capital! Deste acto traiçoeiro poderia ter resultado uma guerra entre a China e os EUA”. Milley recusou comentar as acusações de Trump, mas o seu discurso de despedida foi, obviamente, uma resposta ao ex-presidente.

Mark Milley, retrato oficial

Steven Mnuchin, secretário do Tesouro, 13.02.2107 a 20.01.2021

● “Um idiota”.

Nota: Esta apreciação sobre Trump é citada no livro Fire and fury: Inside the Trump White House (2018), de Michael Wolff.

Mick Mulvaney, chefe de gabinete da Casa Branca, 02.01.2019 a 21.03.2020; director do Gabinete de Gestão e Orçamento, 16.02.2017 a 31.03.2020

● “Demiti-me porque penso que ele falhou em ser um presidente quando isso foi mais necessário”.

Mike Pence, vice-presidente, 20.01.2017 a 20.01.2021

● “O povo americano merece saber que o presidente Trump me pediu para o colocar acima do meu juramento perante a Constituição. […] Quem quer que se coloque acima da Constituição nunca deveria ser presidente dos EUA”.

● Declarações à Fox News, Março de 2024:

“Donald Trump tem vindo a seguir e articular uma agenda que vai ao arrepio da agenda conservadora que guiou a nossa governação ao longo de quatro anos e é por isso que não posso, em plena consciência, apoiar Donald Trump nesta campanha”.

Mike Pence, retrato oficial

Reince Priebus, chefe de gabinete da Casa Branca, 20.01.2017 a 31.07.2017 (o mais breve mandato como chefe de gabinete da história dos EUA)

● “Um idiota.”

Nota: Esta apreciação sobre Trump é citada no livro “Fire and fury: Inside the Trump White House” (2018), de Michael Wolff.

Anthony Scaramucci, director de comunicação da Casa Branca, 21.07.2017 a 31.07.2017

● “[Trump] é o terrorista doméstico do século XXI.”

Richard V. Spencer, secretário da Marinha, 03.08.2017 a 24.11.2019

● “O presidente tem um entendimento limitado do que significa estar nas forças armadas, do que é combater de forma ética e do que é submeter-se a um conjunto uniforme de regras e procedimentos.”

Miles Taylor, chefe de gabinete do Departamento de Segurança Interna (Department of Homeland Security/DHS), 08.02.2019 a 09.2019; elemento do DHS desde Fevereiro de 2017

● “I am part of the resistance inside the Trump Administration”, artigo no The New York Times, 05.09.2018, publicado sob anonimato.

“Trabalho para o presidente, mas, como vários colegas que pensam como eu, estou determinado a bloquear parte da sua agenda e das suas piores inclinações. […] A raiz do problema é a imoralidade do presidente. Qualquer pessoa que trabalhe com ele sabe que não possui quaisquer princípios morais que guiem a sua tomada de decisão.”

A warning (Novembro de 2019), livro publicado sob anonimato

“Estava errado quanto à ‘resistência discreta’ no interior da Administração Trump. Os burocratas não-eleitos e as pessoas nomeadas para a equipa nunca serão capazes de, no longo prazo, empurrar Donald Trump na direcção correcta, ou de atenuar o seu estilo maligno de gestão. Ele é quem é. Os americanos não deverão sentir alívio por existirem ‘adultos na sala’. Não somos barreiras contra o presidente e não podem contar connosco para o manter sob controlo.”

● Declaração em que Taylor revelou ser o autor do artigo e do livro supracitados, 2020

“Sou um Republicano e desejava que este presidente tivesse sucesso. Mas, em períodos de crise, Donald Trump provou repetidamente ser um homem sem carácter e os seus defeitos pessoais resultaram em  falhas de liderança que se traduziram na perda de vidas americanas.”

[…]

“[Trump tentou] usar o Departamento de Segurança Interna para os seus objectivos políticos e para alimentar a sua agenda.”

[…]

“O país não pode esperar que os burocratas não-eleitos e bem intencionados que rodeiam o presidente sejam capazes de orientá-lo correctamente. De qualquer modo, ele já se viu livre da maior parte deles.”

Blowback: A warning to save democracy from the next Trump (2023)

“Os assessores diziam que ele falava sobre os seios e o traseiro de Ivanka e sobre como seria fazer sexo com ela, observações que, numa ocasião, levaram John Kelly a lembrar o presidente de que Ivanka era sua filha. Mais tarde, o próprio Kelly relatou-me este episódio, com visível repulsa.”

[…]

“Ele está a implantar um tom absolutamente vil no Partido Republicano e, de certo modo, normalizou visões extremamente depreciativas das mulheres.”

● Declarações à revista Newsweek, 28.06.2023

“Há mulheres que ocuparam cargos de chefia na Administração Trump que se têm mantido caladas sobre o tratamento desigual de que foram alvo durante esse tempo e até do sexismo absoluto e descarado com que foram tratadas por Donald Trump.”

Miles Taylor em 2018, com Kirstjen Nielsen, secretária do DHS (de quem, à data, Taylor era chefe de gabinete)

Rex Tillerson, secretário de Estado, 01.02.2017 a 31.03.2018

● “Não gosta de ler, não lê os relatórios”.

● Entrevista à revista Foreign Policy, Janeiro de 2021:

“A sua compreensão dos eventos globais, a sua compreensão da história global, a sua compreensão da história dos EUA, são verdadeiramente limitadas. É mesmo difícil ter uma conversa com alguém que nem sequer consegue compreender o motivo porque estamos a tratar de um dado assunto.”

[…]

“Ia para as reuniões [com Trump] com uma lista de quatro ou cinco coisas de que precisava de falar com ele, mas rapidamente percebi que já seria excepcional conseguir falar de três e acabei por concluir que o melhor seria ficar-me por duas. […] Comecei a levar gráficos e imagens, porque descobri que estes eram mais eficazes a captar a sua atenção.”

[…]

“Uma das dificuldades de que me apercebi muito cedo era que havia imensa gente que tinha acesso a [Trump] e lhe dizia coisas que eram, maioritariamente, falsas e que ele começava a prestar atenção a essas vozes e a formar uma imagem que não era baseada em factos. […] Resultava daqui que se consumia uma imensa quantidade de tempo a explicar por que razão algo não era verdadeiro, por que razão algo não era factual, por que razão algo não era a chave para compreender um dado assunto, e, portanto, deveria ser posto de lado, de forma a que pudesse falar-se do que era real. Isto era um desafio tremendo.”

● “Um imbecil.”

Nota: Esta apreciação sobre Trump é citada no livro Fire and fury: Inside the Trump White House (2018), de Michael Wolff.

Rex Tillerson, retrato oficial, 2017

Uma casa em permanente reboliço

Independentemente do que se pense de Donald Trump e das suas convicções ideológicas (se é que possui algumas) e da maior ou menor simpatia/repulsa que possa nutrir-se pelo Partido Republicano ou pelo Partido Democrático, é indiscutível que a Administração Trump foi marcada por uma invulgar instabilidade na equipa governamental.

Durante o primeiro mandato de Ronald Reagan, houve 6 substituições de secretários; no de George H.W. Bush, 8; no de Bill Clinton, 4; no de George W. Bush, 2; no de Barack Obama, 3; no de Donald Trump, 16. Quando se considera não apenas os secretários mas a totalidade da equipa governamental que tomou posse no início do mandato (a denominada “Equipa A”), a taxa de substituição no final do 1.º mandato foi de 78% para Ronald Reagan, 66% para George H.W. Bush, 74% para Bill Clinton, 63% para George W. Bush, 71% para Barack Obama, e de 92% para Donald Trump – por outras palavras, apenas 8% das pessoas escolhidas por Trump sobreviveram aos quatro anos de mandato. Porém, a análise à taxa de “sobrevivência” da Equipa A não contabiliza o facto, frequente na Administração Trump, de alguns cargos terem, ao longo dos quatro anos, conhecido três, quatro ou até cinco titulares diferentes. Quem teve passagem mais efémera pela Casa Branca foi Anthony Scaramucci, que foi director de comunicação durante apenas dez dias, sendo demitido por Trump após ter feito declarações (que ele disse julgar serem “off the record”) a uma jornalista da revista The New Yorker, em que tecia considerações pouco abonatórias sobre outros elementos da Administração Trump.

Trump e os elementos mais próximos da sua equipa, Sala Oval, Casa Branca, em Março de 2017, quando ainda não começara a dança de cadeiras

O que terá causado esta elevada taxa de substituição? Terá Trump escolhido pessoas que, embora estando entre os melhores em termos de competência técnica, não tivessem experiência governativa ou não estivessem sintonizados com o pendor ideológico próximo da “alt-right” imprimido por Trump? Seria uma equipa constituída sobretudo por gente da ala mais à esquerda do Partido Republicano ou por independentes? Ou estaria infiltrada por antifas, agitadores woke, criptocomunistas e anarquistas?

De forma alguma: os nomes mais sonantes da Administração Trump estavam conotados com os sectores mais conservadores da sociedade americana; entre eles havia altos quadros da Goldman Sachs e um ex-CEO da ExxonMobil, membros de think tanks conservadores, altas patentes das forças armadas e congressistas Republicanos; alguns já tinham ocupado cargos nas Administrações de Reagan, Bush pai e Bush filho. Como se depreende das declarações acima reproduzidas, o que os levou a incompatibilizarem-se com Trump não foram questões de ideologia, mas de carácter.

A Casa Branca após ter sido incendiada pelas tropas britânicas, a 24 de Agosto de 1814: aguarela por George Munger

O ramalhete de apreciações negativas sobre Trump por ex-membros da sua equipa acima apresentado não significa que todos os que passaram pela Casa Branca entre Janeiro de 2017 e Janeiro de 2021 tenham a mesma impressão de Trump e que tenham reagido de forma similar. Nas reacções dos ex-colaboradores de Trump há perfis muito variados.

Os livros que revelaram o lado negro do “homem mais poderoso do universo”

Alguns membros da equipa de Trump ficaram tão agastados com ele que, após se terem demitido ou terem sido demitidos, verbalizaram publicamente o desprezo pelo ex-“patrão” em entrevistas, em livros de sua autoria ou em declarações corrosivas para livros de autores exteriores à Casa Branca sobre a presidência de Trump. Entre estes últimos há a destacar duas trilogias que venderam milhões de exemplares, uma pelo jornalista Michael Wolff – Fire and fury: Inside the Trump White House (2018), Siege: Trump under fire (2019) e Landslide: The final days of the Trump presidency (2021) – e outra pelo jornalista veterano Bob Woodward – Fear: Trump in the White House (2018), Rage (2020) e Peril (2021).

Quanto aos que se deram ao trabalho de materializar em livro de sua autoria a profunda aversão a Trump destacam-se John Bolton, que escreveu The room where it happened: A White House memoir (2022), Mark T. Esper, que escreveu A sacred oath: Memoirs of a secretary of Defense during extraordinary times (2022), Michael Cohen, que escreveu Disloyal, a memoir: The true story of the former personal attorney to President Donald J. Trump (2020), e Stephanie Grisham, que escreveu I’ll take your questions now: What I saw at the Trump White House (2021).

O que mina a credibilidade de muitos destes “tell-all books” é o tempo de que os seus autores precisaram para descobrir que Trump tinha um lado sombrio. Veja-se o caso de Stephanie Grisham: trabalhou com ele desde a campanha para as eleições de 2016 e, durante todos esses anos, só encontrou nele virtudes. A 24.10.2019, Grisham defendeu na Fox News a afirmação de Trump de que os republicanos que se opunham a ele eram “escumalha humana”. Dois dias depois, após o ex-chefe de gabinete de Trump, John Kelly, ter criticado publicamente o presidente, Grisham afirmou que “trabalhei com John Kelly e acho que ele não tem a mais pequena capacidade para lidar com um génio como Donald Trump”. Foi necessário o ataque ao Capitólio, a 06.01.2021, para mudar de opinião.

Michael Cohen trabalhou de perto com Trump desde 2006, não só na qualidade de advogado, como de pau-para-toda-a-obra no império empresarial Trump (não se furtando a desempenhar missões sórdidas, reprováveis ou ilegais ), até ser detido em 2018, devido a ilícitos vários cometidos nesse âmbito. Foi condenado a três anos de prisão, parte dos quais foram utilizados para converter os agravos contra o ex-patrão em Disloyal: A memoir (2020), em que capitaliza o seu conhecimento detalhado dos muitos recantos obscuros do império Trump.

Entre os autores de “tell-all books” sobre Trump, Omarosa Manigault Newman é dos que inspira menos confiança. Newman trabalhou na Casa Branca durante a presidência de Bill Clinton e, em 2015, era descrita pelo Washington Post como uma apoiante “incondicional” de Hillary Clinton. Em 2016 já era assessora para assuntos afro-americanos da campanha presidencial de Trump e, em Setembro desse ano, em entrevista à revista Fortune, vaticinava que “todos os críticos e todos os detractores terão de curvar-se perante o presidente Trump. Todos os que alguma vez duvidaram de Donald, quem quer que dele tenha discordado, quem quer que o tenha contestado. A sua vingança final será tornar-se no homem mais poderoso do universo”. Esta devoção foi recompensada com o cargo de assessora presidencial e directora de comunicação do Office of Public Liaison (Gabinete de Relações Públicas) da Casa Branca. O idílio com Trump terminou a 13.12.2017, com a demissão dos cargos na Casa Branca, que foi oficialmente apresentada como tendo resultado de pedido seu. Quando a CNN divulgou que fora, na verdade, demitida pelo chefe de gabinete John Kelly, Newman começou por negar, mas, depois, divulgou uma gravação (que ela efectuara, sub-repticiamente, com o telemóvel, infringindo as regras de segurança da Casa Branca) que provava que fora demitida por Kelly. Em 2018, Newman publicou Unhinged: An insider’s account of the Trump White House em que descreve a “revelação” da real natureza de Trump (“unhinged”, que significa literalmente “fora dos gonzos”, é também usado no sentido figurado de “desvairado”). Neste livro, Newman conta que “Pouco a pouco, fui tomando consciência de que Donald Trump era, na verdade, um racista, um intolerante e um misógino. O seu uso frequente da N-word [“nigger” = “preto”] é apenas o cume da montanha de coisas pavorosas vindas dele que testemunhei. […] Acabei por perceber que a pessoa que eu julgava que conhecia há anos era realmente um racista. O uso da N-word não é apenas a sua maneira de falar, é – o que é mais perturbador – a forma como ele me via a mim e aos afro-americanos em geral”. Após o ataque ao Capitólio, Newman reiterou a sua reprovação por Trump: “Pensava que ele tinha feito várias coisas positivas nos seus quatro anos [de mandato]. Creio que as suas acções no 6 de Janeiro e nos eventos que a ele conduziram, bem como a sua actuação após [o ataque ao Capitólio] e a persistência em promover a mentira de que a eleição fora fraudulenta o tornam absolutamente inapto para voltar a exercer o cargo”.

Estranha-se que Newman tenha levado tantos anos a perceber quão “racista, intolerante e misógino” era Trump, até porque, antes de se tornar assessora da sua equipa de campanha, participara, como concorrente, na temporada 1 (2004) do reality show The Apprentice, na temporada 1 (2008) do reality show The Celebrity Apprentice e no All-Star Celebrity Apprentice (2013). A carreira de Newman parece ter um pé na política e outro na “trash TV”, uma vez que, após cortar laços com o universo Trump, viria a participar em duas variações do reality show Big Brother, Celebrity Big Brother (2018) e Big Brother VIP (2021). Tudo isto sugere que a motivação para publicar Unhinged terá sido menos uma tomada de posição política do que uma jogada sensacionalista, com o fito de fazer dinheiro e alcançar notoriedade pública. Unhinged serve de aviso para que não se levem a sério todos os “tell-all books” – não só não “dizem tudo”, como dizem apenas o que é conveniente para o seu autor.

A resistência dentro da Administração Trump

Situação bem diferente é a de Miles Taylor, que não tinha tido contacto pessoal prévio com Trump e que, assim que se apercebeu do seu carácter, estabeleceu alianças com outros membros da equipa para tentar minimizar os estragos que Trump poderia causar e tentou alertar a opinião publica para a ameaça que era ter alguém como Trump na Casa Branca. Fê-lo primeiro a coberto do anonimato e, depois de se demitir, em nome próprio. Embora sendo Republicano, juntar-se-ia mais tarde aos que apoiavam a reeleição de Biden, ou melhor, de alguém que não fosse Trump.

James Comey, director do FBI, é também um caso diferente, uma vez que não fez parte das escolhas de Trump para a nova administração: fora nomeado pela Administração Obama – a 04.09.2013 – e, após atritos com Trump (sobretudo por causa das investigações à interferência russa nas eleições americanas de 2016, que Trump terá tentado bloquear), foi demitido a 09.03.2017. Em 2018, Comey publicou A higher loyalty: Truth, lies, and leadership, onde detalha a sua difícil relação com Trump – tão tóxica e retorcida que justificou que o livro fosse convertido pela CBS numa mini-série intitulada The Comey rule (2020), que Laura Miller, na revista online Slate, descreveu assim “É um filme de terror e o monstro é Donald Trump”.

Os que ficaram até ao fim

Há ainda o grupo dos que não se demitiram nem foram demitidos e que, após o termo da presidência, se têm mantido ao lado de Trump.

É o caso de Mike Pompeo, que chegou, inicialmente, a manifestar reservas quanto a Trump, vendo nele marcas de autoritarismo, mas que se converteu a Trump quando este venceu as eleições primárias do Partido Republicano. Foi recompensado com importantes cargos na Administração Trump, sendo director da CIA de 23.01.2017 a 26.04.2018 e secretário de Estado entre 26.04.2018 a 20.01.2021. Nem sequer o ataque ao Capitólio beliscou o apoio de Pompeo a Trump: uns dias depois deste episódio sugeriu, no Twitter, que Trump merecia o Prémio Nobel da Paz por ter contribuído para aproximar Israel e o mundo árabe.

Mike Pompeo, retrato oficial, 2018

Mark Meadows, que foi chefe de gabinete entre 31.02.2020 e 20.01.2021 (e entre 2013 e 2020 representara a North Carolina na Câmara dos Representantes), também se conta entre os indefectíveis de Trump. Também ele escreveu as suas memórias da presidência Trump, The chief’s chief (2021), mas, ao contrário da maioria dos “tell-all books”, este pinta Trump sob uma luz muito favorável. Ainda assim, Trump não apreciou algumas das indiscrições cometidas por Meadows, que rotulou como “fake news”; porém, depois de ter chamado “fucking stupid” a Meadows, terá acabado por concluir que a imagem que o livro de Meadows dele projectava era favorável e passou a recomendar a sua leitura. A Kirkus Review descreveu The chief’s chief como “o livro de sonho dos que idolatram Trump”: “presidente algum poderia pedir um ‘yes man’ mais servil do que Meadows. Trump é um génio, um salvador, garante o autor”.

Mark Meadows, retrato oficial, 2012

Jared Kushner foi assessor principal do presidente, de 20.01.2017 a 20.01.2021, cargo que acumulou com o de director do Gabinete de Inovação Americana, de 27.03.2017 a 20.01.2021. As más-línguas insinuam que a principal razão para estas nomeações não terão sido as qualidades e conhecimentos de Kushner, mas o facto de ser genro de Trump, por casamento com a sua adorada filha Ivanka, que também fez parte da administração Trump, como conselheira presidencial (de 29.03.2017 a 20.01.2021) e directora do Gabinete de Iniciativas Económicas e Empreendedorismo (de 03.2017 a 20.01.2021).

Kushner teve especial envolvimento em assuntos do Médio Oriente, em particular na implementação do “Plano de Paz Trump”, e as relações privilegiadas que estabeleceu com governantes e empresários daquelas paragens talvez não sejam estranhas ao facto de, seis meses após o término do mandato de Trump, a Affinity Partners, firma de investimento fundada e gerida por Kushner, ter recebido 2000 milhões de dólares do fundo soberano saudita.

Jared Kushner e Benjamin Netanyahu, na inauguração da embaixada dos EUA em Jerusalém, em Maio 2018

Também Kushner escreveu um livro sobre a sua passagem pela Casa Branca, Breaking history: A White House memoir (2022), que a maioria da crítica considerou inócua, muito selectiva, lisonjeira para o próprio autor e dando provas de que “a fidelidade de Kushner a Trump continua a ser total”, nas palavras do The New York Times. O crítico deste jornal também afirmou que “Jared Kushner parece um manequim e escreve como um”. Sobre Trump, Kushner recorda: “Às vezes, ele prestava-me atenção. Outras vezes não, mas divertíamo-nos imenso”. Se não fosse este livro, quem adivinharia que, no mandato de Trump, a Casa Branca era uma pândega contínua?

Angela Merkel, Jared Kushner, Donald Trump e Ivanka Trump, Casa Branca, 17.03.2017

O louvaminheiro-mor

O nome de Stephen Miller goza de muito menor notoriedade pública do que Pompeo, Meadows ou Kushner, mas foi uma das figuras mais influentes da equipa de Trump. Foi assessor principal do presidente e director da equipa responsável pela escrita de discursos da Casa Branca (White House Director of Speechwriting) do primeiro ao último dia da Administração Trump, e advogou e contribuiu para pôr em prática medidas e iniciativas de “linha dura” no combate à imigração, quiçá esquecendo que os seus avôs maternos eram judeus bielo-russos que encontraram nos EUA refúgio contra os pogroms que assolaram o Império Russo na viragem dos séculos XIX-XX.

Stephen Miller discursa num comício da campanha eleitoral de Trump, em Cedar Rapids, 28.07.2016

Miller não só tem sido um dos mais fervorosos apoiantes do 45.º presidente e desempenhou papel activo nas movimentações para falsear os resultados das eleições presidenciais de 2020, como tem vindo a dispensar-lhe encómios que sugerem que lhe reconhece uma natureza semi-divina. Eis alguns deles, retirados de uma compilação de vídeos realizada pela CNN:

“Donald Trump tem uma memória enciclopédica”;

“O presidente Trump é o político mais talentoso do nosso tempo”;

“O presidente é um génio político que venceu 17 pessoas incrivelmente dotadas, que derrubou a dinastia Bush e derrubou a dinastia Clinton”;

“É o líder do movimento populista nacional e mundial”;

“É o único homem que as pessoas sabem que atravessou o Rubicão e reduziu os navios a cinzas” [aqui Miller parece confundir episódios históricos];

“Dizem que os olhos são a janela da alma humana. Aquele par de olhos faiscantes que vimos naquela fotografia [a foto de identificação para efeitos judiciais (mug shot) realizada em 2023 pelas autoridades na Fulton County Jail, no âmbito dos processos judiciais contra Trump] revelaram uma alma que está literalmente [sic] incendiada por uma chama que arde em nome de 300 milhões de americanos. É uma das imagens mais poderosas que alguma vez vi. Aquele homem e aquele par de olhos olham directamente para o coração do povo americano e dizem ‘Eu não vou desistir! Eu não recuarei! Eu não me renderei! Vou levar isto até ao fim, seja ele qual for! Eles não me curvarão!’”;

Mug shot de Trump, Fulton County Jail, Atlanta, Georgia, 24.08.2023

“É o melhor a assumir o cargo [de presidente] em gerações”;

“Um milionário que se fez a si mesmo, revolucionou a reality TV e conseguiu alcançar algo mágico, tocou o coração deste país”.

Fosse Miller versado em poesia épica quinhentista e clamaria “Cessem do sábio Grego e do Troiano/ As navegações grandes que fizeram;/ Cale-se de Alexandre e de Trajano/ A fama das vitórias que tiveram/ […] Cesse tudo o que a Musa antiga canta/ Que outro valor mais alto se alevanta”. Mas Miller foi mais longe do que algum autor de epopeias jamais ousou, quando, no programa de Sean Hannity, na Fox News, a 17.04.2024, afirmou que “O presidente e a primeira dama com mais apurado sentido de moda do nosso tempo são Donald Trump e Melania Trump. Trump é um ícone da moda, ele mudou a moda americana. The Apprentice fez com que as pessoas passassem a década seguinte a tentar vestir-se como Donald Trump”.

Os que saíram da Casa Branca mas continuaram com Trump

Finalmente, temos o grupo dos que saíram da Casa Branca por incompatibilidade com Trump, mas não produziram (pelo menos publicamente) comentários negativos sobre este e continuaram a apoiá-lo. É o caso de Steve Bannon, uma das principais figuras do website de extrema-direita Breitbart News (“a plataforma da alt-right”, nas palavras de Bannon) e foi visto por muitos comentadores e jornalistas como o ideólogo e mentor de Trump. Bannon foi um dos estrategas da campanha eleitoral de Trump em 2016 e assumiu o cargo de estratega-chefe (formalmente, “senior counsellor”) da Casa Branca a 20.01.2017. Poucos dias depois, a revista Time colocava Bannon na capa com os dizeres “O grande manipulador”, remetendo para um artigo com o sugestivo título “Será Steve Bannon o segundo homem mais poderoso do mundo?”.

Talvez nunca venhamos a saber qual a real natureza da relação Trump-Bannon (quem é o mestre? quem é o discípulo? quem influencia quem?), mas o que é certo é que Bannon se demitiu a 18.08.2017, ao fim de apenas sete meses no cargo, para regressar ao Breitbart News e se dedicar à criação de uma espécie de Internacional Populista, uma rede unindo partidos de extrema-direita de todo o mundo e que visava dar à extrema-direita europeia uma maioria no Parlamento Europeu nas eleições de 2019. Embora tenham corrido rumores de que Bannon terá ficado exasperado com a natureza indisciplinada e caprichosa de Trump – terá comentado, em privado, que “é como um miúdo de 11 anos” – Bannon manteve contacto regular com Trump e tem vindo a manifestar publicamente o seu apoio a este, nomeadamente através do seu popular podcast War Room. Quando Bannon foi condenado por fraude e lavagem de dinheiro, Trump veio em seu socorro, concedendo-lhe perdão presidencial no último dia do seu mandato.

Trump tem-se referido a Bannon como “um dos meus melhores discípulos”. Uma vez que uma investigação da Brookings Institution que abrangeu 36.000 episódios de podcasts produzidos por 79 podcasters políticos populares (nos EUA) apurou que War Room era o que tinha maior proporção de afirmações falsas, falaciosas ou sem fundamento, só pode concluir-se que Bannon é, efectivamente, um discípulo de que Trump pode orgulhar-se.

Steve Bannon, na Turning Point Action Conference, Palm Beach, Florida, 16.07.2023

Sean Spicer foi o primeiro director de comunicações e secretário de imprensa da Casa Branca durante a presidência Trump e deu nas vistas pela defesa intransigente do presidente – logo na primeira conferência de imprensa, sustentou, contra todas as provas, a alegação de Trump de que a sua cerimónia de tomada de posse fora a que reunira mais pessoas na história dos EUA. Spicer demitiu-se a 21.07.2021, possivelmente em resultado de o seu estilo conflituoso e acintoso ter conseguido indispor contra ele boa parte dos representantes dos media junto da Casa Branca. Spicer prosseguiu a defesa e louvor de Trump no livro The briefing: Politics, the press, and the president (2018), onde escreveu que “Não acredito que alguma vez iremos ter um candidato como Donald Trump. […] Ele é um unicórnio, cavalgando um unicórnio sobre um arco-íris. A sua franqueza verbal envolve riscos que poucos candidatos ousam tomar. A sua capacidade para passar de uma situação que ameaça pôr termo à sua carreira para um ataque feroz aos seus adversários é um talento que poucos políticos dominam”. Como seria de esperar, Trump adorou e recomendou entusiasticamente The briefing no Twitter.

Sarah Huckabee Sanders sucedeu a Spicer como secretária de imprensa da Casa Branca. tendo ocupado o cargo entre 26.07.2017 e 01.07.2019. A sua saída da Casa Branca foi pacífica e o livro de memórias sobre a sua passagem pelo cargo, Speaking for myself: Faith, freedom, and the fight for our lives inside the Trump White House (2020), dificilmente poderia ser mais favorável a Trump. Aliás, no livro, Sanders reproduz uma conversa com Trump em que lhe diz que o livro em que está a trabalhar tem por objectivo defender a reputação. “Creio que irá gostar dele. Há demasiado tempo que tem sido atacado injustamente e denegrido e já é tempo que a América conheça a verdadeira história”, ao que Trump responde, “Não posso esperar. Estou certo de que será óptimo”. Quando, no início de 2021, Sanders anunciou a sua candidatura a governadora do Arkansas, Trump deu-lhe o seu apoio (e Sanders venceu).

Kellyanne Conway foi directora da campanha eleitoral de Trump em 2016 e tornou-se assessora principal do presidente em 20.01.2017, lugar que manteria até 31.08.2020. O pedido de demissão apresentado nesta data por Conway nada teve a ver com divergências com Trump – foi antes uma forma de preservar o seu casamento, uma vez que o marido, George Conway III, era um crítico inveterado de Trump, o que fazia com que ele e Kellyanne passassem o tempo a discutir. A solução de compromisso a que o casal chegou foi que ambos abandonariam os seus cargos, Kellyanne o da Casa Branca e o marido o do Lincoln Project, um grupo (minoritário) Republicano abertamente oposto a Trump. O facto de ter saído da Casa Branca não impediu Kellyanne Conway de continuar a apoiar enfaticamente Trump e a traçar dele um retrato lisonjeiro no seu relato (mais um!) sobre os bastidores da Administração Trump, intitulado Here’s the deal: A memoir (2022).

Kellyanne Conway, retrato oficial, 2017

Conhecê-lo é amá-lo

O nome de Cliff Sims poderá não ser conhecido de muitos, mas, durante o tempo que passou na Casa Branca, foi um dos elementos mais íntimos de Trump e mais influente. Acumulou os cargos de assistente especial do presidente, director da Estratégia de Comunicação da Casa Branca entre 21.01.2017 e 25.06.2018 e a sua demissão, oficialmente justificada como tendo resultado de uma infracção dos procedimentos de segurança, parece ter tido mais a ver com as múltiplas inimizades que Sims inspirara dentro da Casa Branca, como se depreende do título que escolheu para o seu “tell-all book” de 2019 sobre a passagem pela Administração Trump: Team of vipers: My 500 extraordinary days in Trump White House. O livro traça uma imagem favorável do presidente e reserva toda a causticidade para a “equipa de víboras” que o rodeava.


A dar crédito ao livro, Trump elegeu Sims como uma das pessoas em quem depositava maior confiança e recorreu a ele para purgar a Casa Branca: “‘Dê-me os seus nomes’, disse Trump, semicerrando os olhos, ‘Quero essa gente fora daqui. Vou tratar disto. Vamos ver-nos livres de todas essas víboras’. […] Só em retrospectiva me apercebi de quão extraordinário isto era. Estava ali sentado com o presidente dos EUA a compilar uma lista de inimigos – mas esses inimigos faziam parte da sua própria equipa. […] O presidente começou a nomear os membros da Casa Branca um após outro. Praticamente nenhum estava acima de censura, nem o chefe de gabinete, nem os principais assessores, quase nenhum escapou, excepto os membros da sua família [Ivanka Trump e o seu marido, Jared Kushner]. Ele pretendia que eu o ajudasse a avaliar a lealdade de cada um deles”.

Cliff Sims, retrato oficial

Se não faltam livros a denunciar o ambiente tóxico da Casa Branca de Trump, dificilmente se aproximam do cenário de intriga, malevolência e cinismo pintado em Team of vipers. Veja-se, por exemplo, o que Sims diz de Kellyanne Conway: “Era difícil olhar para ela por uns instantes e não a ver como uma vilã de cinema de animação que ganhara vida. A sua agenda – que consistia na sua sobrevivência à custa de todos os outros, incluindo o presidente – tornou-se cada vez mais transparente. Uma vez que nos déssemos conta disso, tudo nela parecia calculado, cada frase, mesmo a de aparência mais inócua, parecia ter sido testada com um ‘focus group’ residindo dentro da sua mente. Dir-se-ia que vivia permanentemente envolta num casaco de peles invisível, exibindo o sorriso sobranceiro de quem tudo sabe, como se já tivesse arrebanhado 98 dálmatas e apenas faltassem três”. Mais à frente, Sims conta como, numa ocasião, teve acesso, ao usar o laptop de Conway, às mensagens trocadas por ela com jornalistas dos media que Trump costuma arrolar nas “fake news”: “No écran estavam sempre a surgir jornalistas do The New York Times, The Washington Post, CNN, Politico e Bloomberg. E as conversas não eram sobre as políticas do Governo nem eram tentativas para deflectir ataques ao presidente. Enquanto ali estive, ela desancou Jared Kushner, Reince Priebus, Steve Bannon e Sean Spicer, mencionando-os sempre pelo nome”.

Sobre Trump, Sims tem, sobretudo, palavras de apreço, e apenas deixa escapar uma constatação mais amarga: “Deixei que o meu relacionamento pessoal me impedisse de constatar a verdade infalível que se aplicava a todos os que não partilhassem o apelido com [o presidente]: éramos todos descartáveis”.

Apesar da luz favorável a que Sims o retratou, Trump não apreciou algumas inconfidências cometidas no livro e, assim que se inteirou de alguns excertos divulgados nos media dias antes da publicação, correu para o Twitter para 1) desqualificar o seu antigo homem de confiança como um “assistente subalterno”, um mero “tarefeiro” e um “trapalhão”; 2) desqualificar Team of vipers como “mais um livro maçador baseado em histórias inventadas e ficções”; e 3) ameaçar o autor com um processo por violação de acordo de confidencialidade (uma acusação paradoxal: se os eventos e conversas narrados no livro eram “histórias inventadas e ficções”, como poderia o autor estar a infringir um acordo de confidencialidade?).

Trump acabou por desistir do processo judicial contra Sims, os dois reconciliaram-se e, em 2020, Sims regressou à Casa Branca, agora na qualidade de adjunto do Director of National Intelligence e foi convidado para escrever discursos para o Partido Republicano. Provavelmente, Trump terá acabado por perceber que a sua reacção inicial aos excertos de Team of vipers fora precipitada e que o livro, afinal, lhe era genericamente favorável – o mesmo aconteceria em 2021 com The chief’s chief, de Mark Meadows. Afinal, seria difícil que Trump ficasse abespinhado com um livro que, a dada altura, afiança que “é praticamente impossível passar algum tempo a sós com Donald Trump e não acabar a gostar dele”.